Por João Feres Júnior, na revista CartaCapital:
O efeito dos meios de comunicação é o Santo Graal de todos os pesquisadores da área de mídia e política. É claro que sabemos que ela tem efeito sobre a formação de opinião, pois a quase totalidade das informações sobre política que os eleitores recebem em sociedades complexas como a nossa advém da mídia.
Ao mesmo tempo, é muito difícil estimar com precisão a intensidade desse efeito. A edição do debate entre Lula e Fernando Collor no Jornal Nacional às vésperas do segundo turno da eleição de 1989 foi decisiva para o resultado final da disputa? Provavelmente sim, mas nunca saberemos se foi fator decisivo.
Por outro lado, parece líquido e certo que a mídia brasileira teve papel importante no sucesso da campanha para remover Dilma Rousseff da Presidência da República, movendo-lhe campanha negativa de intensidade nunca antes recebida por um político em nosso país depois do fim da ditadura.
O fato de o efeito da mídia ser difícil de estimar não cancela outro fato muito importante: a mídia tem se esforçado, eleição após eleição, para produzir efeitos eleitorais, quase sem exceção contra candidatos de esquerda e a favor de seus opositores, da direita ou centro-direita.
Nas eleições presidenciais da Nova República esses papéis têm sido desempenhados por PT e PSDB, ao menos até 2014. Eleição após eleição vimos a liderança das pesquisas ocupadas por candidatos petistas e peessedebistas, e os meios de comunicação se esforçando para favorecer as candidaturas tucanas.
O pleito de 2018 parece ter rompido com esse paradigma. Primeiramente, Geraldo Alckmin, do PSDB, a despeito da ampla aliança partidária que o sustenta, não consegue alavancar suas intenções de voto e quebrar a barreira do dígito único, tão importante para ser competitivo no primeiro turno.
Os outros candidatos da direita e centro-direita, João Amôedo, Henrique Meirelles e Álvaro Dias, nasceram nanicos e, como indicam os resultados da última pesquisa do Ibope de 18 de setembro, estão em pleno processo de encolhimento, provavelmente devido a uma certa antecipação do segundo turno por parte dos eleitores conservadores. Assim, sobra Jair Bolsonaro, candidato de extrema-direita que até agora tem recebido cobertura bastante negativa da imprensa.
A quebra de paradigma tem razões mais profundas, relacionadas ao comportamento pregresso da própria mídia. Se examinarmos o perfil da cobertura nos dados da base do Manchetômetro, veremos que sequer houve uma tentativa de promover Alckmin.
Ao contrário, o número de matérias negativas sobre ele aumentou muito ao nos aproximarmos do período de campanha, prática que não ocorreu com outros candidatos do PSDB em pleitos anteriores. E essa cobertura negativa está ligada a denúncias de corrupção. Só para citar um exemplo, a entrevista dele com os âncoras do Jornal Nacional foi dominada pelo tema da corrupção, em intensidade somente inferior à entrevista de Haddad.
No paradigma original, PT contra PSDB, a mídia operava basicamente por meio da exploração de escândalos contra o PT ao passo que dedicava uma cobertura neutra aos tucanos, deixando de explorar escândalos do partido mesmo quando eles vieram à público, como em 2014.
Contudo, ao longo processo de criminalização da política promovida desde o mensalão até os dias de hoje, com sua intensificação sob o signo da Lava Jato, a imprensa foi progressivamente se descolando da direita política e se aliando a burocracias de Estado, Judiciário e Ministério Público.
É isso que explica o fato de vermos o PSDB ser lançado na vala comum da criminalização da política, onde antes estava somente o PT. A aposta dos tucanos em uma aliança com a mídia e as burocracias de Estado para derrubar o petismo por vias extra-eleitorais, o que muitos chamam simplesmente de golpe, acabou voltando para lhes morder o traseiro, como dizem nossos “irmãos” daquele grande país do norte.
Agora, contudo, tenho a impressão de que é a vez da mídia ter seu traseiro mordido em razão de suas próprias escolhas. Ao apostar na criminalização da política de maneira tão intensa, ela terminou por minimizar sua capacidade de produzir efeito eleitoral.
Vejamos. Seu principal instrumento de produção desse efeito era o uso dos escândalos de corrupção de maneira dosada e enviesada, como dito acima.
Agora, todos os políticos de “partidos tradicionais” estão na vala comum da criminalização e o próprio tema da corrupção atingiu tal saturação que é dubitável que ainda seja efetivo na conquista de votos.
A solução possível para essa cilada em que a mídia meteu a si própria seria um candidato outsider, mas esses aos poucos foram descartados do processo eleitoral. Joaquim Barbosa desistiu cedo, Luciano Hulk nem entrou, Marina Silva, possível opção, agora disputa com Geraldo Alckmin o apelido jocoso de Walking Dead, referência a uma série norte-americana que retrata a vida de um grupo de personagens durante um apocalipse zumbi.
Sobra o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, produto direto da criminalização da política. Sim, Bolsonaro encarna todos os chavões da anti-política, inclusive o do outsider, a despeito da flagrante hipocrisia dessa pretensão. Ele é a criatura e a mídia, a criadora. Ele teria a relevância de um Enéas se a imagem da política não tivesse sido sistematicamente dilapidada pelos meios de comunicação em colaboração com tucanos e aliados.
Para insistir na sua missão de tentar influenciar o resultado eleitoral, a mídia é forçada a escolher entre o apoio a Bolsonaro ou a Haddad. No primeiro caso incorreria em risco grande, pois o candidato parece ser inconfiável, não tem partido ou base social organizada e já manifestou várias vezes disposição de atacar frontalmente sua criadora. Pior ainda, defende uma pauta de valores tão conservadora que deixaria boa parte da imprensa em posição bastante incômoda frente a seus consumidores.
O apoio a Haddad é algo quase impensável, devido à história pregressa da relação entre mídia e PT. Contudo, um pacto de não agressão com os meios que mais rejeitam o autoritarismo e o obscurantismo programáticos de Bolsonaro talvez seja possível. Isso implicaria em uma reavaliação da atual aliança entre esses meios e as burocracias de Estado.
Nenhuma das opções é tranquila para os meios de comunicação. Aqueles que conhecem sua história não têm razões para otimismo. Fato é que, no jogo de destruição institucional em que o País foi metido, todos perdem e muito.
Ao mesmo tempo, é muito difícil estimar com precisão a intensidade desse efeito. A edição do debate entre Lula e Fernando Collor no Jornal Nacional às vésperas do segundo turno da eleição de 1989 foi decisiva para o resultado final da disputa? Provavelmente sim, mas nunca saberemos se foi fator decisivo.
Por outro lado, parece líquido e certo que a mídia brasileira teve papel importante no sucesso da campanha para remover Dilma Rousseff da Presidência da República, movendo-lhe campanha negativa de intensidade nunca antes recebida por um político em nosso país depois do fim da ditadura.
O fato de o efeito da mídia ser difícil de estimar não cancela outro fato muito importante: a mídia tem se esforçado, eleição após eleição, para produzir efeitos eleitorais, quase sem exceção contra candidatos de esquerda e a favor de seus opositores, da direita ou centro-direita.
Nas eleições presidenciais da Nova República esses papéis têm sido desempenhados por PT e PSDB, ao menos até 2014. Eleição após eleição vimos a liderança das pesquisas ocupadas por candidatos petistas e peessedebistas, e os meios de comunicação se esforçando para favorecer as candidaturas tucanas.
O pleito de 2018 parece ter rompido com esse paradigma. Primeiramente, Geraldo Alckmin, do PSDB, a despeito da ampla aliança partidária que o sustenta, não consegue alavancar suas intenções de voto e quebrar a barreira do dígito único, tão importante para ser competitivo no primeiro turno.
Os outros candidatos da direita e centro-direita, João Amôedo, Henrique Meirelles e Álvaro Dias, nasceram nanicos e, como indicam os resultados da última pesquisa do Ibope de 18 de setembro, estão em pleno processo de encolhimento, provavelmente devido a uma certa antecipação do segundo turno por parte dos eleitores conservadores. Assim, sobra Jair Bolsonaro, candidato de extrema-direita que até agora tem recebido cobertura bastante negativa da imprensa.
A quebra de paradigma tem razões mais profundas, relacionadas ao comportamento pregresso da própria mídia. Se examinarmos o perfil da cobertura nos dados da base do Manchetômetro, veremos que sequer houve uma tentativa de promover Alckmin.
Ao contrário, o número de matérias negativas sobre ele aumentou muito ao nos aproximarmos do período de campanha, prática que não ocorreu com outros candidatos do PSDB em pleitos anteriores. E essa cobertura negativa está ligada a denúncias de corrupção. Só para citar um exemplo, a entrevista dele com os âncoras do Jornal Nacional foi dominada pelo tema da corrupção, em intensidade somente inferior à entrevista de Haddad.
No paradigma original, PT contra PSDB, a mídia operava basicamente por meio da exploração de escândalos contra o PT ao passo que dedicava uma cobertura neutra aos tucanos, deixando de explorar escândalos do partido mesmo quando eles vieram à público, como em 2014.
Contudo, ao longo processo de criminalização da política promovida desde o mensalão até os dias de hoje, com sua intensificação sob o signo da Lava Jato, a imprensa foi progressivamente se descolando da direita política e se aliando a burocracias de Estado, Judiciário e Ministério Público.
É isso que explica o fato de vermos o PSDB ser lançado na vala comum da criminalização da política, onde antes estava somente o PT. A aposta dos tucanos em uma aliança com a mídia e as burocracias de Estado para derrubar o petismo por vias extra-eleitorais, o que muitos chamam simplesmente de golpe, acabou voltando para lhes morder o traseiro, como dizem nossos “irmãos” daquele grande país do norte.
Agora, contudo, tenho a impressão de que é a vez da mídia ter seu traseiro mordido em razão de suas próprias escolhas. Ao apostar na criminalização da política de maneira tão intensa, ela terminou por minimizar sua capacidade de produzir efeito eleitoral.
Vejamos. Seu principal instrumento de produção desse efeito era o uso dos escândalos de corrupção de maneira dosada e enviesada, como dito acima.
Agora, todos os políticos de “partidos tradicionais” estão na vala comum da criminalização e o próprio tema da corrupção atingiu tal saturação que é dubitável que ainda seja efetivo na conquista de votos.
A solução possível para essa cilada em que a mídia meteu a si própria seria um candidato outsider, mas esses aos poucos foram descartados do processo eleitoral. Joaquim Barbosa desistiu cedo, Luciano Hulk nem entrou, Marina Silva, possível opção, agora disputa com Geraldo Alckmin o apelido jocoso de Walking Dead, referência a uma série norte-americana que retrata a vida de um grupo de personagens durante um apocalipse zumbi.
Sobra o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, produto direto da criminalização da política. Sim, Bolsonaro encarna todos os chavões da anti-política, inclusive o do outsider, a despeito da flagrante hipocrisia dessa pretensão. Ele é a criatura e a mídia, a criadora. Ele teria a relevância de um Enéas se a imagem da política não tivesse sido sistematicamente dilapidada pelos meios de comunicação em colaboração com tucanos e aliados.
Para insistir na sua missão de tentar influenciar o resultado eleitoral, a mídia é forçada a escolher entre o apoio a Bolsonaro ou a Haddad. No primeiro caso incorreria em risco grande, pois o candidato parece ser inconfiável, não tem partido ou base social organizada e já manifestou várias vezes disposição de atacar frontalmente sua criadora. Pior ainda, defende uma pauta de valores tão conservadora que deixaria boa parte da imprensa em posição bastante incômoda frente a seus consumidores.
O apoio a Haddad é algo quase impensável, devido à história pregressa da relação entre mídia e PT. Contudo, um pacto de não agressão com os meios que mais rejeitam o autoritarismo e o obscurantismo programáticos de Bolsonaro talvez seja possível. Isso implicaria em uma reavaliação da atual aliança entre esses meios e as burocracias de Estado.
Nenhuma das opções é tranquila para os meios de comunicação. Aqueles que conhecem sua história não têm razões para otimismo. Fato é que, no jogo de destruição institucional em que o País foi metido, todos perdem e muito.
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