sexta-feira, 15 de maio de 2020

O general Mourão e a escalada ditatorial

Por Jeferson Miola, em seu blog:                     

No artigo Limites e responsabilidades [Estadão, 14/5] o vice-presidente Hamilton Mourão não cita uma única vez Bolsonaro e, como na peça Entre quatro paredes de Jean-Paul Sartre, ele proclama que “o inferno são os outros”.

Mourão culpa pelo “desastre” do país todo o mundo exterior ao “quarto fechado” em que o governo militar se encerra. Para ele, o inferno [inimigos] são imprensa, legislativo, judiciário, governadores, cientistas, intelectuais, oposição …

Há quem entenda que o vice-presidente quis mostrar credenciais para substituir Bolsonaro na eventualidade de afastamento dele pelo Congresso ou pelo Supremo.

Mourão, porém, não só eximiu Bolsonaro e o governo de responsabilidades, como culpou e ameaçou os outros pelo desastre. No subtexto, que parece representar o sentimento reinante nas Forças Armadas, Mourão implicitamente sinaliza a perspectiva de escalada ditatorial com Bolsonaro. É importante sublinhar: Mourão defende uma ditadura com Bolsonaro, não uma ditadura sem Bolsonaro ou apesar do Bolsonaro.

A turbulência política, o colapso social e a conjunção das catástrofes econômica, política e sanitária deverão acelerar a escalada autoritária. A resposta ao caos será a ordem e a autoridade imposta pelos militares, como rezam os manuais castrenses.

A blindagem do Bolsonaro na Câmara já foi comprada com a entrega de fatia bilionária do orçamento a deputados do hiper-corrupto Centrão. Com isso, a autorização para o julgamento dele tanto pelo Congresso [crimes de responsabilidade] como pelo Supremo [crimes comuns] fica bloqueada, pois hoje a Câmara não tem os 342 votos [2/3 dos 513] para autorizar o início dos processos.

Os atos inconstitucionais que pedem intervenção militar, fechamento do Congresso e do STF, e nos quais o próprio presidente da República participa, não são rechaçados pelo comandante do Exército e pelo ministro da Defesa, como seria esperável. E os militares desprezaram várias ocasiões para afastar categoricamente as suspeitas de que estão conspirando para a ruptura institucional.

Numa delas, em 19 de abril, dia do Exército, em frente ao Quartel-General do Exército, Bolsonaro proclamou que “a Constituição sou eu!”, para sua matilha que mostrava faixas com pedido de “intervenção militar com Bolsonaro no poder”. É sintomático que terroristas tenham tido consentimento para bloquear a rua do Quartel-General do Exército, área de segurança nacional, para atacar a Constituição e os poderes de Estado [aqui e aqui].

Outra ocasião foi em 3 de maio. Naquele domingo, depois de prestigiar da rampa do Planalto sua matilha fascista pedir o fechamento do STF e do Congresso e agredir jornalistas, Bolsonaro bradou: “chegamos no limite. Acabou a paciência”, “as Forças Armadas estão ao nosso lado”.

No dia seguinte, o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva divulgou nota em que condenou a agressão a jornalistas mas, em termos práticos, referendou os ataques de Bolsonaro à Constituição [aqui].

A democracia, para se manter, dispensa declarações de militares a favor do Estado de Direito, porque a presença deles na arena política é incorreta e, além disso, eles não são tutores ou guardiões da democracia, embora tutelem o presidente do STF Dias Toffoli. O que se exige dos militares, se eles de fato não estão participando de conspiração contra a Constituição, é que rechacem toda e qualquer evocação conspirativa feita em nome das próprias Forças Armadas.

É nítida a simbiose entre Bolsonaro e militares. O genocida sociopata é o rosto político mais popular do “partido militar” que foi sendo organizado discretamente na caserna durante os últimos 35 anos, num processo de politização e ideologização sistemático das tropas. O engajamento político dos militares deu um salto considerável com a participação deles em controvertidas missões internacionais.

As vivências como “governantes armados” do Haiti e do Congo aumentaram a autoconfiança, o apetite por poder e a aspiração política em voltar a governar o Brasil na mesma perspectiva autoritária e de contenção social aprendida naquelas experiências.

O artigo do Mourão, neste sentido, está em linha com a estratégia de militarização da política e do Estado, e de aprofundamento do poder militar. Mourão continua coerente com a visão antidemocrática exposta na campanha eleitoral de 2018.

Em debates à época, ele defendeu a elaboração de nova Constituição por uma comissão de notáveis. Afinal, “uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, disse ele. E ele defendeu, também, a hipótese de um “autogolpe” do Bolsonaro com o apoio das Forças Armadas:

“Quando você vê que o país está indo para uma anomia, na anarquia generalizada, que não há mais respeito pela autoridade, grupos armados andando pela rua… […] As Forças Armadas têm responsabilidade de garantir que o país se mantenha em funcionamento. Cruzamos os braços e deixamos que o país afunde?”.

O caos metódico produzido por Bolsonaro, que será aprofundado com a radicalização da política irresponsável e criminosa no enfrentamento da pandemia com a substituição do ministro da saúde Nelson Teich, poderá finalmente criar o ambiente de “anomia, anarquia generalizada, que não há mais respeito pela autoridade, grupos armados andando pela rua …” para que os militares entrem em campo para “garantir a ordem”.

Esse clima fabricado pelo próprio governo genocida poderá servir de álibi para a perpetração do golpe fatal e para a instauração de nova ditadura militar.

A Globo, a Lava Jato, FHC, Aécio, Temer, a oligarquia golpista e malta canalha estão devendo um pedido de desculpas ao povo brasileiro por jogarem o país no precipício fascista.

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