domingo, 21 de fevereiro de 2010

O que a imprensa não fala sobre a Venezuela?

Reproduzo artigo de Mário Augusto Jakobskind, intitulado “O que a imprena conservadora silencia sobre a Venezuela”, publicado no Observatório da Imprensa:



A República Bolivariana da Venezuela segue na ordem do dia da mídia. Quem acompanha o noticiário diário das TVs brasileiras e alguns dos jornalões tem a impressão que o país está à beira do caos e por lá vigora a mais ferrenha obstrução aos órgãos de imprensa privados. Mas há quem não tenha essa leitura sobre o país vizinho, que no próximo mês de setembro elegerá os integrantes da Assembléia Nacional.

José Gregorio Nieves, secretário da organização não-governamental Jornalistas pela Verdade, informou recentemente a representantes da União Européia que circularam em Caracas que nos últimos 11 anos, correspondente exatamente à ascensão do presidente Hugo Chávez, houve um avanço na democratização da comunicação na Venezuela. Ele baseia as suas informações em números. Segundo Nieves, há atualmente um total de 282 meios alternativos de rádios e televisões onde a população que não tinha voz agora tem.

Houve, inclusive, um aumento da democratização do acesso aos meios de comunicação. Até 1998, ou seja, no período em que a Venezuela era governada em revezamento, ora pela Ação Democrática (linha social-democrata), ora pela Copei (linha social cristã), não havia permissão para o funcionamento de veículos comunitários. No país existiam apenas 33 radiodifusores privados e 11 públicos, todos eles avaliados pela Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel).

Que seja ouvido o outro lado

Hoje, ainda segundo informação prestada por Nieves a representantes da UE, as concessões privadas em FM chegam a 471 emissoras, sendo 245 comunitárias e 82 de caráter público. Na área da televisão, o total de canais abertos privados até 1998 era de 31 particulares e oito públicos. Atualmente, a Conatel concedeu concessões a 65 canais privados, 37 comunitários e 12 públicos.

A lógica desses números contradiz, na prática, a campanha midiática de denúncia de falta de liberdade de imprensa. Seria pouco lógico que num período em que aumentaram as concessão de rádio e TV para a área privada o governo restringisse os passos das referidas empresas.

O secretário de organização dos Jornalistas pela Verdade informou ainda que a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão permitiu o fortalecimento dos produtores nacionais independentes. Nieves fez questão de assinalar que a ONG que ele representa rejeita a manipulação contra o governo bolivariano que ocorre em âmbito da UE e em outros fóruns.

É importante que os leitores e telespectadores brasileiros tenham acesso a outros canais de informação e não aos de sempre, apresentados diariamente pelos grandes meios de comunicação vinculados à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Em outros termos: que seja ouvido o outro lado, para que não prevaleça, como tem acontecido, o esquema do pensamento único.

RCTV é confirmada como produtora nacional

Para se ter uma idéia de como funciona o mecanismo do pensamento único, no próximo dia 1º de março, em São Paulo, o Instituto Millenium estará promovendo um seminário sobre "Liberdade de Expressão" que contará com a participação, entre outros, do presidente da RCTV venezuelana, Marcel Garnier, do colunista das Organizações Globo Arnaldo Jabor, do sociólogo Demetrio Magnoli, do jornalista Reinaldo Azevedo, da Veja, e de Carlos Alberto Di Franco, membro da seita Opus Dei.

O Instituto Millenium é dirigido, segundo informa o jornal Brasil de Fato, por Patrícia Carlos de Andrade, ex-mulher do ex-diretor do Banco Central no período FHC, Armínio Fraga, e filha do falecido jornalista Evandro Carlos de Andrade, que a partir de 1995 coordenou a Central Globo de Jornalismo. Os mediadores do seminário serão três profissionais de imprensa das Organizações Globo: o diretor Luís Erlanger, o repórter Tonico Pereira e o âncora William Waack.

Já se pode imaginar o tipo de crítica ao governo venezuelano que vem por aí. Vão lamentar a suspensão de seis emissoras de TV a cabo, mas provavelmente deixarão de mencionar, como tem feito a mídia conservadora, que cinco desses canais já retornaram ao ar porque deram as informações necessárias solicitadas pela Conatel. Quanto à RCTV, que se julga internacional, a Conatel confirmou a classificação do canal de TV a cabo como produtora nacional, o que conseqüentemente a obriga a acatar as leis do país. Se fizer isso, poderá voltar ao ar. Se não o fizer, Marcel Garnier continuará circulando por países da América Latina para denunciar a "falta de liberdade de imprensa no país de Chávez".

Sem contraponto

Ah, sim: nestes dias, o governo do Uruguai, cujo presidente, Tabaré Vázquez, encerra o mandato na mesma data do seminário promovido pelo Instituto Millenium, anunciou que vai punir dezenas de emissoras de rádio que se recusaram a entrar na cadeia nacional obrigatória em que o chefe do Executivo uruguaio informava a população sobre questões relacionadas aos direitos humanos. Os jornalões e as TVs brasileiros não deram uma linha sobre o fato, ao contrário do que aconteceu quando a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) da Venezuela decidiu suspender emissoras de rádio que estavam em situação irregular.

Por estas e muitas outras é que os leitores e telespectadores brasileiros e da América Latina de um modo geral recebem informações sobre a Venezuela apenas com base do que dizem os inimigos da Revolução Bolivariana. Não há contraponto.

Cuba é uma ditadura?

Reproduzo abaixo artigo de Breno Altman, jornalista e diretor do sítio Opera Mundi, polemizando com o novo presidente nacional do PT sobre a complexa e rica experiência cubana:


O novo presidente do PT, José Eduardo Dutra, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues (Folha de S.Paulo), no último dia 11/02, respondeu afirmativamente à pergunta que faz as vezes de título desse artigo. Com ressalvas de contexto, identificando no longo bloqueio norte-americano uma das causas do que chamou de “fechamento político”, Dutra assumiu a mesma definição dos setores conservadores quando abordam a natureza do regime político existente na ilha caribenha.

Essa discussão é um capítulo importante na agenda da contra-ofensiva à hegemonia do pensamento de direita. Afinal, a possibilidade do socialismo foi estabelecida pelos centros hegemônicos não apenas como economicamente inviável e trágica, mas também como intrinsecamente autoritária.

Quando o colapso da União Soviética permitiu aos formuladores do campo vitorioso declarar o capitalismo e a economia de livre-mercado como o final da história, de lambuja também fixaram o sistema político vigente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos como a única alternativa democrática aceitável.

Não foram poucos os quadros de esquerda que assumiram esse conceito como universal e abdicaram da crítica ao funcionamento institucional dos países capitalistas. Alguns se arriscaram a ir mais longe, aceitando esse modelo como paradigma para a classificação dos demais regimes políticos.

Na tradição do liberalismo, base teórica da democracia ocidental, a identificação e a quantificação da democracia estão associadas ao grau de liberdade existente. Quanto mais direitos legais, mais democrático seria o sistema de governo. No fundo, democracia e liberdade seriam apenas denominações diferentes para o mesmo processo social.

Pouco importa que o exercício dessas liberdades seja arbitrado pelo poder econômico. As disputas eleitorais e a criação de veículos de comunicação, por exemplo, são determinadas em larga escala pelos recursos financeiros de que dispõem os distintos setores políticos e sociais.

No modelo democrático-liberal, afinal, os direitos formais permitem o acesso irrestrito das classes proprietárias ao poder de Estado, que podem usar amplamente sua riqueza para mercantilizar a política e seus instrumentos, especialmente a mídia. Basta acompanhar o noticiário político para se dar conta do caráter cada vez mais censitário da democracia representativa.

A revolução cubana ousou ter entre suas bandeiras a criação de outro tipo de modelo político, no qual a democracia é concebida essencialmente como participação popular. Ao longo de cinco décadas, mesmo com as dificuldades provocadas pelo bloqueio norte-americano, forjou uma rede de organismos que mobilizam parcelas expressivas de sua população.

A maioria dos cubanos participa de reuniões de células partidárias, do comitê de defesa da revolução de sua quadra, dos sindicatos de sua categoria, além de outras organizações sociais que fazem parte do mecanismo decisório da ilha. Não são somente eleitores que delegam a seus representantes a tarefa de legislar e governar, ainda que também votem para deputados – o regime cubano é uma forma de parlamentarismo. Esse tipo de participação talvez explique porque Cuba, mesmo enfrentando enormes privações, não seguiu o mesmo curso de seus antigos parceiros socialistas.

O modelo cubano não nasceu expurgando seus opositores ou instituindo o mono-partidarismo. Poderia ter se desenvolvido com maior grau de liberdade, mas teve que se defender de antigos grupos dirigentes que se decidiram pela sabotagem e o desrespeito às regras institucionais como caminhos para derrotar a revolução vitoriosa. Na outra ponta, as diversas agremiações que apoiavam a revolução (além do Movimento 26 de Julho, liderado por Fidel, o Diretório Revolucionário 13 de Março e o Partido Socialista Popular) foram se fundindo em um só partido, o comunista, oficialmente criado em 1965.

Os círculos contra-revolucionários, patrocinados pelo governo democrata de John Kennedy, organizaram a invasão da Baía dos Porcos em 1961. Aliaram-se a CIA em algumas dezenas ou centenas de tentativas para assassinar Fidel Castro e outros dirigentes cubanos. Associados a seguidas administrações norte-americanas, criaram uma situação de guerra e passaram a operar como braços de um país estrangeiro que jamais aceitou a opção cubana pela soberania e a independência.

A restrição das liberdades foi a salvaguarda de uma nação ameaçada, vítima de uma política de bloqueio e sabotagem que já dura meio século. Os Estados Unidos dispõem de diversos planos públicos, para não falar dos secretos, cujo objetivo é financiar e apoiar de todas as formas a oposição cubana. Vamos combinar: já imaginaram, por exemplo, o que ocorreria se um setor do partido democrata recebesse dinheiro cubano, além de préstimos do serviço de inteligência, para conquistar a Casa Branca?

Claro que o ambiente de guerra e a redução das liberdades formais impedem o desenvolvimento pleno do modelo político fundado pela revolução de 1959. Vícios de burocratismo e autoritarismo estão presentes nas instâncias de poder. Mas ainda nessas condições adversas, o governo cubano veio institucionalizando interessante sistema de participação popular. O contrapeso ao modelo de partido único, opção tomada para blindar a revolução sob permanente ataque, é um sistema de organizações não-partidárias que exercem funções representativas na cadeia de comando do Estado.

A Constituição de 1976, reformada em 1992, estabeleceu o ordenamento jurídico do modelo. Um dos principais ingredientes foi a criação do Poder Popular, com suas assembléias locais, municipais, provinciais e nacional. Seus representantes são eleitos em distritos eleitorais, em voto secreto e universal. Os candidatos são obrigatoriamente indicados por organizações sociais, em um processo no qual o Partido Comunista não pode apresentar nomes – aliás, ao redor de 300 dos 603 membros da Assembléia Nacional não são filiados comunistas.

O Poder Popular é quem designa o Conselho de Estado e o Conselho de Ministros, principais instâncias executivas do país, além de aprovar as leis e principais planos administrativos. Seus integrantes não são profissionais da política: continuam a desempenhar suas atividades profissionais e se reúnem, em âmbito nacional, duas vezes ao ano para deliberar sobre as principais questões.

A Constituição também prevê mecanismos de consulta popular. Dispondo desse direito, o dissidente Oswaldo Payá, líder do Movimento Cristão de Libertação, reapresentou à Assembléia Nacional do Poder Popular, em 2002, uma petição com 10 mil assinaturas para que fosse organizado referendo que modificasse o sistema político e econômico na ilha.

O governo reuniu 800 mil registros para propor outro plebiscito, que tornava o socialismo cláusula pétrea da Constituição. Teve preferência pela quantidade de assinaturas. Cerca de 7,5 milhões de cubanos (65% do eleitorado), apesar do voto em referendo ser facultativo, votaram pela proposta defendida por Fidel Castro.

Tratam-se apenas de algumas indicações e exemplos de que o novo presidente petista pode ter sido um pouco apressado em suas declarações. As circunstâncias históricas levaram Cuba a restringir liberdades. Mas seu sistema político deveria ser analisado com menos preconceito, sem endeusamento do modelo liberal, no qual a existência de direitos formais amplos não representa garantias para um funcionamento democrático baseado na participação popular.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Democracia que o dinheiro pode comprar!

O sempre bem humorado Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, escreveu um texto hilário sobre o seminário da direita midiática promovido pelo Instituto Millenium. Publidado no sítio Carta Maior, reproduzo-o abaixo:


Acabou o carnaval, mas a festa continua. Vem aí, gente, o Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, promovido pelo Instituto Millenium. O acontecimento será no dia 1º de março, no Hotel Golden Tulip, na capital paulista. A inscrição é uma pechincha: R$ 500 por cabeça.

A lista de palestrantes é de primeira. Lá estarão o dr. Roberto Civita (Abril), o ministro Hélio Costa (Globo), Marcel Granier (dono da RCTV, famosa por tramar e propagar o golpe de 2002 na Venezuela), Demétrio Magnoli (venerando Libelu de direita, que está decidindo se o melhor é ser contra a política de cotas ou contra a política de quotas), Denis Rosenfield (entidade do folclore gaúcho que ainda não tomou conhecimento do fim da Guerra Fria), Arnaldo Jabor (o espirituoso), Carlos Alberto Di Franco (dirigente da organização democrática Opus Dei), Marcelo Madureira (humorista neocon), Reinaldo Azevedo (claro!), Roberto Romano (ético ao quadrado) e os modernos deputados Fernando Gabeira e Miro Teixeira.

Intelectuais de programa

O Instituto Millenium veio para ficar. Foi fundado em 2005, no Rio de Janeiro. Não se sabe se tem algo a ver com o conceituado Café Millenium, estabelecimento classe A, onde gente de primeira ia buscar diversões, digamos, adultas até julho de 2007, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. O Café Millenium não escondia seu negócio. O slogan era “sua noite de primeiro mundo”. Com belíssimas garotas a excitar a imaginação e a ação de senhores de fino trato, vendia o que anunciava. Deve-se à fúria moralizante do prefeito Gilberto Kassab – um “Jânio sem alcool”, na genial definição de Xico Sá – o fechamento desta e de outras instituições semelhantes, nos tempos em que as enchentes não eram preocupação de um alcaide movido a reeleição.

No site do Instituto Millenium não há nenhuma informação sobre o paradeiro do Café. Os proprietários devem ter feito alguns arranjos aqui e ali, para não dar muito na vista e resolveram tocar o pau. Para manter o embalo dia e noite, aparentemente já contrataram alguns intelectuais de programa, vários articulistas que não estão no mapa, inúmeros jornalistas de vida fácil e go-go-oldies. Discrição total. O distinto senhor ou senhora comprometida pode ir sem medo, que é todo mundo limpinho, o ambiente está aparelhado para experiências das mais exóticas. Há estacionamento e os acompanhantes falam inglês e são educados.

O tal do fórum

O máximo do prazer será a atração deste início de março, o Fórum Democracia e Liberdade de Expressão. Entre os apoiadores do evento, sempre segundo o site do Millenium, estão a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidades que envolvem a Globo, o SBT, a Record, a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, a RBS e outras empresas que decidiram boicotar a I Conferência Nacional de Comunicação, numa demonstração de forte apreço pela democracia. Figura lá, além do Instituto Liberal, um sensacional Movimento Endireita Brasil (MEB), cujo nome diz tudo.

A Carta de Princípios do Café, digo Instituto, é das mais edulcoradas. Entre tantos pontos, está lá: “promover a democracia, a economia de mercado, o estado de direito e a liberdade”. Assim, o mercado, quase como sinônimo de democracia. Mais adiante são enunciados seus valores e princípios: “o direito de propriedade, as liberdades individuais, a livre iniciativa, a afirmação do individualismo, a meritocracia, a transparência, a eficiência, a democracia representativa e a igualdade perante a lei”. Jóia! Vamos todos aderir!

Entre os conselheiros “de governança” e mantenedores está a fina flor da sociedade brasileira. Entre outros, figuram João Roberto Marinho (vice-presidente das Organizações Globo), Jorge Gerdau Johannpeter, Roberto Civita (Abril) e Washington Olivetto (presidente da W/Brasil). Já no Conselho Editorial está o sempre alerta Eurípedes Alcântara (diretor da redação de Veja) e no Conselho de Fundadores e de Curadores está ninguém menos que Pedro Bial, o grande comandante do programa cultural Big Brother Brasil, um modelo do que se pode fazer com a liberdade de expressão às mancheias. Coroando tudo está o Gestor do Fundo Patrimonial, Dr. Armínio Fraga, que dispensa maiores apresentações.

Com o empenho do Café, digo do Instituto Millenium, a democracia e a liberdade de expressão passam a ser mais valorizadas no Brasil. Por baixo, por baixo, a valorização deve ser de 500% em fundos off shore.

Todos dia 1º. de março ao Millenium, gente. A sua noite – ou dia - de primeiro mundo!

Em tempo: Não se sabe ainda se os antigos proprietários do Café Millenium entrarão na Justiça contra os mantenedores do Instituto Millenium. A ação se daria não apenas por plágio, mas por comprometer o bom nome do Café em uma possível volta ao mercado.

Quarta-feira de cinza da mídia demotucana

Reproduzo as pertinentes perguntas feitas pelo sítio Carta Maior em plena ressaca do carnaval:


1- Por que, a exemplo do que fez tantas vezes com o PT, a mídia não parte do fato policial para resgatar o passado e o presente das relações políticas do demo José Roberto Arruda?

2- Por que esquece – ou esconde? – entre outras coisas, que Arruda foi nada menos que líder de FHC na Câmara Federal?

3- Por que a mesma amnésia subtrai ao leitor que Arruda era a grande – e única – “revelação administrativa” dos demos [sobretudo depois do fiasco Kassab], e “nome natural” para ocupar a vice-presidência na coalizão demo-tucana liderada por Serra?

4- Por que, súbito, abriu-se um precipício de silêncio midiático sobre as relações entre Serra e Arruda, omitindo-se, inclusive, “o simpático” simbolismo da sintonia capilar entre ambos – mencionada por ninguém menos que o próprio governador tucano em evento conjunto em 2009?

5- Por que a obsequiosa Eliane Cantanhêde, da Folha, e os petizes da Veja, que tantas e tantas linhas destinaram a enaltecer a determinação de Arruda em “cortar o gasto público” – e ainda o fazem na ressalva ao “bom administrador que tropeçou na ética”, segundo Cantanhêde – sonegam aos seus leitores a autocrítica pelo peixe podre que venderam como caviar?

6- Por que, enfim, o esfarelamento da direta nativa abrigada nos Demos não merece copiosas páginas de retrospectiva histórica, que situe para os leitores a evolução daqueles que, como Arena e PFL, foram esteio da ditadura e da tortura e hoje são os aliados carnais de José Serra?

Noblat “apunhala” o demo Arruda




A mídia golpista brasileira é caradura. O governador demo José Roberto Arruda está preso em Brasília, o que evidentemente abala os planos do “vice-careca” do tucano José Serra, e ela ainda tenta aproveitar o caso para desgastar o governo Lula. Os jornalões oligárquicos e as redes “privadas” de televisão chegaram a insinuar que o presidente “lamentou” a detenção do líder do “mensalão do DEM”. Na verdade, ele havia lamentado o episódio e não a prisão decretada pela Justiça. Alguns veículos até deram as duas versões, mas não fizeram autocrítica da manipulação.

Irritado, o presidente Lula criticou as distorções da imprensa. “Não fiquei chocado com a prisão. Fico chocado quando vejo as denúncias de corrupção, quando aparece aquele filme do Arruda recebendo dinheiro”, afirmou em entrevista às rádios de Goiás. Ele também opinou que a Polícia Federal não deve fazer “pirotecnia” com a prisão do único governador demo no país e disse que já encaminhou ao parlamento um projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo. “Precisamos ser mais duros com a corrupção, com o corrupto e com o corruptor”.

Um truque rasteiro de manipulação

Ou seja: a versão apresentada pela mídia demo-tucana, que citou “fontes” de forma leviana, foi pura falsidade. Lula não defendeu a impunidade do governador corrupto do Distrito Federal, que inclusive é seu adversário político e figurava como possível candidato a vice-presidente na chapa do tucano José Serra. Mas a mídia golpista, ardilosa e rasteira, tentou vender novamente a falsa idéia de que “todos os políticos são corruptos”. Ela procurou colar a desgastada imagem do demo Arruda à de Lula, que bate recordes de popularidade, num nítido truque de manipulação.

Um dos mais descarados neste jogo sujo foi o jornalista Ricardo Noblat, o blogueiro da famíglia Marinho. Na sua coluna, ele mais uma vez destilou veneno: “Ao contrário do que acha Lula, não é ruim para a política brasileira que vá preso um governador apontado pela Polícia Federal como chefe de ‘uma organização criminosa’. É bom. Muito bom... É espantosa a mania cultivada por Lula de passar a mão na cabeça de bandidos. A corrupção pode não ter crescido no período de Lula. Mas banalizou-se. Essa será a herança maldita que ele legará ao seu sucessor”.

“Mensalinho” e álibi de Arruda

Espantosa mesmo é a mania de Ricardo Noblat de distorcer fatos e palavras. Ele não chega nem a ficar ruborizado com o seu cinismo. No ano passado, este vestal da ética ficou em apuros ao ser descoberto que ele recebia do Senado. Pelo contrato assinado em setembro de 2008, na época em que o demo Efraim Moraes era secretário da casa, ele garfaria R$ 40.320 por ano para “pesquisas e produção de um programa semanal na Rádio Senado”. O caso demorou a ser revelado porque no contrato não aparecia o seu sobrenome famoso, mas apenas Ricardo José Delgado. O blog “Amigos do presidente Lula” foi um dos primeiros a desvendar o “mensalinho do Noblat”.

O mesmo blog revelou ainda que o jornalista da famíglia Marinho mantinha antigas relações com o governador corrupto, agora chamado por ele de “chefe da organização criminosa”. Em 2001, Noblat escreveu a declaração que serviu de álibi para o então senador do PSDB tentar salvar seu mandato no escândalo da violação do painel eletrônico. Na ocasião, Arruda jurou inocência e, choroso, leu uma carta do “insuspeito jornalista Ricardo Noblat”, que atestaria que ambos tinham jantado num restaurante de Brasília na noite do crime. Agora, o demo é apunhalado por Noblat.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Chico Pinheiro cutuca Boris Casoy




O blog Cloaca News, sempre atento às “últimas do jornalismo de esgoto”, não é sectário e insiste no seu esforço hercúleo de pinçar algo de sadio na mídia golpista brasileira, especialmente após a lamentável agressão de Boris Casoy aos garis. Vale repisar que este escroto, bem na virada do ano, não percebeu o vazamento de áudio e atacou no Jornal da Band: “Que merda... Dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras... Dois lixeiros... O mais baixo da escala do trabalho”. Agora, em pleno clima de carnaval, a Cloaca achou uma cena inusitada, que limpa um pouco a barra do jornalismo nativo:

“O jornalista Francisco de Assis Pinheiro, Chico Pinheiro, da Rede Globo, acaba de mandar um sinal de que nem tudo está perdido. No início da madrugada de terça-feira, durante a transmissão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, Pinheiro levou para a ‘Esquina do Samba’ – espécie de aquário suspenso sobre a Marquês de Sapucaí – o carioca Renato Luís Feliciano Lourenço, mais conhecido como Renato Sorriso. Trata-se do gari que, desde 1997, faz a alegria do Sambódromo com seu show particular enquanto varre a pista após a passagem de cada escola. Com a Portela entrando na avenida, Chico Pinheiro pergunta, ao vivo: “... gari do Rio Janeiro, há quanto tempo desfilando na passarela, encantando o Brasil e o mundo, do alto da sua vassoura?”.

Pena que outros famosos “colunistas”, que ainda acham que fazem a cabeça dos brasileiros, não disseram uma palavra sobre o lapso de sinceridade de Boris Casoy, o fascistóide que iniciou sua carreira no Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização terrorista dos anos 1960/70. Como também ficaram calados quando a Folha cunhou a expressão “ditabranda” para qualificar a sanguinária ditadura e em vários outros casos de manipulação abjeta da mídia golpista. A tarefa da Cloaca de garimpar algo saudável neste “jornalismo esgoto” é realmente difícil e engraçada.

Vice “careca” de Serra dorme na cadeia





No vídeo acima, o jornalista Alexandre Garcia, ex-porta-voz do ditador João Batista Figueiredo e atual âncora da TV Globo, anuncia eufórico a cogitada composição entre os governadores José Roberto Arruda (DEM-DF) e José Serra (PSDB-SP) para a disputa presidencial de 2010. O grão-tucano brinca: “Vote em um careca e ganhe dois”. A frase foi dita num encontro dos demos em setembro passado, em Brasília. Não faz tanto tempo assim. Mas a mídia golpista simplesmente arquivou a vídeo bombástico, que prejudica a imagem “ética” do seu candidato presidencial.

Na quinta-feira passada, doze dos quinze ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deram ordem de prisão preventiva ao governador do Distrito Federal. Arruda foi acusado de prejudicar as investigações do “mensalão do demo”, tentando subornar as testemunhas. O vice “careca” de Serra dormiu na cadeia durante o carnaval. A “folia” do demo virou cinzas, temporariamente. Os irreverentes manifestantes populares, que gritaram “Fora Arruda” nos protestos quase diários em Brasília, mudaram a palavra de ordem em frente à sede-cela da Polícia Federal: “Fica, Arruda”.

“Estão matando o partido”

A detenção do “vice-careca” deixou desnorteados os demos e os tucanos. Na cúpula do DEM, o clima é de velório. O partido, que a cada pleito vê minguar sua bancada de eleitos no executivo e legislativo, teme os efeitos da prisão de seu único governador. O presidente demo, Rodrigo Maia, ainda tenta protegê-lo. As más línguas garantem que ele tem culpa no cartório e teme retaliações. Mas ele está cada vez mais isolado. Outros dirigentes nacionais do DEM querem esquecer logo este triste carnaval. “Estão matando o partido”, desabafa o senador goiano Demóstenes Torres.

Já os tucanos se fingem de mortos. A exemplo da mídia venal, eles desejam que a cena da prisão do demo seja logo esquecida e gostariam de apagar qualquer vestígio do vídeo do “vice-careca”. Como argumenta o blogueiro Rodrigo Vianna, “Arruda caminha para se transformar num pária político. Ninguém quer ‘tocar’ nele”. Mas não é tão simples assim. Não dá para esconder que ele já foi senador pelo PSDB e renunciou ao mandato, para não ser cassado, quando do escândalo da violação do painel eletrônico. Nem dá para esquecer, também, que ele foi líder do governo FHC.

Os elogios de FHC e Virgílio

A idéia do “vice-careca” não foi só uma gentileza do presidenciável José Serra. Arruda era visto como uma alternativa real, caso o governador mineiro Aécio Neves desista de integrar a chapa. Ele sempre foi paparicado pela cúpula tucana. “Pela boa administração que exerce no DF, José Roberto Arruda é hoje uma das principais lideranças do cenário político nacional”, afirmou ainda recentemente o rejeitado FHC. “Arruda serve para ser candidato a presidente da República pelos Democratas”, garantiu outro destrambelhado tucano, o senador amazonense Arthur Virgílio.

A cada dia que passa, a oposição neoliberal-conservadora fica mais acuada. O cínico discurso da ética, proferido por políticos mais sujos do que pau de galinheiro, morreu com a prisão do demo Arruda e os escândalos da tucana Yeda Crusius. A crise é tamanha que crescem os boatos de que José Serra desistirá da candidatura. Teme perder a disputa presidencial e ainda entregar o bastão paulista para seu rival, Geraldo Alckmin. Sem discurso e sem propostas, a direita tende a cair no desespero e contará com a ajuda inescrupulosa da mídia golpista, prevê o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos. Tudo indica que a eleição deste ano será das mais sujas da história.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Petkovic faz golaço em Ana Maria Braga




A apresentadora global Ana Maria Braga adora o consumismo capitalista e nunca escondeu a sua rejeição às idéias de esquerda. Mas, geralmente, ela exagera nas suas paixões. No seu programa da TV Globo da semana passada, ela entrevistou o jogador sérvio Dejan Petkovic, atual campeão pelo Flamengo e craque reconhecido por todos os apreciadores do futebol. A entrevista até que ia bem, quando ela não se conteve e disparou: “Como foi nascer num país com tanta dificuldade?”.

Petkovic, que é bom de bola e de cabeça, não vacilou e marcou mais um golaço: “Quando nasci não tinha dificuldade nenhuma. Era um país maravilhoso, vivíamos um regime socialista, todo mundo bem, todos tinham salário, todos tinham emprego. Os problemas aconteceram depois dos anos 80”. A apresentadora engoliu a seco e prosseguiu a matéria. Sua assessoria devia, ao menos, ter pesquisado as posições progressistas do jogador para evitar mais esta pisada de bola.

“Musas” direitistas do Cansei

Ana Maria Braga já se meteu em várias outras frias – tanto que o corrosivo colunista José Simão já a apelidou de “Ana Ameba Brega”. Em meados de 2007, ela foi umas das “musas” do movimento “Cansei”, organizado por ricos empresários e notórios direitistas para desgastar o governo Lula. Ela surgiu em outdoors ao lado da malufista Hebe Camargo, da “medrosa” Regina Duarte e da “festeira” Ivete Sangalo. Apesar da participação “gratuita” destas estrelas midiáticas, a patética iniciativa não conseguiu seduzir a sociedade e sucumbiu rapidamente.

Invasão estrangeira do campo brasileiro

Os patriotas realmente preocupados com a soberania nacional deveriam ficar mais atentos com o processo acelerado de desnacionalização do campo brasileiro. Em artigo recente, o jornal Valor Econômico registrou que “o agronegócio brasileiro tem passado por um profundo processo de ‘estrangeirização’ nos últimos sete anos”. Segundo estudo inédito do Banco Central, de 2002 a 2008 as atividades ligadas ao campo receberam US$ 46,9 bilhões em investimentos diretos estrangeiros (IED). O valor equivale a 29,5% do IED total líquido ingressado no país no período.

Ainda segundo o jornal, que não pode ser acusado de nacionalista ou de ser inimigo dos barões do agronegócio, “o movimento de ‘internacionalização’ das cadeias produtivas nacionais tem respaldo no avanço da concentração da posse da terra em mãos de poucos brasileiros e na atração cada vez maior de estrangeiros para esse tipo de investimento”. A gula do capital externo se dá por vários motivos: potencial do campo nacional na produção de commodities e matérias-primas para os biocombustíveis; especulação imobiliária; mão de obra barata e até escrava, entre outros.

3,6 milhões de hectares em mãos alienígenas

O cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) alerta que, nos onze estados responsáveis por 90% dos registros de aquisições, há 1.396 municípios com comunicado oficial de terras compradas por estrangeiros - 124 dessas cidades têm metade das áreas de médias e grandes propriedades em nome de estrangeiros. No total, há 3,6 milhões de hectares em mãos alienígenas nas regiões Sul e Centro-Oeste, além de São Paulo, Minas, Bahia, Pará, Tocantins e Amazonas. A previsão é de que a “invasão estrangeira” aumente ainda mais neste ano.

Numa reveladora entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em setembro último, o lobista André Pessoa, sócio da influente consultoria Agroconsult, explicou as razões desta recente gula. A crise mundial teria atiçado a agressividade das multinacionais. “O investidor coloca dinheiro em terra pensando em reserva de valor. Desde a crise, ele está com mais apetite. O mundo busca investir em coisas mais concretas, mais próximas da produção”. A região mais cobiçada seria conhecida como Mapito, formada por Maranhão, Piauí e Tocantins. “A terra é mais barata, com projetos de infra-estrutura e logística já definidos para os próximos anos”, orientou o especialista.

Regras duras na defesa da soberania

O jornal Valor afirma que “o Incra está preocupado com o avanço do capital estrangeiro. ‘A terra é um meio de produção finito. Há forte disputa pela terra, que foi acirrada pelas crises mundiais de energia e de alimentos’, avalia o presidente do Incra, Rolf Hackbart. O estudo do BC aponta que o movimento de ‘internacionalização’ ajudou a elevar a produção doméstica no curto prazo, mas aumentou a concentração agroindustrial e reduziu o valor da produção agrícola no período. ‘A concentração elevada está associada aos investimentos estrangeiros’, diz Hackbart”.

Para o presidente do Incra, “é preciso corrigir a legislação para termos regras para aquisição de terras por estrangeiros. Não é xenofobia, mas defesa da nossa soberania sobre o uso das terras”, argumentou. Ainda de acordo com o jornal, o Palácio do Planalto já avalia alterar as regras para restringir o capital externo no campo brasileiro. Apesar da gritaria das multinacionais, a idéia é manter a obrigatoriedade da autorização do Conselho de Defesa Nacional para arrendamento e aquisição de áreas situadas ao longo da faixa de 150 quilômetros das fronteiras.

O falso discurso nacionalista dos ruralistas

É bom realmente o governo Lula tomar medidas urgentes sobre o tema. No final de dezembro, a multinacional Bunge adquiriu cinco das seis usinas do Grupo Moema. O negócio rendeu US$ 1,5 bilhão e encerrou a participação no setor do grupo nacional, que era controlado pelas tradicionais famílias Biaggi e Junqueira. As cinco usinas processam 13,5 milhões de toneladas de cana por ano e, agora, vão ampliar a presença da multinacional estadunidense no setor. Ela já controlava a Usina Santa Juliana, no Triangulo Mineiro, onde processa 2 milhões de toneladas do produto.

Os atrasados latifundiários, que exploram trabalho escravo e infantil, contratam jagunços e hoje se travestem de “modernos” barões do agronegócio, não têm qualquer compromisso com a soberania nacional. Para defender os seus interesses, eles até utilizam a retórica nacionalista. Na recente instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito contra o MST, eles usaram como umas de suas justificativas a “ingerência externa” no campo brasileiro. É pura balela. Eles estão preocupados é com o seu lucrativo negócio. A “invasão estrangeira” não os incomoda.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Lições do escândalo que não terminou

O professor Venício A. de Lima está a todo vapor. Reproduzo outro de seus brilhantes artigos, desta vez analisando o comportamento da mídia diante do escândalo do “mensalão do DEM”:


O poeta candango Nicolas Behr conseguiu sintetizar com humor o desconforto envergonhado que, nas últimas semanas, aflige a imensa maioria daqueles que, honestamente, trabalhamos e residimos em Brasília. Ele passou a usar uma camiseta com a frase: "Sou de Brasília. Mas juro que sou inocente!".

Muito já foi dito sobre o comportamento da mídia local, sobretudo o Correio Braziliense, o jornal de maior circulação no Distrito Federal, e, certamente, muita água ainda vai rolar debaixo da ponte desse imenso escândalo que envolve a "turma" que controla o Governo do Distrito Federal (GDF) há muitos anos. Todavia, para o observador da mídia, lições já podem e devem ser tiradas. Aí vão algumas delas:

1) A mídia – nacional e local – não acompanhou os desdobramentos do pedido de providências judiciais encaminhado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à Procuradoria Geral de República (PGR) no dia 9 de fevereiro, terça feira. O pedido incluía o afastamento de Arruda da chefia do GDF e sua prisão preventiva. Na quinta-feira (11/2), dia da prisão, todos parecem ter sido pegos de surpresa, pois não foram capazes de antecipar nem a ação do PGR e muito menos a rápida decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Na verdade, no dia 11, a capa do Correio Braziliense não trouxe uma única referência ao assunto (a manchete principal era sobre a elevação das taxas de juros), e a última página do caderno "Cidades", que vinha sendo reservada para a discretíssima e enviesada cobertura do escândalo, destaca as relações do jornalista Edson "Sombra" com "personalidades" que "transitam entre grupos políticos de diferentes correntes".

Debaixo dos panos

2) A rapidez com que a informação de que o STJ estava votando o pedido de prisão de Arruda se espalhou pelo Distrito Federal, na tarde de quinta-feira (11), é mais uma comprovação da imensa capilaridade da internet. Celulares, emails, twitters e blogs estiveram quase sempre à frente das agências de notícias tradicionais.

3) Registre-se a inacreditável "virada" na cobertura do Correio Braziliense a partir do afastamento e prisão de Arruda: o que era cuidadosamente escondido passou a ser tratado em manchetes de primeira página. Na sexta-feira (12/2), por exemplo, toda a capa do jornal é sobre o escândalo e a manchete principal berrava: "Arruda é preso. DF sob ameaça de intervenção". Logo abaixo, em letras vermelhas, um trecho do voto do ministro relator no STJ: "A organização criminosa instalada no GDF continua valendo-se de poder econômico e político para atrapalhar as investigações e, assim, garantir a impunidade".

4) A apuração do escândalo começa a revelar o submundo de uma imprensa quase clandestina de jornais e revistas que existe e prolifera no Distrito Federal. Quem já ouvira falar antes neste jornal O Distrital, cujo proprietário é o jornalista Edson Sombra? Não será surpresa se ainda outros jornalistas e veículos de comunicação surgirem como envolvidos no decorrer das investigações.

5) A forma como a grande mídia tem coberto o chamado "mensalão do DEM de Brasília" certamente merece uma comparação detalhada com as coberturas anteriores dedicadas aos chamados "mensalões" do PSDB de Minas Gerais e do PT. É impossível não lembrar que há muito pouco tempo, Arruda, ex-líder do governo FHC no Senado Federal, era celebrado como exemplo de bom administrador, credenciado, inclusive, como uma das alternativas do DEM para vice na chapa de José Serra à presidência da República em 2010 (ver, por exemplo, “Ele deu a volta por cima”, "Páginas Amarelas" de Veja, edição 2121, de 15/7/2009).

Muito ainda haverá de ser desvendado e revelado publicamente, com certeza.

Esperança e desalento

Apesar da esperança de melhores dias, registre-se certo desalento que é impossível evitar em conjunturas como esta. As ações da PF, do MP e do Judiciário, além da esperada punição de todos os culpados, não eliminam uma sensação de impotência diante de tamanha desfaçatez por parte de políticos profissionais.

E, claro, também por parte de grupos de mídia que apenas confirmam seu total desprezo pela ética jornalística e pelo interesse público.

A “decadência editorial” de O Globo

O blogueiro Luis Nassif tem monitorado com afinco e rigor as sacanagens da mídia hegemônica. Nos animados dias do carnaval, ele pinçou uma reportagem de O Globo que visa nitidamente dar alento à cambaleante campanha do presidenciável tucano José Serra. A manipulação é grotesca, numa edição tendenciosa que distorce até as informações coletadas pelo jornalista. Reproduzo abaixo a denúncia de Nassif, no artigo intitulado “O jornalismo ridículo de O Globo”:


Dentre todos os veículos da velha mídia, nenhum sofreu processo tão profundo de decadência editorial quanto O Globo. E surpreendente, porque poucos anos atrás caminhava para ser o melhor jornal brasileiro. Tinha punch na reportagem, começava a ser rigoroso nas apurações. Uma espécie de Estadão com garra.

Nos 50 anos do Esso, que fui jurado, era o único velho veículo com reportagens competitivas. Todas as grandes reportagens eram da mídia regional, fora do eixo Rio-São Paulo.

Sinceramente, não sei o que aconteceu. Nem se fale de manipulação ou outras manobras de uso geral. A decadência é técnica. É não bater manchete com texto de primeira página.

É claramente uma deterioração das chefias. Percebe-se que muitas matérias chegam com informações corretas. Na redação são manipuladas ou no título ou no lide (a abertura e parte mais visível das matérias).

Aí vai um exemplo do dia. Aliás, todo dia é possível colher algo assim.

A matéria abre dizendo que “diante do quadro favorável na pesquisa”, Serra sairá candidato a presidente. Ora, é de conhecimento até dos leitores de O Globo que as últimas pesquisas foram desfavoráveis, mostrando Dilma se aproximando dele.

A matéria vai desenvolvendo todo um raciocínio de defesa da preservação do Serra, mantendo-o candidato em off, porque as pesquisas são favoráveis.

Do meio para frente, a matéria muda: “A ofensiva da campanha petista, porém, acendeu a luz amarela no campo oposicionista, principalmente após a divulgação da recente pesquisa CNT/Sensus. Nela, Dilma cresceu cinco pontos percentuais, e aparece tecnicamente empatada com Serra. Ainda assim, o PSDB não pretende antecipar a entrada do tucano na disputa”.

Ou seja, todo o raciocínio que sustentou a primeira parte da matéria foi demolido pela segunda parte. Essa lambança foi do repórter? Duvido. Ele juntou todos os ingredientes, mostrou o falso otimismo calculado de Guerra à luz das últimas pesquisas. A manipulação ocorreu no aquário.

Outro dia conversei com uma colega que tem conversas em off com Sérgio Guerra. O presidente do PSDB – que não é um primata – no fundo está no mato sem cachorro, sem conseguir convencer Serra a se lançar candidato, sem obter dele o discurso político. Sem nada à mão dedica-se a esse trabalho minúsculo de atacar a adversária.

Mas tenta-se passar, no trabalho de edição de O Globo (porque a matéria chegou corretamente, com todas as informações) a ideia de que a indecisão é fruto de estratégia pensada, articulada, sob controle.

Por Maria

Nassif, trabalhei no Globo em anos recentes. Existe um longo caminho que vai da apuração à primeira página do jornal. São áreas que parecem ser de veículos diferentes, com objetivos distintos. É de arrepiar.

É coisa de um ou dois mandarins que enfiam uma coisa na cabeça pela manhã com hipóteses, são desmentidos na reunião do final da tarde, mas assim mesmo bancam a ideia inicial ao fechar a primeira página para o dia seguinte. É o método de trabalho do famoso aquário.

Grande mídia isolada do Brasil

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:


Trabalhando em algumas capitais estaduais ou na Praça dos Três Poderes, em Brasília, os chamados "formadores de opinião" da grande mídia – sobretudo jornais e emissoras de TV – acabam por se isolar do cotidiano da maioria da população brasileira. Acredito que faria muito bem a eles viajar, periodicamente, pelo interior do Brasil. Não importa a região, o estado ou até mesmo as cidades visitadas. A exceção talvez seja o interior de São Paulo, área onde são distribuídos dois dos três jornalões que se consideram nacionais.

Os "formadores de opinião" deveriam aproveitar a viagem e puxar prosa com gente comum em locais como postos de gasolina, restaurantes de beira de estrada (ou não), hospedarias, botequins, museus, igrejas... E, sobretudo, ouvir. Ouvir quais são as fontes de informação preferidas, com o que se preocupa, quais informações interessam e qual a visão que essa gente comum tem do país e de seus problemas.

Exemplos: perguntado sobre o porquê de as TVs permanecerem ligadas 24h no saguão e no restaurante de um hotel de nível médio, o garçom respondeu: "É norma do hotel, mas ninguém aguenta. É só notícia ruim. Mas também ninguém presta atenção. Fica aí falando sozinha...". Ou o morador que opina sobre o serviço de som da igreja matriz que "entra no ar" várias vezes ao dia: "É bom porque dá notícia tanto boa quanto ruim e a gente pode acreditar".

Se a hybris que aflige a maioria dos jornalistas permitisse, os "formadores de opinião" constatariam que seu celebrado poder – se algum dia de fato existiu – está sendo minado pela internet, acessível através de uma avalanche de novas tecnologias e por uma consciência ainda difusa de que não se pode acreditar, sem mais, no que diz a televisão, o jornal e o rádio, nesta ordem.

Os "formadores de opinião" seriam ainda surpreendidos com a renovada valorização da mídia local, seja o velho serviço de alto-falante da igreja matriz, os barulhentos carros de som que percorrem as ruas das cidades ou as rádios comunitárias, em boa parte vinculadas a alguma denominação religiosa.

E os jornais?

Pergunte a um morador qualquer do interior do país se ele conhece – não se lê – algum de nossos jornalões que se dizem "nacionais". A grande maioria não conhece e, portanto, não lê. Procure saber qual o reparte que chega a determinada localidade do maior jornal do estado – para assinantes ou para a venda avulsa. Dez exemplares (ou menos) para cidades pequenas e até médias.

Essas respostas certamente darão sentido ainda mais concreto aos impressionantes números divulgados pelo IVC no início deste mês relativos ao ano de 2009: a circulação média da Folha de S.Paulo é de 295 mil exemplares/dia e caiu 5%; do jornal O Globo, de 257 mil e caiu 8,6%; e do Estado de S.Paulo, de 213 mil e caiu 13,5%.

"Tudo continuará como sempre esteve"

Essas "impressões de viagem" vêm sendo confirmadas há anos e sempre recolocam a eterna questão do poder e da importância da mídia tradicional na formação da opinião pública, incluída aqui a onipresente televisão. Não é novidade a supremacia das preocupações locais sobre as regionais e as nacionais, vale dizer, das questões próximas sobre aquelas mais distantes. É apropriado transcrever um parágrafo publicado aqui mesmo no Observatório da Imprensa, dois anos atrás:

"Nada é mais importante para o cidadão comum do que aquilo que ocorre ao seu lado, com o seu vizinho; e que pode, portanto, acontecer com ele próprio. A sociabilidade é construída a partir dos temas locais e regionais. Isto potencializa o papel da rádio comunitária, da FM e dos jornais locais e regionais (quando existem). A agenda midiática nacional de entretenimento ou jornalismo (televisiva, sobretudo) interage com a temática local, mas ocupa um indisfarçável segundo plano".

Ao contrário da grande mídia que insiste em acreditar que o cidadão comum está o tempo todo "seguindo" como twitteiro o que fazem em Brasília o presidente e seus ministros; os deputados federais e os senadores, e os juízes do STF, ele, na verdade, está "seguindo" o que fazem os políticos mais próximos de sua vizinhança e parece perceber a capital federal como uma cidade de ficção, habitada por políticos necessariamente corruptos e gente diferente do resto da população do país.

Se essas "impressões" estiverem corretas, é de se esperar alguma mudança no comportamento da grande mídia?

No caso dos jornalões, certamente não. Seu crescente "isolamento" da maioria da população transformou-se em estratégia de sobrevivência no mercado. Esta é uma das razões porque seus "formadores de opinião" procuram agradar a um grupo cada vez mais reduzido de pessoas. O rádio deverá ficar cada vez mais local e regional. E a televisão onipresente, mas com a audiência em queda, parece se agarrar à espetacularização de toda a sua programação. E, com isso, despenca sua credibilidade.

Novos tempos. Nova mídia. Novos atores. Novos poderes. E muitos ainda acreditam que tudo continuará como sempre esteve.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Banda larga e direito à comunicação

Nas últimas semanas, o governo Lula agendou várias reuniões para discutir o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). No geral, as avaliações dos participantes da sociedade civil são positivas. O amigo Marcos Dantas, professor da Escola de Comunicação da UFRJ, participou de um dos encontros com o presidente Lula e saiu animado. Entre outros avanços sinalizados pelo governo, ele destacou três pontos:

Avanços e pressão das operadoras

“1- O governo pretende fazer a banda larga chegar, até 2014, a 4.300 municípios, através dos troncos (backbone) da Eletronet e outros estatais, em parceria com operadoras de comunicações, provedores de internet, pequenas e médias empresas. 2- Pretende levar a banda larga às classes C, D e E, beneficiando cerca de 20 milhões de domicílios a mais do que aqueles que, conforme as projeções disponíveis, já seriam ‘naturalmente’ incorporadas à banda larga pela expansão do mercado. 3- pretende que o PNBL não seja ‘apenas’ de inclusão digital, mas seja parte de um programa de desenvolvimento econômico e social, incluindo também o fomento à produção de conteúdos nacionais para a internet e apoio ao desenvolvimento industrial-tecnológico”.

Já prevendo a chiadeira das empresas de telefonia, a maioria multinacionais, Dantas alertou em sua mensagem: “É possível que os lobbies de sempre e a grande mídia reduzam o plano a uma tentativa de ressucitar a Telebrás. Como pode ser observado, sequer citei esse nome na descrição acima. Não é o mais importante. Se a Telebras vier a ser ressucitada, será outra empresa, com reduzido número de funcionários, encarregada apenas de gerenciar a infra-estrutura já existente do estado, muito distante daquela Telebrás que um dia ofereceu satélites, troncos de comunicações, pesquisas tecnológicas e mais de 12 milhões de telefones à sociedade brasileira”.

Propostas do Coletivo Intervozes

O debate sobre o Plano Nacional de Banda Larga é estratégico na luta pela democratização dos meios de comunicação no país. Diante da violenta reação das poderosas empresas do setor e das manipulações da mídia corporativa, ele exigirá forte pressão e muita capacidade de elaboração dos movimentos sociais. Com o objetivo de contribuir com este debate, reproduzo abaixo as “propostas para o PNBL” elaboradas pelo Coletivo Intervozes, que encara “a banda larga como instrumento de avanço na efetivação da comunicação como um direito humano no Brasil”.

Objetivos do PNBL

a) Universalizar o acesso à banda larga no Brasil, na perspectiva de garantir o direito à comunicação dos cidadãos e cidadãs, no contexto das novas tecnologias e da sociedade da informação;

b) Ampliar o papel do Estado na área, posicionando-o tanto como provedor direto do serviço quanto como indutor da competitividade neste mercado, por meio da oferta de infra-estrutura a pequenos e médios operadores privados;

c) Promover o acesso não discriminatório e competitivo à infra-estrutura das operadoras;

d) Implementar medidas que promovam a apropriação da tecnologia pelos cidadãos e cidadãs.


Diretrizes do modelo

1) Criação do serviço de acesso à Internet em alta velocidade (banda larga) a ser prestado em regime público (conforme o Art. 18 da LGT), com participação de empresas privadas e públicas em todas as etapas do tráfego e provimento (backbones, backhauls e última milha)

O modelo de acesso à Internet em alta velocidade (banda larga) orientado exclusivamente pela dinâmica de mercado (prestado em regime privado) evidenciou sua incapacidade de atender às demandas da população brasileira. O caso da implantação da TV a cabo no país é uma amostra que, ao mercado, não interessa investir em regiões menos rentáveis.

No modelo brasileiro de telecomunicações, todo serviço de “interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar”, deve ser prestado em regime público.

A universalização, independentemente de localização e condição sócio-econômica, é essencial para a garantia da cidadania. Enquanto houver brasileiros sem acesso à banda larga, estaremos aumentando a desigualdade social e privando-os do seu direito humano à comunicação.

No regime público há condições de instituir obrigações às operadoras relativas ao alcance, à continuidade, à qualidade (incluída aí a velocidade) e ao controle tarifário do serviço. Essa proposta foi aprovada por unanimidade na 1a Conferência Nacional de Comunicação.

Para definir a banda larga como serviço a ser prestado em regime público, basta um decreto da Presidência da República (conforme o Artigo 18 da Lei Geral de Telecomunicações).

2) Estabelecimento das obrigações e metas a serem respeitadas pelos prestadores privados no que tange à universalização, aos preços, à continuidade, à velocidade e à qualidade do serviço

A orientação do mercado produziu um modelo marcado pela baixa penetração, altos preços e baixas velocidades do acesso à Internet em alta velocidade. Segundo dados da UIT, o Brasil está em 77º lugar na escala de preços, abaixo dos demais membros do Bric, o grupo dos grandes emergentes: Rússia (37º), Índia (73º) e China (75º).

Segundo dados divulgados em documento do Ministério das Comunicações, há uma grande discrepância entre os níveis de penetração da banda larga no Brasil e nos países da OCDE e também Argentina, México, Turquia, Chile e China [G6]. O Brasil apresenta penetração menor que a média da OCDE e do G6, do qual faz parte, ao longo dos anos. O mesmo documento afirma que “a comparação internacional das velocidades contratadas de download revela que a velocidade média do Brasil, em 2008, era menor que a da Argentina e do Chile”.

Número da UIT também mostram que o custo mensal da banda larga equivale a 9,6% da renda média per capita brasileira. Mesmo os brasileiros que pagam para ter acesso à banda larga estão fazendo um enorme esforço em seu orçamento. As leis do mercado fizeram, por exemplo, com que o número de paulistas ligados à rede veloz (2,4 milhões) seja maior que o de todos os clientes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (2 milhões).

Fica explícita, portanto, a necessidade do estabelecimento de obrigações e metas aos prestadores de serviços privados, de forma a garantir a universalização, a continuidade, a qualidade no acesso, velocidade e modicidade nos preços de oferta da banda larga.

3) Implantar uma empresa pública (preferencialmente a Telebrás) que, diretamente ou em parceria com outros órgãos estatais (como governos estaduais e prefeituras), disponibilize tanto infra-estrutura para prestadores privados (comerciais ou não-comerciais) quanto o serviço na casa do cidadão.

Aproximadamente 55,7% dos domicílios “estão em condições geográficas e/ ou de renda incapazes de atrair a oferta de Internet em banda larga”. As operadoras comerciais não têm condições de oferecer uma solução para atender a esse enorme contingente.

A entrada da Telebrás representaria uma alternativa de provimento do serviço para todo o conjunto de cidadãos, que dificilmente serão atendidos pelo mercado. É preciso haver um operador que tenha metas sociais, e não apenas econômicas, de forma que o Estado garanta o direito à comunicação dos cidadãos. No horizonte, deve estar a gratuidade na oferta do serviço à população, visto que hoje o preço é a maior barreira para o acesso à banda larga nas regiões onde o serviço já é ofertado.

A atuação da Telebrás não pode se limitar aos municípios em que não há acesso ou nos quais o preço é exorbitante, sob pena de não atender à demanda de cidadãos sem condições de obter acesso nas áreas em que oferta privada existe (hoje, mais de 90% dos municípios) ou que possuam serviços a preços não-exorbitantes.

A verticalização do mercado e o comando da infra-estrutura pelas grandes operadoras é um obstáculo ao funcionamento de pequenos e médios provedores. Atualmente, várias iniciativas de cidades digitais são frustradas por conta dos gargalos criados pelos escorchantes preços cobrados pelas operadoras privadas. Um operador estatal pode viabilizar a concorrência na última milha.


Parceria com prefeituras

Segundo entendimento da Anatel consolidado no Ato nº 66.198, de 27 de julho de 2007, de seu Conselho Diretor, as prefeituras municipais não podem prestar o serviço de internet diretamente à população em caráter oneroso, oferecendo o serviço apenas por meio de uma empresa pública ou abrindo sua rede gratuitamente aos usuários. Em associação com a Telebrás, as prefeituras e associações sem fins lucrativos podem ter papel essencial na prestação de serviços à população, sem passar pelos caríssimos gargalos criados pelas operadores privadas, em geral operadoras de telefone fixo que operam um monopólio na área, oferecendo a última milha ao cidadão.

4) Promover a regulação da gestão das redes a partir da desagregação entre detentores e prestadores de serviço, bem como do acesso não discriminatório e competitivo à infra-estrutura de tráfego de dados

A organização vertical do mercado, com um mesmo operador controlando a infra-estrutura e prestando os serviços, gera altos preços e baixíssima concorrência. Uma empresa que opera do controle da infra-estrutura ao serviço que chega na casa do cidadão buscará sempre maximizar a integração de seus bens e serviços e dificultar a ação dos seus concorrentes, especialmente quando eles dependem de suas redes.

A separação estrutural promove a concorrência, pois a operação exclusiva do tráfego de dados no atacado motiva os operadores a oferecer condições favoráveis para diversos prestadores de serviço, e o fato de não ter que contratar a infra-estrutura de seus concorrentes os protege de práticas anti-competitivas.

Na gestão das redes, deve ser garantida a neutralidade do detentor de infra-estrutura no tratamento das informações, sem nenhum tipo de interferência discriminatória na velocidade de transmissão ou no conteúdo transmitido.

5) A gestão do PNBL deve ser realizada por um conselho ou órgão com a participação do governo federal e de todas as esferas estatais envolvidas na sua implantação, bem como por representações da sociedade civil.

O volume e a complexidade de políticas na implantação do Plano Nacional de Banda Larga demanda uma nova estrutura administrativa para além daquelas já existentes no governo federal, que integre os órgãos envolvidos no extenso conjunto de ações. A participação das diversas esferas estatais envolvidas na implantação do Plano reforça seu caráter federativo e legitima a importância dos estados e municípios na definição dos rumos da iniciativa.

A participação de representações da sociedade civil é proclamada como uma importante bandeira nesta gestão, além de ser mecanismo para aproximar as políticas públicas dos cidadãos e de seus reais interesses. No caso das empresas, uma presença significativa do setor neste órgão constitui um perigo, pois daria a estes atores a prerrogativa de definir o ambiente de mercado em que atuam.


Além do acesso

O PNBL deve ir além das políticas de acesso e prever ações de formação e capacitação, estímulo à produção e difusão de conteúdo na rede, bem como modelos democráticos para a regulação dos protocolos e conteúdos, garantindo a plena inserção dos cidadãos e cidadãs no mundo IP. Neste sentido, é necessário:

- Estabelecer uma agenda regulatória para a normatização dos protocolos, em especial a modelagem da neutralidade de rede, de modo a promover padrões livres ou fortemente acessíveis e democráticos;

- Estabelecer uma agenda regulatória para os conteúdos nos serviços baseados em protocolos IP, de modo a garantir a circulação democrática, plural e diversa de opiniões e expressões culturais;

- Instituir uma política de governo eletrônico, crianço uma cesta de serviços e de mecanismos de participação popular através do acesso à rede.


Mecanismos participativos

Pela sua relevância, o PNBL deve ser alvo de intenso debate, envolvendo os diversos setores e cidadãos em geral que ainda não tiveram a oportunidade de apresentar sua visão ao governo federal. Neste sentido, o Intervozes propõe a publicação da proposta do Plano para consulta pública por no mínimo um mês; a realização de audiências públicas em pelo menos 8 capitais, contemplando todas as regiões; e a promoção do debate sobre o Plano nas estruturas de comunicação do governo federal.

“Estadão” apóia FHC; “Folha” é do Serra

Reproduzo artigo do jornalista Rodrigo Vianna, intitulado “Estadão fala por FHC; Folha é a voz de José Serra”, publicado no seu blog “Escrevinhador”:


Sob comando da família Mesquita, o "Estadão" sempre foi um jornal mais "ideológico" do que a "Folha". O diário dos Frias muda de posição conforme muda o vento.

Os dois jornais estiveram a favor do golpe de 64. O "Estadão" – como boa parte da elite brasileira – queria uma intervenção rápida dos militares, "limpando" o país dos "comuno-petebistas". Depois, o poder cairia no colo da UDN. Era o sonho da família Mesquita.

Quando a ditadura mostrou que viria para ficar, o "Estadão" teve a coragem de rever suas posições, e foi pra oposição. Viveu sob censura, teve que publicar receitas e poemas no lugar de textos censurados. A "Folha", não.

A "Folha" (há várias testemunhas disso) chegou a emprestar seus carros para transporte de presos, e para uso do DOI-Codi em São Paulo.

Quando o vento mudou, nos anos 80, aí a "Folha" virou "democrata", botou faixa amarela na capa, e fez campanha pelas Diretas-Já. Teve um papel importante naquela época. Isso não se nega. E conquistou muitos jovens leitores com essa posição de "vanguarda".

Por que relembro isso tudo?

Porque, nos últimos dias, ficou claro que apito "Folha" e "Estadão" tocam em relação à candidatura tucana.

O "Estadão" publicou o artigo de FHC, no domingo - chamando o PT para a briga (o que Lula e Dilma adoraram).

A "Folha", nesta terça, deixa claro que a tática de FHC desagradou a Serra. O jornal dos Frias não ouviu o Serra em "on". E não precisa. O recado foi dado na capa: "Críticas de FHC ao presidente contrariam a tática de Serra".

O "Estadão" fala por FHC. De forma aberta – como manda a boa tradição do jornal (lembro que, hoje, o diário nem está mais sob comando dos Mesquita, mas de um comitê de credores que – segundo alguns – incluiria também gente muito próxima a FHC).

A "Folha" fala por Serra. De forma velada.

É um pouco mais que isso.

Os dois jornais, claro, querem a vitória de Serra. Mas, para o "Estadão, não basta uma vitória qualquer. Precisa ser uma vitória que reafirme o ideário (neo) liberal: a candidatura tucana deveria levantar as bandeiras, defendendo o legado de FHC. Para o "Estadão", não vale uma vitória envergonhada, que esconda FHC e legitime o "Estado forte" do segundo mandato lulista. FHC foi o sujeito que prometeu "enterrar a era Vargas". É o velho sonho do "Estadão", que até hoje não digere a derrota para Vargas em 32.

A "Folha", como sempre, parece mais pragmática. Se for preciso esconder FHC para que Serra vença, ótimo.

Não é por outro motivo que o jornal dos Frias escalou o (bom) repórter Gustavo Patu para mostrar como FHC omitiu os erros do governo dele no artigo escrito para o "Estadão". É um recado da "Folha" (e de Serra) para FHC: se falar demais, até nós vamos desconstruir o seu governo!

FHC já percebeu que – se não brigar para defender sua biografia – ela será jogada no lixo, inclusive pelos correligionários tucanos.

Lula quer que a eleição vire um "choque de programas" (governo Lula x governo FHC).

Serra quer "choque de biografias" (o ex-ministro e governador "experiente" x a ministra "inexperiente").

O problema é o choque de egos entre os tucanos.

Quem vai guardar o ego de FHC no apartamento dele, em Higienópolis? Só Dona Ruth conseguiria...

Pensando bem, não é justo exigir tal esforço de FHC, a essa altura da vida.

Deixa o FHC falar à vontade! Faz bem pra ele. E, certamente, fará um bem enorme ao país...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Rap para Boris Casoy

Perguntas incômodas para a Folha

Reproduzo abaixo instigante artigo do professor Emir Sader, publicado na Agência Carta Maior com o sugestivo título “Questionário para os jornalistas da FSP (Força Serra Presidente)”:


1- Como se sentem ao trabalhar para um jornal que pregou o golpe de militar de 1964 e saudou sua realização?

2- Como se sentem trabalhando em um jornal que emprestou carros para que a Oban disfarçasse suas ações de seqüestro, tortura, desaparição e morte de opositores?

3- Consideram que Octavio Frias é o jornalista em melhores condições de dirigir o jornal e, por isso, desde que seu pai lhe entregou a direção do jornal, permanece no mesmo cargo? Ou está lá porque é uma empresa familiar e tem que ser dirigida pelos seus proprietários? Foram consultados para sua escolha e manutenção no cargo? Foram consultados sobre a composição do Conselho Editorial da publicação?

4- Consideram que houve ditabranda e não ditadura? Se discordou do editorial do jornal, teve possibilidade de manifestar sua opinião?

5- Se é uma empresa familiar, uma oligarquia familiar, consideram que o jornal tem moral para julgar que é democrático e quem não é?

6- Como se sentiu diante do artigo de um colunista da FSP com acusações sem nenhum fundamento ao Lula?

7- Como se sentiu quando a FSP publicou um artigo de um psicanalista na primeira página, dizendo, já no título, que o governo tinha assassinado mais de 100 pessoas no aeroporto de Congonhas? E depois nem se retratou, quando saiu o relatório final do acidente?

8- Sabe que a FSP teve um tempo glorioso, quando foi dirigida por Claudio Abramo – que hoje se enojaria com o que se tornou o jornal que ele dirigiu?

9- Consegue ler a página 2 – editoriais e artigos tucanos?

10- Não sente vergonha de trabalhar na FSP, por tudo isso e muito mais?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A mídia contra a Constituição

Reproduzo abaixo esclarecedor artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

Foi realmente assustadora a violenta e articulada reação dos setores mais conservadores da sociedade brasileira ao III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Destacam-se nessa reação os grupos de mídia que, além de reagirem, eles próprios, agendam e massificam a reação conservadora como se ela constituísse um sentimento coletivo da sociedade brasileira.

Assustadora, sobretudo, porque revela de forma inequívoca a imensa capacidade de manipulação da linguagem e dos fatos que a grande mídia ainda detém, escamoteando interesses corporativos e/ou privados que são, na verdade, o oposto daquilo que simulam ser.

O tema tem sido tratado fartamente neste Observatório. Pretendo, todavia, insistir nas questões pertinentes à comunicação relacionado-as com a posição que vem sendo sistematicamente assumida pelas associações que representam os principais grupos privados do setor – Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) – inclusive em relação à recente 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e ao III PNDH.

Confecom e a Constituição

Uma nota da Abert, assinada por seu presidente e divulgada logo após a realização da 1ª Confecom (18/12/2009) afirmava em seu primeiro parágrafo: "Há quatro meses, a Abert, em conjunto com outras cinco entidades empresariais, decidiu não participar da Conferência Nacional de Comunicação por considerar que o temário do encontro atentava contra princípios constitucionais caros à democracia brasileira. Hoje, os resultados da Confecom demonstram que as nossas preocupações se justificavam."

Um exercício revelador, no entanto, é consultar a relação das quinze propostas "não aprovadas" na Plenária Final da 1ª Confecom. Pelo menos quatro delas se referem diretamente a artigos da Constituição que, como se sabe, há mais de 21 anos aguardam sua regulamentação pelo Congresso Nacional. Está lá:

Proposta 713:

“Os prestadores de serviço de comunicações que transmitem conteúdos audiovisuais, incluindo o rádio e a TV abertos e a TV por assinatura, devem implementar as finalidades educativas, culturais, informativas e artísticas previstas na Constituição Federal, devendo reservar no mínimo 10% da [sic] horas veiculadas semanalmente a cada uma destas. Também em cumprimento ao Artigo 221, a televisão aberta deve respeitar patamares mínimos de 30% de conteúdos regionais e de produções independentes na oferta a uma determinada área, respeitando-se as diferenças de abrangência das emissoras (local, estadual e nacional) e de perfil (pública, privada, aberta e fechada)”.

Como explicitado no texto da própria proposta, trata-se da regulamentação do artigo 221, especificamente no que se refere aos incisos I – "preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" – e III – "regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei".

Proposta 440:

“Aprovar legislação que determine cotas crescentes nas emissoras de televisão de sinal aberto e fechado para que [sic] a veiculação de animação produzida nacionalmente, garantindo participação majoritária de produções independentes e de formas de financiamento compatíveis com o fortalecimento do setor”.

Trata-se aqui de regulamentar o inciso II do mesmo artigo 221 da Constituição, que diz: "Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação".

Proposta 3:

“Instituir que a publicidade de bebidas alcoólicas, independentemente da graduação, conceda contrapartidade [sic] proporcional para veiculação de campanhas de utilidade pública do Ministério da Saúde sobre os riscos e cuidados que a população deve ter com relação ao consumo de álcool, que encontream [sic] no Brasil fatores sociais e culturais pra [sic] o seu uso”.

Esta proposta refere-se à regulamentação do § 4º do artigo 220 que diz: "A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso".

Proposta 7:

“Garantia de redistribuição de concessões de rádio e TV de forma a garantir a participação de todos os segmentos no espectro eletromagnético, mantendo a proporcionalidade de 1/3 dos canais para o setor público, 1/3 para o setor privado e 1/3 para o setor estatal”.

Aqui se propõe a regulamentação do "princípio da complementaridade" contido no caput do artigo 223 que diz: "Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal".

A "não aprovação" dessas propostas – que eventualmente poderiam se transformar em projetos de lei a serem enviados ao Congresso Nacional – revela a verdadeira correlação de forças que prevaleceu na 1ª Confecom: até mesmo propostas de regulamentação de artigos da Constituição não lograram aprovação. Diante deste fato, como afirmar que "os resultados da Confecom demonstram que as nossas [da Abert] preocupações [em relação a ‘atentados contra princípios constitucionais caros à democracia brasileira’] se justificavam"?

O III PNDH e a Constituição

Da mesma forma, as diretrizes contidas no III PNDH, aprovado pelo decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, mereceram veemente condenação pública das entidades representativas dos principais grupos de mídia – ANJ, ANER, Abert – por meio de nota à imprensa publicada no dia 8 de janeiro. Diz a nota: "As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros manifestam sua perplexidade diante das ameaças à liberdade de expressão contidas no Decreto nº 7.037(...)”.

Quais são essas ameaças? Segundo a nota, “a criação de uma comissão governamental que fará o acompanhamento da produção editorial das empresas de comunicação e estabelecerá um ranking dessas empresas, no que se refere ao tema dos direitos humanos” e “[a previsão de punições] – e até mesmo cassação de outorga, no caso dos veículos de radiodifusão – para as empresas de comunicação que não sigam as diretrizes oficiais em relação aos direitos humanos”. E a nota afirma ainda que: “Não é democrática e sim flagrantemente inconstitucional a idéia de instâncias e mecanismos de controle da informação”.

Em primeiro lugar é preciso lembrar que o inciso II, do § 3º do Artigo 220 da Constituição, prescreve uma lei federal, vale dizer, um marco regulatório, que "garanta à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221". Está escrito:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 3º - Compete à lei federal:

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.


O que exatamente o III PNDH está propondo na aérea de comunicação? Dele constam uma única diretriz (a de número 22) e dois objetivos estratégicos. Vale a pena ler diretamente o texto do programa:

Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos.

Objetivo Estratégico I:

Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos.

Ações Programáticas:

a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição Federal, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação prevendo penalidades administrativas como advertências, multas, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Recomendações:

Recomenda-se inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação de concessões públicas.

Recomenda-se ao Ministério Público assegurar a aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias.

b) Promover o diálogo com o Ministério Público para a proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos.

c) Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos.

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

Recomendação: Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em Direitos Humanos.

e) Desenvolver programas de formação nos meios de comunicação públicos como instrumento de informação e transparência das políticas públicas, de inclusão digital e de acessibilidade.
Recomendação: Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios o incentivo aos órgãos da mídia para inclusão dos princípios fundamentais de Direitos Humanos em seus materiais de redação e orientações editoriais.

f) Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais.
Recomendação: Recomenda-se aos Municípios o incentivo às rádios comunitárias.

g) Promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso de pessoas com deficiência sensorial à programação em todos os meios de comunicação e informação, em conformidade com o Decreto nº. 5.296/2004, bem como acesso a novos sistemas e tecnologias, incluindo internet.

Objetivo Estratégico II:

Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação.

Ações Programáticas:

a) Promover parcerias com entidades associativas de mídia, profissionais de comunicação, entidades sindicais e populares para a produção e divulgação de materiais sobre Direitos Humanos.

b) Incentivar pesquisas regulares que possam identificar formas, circunstâncias e características de violações dos Direitos Humanos na mídia.

c) Incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e similares, voltada para a educação em Direitos Humanos e que reconstrua a história recente do autoritarismo no Brasil, bem como as iniciativas populares de organização e de resistência.


O que poderia ser considerado inconstitucional nestas propostas? Lembre-se: para se concretizar elas teriam de se transformar em projetos de lei, tramitar e, eventualmente, serem aprovadas no Congresso Nacional.

Registre-se ainda que as empresas concessionárias dos serviços públicos de radiodifusão no Brasil – que se consideram "perplexas" e "ameaçadas" pelas recomendações do III PNDH – gozam de privilégios únicos em relação a todos os outros concessionários de serviços públicos. A Constituição garante a elas condições excepcionais tanto para a não-renovação como para o cancelamento de suas concessões. Veja o que dizem os §s 2º e 4º do artigo 223:

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.


A mídia acima da lei

Um editorial do principal jornal de Goiás – O Popular –, a propósito do III PNDH, é emblemático do tipo de linguagem que está sendo usado país afora pela grande mídia. Sob o título de "Ardil totalitário”, o editorialista convoca a sociedade a reagir ao que chama indistintamente de "ardil", "armadilha" e "ensaio" totalitários. Cita como exemplos de "uma escalada na direção de objetivos sombrios" os projetos do "Conselho de Jornalismo, a reação à exigência do diploma [sic] e o desrespeito a princípios éticos". E se coloca, claro, ao lado da democracia e daqueles que lutaram contra "os terríveis obstáculos para a retomada do estado de direito e para a reconquista das liberdades" no Brasil.

Um estrangeiro que chegasse ao país e lesse o editorial de O Popular imaginaria que estamos vivendo – ou estaríamos prestes a viver – sob o tacão de uma ditadura totalitária, na qual os cidadãos estariam privados de suas liberdades fundamentais e a imprensa amordaçada pela censura oficial do Estado. Apesar de todas as transformações e potencialidades das formas alternativas de comunicação que a revolução digital representa, a mídia tradicional tem demonstrado que seu poder ainda é enorme, independente dos fatos e de qual seja a opinião da maioria da população brasileira.

Não serei o primeiro a constatar que a grande mídia brasileira – ao contrário de todas as outras pessoas e/ou instituições – tem se colocado acima das leis e do Judiciário e, para isso, tem se apropriado do argumento de defesa da Constituição, das liberdades e da democracia. Ao mesmo tempo, distorce e omite informações, sataniza movimentos sociais, partidos, grupos e pessoas que não compartilham de seus interesses, projetos e posições e, assim, estimula a intolerância, a radicalização política e o perigoso estreitamento do debate público.

E assim iniciamos o ano eleitoral de 2010.

BBB da TV Globo, um programa imbecil

Reproduzo abaixo o provocativo cordel do poeta baiano Antonio Barreto, intitulado “Big Brother Brasil – um programa imbecil”. Ele atiça a reflexão de milhões de brasileiros embasbacados com o reality show da TV Globo:


Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.

Há muito tempo não vejo
Um programa tão ‘fuleiro’
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.

Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, ‘zé-ninguém’
Um escravo da ilusão.

Em frente à televisão
Lá está toda a família
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme ‘armadilha’..

Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.

O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.

Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.

Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação.

Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Dar muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.

Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social
Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério – não banal.

Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.

A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os “heróis” protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.

Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.

Talvez haja objetivo
“professor”, Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.

Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude..

É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos “belos” na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.

Se a intenção da Globo
É de nos “emburrecer”
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.

A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.

E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.

E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.

E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.

A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.

Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.

Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?

Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal…
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal…

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cria de Serra, Kassab afunda São Paulo

O prefeito demo da capital paulista, Gilberto Kassab, está se afogando no lamaçal das enchentes de São Paulo. A sua popularidade tem despencado, como constatou recente pesquisa do Ibope; os protestos populares contra a sua gestão se intensificam, como nas vaias dos alagados do Jardim Pantanal; e até a mídia demo-tucana passou a isolá-lo, temendo que o seu desgaste atrapalhe os planos do seu criador, José Serra, o presidenciável da oposição da liberal-conservadora. Algumas manchetes dos jornalões e comentários de âncoras da TV sinalizam que Kassab já foi rifado!

É bom lembrar que José Serra traiu descaradamente o PSDB, apunhalando o candidato oficial do partido, Geraldo Alckmin, para apoiar seu capacho demo. Em recente entrevista, Gilberto Kassab brincou que “durmo de paletó e gravata” para atender aos telefonemas do governador, conhecido por ser notívago. O declínio do prefeito deve tirar ainda mais o sono do governador, que gostaria de vê-lo como seu substituto cordato no Palácio dos Bandeirantes. A queda da sua popularidade fortalece a postulação do arqui-rival Alckmin, que até hoje não engoliu a traição de José Serra.

Insensibilidade social dos demos-tucanos

A pesquisa do Ibope, instituto atrelado aos demos-tucanos, foi a gota d’água– termo que apavora Serra e Kassab nestes dias de chuva. Ela registrou que a aprovação da gestão de Gilberto Kassab despencou de 46%, em novembro de 2008, para 28%. O Ibope até tentou relativizar a queda. Diz que ela se deve as enchentes e ao aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). “Há que se levar em conta que a pesquisa anterior foi feita após as eleições. O clima era outro. Agora estamos vivendo as enchentes”, afirma Márcia Cavallari, diretora executiva do instituto.

Mas não são apenas as inundações e o aumento do IPTU que causaram a queda de popularidade do demo. É o conjunto da obra desta prefeitura inepta e sem compromissos sociais. Como aponta excelente reportagem da Revista do Brasil, escrita por Antonio Biondi e Marcel Gomes, a capital paulista regrediu violentamente nas duas últimas gestões de José Serra e de sua cria, Kassab. Os investimentos nas áreas sociais despencaram, apesar do aumento da arrecadação da prefeitura. A insensibilidade social dos demos-tucanos é realmente crônica e patológica!

Culpa pelas mortes nas enchentes

No caso das enchentes, que já causaram dezenas de mortes e aterrorizam a cidade, não dá para culpar exclusivamente Deus e o povo – como alardeia a mídia demo-tucana. Kassab tem culpa no cartório e até poderia ser processado na Justiça. De 2006 a 2009, a prefeitura cortou R$ 353 milhões em ações de combate a enchentes. Ela usou menos de 8% dos R$ 18,4 milhões previstos no Orçamento de 2009 para construir piscinões, indispensáveis para amenizar as tragédias. “Para 2010, o prefeito destinou apenas R$ 25 milhões para obras e gerenciamento das áreas de risco.

O mesmo descaso criminoso se dá em outras áreas essenciais, principalmente para as populações mais carentes da capital. A saúde pública está abandonada, terceirizada e privatizada. Em 2009, Kassab anunciou com grande estardalhaço a utilização de R$ 90 milhões na construção de três hospitais: Brasilândia, Vila Matilde e Parelheiros. Apenas R$ 43 mil foram gastos (na sondagem do terreno da Brasilândia). Enquanto isto, a saúde é repassada para fajutas Organizações Sociais (OSs), que priorizam a “redução de custos” e precarizam o atendimento médico e hospitalar.

A crueldade dos albergues fechados

A assistência social é outra área que sofreu brutal regressão. Em 2003, a população de moradores rua era formada por 10.400 pessoas. Atualmente, já são mais 20 mil pessoas vagando pelas ruas. Neste cenário, o fechamento dos albergues foi uma crueldade. Uma assistente social entrevistada pela Revista do Brasil relata: “Ninguém conhece a realidade dessas pessoas, a mídia não mostra. Os moradores reclamam do fechamento de albergues e dizem que são levados de um lado a outro pelas peruas do ‘São Paulo Protege’. Não há política de inclusão, mas eles não têm como reagir”.

A prefeitura simplesmente fechou a estação coletora de lixo reciclável da Boracéia, reconhecida por sua ação reintegradora da população de rua. “Ali, os catadores tinham abrigo até para os seus cachorros. O projeto e 15 outras estações foram encerrados. Faz parte da linha higienista imposta à região central. Assim como a evacuação dos prédios São Vito, Prestes Maia e Mercúrio, que simbolizavam a resistência e a chance das classes mais pobres viverem no centro – mediante um projeto de recuperação dos imóveis para posterior inclusão na política habitacional”.

Ainda no quesito moradia, a gestão Kassab é uma desgraça. A construção em mutirões, apontada por especialistas como uma das formas mais baratas para enfrentar o déficit habitacional, sofreu redução de 75% entre 2004 (R$ 22,4 milhões) e o orçamento da prefeitura (R$ 5,8 milhões) para 2010. Cerca de 1,3 milhão de pessoas vivem em 1.600 favelas e essa população cresce a taxas de quase 4% ao ano. O demo Kassab parece não se incomodar com as suas condições precárias de habitação, que tornam estas famílias mais vulneráveis aos desmoronamentos e alagamentos.

Transporte individual e caos urbano

Já no transporte urbano, o quadro é de caos. Os corredores de ônibus, que foram ampliados na gestão de Marta Suplicy, estão quase paralisados. As verbas para a expansão neste ano sofreram corte de R$ 280 milhões. Já nas obras viárias, que priorizam a circulação de veículos privados, o prefeito promete investir cerca de R$ 4,4 bilhões. O recurso daria para cerca de 20 quilômetros de metro. “Não é à toa que a velocidade média do tráfego nas horas de pico, que já foi de 27 km/h em 1980, hoje está em 17 km/h”, apontam os jornalistas Antonio Biondi e Marcel Gomes.

Em 2008, na véspera das eleições municipais, a mídia deu uma forçinha para o candidato demo, exibindo a exaustão as imagens do governador José Serra entregando cheques gigantes a Kassab. Eles “simbolizavam” parte do R$ 1 bilhão que a prefeitura investiria na expansão do metrô. Foi puro teatro eleitoreiro da dupla Serra-Kassab. Naquele ano, a verba investida na Linha 5 (Santo Amaro) não alcançou nem a metade do prometido. Em 2009, a prefeitura destinou apenas R$ 50 milhões dos R$ 218 milhões previstos. Já para 2010, estão previstos somente R$ 5 milhões.

Regressão do CEU e dos programas sociais

Outras duas iniciativas inovadoras da prefeita Marta Suplicy, tão estigmatizada pela mídia demo-tucana, também estão sendo devastadas. Na área da educação, o projeto do Centro Educacional Unificado (CEU), que visava garantir educação de qualidade aos estudantes da periferia, teve seu objetivo desvirtuado. “A grande preocupação do CEU kassabiano é a polícia, não os instrutores, a linha política, a visão de cultura. Em termos de educação e cultura, não há diferença entre escolas de lata e CEUs”, relata um dos especialistas entrevistados pela Revista do Brasil.

Já a experiência bem sucedida encabeçada pelo economista Marcio Pochmann, que foi secretário do Trabalho, Desenvolvimento e Solidariedade na gestão Marta Suplicy e hoje preside o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi esvaziada. Em 2004, último ano da prefeita petista, foram investidos R$ 190 milhões em políticas de geração de emprego e renda nas regiões mais carentes da capital – o que resultou em sensível redução nos indicadores de violência. Até o final do ano passado, o demo Kassab havia aplicado apenas R$ 28 milhões nesta secretaria estratégica.

“Taxab” e o recorde em publicidade

Estes e outros estragos é que explicam a vertiginosa queda de popularidade do prefeito Gilberto Kassab, que acaba respigando nos planos presidenciais do seu criador, José Serra. E não dá para argumentar que houve diminuição dos impostos, exigência dos empresários e da “classe mérdia” que o apoiaram na eleição municipal. Muito pelo contrário. O recente aumento do IPTU deverá injetar mais R$ 564 milhões nos cofres da capital. Tanto que o demo já foi apelidado de Taxab. Na verdade, o dinheiro que falta na área social está sendo desviado para outras prioridades. Para este ano, estão previstos R$ 126 milhões em publicidade – novo recorde na história da cidade.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Dilma Rousseff e o risco do salto alto

Nos últimos dias, a euforia tomou conta da militância que torce pela continuidade do ciclo político aberto no país pelo governo Lula. E não é para menos. As duas mais recentes pesquisas eleitorais, da Sensus e do Vox Populi (que o Jornal Nacional da TV Globo simplesmente não exibiu), confirmam o crescimento da candidatura da ministra Dilma Rousseff. Carlos Montenegro, chefe do Ibope, havia dito que ela não passaria dos 15% e, agora, Dilma quase empata com José Serra. Além de afundar o Botafogo, time que presidiu, o tucaninho se mostrou um péssimo palpiteiro.

O inferno astral demo-tucano

Além das pesquisas, outros fatores justificam o otimismo. Até os gurus da oposição neoliberal já prevêem forte impulso da economia neste ano, o que significa mais empregos, mais renda, mais investimentos públicos – em síntese, maior popularidade de Lula e melhores condições para a sua transferência de votos. Outra boa notícia ocorreu na convenção do PMDB, neste final de semana, na qual os setores mais à direita foram derrotados no seu intento de atrelar este partido de centro – com mais governadores, prefeitos e parlamentares e maior tempo de TV –, aos demos-tucanos.

No outro extremo, a oposição neoliberal-conservadora vive o seu pior momento. Sem discurso e sem propostas, ela já dá sinais de desespero. Fala-se até na desistência do grão-tucano paulista. O “mensalão do DEM”, que ameaça levar à cadeia o governador Arruda – contado para ser vice na “aliança dos carecas”, como brincou o próprio Serra –, enterrou de vez o cínico discurso da ética. O mesmo inferno astral atinge o PSDB. Yeda Crusius afunda no lamaçal de corrupção gaúcha e José Serra está atolado nas enchentes paulistas, o que comprova o fiasco do seu “choque de gestão”.

A interferência do imperialismo ianque

Este quadro positivo, porém, não deve embriagar as forças que apóiam o governo Lula. Qualquer salto alto neste momento pode ser trágico para a montagem da candidatura de Dilma Rousseff. A batalha sucessória de 2010 promete ser das mais duras. Poderosas forças entrarão em campo para abortar a continuidade do atual ciclo político progressista no país e na América Latina. Os EUA, que alguns subestimam na sua agressividade imperialista, têm muitos interesses em jogo. Após presenciar a guinada à esquerda no continente, o “império do mal” tenta reverter esse processo.

Um breve balanço mostra que o imperialismo tem obtido vitórias e recupera terreno na região – seja através de golpes, ocupações militares e até mesmo pela via eleitoral. Em maio passado, o empresário direitista Ricardo Martinelli venceu as eleições no Panamá; em junho, o “democrata” Barack Obama foi cúmplice do golpe em Honduras, o que fez ressurgir o fantasma das ditaduras; no mesmo período, os EUA anunciaram a instalação de seis bases militares na Colômbia; já no Haiti, o mortífero terremoto serviu de pretexto para o envio de milhares de soldados ianques.

A experiência mais emblemática, no entanto, se deu na eleição do Chile. Apesar da popularidade da presidente Michele Bachelet, ela não conseguiu transferir votos ao candidato Eduardo Frei. A direita saiu unificada e as forças de centro à esquerda apresentaram três candidaturas. Resultado: o barão midiático Sebastián Piñera, totalmente servil à política externa dos EUA, venceu o pleito para o delírio da direita latino-americana. É certo que Lula não é Bachelet e que a Concertación não se compara às forças lulistas. Mas, de qualquer forma, é bom colocar as barbas de molho.

Um desastre para a América Latina

Estes processos recentes – somados ao acelerado desgaste do governo Cristina Kirchner e à nova ofensiva de desestabilização da direita venezuelana – confirmam o influxo na correlação de força no continente. Num ótimo artigo no jornal britânico Guardian, o sociólogo Mark Weisbrot alerta que os EUA estão muito interessados nas eleições de outubro no Brasil. Com base na Freedom of Information Act – a lei que permite obter, na Justiça, informações sigilosas do governo ianque –, ele revela que o imperialismo continua bastante ativo no país, interferindo na política brasileira, como no subsídio a um seminário sobre fidelidade partidária, em 2005.

Para ele, a sucessão presidencial no Brasil é decisiva para o futuro dos governos progressistas da América Latina e para o processo de integração regional. “Se o PT de Lula perder a eleição no outono, isso seria outra vitória para o Departamento de Estado dos EUA. Embora as autoridades do Departamento de Estado sob Bush e Obama tenham mantido postura amigável em relação ao Brasil, é obvio que eles se ressentem profundamente das mudanças na política externa brasileira que aliaram o país e outros governos social-democratas do hemisfério e se ressentem da posição independente do Brasil em relação ao Oriente Médio, ao Irã e a outros lugares”.

Direita brasileira afia as garras

Além da ação direta ou enrustida do imperialismo, a direita brasileira jogará a sua cartada decisiva no pleito de outubro. Caso seja derrotado, o bloco neoliberal-conservadora terá dificuldades para se recompor e tende a se fragilizar ainda mais – como novo esvaziamento dos demos e tucanos. Não é para menos que a direita nativa já afia as suas garras. A postura raivosa adotada diante do Plano Nacional de Direitos Humanos lembra as famigeradas “marchas com Deus, pela família e pela liberdade”, que prepararam o clima para o golpe de 1964. A oposição ao PNDH-3 uniu os setores mais reacionários das Forças Armadas, dos ruralistas, da cúpula católica e da mídia.

Já a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do MST não objetiva apenas criminalizar os movimentos sociais e impedir a atualização dos índices de produtividade rural. Ela tem nítidos objetivos eleitoreiros; visa desgastar o governo Lula e enquadrar o debate sucessório. Em artigo na revista CartaCapital, o professor Wanderley Guilherme dos Santos avalia que a direita ficará cada vez mais agressiva. “A súbita consciência de que a excitação em torno do governador de São Paulo não corresponde à opinião pública pode empurrar os admiradores de Serra, sobretudo os ex-esquerdistas, ao extremismo institucional. Gosto para isso não lhes falta, há muito”.

Jogo sujo da oligarquia midiática

No esforço para barrar a continuidade do projeto mudancista personificado pelo presidente Lula, a direita alienígena e nativa terá a ajuda da mídia hegemônica, o “partido do capital” na atualidade. Aos poucos, as emissoras “privadas” de TV e os jornalões e revistas oligárquicos preparam suas “reporcagens”. Na semana passada, o jornal Zero Hora, pertencente ao grupo gaúcho RBS, que ergueu seu império durante a ditadura, publicou a série “Os infiltrados”. O objetivo foi defender a anistia dos agentes da repressão. De quebra, ela insinuou que a Dilma Rousseff foi “terrorista”.

Num texto publicado no sítio Novae, o jornalista Cristovão Feil evidencia que a campanha contra a provável candidata do presidente Lula será das mais sujas. “Temos informações seguríssimas que a matéria do Zero Hora é apenas a primeira de outras tantas que estão sendo preparadas pela imprensa direitista brasileira. A revista Veja já estaria preparando uma matéria sobre o famoso roubo do cofre do ex-governador Adhemar de Barros, de São Paulo, ocorrido em julho de 1969”, com o objetivo explícito de satanizar a ministra Dilma Rousseff, mas de maneira mais requintada.

Uma briga de titãs em 2010

Para unificar e padronizar seu discurso, os barões da mídia inclusive realizarão em 1º de março, em São Paulo, o “Fórum democracia e liberdade de expressão”. Ele reunirá alguns dos principais expoentes da direita midiática, como o fascistóide Denis Rosenfield, o bravateiro Arnaldo Jabor, o pitbul Reinaldo Azevedo e o líder do Opus Dei, Carlos Alberto Di Franco. Entre outros temas, eles debaterão a “ameaça à democracia no Brasil”. O seminário é bancado pelo Instituto Millenium, que reúne vários empresários que apoiaram a ditadura militar no país. O convidado especial será o golpista e corrupto Marcel Granier, presidente da RCTV da Venezuela, que teve sua concessão cassada pelo governo de Hugo Chávez.

Como se observa, a disputa sucessória de 2010 será violenta. Uma briga de titãs. Qualquer salto alto poderá ser fatal. O momento agora é de costurar fortes alianças para uma campanha eleitoral que terá caráter plebiscitário. A experiência chilena ensina que a divisão das forças progressistas pode ser trágica. Nesse sentido, a legítima candidatura do ex-ministro Ciro Gomes é um fator de risco, um complicador que precisa ser superado. Além das necessárias alianças, inclusive com a construção de amplos palanques estaduais, urge formular o programa pós-Lula, que aponte para a necessidade de “avançar nas mudanças”, enfrentando os gargalos e limites da atual experiência.