quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Mídia Ninja e o jornalismo anacrônico

Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

O Roda Viva que entrevistou Pablo Capilé e Bruno Torturra, do Mídia Ninja, pode ser visto como uma espécie de documentário sobre o grau de anacronismo e de elitismo do jornalismo corporativo brasileiro em sua versão corrente.

Nele, uma bancada de experimentados jornalistas, cujos problemas de autoimagem se evidenciam ao longo do programa, demonstra incapacidade não apenas de compreender, mas de dialogar e reconhecer como válido um modo de fazer jornalismo que difere sobremaneira das práticas instituídas nas corporações midiáticas.

Medo do novo

Acostumados a reportagens televisivas editadas a posteriori e que obedecem a lógicas narrativas maniqueístas pré-moldadas, os entrevistadores demonstraram incapacidade de assimilar e aceitar a dinâmica fragmentária e instantânea, sem edição ex machina, instaurada pelo jornalismo ninja, embedded, com seus celulares intermitentes e o eventual contraponto feito in loco, em perguntas diretas ao interlocutor (no caso dos protestos, frequentemente o policial em atitude de agressão).

Por não reconhecerem nessa dinâmica o respeito ao preceito sagrado de sempre ouvir o outro lado – preceito este que parecem acreditar ser fielmente cumprido pelo jornalismo convencional tal como feito no Brasil -, colocam-se numa posição de superioridade ética, num processo que, além de contrariar a visão que o jornalismo hoje usufrui junto ao público, mostra-se pouco atento não só à obediência efetiva ao "ouvir o outro lado" na corporações, mas, na eventualidade de isto ocorrer, ao modo como a edição e os elementos estruturantes da notícia manipulam - e mesmo revertem - o sentido de tal contraponto.

O mito da isenção
Levando em conta tais fatores, e no contexto das relações entre mídia e politica na última década, soou no mínimo pueril a cobrança por posicionamento político-partidário que parte da bancada fez aos entrevistados, e cínica a contraposição entre o que descreveram como o ativismo engajado destes e a postura apartidária dos jornalistas-entrevistadores em seus veículos de atuação profissional.

Assim, assumindo uma injustificada postura de superioridade ética, a bancada, com a única exceção de Alberto Dines - uma alma jovem aos 81 anos de idade -, acabou por revelar-se a um tempo agressiva e temerosa. Pois, por um lado, evidenciou que tais profissionais corroboram a crença nos ditames iluministas que o jornalismo historicamente clama para si como evidência do caráter redentor de sua missão – e que as práticas, em sua maioria de origem norte-americana, ora instituídas nas corporações efetivamente constituem a forma correta de como tal efetivá-la.

Má vontade e empáfia
Porém, por outro lado, a virulência algo gratuita, o descaso ostensivo para com o novo, somado à crença risível de superioridade ética de quando em quando ostentada, mal disfarçou o despeito, a insegurança e o medo de perder o lugar no Olimpo ao qual tais jornalistas "consagrados" creem – ou fingem crer – pertencer, sabe-se lá porquê. Mesmo porque, como testemunhas e protagonistas da maior crise da história da imprensa corporativa, seja no âmbito econômico ou de credibilidade, não têm razões para justificar tanta empáfia. Ao final, soaram anacrônicos.

Há de se lamentar, pois muito haveria a ser debatido com Capilé e Torturra, particularmente no que concerne a formas e formatos do fazer jornalístico (em detrimento das intermináveis querelas sobre conteúdo) e à relação entre jornalismo, política e as movimentações populares que fizeram a fama da Mídia Ninja.

Afinal, se o Movimento Passe Livre merece ser reconhecido como o grande deflagrador das manifestações populares, à Mídia Ninja a cidadania e os Direitos Humanos devem o registro do abuso de poder e da violência desmedida empregada pela PM carioca - a qual, não fosse a corajosa ação, in loco, desses repórteres munidos tão-somente de seus celulares, certamente teria imposto à opinião pública uma versão fabricada dos acontecimentos.

Passado e futuro
Em relação ao desempenho da dupla de entrevistados, não obstante prejudicado pelos preconceitos e anacronismos da bancada, Capilé conseguiu fazer uma crítica contundente à hipocrisia reinante na Folha de S. Paulo e ambos morderam o calcanhar do Roda Viva ao comentar a demissão do ex-âncora Heródoto Barbeiro por motivos puramente políticos.

O futuro do programa, aliás, está sob risco, já que Augusto Nunes, que passou os últimos anos brincando de blogueiro pitbull da Veja, deve ser o novo apresentador do programa, numa clara operação de aparelhamento da estatal pelo PSDB, a 14 meses das eleições.

Um comentário:

  1. O ponto alto do programa foi toque sutil do Capilé à provocação de um membro da bancada:"O PSDB não tem um histórico de diálogo com movimentos sociais."E um risinho bem pasquiniano,me lembrando o Fradim,do Henfil.Tomou!

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