Por Breno Altman, em seu blog:
Um espectro ronda a república, o do neoconservadorismo tupiniquim. Capaz de colocar centenas de milhares nas ruas, essa frente de grupos e opiniões é a principal novidade do cenário brasileiro.
A abordagem sobre este protagonista emergente, além de decisiva para elucidar a crise política em curso, tem dividido e confundido as forças mais tradicionais.
Os partidos clássicos da reação, liderados pelo PSDB, topam qualquer negócio para encontrar espaço na rebelião pequeno-burguesa que brota do asfalto. Do discurso ao figurino, correm para se adaptar ao movimento horizontal e extraparlamentar que rompeu o formato da política conservadora pós-ditadura.
As siglas de centro, especialmente o PMDB, fazem contas e observam a incidência desta mobilização sobre seus currais eleitorais. A fração mais à direita desse bloco, encarnada por Eduardo Cunha, trata de flertar com franjas extremas do antipetismo. Impulsiona temas como redução da maioridade penal e rechaço à ampliação de direitos civis, a parte se apresentar como bastião de resistência contra a esquerda.
As legendas progressistas, particularmente o PT e seu governo, vivem um dilema. Como analisar e enfrentar esta onda de protestos que inutiliza a estratégia de conciliação levada a cabo desde a vitória de 2002?
Suposto “centrismo”
O entendimento que parece predominar no Palácio do Planalto foi exposto pelo ministro José Eduardo Martins Cardozo na desastrosa entrevista do dia 15 de março, durante a qual classificou as manifestações como “democráticas” e ofereceu a seus participantes o compromisso de diálogo.
Alguns analistas de prestígio também se somam a esta versão, recorrendo a pesquisas de opinião e insistindo em caracterizar o predomínio de suposta posição “centrista” entre os manifestantes do dia 15 de março.
Por exemplo, o professor André Singer, um dos principais intelectuais petistas, porta-voz do ex-presidente Lula entre 2003 e 2007, em recente entrevista à revista Época, refutou que a direita fosse corrente hegemônica na avenida Paulista e que a natureza da mobilização tenha sido golpista.
Salta à vista um problema metodológico, antes de mais nada: não resiste ao crivo da história a relevância que tais pontos de vista dão às estatísticas da multidão.
Se tivesse sido feito levantamento entre os participantes das marchas com Deus e a Família, em 1964, provavelmente a maioria se declararia a favor da democracia e se identificaria ao centro. Ainda assim, foram aquelas passeatas que forneceram base de massas para o golpe militar e a ditadura de 21 anos.
Pesquisas são ciência descritiva, fotografias momentâneas da dinâmica social. Podem servir de apoio à análise política, mas constituem elemento coadjuvante. O essencial é entender o rumo das forças protagonistas, seu programa, enlaces de classe e objetivos.
Todas as principais organizações responsáveis pelo 15M brasileiro estavam unificadas por duas palavras de ordem bastante simples: “Fora Dilma” e “Fora PT”. O segredo de sua unidade foi deixar em segundo plano qual o instrumento para realizar esse objetivo: impeachment, intervenção das Forças Armadas, renúncia presidencial ou sangria até as eleições de 2018.
O elemento aglutinador é uma razia contra a esquerda, os valores e projetos que representa, ainda que às custas de desfecho anticonstitucional ou golpe parlamentar.
Contra-ataque progressista
Não estamos diante de mobilização com caráter reivindicatório. Trata-se de ofensiva pelo poder de Estado, em busca do qual a quebra da ordem democrática e a violação da soberania popular são possibilidades anunciadas.
Talvez a jornada do dia 12 de abril revele algum arrefecimento do levante reacionário, mas o ovo da serpente está sendo chocado.
Estamos vivendo, afinal, desabrochar político semelhante ao vivido por outros países, como os casos do Tea Party norte-americano e o Front National francês, nos quais setores médios e segmentos de trabalhadores com maior renda validam alternativa de ultra-direita contra a crise capitalista.
Definitivamente distantes da burguesia financeira, industrial e rural que concentra a acumulação de riquezas, estas camadas sentem-se usurpadas por um Estado que lhes impõe forte peso tributário e transfere a maioria desses recursos para programas de proteção e ascensão dos mais pobres.
Não é à toa que o mantra da luta contra a corrupção lhes seja tão cativante: classificar a ação do poder público como um roubo aos contribuintes, apropriando-se de desvios reais para construir sua narrativa, tem realmente maior fluência que a denúncia de políticas distributivistas capazes de provocar o desalento e a raiva entre estes agrupamentos sociais.
Esta nova direita, que arrasta a velha reação, sem maiores compromissos com o jogo político formal, extrapola o conservadorismo liberal, funde-se com aspectos do fascismo e está fora do campo republicano, representando ameaça ao regime de liberdades.
Deveria ser enfrentada, portanto, a partir de tal constatação, com a impulsão de contra-ataque progressista nas ruas, discurso permanente à opinião pública e ação legal contra quem comete crime de apologia à sublevação armada.
Louvável a preocupação dos que desejam separar o joio do trigo, afastando da empreitada os gaiatos do navio. Mas não se afasta democratas desavisados de manifestações golpistas, afinal, sem deixar claro a arapuca para a qual foram arrastados.
Complacência e leniência diante desta escalada neoconservadora, tratando-a como se fosse parte legítima da vida democrática, pode se constituir em erro fatal.
Não apenas ou principalmente por facilitar, agindo assim, a atividade de pescadores em águas turvas, mas centralmente porque abdicar de responder fogo contra fogo pode pavimentar a trilha para um longo período de retrocesso, no qual o bloco conservador estenda e consolide sua hegemonia por todos os poros do Estado e da sociedade.
Um espectro ronda a república, o do neoconservadorismo tupiniquim. Capaz de colocar centenas de milhares nas ruas, essa frente de grupos e opiniões é a principal novidade do cenário brasileiro.
A abordagem sobre este protagonista emergente, além de decisiva para elucidar a crise política em curso, tem dividido e confundido as forças mais tradicionais.
Os partidos clássicos da reação, liderados pelo PSDB, topam qualquer negócio para encontrar espaço na rebelião pequeno-burguesa que brota do asfalto. Do discurso ao figurino, correm para se adaptar ao movimento horizontal e extraparlamentar que rompeu o formato da política conservadora pós-ditadura.
As siglas de centro, especialmente o PMDB, fazem contas e observam a incidência desta mobilização sobre seus currais eleitorais. A fração mais à direita desse bloco, encarnada por Eduardo Cunha, trata de flertar com franjas extremas do antipetismo. Impulsiona temas como redução da maioridade penal e rechaço à ampliação de direitos civis, a parte se apresentar como bastião de resistência contra a esquerda.
As legendas progressistas, particularmente o PT e seu governo, vivem um dilema. Como analisar e enfrentar esta onda de protestos que inutiliza a estratégia de conciliação levada a cabo desde a vitória de 2002?
Suposto “centrismo”
O entendimento que parece predominar no Palácio do Planalto foi exposto pelo ministro José Eduardo Martins Cardozo na desastrosa entrevista do dia 15 de março, durante a qual classificou as manifestações como “democráticas” e ofereceu a seus participantes o compromisso de diálogo.
Alguns analistas de prestígio também se somam a esta versão, recorrendo a pesquisas de opinião e insistindo em caracterizar o predomínio de suposta posição “centrista” entre os manifestantes do dia 15 de março.
Por exemplo, o professor André Singer, um dos principais intelectuais petistas, porta-voz do ex-presidente Lula entre 2003 e 2007, em recente entrevista à revista Época, refutou que a direita fosse corrente hegemônica na avenida Paulista e que a natureza da mobilização tenha sido golpista.
Salta à vista um problema metodológico, antes de mais nada: não resiste ao crivo da história a relevância que tais pontos de vista dão às estatísticas da multidão.
Se tivesse sido feito levantamento entre os participantes das marchas com Deus e a Família, em 1964, provavelmente a maioria se declararia a favor da democracia e se identificaria ao centro. Ainda assim, foram aquelas passeatas que forneceram base de massas para o golpe militar e a ditadura de 21 anos.
Pesquisas são ciência descritiva, fotografias momentâneas da dinâmica social. Podem servir de apoio à análise política, mas constituem elemento coadjuvante. O essencial é entender o rumo das forças protagonistas, seu programa, enlaces de classe e objetivos.
Todas as principais organizações responsáveis pelo 15M brasileiro estavam unificadas por duas palavras de ordem bastante simples: “Fora Dilma” e “Fora PT”. O segredo de sua unidade foi deixar em segundo plano qual o instrumento para realizar esse objetivo: impeachment, intervenção das Forças Armadas, renúncia presidencial ou sangria até as eleições de 2018.
O elemento aglutinador é uma razia contra a esquerda, os valores e projetos que representa, ainda que às custas de desfecho anticonstitucional ou golpe parlamentar.
Contra-ataque progressista
Não estamos diante de mobilização com caráter reivindicatório. Trata-se de ofensiva pelo poder de Estado, em busca do qual a quebra da ordem democrática e a violação da soberania popular são possibilidades anunciadas.
Talvez a jornada do dia 12 de abril revele algum arrefecimento do levante reacionário, mas o ovo da serpente está sendo chocado.
Estamos vivendo, afinal, desabrochar político semelhante ao vivido por outros países, como os casos do Tea Party norte-americano e o Front National francês, nos quais setores médios e segmentos de trabalhadores com maior renda validam alternativa de ultra-direita contra a crise capitalista.
Definitivamente distantes da burguesia financeira, industrial e rural que concentra a acumulação de riquezas, estas camadas sentem-se usurpadas por um Estado que lhes impõe forte peso tributário e transfere a maioria desses recursos para programas de proteção e ascensão dos mais pobres.
Não é à toa que o mantra da luta contra a corrupção lhes seja tão cativante: classificar a ação do poder público como um roubo aos contribuintes, apropriando-se de desvios reais para construir sua narrativa, tem realmente maior fluência que a denúncia de políticas distributivistas capazes de provocar o desalento e a raiva entre estes agrupamentos sociais.
Esta nova direita, que arrasta a velha reação, sem maiores compromissos com o jogo político formal, extrapola o conservadorismo liberal, funde-se com aspectos do fascismo e está fora do campo republicano, representando ameaça ao regime de liberdades.
Deveria ser enfrentada, portanto, a partir de tal constatação, com a impulsão de contra-ataque progressista nas ruas, discurso permanente à opinião pública e ação legal contra quem comete crime de apologia à sublevação armada.
Louvável a preocupação dos que desejam separar o joio do trigo, afastando da empreitada os gaiatos do navio. Mas não se afasta democratas desavisados de manifestações golpistas, afinal, sem deixar claro a arapuca para a qual foram arrastados.
Complacência e leniência diante desta escalada neoconservadora, tratando-a como se fosse parte legítima da vida democrática, pode se constituir em erro fatal.
Não apenas ou principalmente por facilitar, agindo assim, a atividade de pescadores em águas turvas, mas centralmente porque abdicar de responder fogo contra fogo pode pavimentar a trilha para um longo período de retrocesso, no qual o bloco conservador estenda e consolide sua hegemonia por todos os poros do Estado e da sociedade.
A máfia midiática não poupou esforços na convocação, especialmente a TV GLOBO ! Apologia a golpe é isso aí. Enquanto isso a regulação da mídia vai ter que esperar Eduardo Cunha sair da presidência da Câmara dos Deputados para que essa matéria venha a ser posta na pauta do Congresso.
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