segunda-feira, 9 de março de 2015

O panelaço da barriga cheia e do ódio

Por Juca Kfouri, em seu blog:

Nós, brasileiros, somos capazes de sonegar meio trilhão de reais de Imposto de Renda só no ano passado.

Como somos capazes de vender e comprar DVDs piratas, cuspir no chão, desrespeitar o sinal vermelho, andar pelo acostamento e, ainda por cima, votar no Collor, no Maluf, no Newtão Cardoso, na Roseana, no Marconi Perillo ou no Palocci.

O panelaço nas varandas gourmet de ontem não foi contra a corrupção.

Foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade.

Elite branca que não se assume como tal, embora seja elite e branca.

Como eu sou.

Elite branca, termo criado pelo conservador Cláudio Lembo, que dela faz parte, não nega, mas enxerga.

Como Luís Carlos Bresser Pereira, fundador do PSDB e ex-ministro de FHC, que disse:

“Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres.

O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar.

Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente.

Não é preocupação ou medo. É ódio.

Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou.

Continuou defendendo os pobres contra os ricos.

O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres.

Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força.

Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita.

Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho.

E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.”


Nada diferente do que pensa o empresário também tucano Ricardo Semler, que ri quando lhe dizem que os escândalos do mensalão e da Petrobras demonstram que jamais se roubou tanto no país.

“Santa hipocrisia”, disse ele. “Já se roubou muito mais, apenas não era publicado, não ia parar nas redes sociais”.

Sejamos francos: tão legítimo como protestar contra o governo é a falta de senso do ridículo de quem bate panelas de barriga cheia, mesmo sob o risco de riscar as de teflon, como bem observou o jornalista Leonardo Sakamoto.

Ou a falta de educação, ao chamar uma mulher de “vaca” em quaisquer dias do ano ou no Dia Internacional da Mulher, repetindo a cafajestagem do jogo de abertura da Copa do Mundo.

Aliás, como bem lembrou o artista plástico Fábio Tremonte: “Nem todo mundo que mora em bairro rico participou do panelaço. Muitos não sabiam onde ficava a cozinha”.

Já na zona leste, em São Paulo, não houve panelaço, nem se ouviu o pronunciamento da presidenta, porque faltava luz na região, como tem faltado água, graças aos bom serviços da Eletropaulo e da Sabesp.

Dilma Rousseff, gostemos ou não, foi democraticamente eleita em outubro passado.

Que as vozes de Bresser Pereira e Semler prevaleçam sobre as dos Bolsonaros é o mínimo que se pode esperar de quem queira, verdadeiramente, um país mais justo e fraterno.

E sem corrupção, é claro!

2 comentários:

  1. Juca Kfouri foi irretocável. Das mais brilhantes análises feitas sobre a mesquinhez abominável dos que usam "propósitos impatrióticos de sabotagem aos esforços de recuperação nacional", com disse Jango em 1964.

    ResponderExcluir
  2. Juca, veja se bate uma tentativa de consolar um amigo, ex empregado das indústrias do meu avô, que está "revoltado" com esses governos. Tenho mais para dizer, afastado, e dentro de minhas convicções.
    Átila, você sabe que nasci do outro lado. Eu não estou mentindo, tenho até vergonha da vida boa que eu tive, desde criança, junto aí, de seus pais, e até hoje, sem muito esforço. Pelo menos veja se esses argumentos abaixo melhoram um pouco a sua revolta. Não existe mais partido político, mas apenas os contra e os a favor, os pobres contra os ricos. Esse governo, na situação social que vamos vivendo, pelo menos engana os pobres, melhorando um pouco as suas vidas. Você conhece cem pessoas que melhoraram de vida. Os ricos e riquinhos, ou seja, a Direita Caviar e a Direita Pão-Molhado, estão putos em pagar essa mixaria. Se colocarmos outro governo, agora, como uns querem, ou em 2018, as coisas vão explodir, nossas casas serão invadidas mesmo, nossas filhas serão atacadas. As favelas e o MST estão sendo controlados devagarzinho, com uns terrenos do Incra, com a invasão de fazendas, um esgotinho na favela, uma bolsa-esmola, uma Minha Toca-Minha Vida. Em Dolabela minha família teve a fazenda invadida há três anos, foi um inferno, os caras cagando na porta da sede, derrubando nossas mangueiras centenárias para fazer fogueira. Quem tem algo a preservar, espere com paciência. Não há gente melhor do que os Lulas para controlar a situação. Estamos brincando com fogo na beira das favelas. Te garanto que dessa vez não será como há 50 anos, o Stédile foi controlado pelos Lulas. Haverá sangue, e o sofrimento, mesmo de quem ganhar essa disputa entre pobres, ricos e riquinhos. Perderemos irmãos ou primos. As forças armadas, conclamadas pelo loucos, não ganharão uma guerrilha facilmente. Eu também tenho passado perrengue, mas não espero melhora nenhuma com governos favoráveis à minha classe social.

    ResponderExcluir

Comente: