terça-feira, 21 de julho de 2015

Euro, austeridade e decadência europeia

Por Emir Sader, na Revista do Brasil:

O momento de virada da Europa para sua rota de decadência pode ser localizada na impotência em impedir o surgimento do nazismo e do fascismo no seu seio e na incapacidade para derrotá-los. Teve de contar com a intervenção dos Estados Unidos e da União Soviética, o que consolidou seu processo de decadência, iniciada realmente com o fim da longa hegemonia britânica e na superação da Alemanha pelos Estados Unidos na disputa do lugar deixado vazio pela Grã-Bretanha.

O projeto da União Europeia aparecia como uma recuperação de protagonismo em escala mundial, pela multiplicação da força de cada um dos seus países. Foi um longo processo, conduzido pela Alemanha e pela França, indicando como a Grã-Bretanha não ocuparia lugar de primeira linha nesse processo. A longa aliança com os Estados Unidos, originada depois da própria guerra de independência norte-americana, não se deixou afetar pela unidade europeia, consolidando-se ao longo das últimas décadas como eixo da hegemonia norte-americana no mundo.

Depois de longas negociações, a União Europeia convergiu para a criação do euro, como expressão monetária do que se pretendia que fosse o símbolo da promoção da Europa a novo continente protagonista da política mundial – depois da consolidação da influência norte-americana no Velho Continente, pela participação decisiva na Segunda Guerra e na sua reconstrução. As consultas nacionais de adesão à unificação europeia apontavam, por sua vez, para o caráter que ela teria. 

A questão colocada para os europeus dos distintos países não era se aprovariam ou não a unidade europeia, mas se desejariam o euro como moeda única. Isto é, impunha-se já um caráter monetarista à unificação. Cada vez que um país rejeitava a proposta, eram feitas novas consultas, acompanhadas de fortes pressões e ameaças sobre as desgraças que recairiam sobre os que estivessem ausentes da unificação.

Lançado o euro, houve um curto momento de lua de mel diante do dólar, para logo cair na sua cotação. Mas a maior prova veio com o começo da longa crise econômica internacional, há sete anos. Foi o momento em que a Alemanha se aproveitou para consolidar sua hegemonia, usando a bandeira das políticas de austeridade. A virada para a austeridade consolidou modelos neoliberais em todos os países do euro. A recessão se tornou profunda e prolongada, enquanto a Europa destruía sua mais generosa construção: o Estado de bem-estar social. País a país, os direitos dos setores mais frágeis – imigrantes, pobres, idosos – foram sendo expropriados, concentrando a renda em torno dos sistemas bancário e financeiro, como a Europa nunca havia conhecido.

Comprometidos ambos com a unificação, o euro e a austeridade, os partidos que até ali representavam a direita e a esquerda – social-democracia por um lado, conservadores por outro – entraram em um processo de enfraquecimento, de crise de representação. Cada eleição é um pânico, porque eles sabem que se debilitarão cada vez mais.

Como em vários casos foi a própria social-democracia a dar início às políticas de austeridade – como na Espanha –, ambas as correntes se viram abraçadas na direção do fundo do poço. Surgiram explosões fora do bipartidismo, até que ficou configurado que as forças emergentes eram as que protagonizavam a resistência à austeridade. Onde a esquerda teve esse papel surgiram novas forças, Syriza e Podemos, na Grécia e na Espanha. Em outros, como França, Grã-Bretanha, Áustria, Noruega, Finlândia, Dinamarca, foram partidos extremistas de direita os que despontaram.

O que é certo é que a Europa sairá da crise atual, quando sair, muito transformada. No plano político – dada a crise aberta do bipartidismo e o surgimento de novas forças, de esquerda e de extrema-direita – e no plano social, com muito mais desigualdade e concentração de renda.

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