sexta-feira, 8 de abril de 2011

Crimes econômicos contra a humanidade

Reproduzo artigo de Lourdes Beneria e Carmen Sarasua, publicado no sítio Resistir:

De acordo com o Tribunal Penal Internacional, crime contra a humanidade é "qualquer ato que cause grave sofrimento ou atente contra a saúde mental ou física de quem o sofre, cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil". Desde a Segunda Guerra Mundial que nos familiarizamos com este conceito e com a ideia de que, não importa qual foi a sua dimensão, é possível e obrigatório investigar esses crimes e fazer pagar os culpados.

Situações como as que geraram a crise econômica levaram a que se comece a falar de crimes econômicos contra a humanidade. O conceito não é novo. Já em 1950 o economista neoclássico e prémio Nobel Gary Becker apresentou a "teoria do crime" ao nível microeconômico. A probabilidade de que um indivíduo cometa um crime depende, para Becker, do risco assumido, do espólio potencial e da possível punição.

A nível macroeconômico, o conceito foi usado em discussões sobre as políticas de ajuste estrutural promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, durante os anos oitenta e noventa, que tiveram gravíssimos custos sociais para as populações na África, América Latina, Ásia (durante a crise asiática de 1997-98) e Europa de Leste. Muitos analistas apontaram estes organismos, as políticas que patrocinaram e os economistas que as conceberam como responsáveis, especialmente o FMI, que foi muito criticado após a crise asiática.

Hoje são os países ocidentais, os que sofrem os custos sociais da crise financeira e de emprego, e dos planos de austeridade que supostamente estão contra ela. A perda dos direitos fundamentais, tais como habitação, emprego e o sofrimento de milhões de famílias que vêem em perigo a sua sobrevivência, são exemplos dos custos assustadores desta crise. Famílias que vivem na pobreza estão crescendo sem parar. Mas quem são os responsáveis? Os mercados, lemos e ouvimos todos os dias.

Num artigo publicado na Business Week em 20 de Março de 2009 sob o título "Crimes econômicos da Wall Street contra a humanidade ", Shoshana Zuboff, ex-professor da Harvard Business School, argumenta que o fato de os responsáveis pela crise negarem as consequências das suas acções demonstra "a banalidade do mal" e o "narcisismo institucionalizado" nas nossas sociedades. É uma demonstração da falta de responsabilidade e de "distanciamento emocional" dos que acumularam somas milionárias e agora negam qualquer ligação com o dano provocado. Culpar apenas o sistema não é aceitável, argumentava Zuboff, tal como não teria sido acusar dos crimes nazis apenas as ideias, e não quem os cometeu.

Quem são os "mercados"?

Culpar o mercado é realmente permanecer na superfície do problema. Há responsáveis e são pessoas e instituições concretas: são aqueles que defenderam a liberalização selvagem dos mercados financeiros; são os executivos e empresas que beneficiaram com os excessos do mercado durante o "boom" financeiro; os que permitiram as suas práticas e os que lhes permitem agora poderem ficar livres e fortalecidos, com mais dinheiro público, a troco de nada.

Empresas como a Lehman Brothers e Goldman Sachs, que permitiram a proliferação de créditos lixo, auditoras que supostamente garantiam as contas das empresas, e gente como Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal norte-americana durante os governos Clinton e Bush, opositor radical da regulação dos mercados financeiros.

A Comissão do Congresso dos EUA sobre as origens da crise tem sido esclarecedora a tal respeito. Criada pelo presidente Obama em 2009 para investigar as acções ilegais ou criminosas da indústria financeira, entrevistou mais de 700 especialistas. O seu relatório, divulgado em janeiro passado, concluiu que a crise poderia ter sido evitada. Assinala falhas no sistema de regulação e supervisão financeira do governo e das empresas, nas práticas contabilísticas e de auditoria e na transparência nos negócios.

A Comissão investigou o papel direto de alguns gigantes da Wall Street no desastre financeiro, por exemplo, no mercado de subprimes, e o das agências responsáveis pela classificação de títulos. É importante compreender os diferentes graus de responsabilidade de cada actor deste drama, mas não é admissível o sentimento de impunidade sem "responsáveis".

Quanto às vítimas de crimes econômicos, em Espanha 20% do desemprego desde há mais de dois anos significa um enorme custo humano e económico. Milhares de famílias sofrem as consequências de terem acreditado que os salários pagariam hipotecas milionárias: 90 mil execuções hipotecárias em 2009 e 180 mil em 2010. Nos EUA, a taxa de desemprego é metade da espanhola, mas corresponde a cerca de 26 milhões de desempregados, o que significa um tremendo aumento da pobreza num dos países mais ricos do mundo.

De acordo com a Comissão sobre Crise Financeira, mais de quatro milhões de famílias perderam as suas casas, e 4,5 milhões estão em processo de despejo. Onze mil milhões de dólares de "riqueza familiar" "desapareceram" quando os seus bens, como casas, pensões e poupanças perderam valor. Outra consequência da crise é o seu efeito sobre os preços de alimentos e outros produtos básicos, sectores para onde os especuladores estão desviando o seu capital. O resultado é a inflação dos seus preços e a pobreza a aumentar ainda mais.

Em alguns casos notórios de fraude, como a de Madoff, o autor está preso e a acusação contra ele mantém-se porque as suas vítimas têm poder económico. Mas, em geral, os que provocaram a crise não só tiveram um lucro fabuloso, como não temem a punição. Ninguém investiga as suas responsabilidades nem as suas decisões. Os governos protegem-nos e o aparelho judiciário não os persegue.

O exemplo da Islândia

Se tivessemos noções claras do que é um crime econômico e se houvesse mecanismos para os investigar e processar poderiam ter sido evitados muitos dos problemas actuais. Não é utopia. A Islândia oferece um exemplo interessante. Em vez de socorrer os banqueiros que arruinaram o país em 2008, os promotores abriram um inquérito criminal contra os responsáveis. Em 2009, todo o governo teve que se demitir e o pagamento da dívida da banca foi bloqueado. A Islândia não socializou os prejuízos como estão fazendo muitos países, incluindo Espanha, mas aceitou que os responsáveis fossem punidos e os seus bancos falissem.

Da mesma forma como foram criadas instituições e procedimentos para julgar os crimes políticos contra a humanidade, é hora de fazer o mesmo com os econômicos. Este é um bom momento, dada a sua existência difícil de refutar. É urgente que a noção de "crime econômico" seja incorporada ao discurso da cidadania e se compreenda a sua importância para a construção da democracia política e económica. Pelo menos vamos ver a necessidade de regular os mercados, para que, como diz Polanyi, estejam ao serviço da sociedade, e não vice-versa.

* Lourdes Beneria é professora de economia na Universidade Cornell e Carmen Sarasua é professora de História Econômica na Universidade Autonoma de Barcelona.

A verdade sobre o relatório da PF

Reproduzo reportagem de Leandro Fortes, publicada no sítio da revista CartaCapital:

O escândalo do mensalão voltou à cena. Em páginas recheadas de gráficos, infográficos, tabelas e quadros de todos os tipos e tamanhos, a revista Época anunciou, na edição que chegou às bancas no sábado 2, ter encontrado a pedra fundamental da mais grave crise política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2005 e 2006. Com base em um relatório sigiloso da Polícia Federal, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, a semanal da Editora Globo concluiu sem mais delongas: a PF havia provado a existência do mensalão e o uso de dinheiro público no esquema administrado pelo publicitário Marcos Valério de Souza. Outro aspecto da reportagem chamada atenção: o esforço comovente em esconder o papel do banqueiro Daniel Dantas no financiamento do valerioduto. Alguns trechos pareciam escritos para beatificar o dono do Opportunity, apresentado como um empresário achacado pela sanha petista por dinheiro.

As provas do descalabro estariam nas 332 páginas do inquérito 2.474, tocado pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, da Divisão de Combate a Crimes Financeiros da PF e encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, relator no STF do processo do “mensalão”. Inspirados no relato de Época, editorialistas, colunistas e demais istas não tiveram dúvidas: o mensalão estava provado. Estranhamente, a mesma turma praticamente silenciou a respeito dos trechos que tratavam de Dantas.

Infelizmente, os leitores de Época não foram informados corretamente a respeito do conteúdo do relatório escrito, com bastante rigor e minúcias, pelo delegado Zampronha. Em certa medida, sobretudo na informação básica mais propalada, a de que o “mensalão” havia sido confirmado, esses mesmos leitores foram enganados. Não há uma única linha no texto que confirme a existência do tal esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base governista em troca de apoio a projetos do governo no Congresso Nacional.

Ao contrário. Em mais de uma passagem, o policial faz questão de frisar que o inquérito, longe de ser o “relatório final do mensalão”, é uma investigação suplementar do chamado “valerioduto”, solicitada pela Procuradoria Geral da República, para dar suporte à denúncia inicial, esta sim baseada na tese dos pagamentos mensais. Trata, portanto, da complexa rede de arrecadação, distribuição e lavagem de dinheiro sujo montada por Marcos Valério. Zampronha teve, inclusive, o trabalho de relatar como esse esquema a envolver financiamento ilegal de campanha e lobbies privados começou em 1999, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e terminou em 2005, na administração Lula, após ser denunciado pelo deputado Roberto Jefferson, do PTB. Ao longo do texto, fica clara a percepção do delegado de que nunca houve “mensalão” (o pagamento mensal a parlamentares), mas uma estratégia mafiosa de formação de caixa 2 e que avançaria sobre o dinheiro público de forma voraz caso não tivesse sido interrompida pela eclosão do escândalo.

Na quarta-feira 6, CartaCapital teve acesso ao relatório. Para não tornar seus leitores escravos da interpretação exclusiva da reportagem que se segue, decidiu publicar na internet (www.cartacapital.com.br) a íntegra do documento. Assim, os interessados poderão tirar suas próprias conclusões. Poderão verificar, por exemplo, que o delegado ateve-se a identificar as fontes de financiamento do valerioduto. E mais: notar que Dantas é o principal alvo do inquérito.

Ao contrário do que deu a entender a revista Época, não se trata do “relatório final” sobre o mensalão. Muito menos foi encomendado pelo ministro Barbosa para esclarecer “o maior escândalo de corrupção da República”, como adjetiva a semanal. Logo na abertura do relatório, Zampronha faz questão de explicar – e o fará em diversos trechos: a investigação serviu para consolidar as informações relativas às operações financeiras e de empréstimos fajutos do “núcleo Marcos Valério”. Em seguida, trata, em 36 páginas (mais de 10% de todo o texto), das relações de Marcos Valério com Dantas e com os petistas. À página 222, anota, por exemplo: “Pelos elementos de prova reunidos no presente inquérito, contata-se que Marcos Valério atuava como interlocutor do Grupo Opportunity junto a representantes do Partido dos Trabalhadores, sendo possível concluir que os contratos (de publicidade) realmente foram firmados a título de remuneração pela intermediação de interesse junto a instâncias governamentais”.

O foco sobre Dantas não fez parte de uma estratégia pessoal do delegado. No fim do ano passado, a Procuradoria Geral da República determinou à PF a realização de diligências focadas no relacionamento do valerioduto com as empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. As três operadoras de telefonia, controladas à época pelo Opportunity, mantinham vultosos contratos com as agências DNA e SMP&B de Marcos Valério. Zampronha solicitou todos os documentos referentes a esses pagamentos, tais como contratos, recibos, notas fiscais e comprovantes de serviços prestados. A conclusão foi de que a dupla Dantas-Valério foi incapaz de comprovar os serviços contratados.

As análises financeiras dos laudos periciais encomendados ao Instituto Nacional de Criminalística da PF revelaram que, entre 1999 e 2002, no segundo governo FHC, apenas a Telemig Celular e a Amazônia Celular pagaram às empresas de Marcos Valério, via 1.169 depósitos em dinheiro, um total de 77,3 milhões de reais. Entre 2003 e 2005, no governo Lula, esses créditos, consumados por 585 depósitos das empresas de Dantas, chegaram a 87,4 milhões de reais. Ou seja, entre 1999 e 2005, o banqueiro irrigou o esquema de corrupção montado por Marcos Valério com nada menos que 164 milhões de reais. O cálculo pode estar muito abaixo do que realmente pode ter sido transferido, pois se baseia no que os federais conseguiram rastrear.

Segundo o relatório, existem triangulações financeiras típicas de pagamento de propina e lavagem de dinheiro. Em uma delas, realizada em 30 de julho de 2004, a Telemig Celular pagou 870 mil reais à SMP&B, depósito que se somou a outro, de 2,5 milhões de reais, feito pela Brasil Telecom. O total de 3,4 milhões de reais serviu de suporte para transferências feitas em favor da empresa Athenas Trading, no valor de 1,9 milhão de reais, e para a By Brasil Trading, de 976,8 mil reais, ambas utilizadas pelo esquema de Marcos Valério para mandar dinheiro ao exterior por meio de operações de câmbio irregulares, de modo a inviabilizar a identificação dos verdadeiros beneficiários dos recursos. Em consequência, Zampronha repassou ao Ministério Público Federal a função de investigar se houve efetiva prestação de serviços por parte das agências de Marcos Valério às empresas controladas pelo Opportunity.

A principal pista da participação de Dantas na irrigação do valerioduto surgiu, porém, a partir de uma auditoria interna da Brasil Telecom, realizada em 2006. Ali demonstrou-se que, às vésperas da instalação da CPMI dos Correios, em 2005, na esteira do escândalo do “mensalão” e no momento em que a permanência do Opportunity no comando da telefônica estava sob ameaça, a DNA e a SMP&B celebraram com a BrT contratos de 50 milhões de reais. Dessa forma, as duas empresas de Marcos Valério puderam, sozinhas, abocanhar 40% da verba publicitária da Brasil Telecom. Isso sem que a área de marketing da operadora tivesse sido consultada.

Ao delegado, Dantas afirmou que, a partir de 2000, ainda no governo FHC, passou a “sofrer pressões” da italiana Telecom Italia, sócia da BrT. Em 2003, já no governo Lula, o banqueiro afirma ter sido procurado pelo então ministro-chefe da Casa Civil, o ex-deputado José Dirceu, com quem teria se reunido em Brasília.

Na conversa com Dirceu, afirma Dantas, o ministro teria se mostrado interessado em resolver os problemas societários da BrT e encerrar o litígio do Opportunity com os fundos de pensão de empresas estatais. O Palácio do Planalto teria escalado o então presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb, para cuidar do assunto. Casseb viria a ser um dos alvos da arapongagem da Kroll a pedido do Opportunity. O caso, que envolveu a espionagem de integrantes do governo FHC e da administração Lula, baseou a Operação Chacal da PF em 2004.

Dantas afirmou ter se recusado a “negociar” com o PT. Após a recusam acrescenta, as pressões aumentaram e ele teria começado a ser perseguido pelo governo. Mas o banqueiro não foi capaz de provar nenhuma das acusações, embora seja claro que petistas se aproveitaram da guerra comercial na telefonia para extrair dinheiro do orelhudo. Só não sabiam com quem se metiam. Ou sabiam?

O fundador do Opportunity também repetiu a versão de que um de seus sócios, Carlos Rodemburg, havia sido procurado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, acompanhado de Marcos Valério, para ser informado de um déficit de 50 milhões de reais nas contas do partido. Teria sido uma forma velada de pedido de propina, segundo Dantas, nunca consolidado. O próprio banqueiro, contudo, admitiu que Delúbio não insinuou dar nada em troca da eventual contribuição solicitada. Negou, também, que tenha mantido qualquer relação pessoal ou comercial com Marcos Valério, o que, à luz das provas recolhidas por Zampronha, soam como deboche. “O depoimento de Daniel Dantas está repleto de respostas evasivas e esquecimentos de datas e detalhes dos fatos”, informou no despacho ao ministro Barbosa.

Chamou a atenção do delegado o fato de os contratos da BrT com as agências de Marcos Valério terem somado os exatos 50 milhões de reais que teriam sido citados por Delúbio no encontro com Rodemburg. Para Zampronha, a soma dos contratos, assim como outras diligências realizadas pelo novo inquérito, “indicam claramente” que, por algum motivo, o Grupo Opportunity decidiu efetuar os repasses supostamente solicitados por Delúbio, com a intermediação das agências de Marcos Valério, como forma de dissimular os pagamentos.

Os contratos da DNA e da SMP&B com a Brasil Telecom, segundo Zampronha, obedecem a uma sofisticada técnica de lavagem de dinheiro, usada em todo o esquema de Marcos Valério, conhecida como commingling (mescla, em inglês). Consiste em misturar operações ilícitas com atividades comerciais legais, de modo a permitir que outras empresas privadas possam se valer dos mesmos mecanismos de simulação e superfaturamento de contratos de publicidade para encobrir dinheiro sujo. No caso da BrT, cada um dos contratos, no valor de 25 milhões de reais, exigia contratação de terceiros para serem executados. Além disso, havia a previsão de pagamento fixo de 187,5 mil reais mensais às duas agências do Valerioduto, referente à prestação de serviços de “mídia e produção”.

Surpreendentemente, e contra todas as evidências, Dantas disse nunca ter participado da administração da BrT. Por essa razão, não teria condições de prestar qualquer informação sobre os contratos firmados pela então presidente da empresa, Carla Cicco, indicada por ele, com as agências de Marcos Valério. De volta a Itália desde 2005, Carla Cicco informou à PF não ter tido qualquer participação ou influência na contratação das agências, apesar de admitir ter assinado os contratos. Disse ter se encontrado com Marcos Valério uma única vez, numa reunião de trabalho com representantes da DNA.

O protagonismo de Dantas no valerioduto e o desmembramento da rede de negócios montada por Marcos Valério, desde 1999, nos governos do PSDB e do PT são elementos que, no relatório da PF, desmontam, por si só, a tese do pagamento de propinas mensais a parlamentares. Ou seja, a tese do “mensalão”, na qual se baseou a denúncia da PGR encaminhada ao Supremo, não encontra respaldo na investigação de Zampronha, a ponto de sequer ser considerada como ponto de análise.

O foco do delegado é outro crime, gravíssimo e comum ao sistema político brasileiro, de financiamento partidário baseado em arrecadação ilícita, montagem de caixa 2 e, passadas as eleições, divisão ilegal de restos de campanha a aliados e correligionários. Por essa razão, ele encomendou os novos laudos detalhados ao INC.

Uma das primeiras conclusões dos laudos de exame contábil foi que Marcos Valério usava a DNA Propaganda para desviar recursos do Fundo de Incentivo Visanet, empresa com participação acionária do Banco do Brasil, e distribui-los aos participantes do esquema do PT e de partidos aliados. O fundo foi criado em 2001 com o objetivo de financiar ações de marketing para incentivar o uso de cartões da bandeira Visa. O Visanet foi, inicialmente, constituído com recursos da Companhia Brasileira de Meios e Pagamentos (CBMP), nome oficial da empresa privada Visanet, e distribuído em cotas proporcionais de um total de 492 milhões de reais a 26 acionistas. Além do BB participam o Bradesco, Itaú, HSBC, Santander, Rural, e até mesmo o Panamericano, vendido recentemente por Silvio Santos ao banqueiro André Esteves. “Para operar tais desvios, Marcos Valério aproveita-se da confusão existente entre a verba oriunda do Fundo de Incentivo Visanet e aquela relacionada ao orçamento de publicidade próprio do Banco do Brasil”, anotou o policial.

O BB repassava mais de 30% do volume distribuído pelo fundo, cerca de 147,6 milhões de reais, valor correspondente à participação da instituição no capital da Visanet. Desse total, apenas a DNA Propaganda recebeu 60,5% do dinheiro, cerca de 90 milhões de reais, entre 2001 e 2005, divididos por dois anos no governo FHC, e por dois anos e meio, no governo Lula. Daí a constatação de que, de fato, por meio da Visanet, o valerioduto foi irrigado com dinheiro público. O que nunca se falou, contudo, é que essa sangria não se deu somente durante o governo petista, embora tenha sido nele o período de maior fartura da atividade criminosa. Quando eram os tucanos a coordenar o fundo, Marcos Valério meteu a mão em ao menos 17,2 milhões de reais.

De acordo com o relatório da PF, Marcos Valério tinha consciência de que agências de publicidade e propaganda representavam um mecanismo eficaz para desviar dinheiro público, por conta do caráter subjetivo dos serviços demandados. Mas havia um detalhe mais importante, como percebeu Zampronha. Com as agências, Valério passou a lidar com a compra de espaços publicitários em diversos veículos de comunicação. “Esta relação econômica estreitava o vínculo do empresário com tais veículos e poderia facilitar o direcionamento de coberturas jornalísticas”.

As Organizações Globo, proprietária da revista Época, sonegou a seus leitores, por exemplo, ter sido a maior beneficiária de uma das principais empresas do valerioduto. À página 68 do relatório, e em outras tantas, a TV Globo é citada explicitamente. Escreve o delegado: “A nota emitida pela empresa de comunicação destaca-se por sua natureza fiscal de adiantamento, “publicidade futura”, isto é, a nota por si só não traz qualquer prestação de serviço, como também não há elementos que vincule os valores adiantados ao fundo de incentivo Visanet”. Zampronha se referia a contratos firmados em 2003 no valor de 720 mil reais e 2,88 milhões de reais. Entre 2004 e 2005, a TV Globo receberia outros pagamentos da DNA, no valor total de 1,2 milhão de reais, lançados na planilha de controle do Fundo Visanet.

Mesmo tratado com simpatia na reportagem da Época, o Opportunity não perdoou. No item 17 de uma longa nota oficial em resposta, o banco atira: “Na Telemig, segundo informações prestadas à CPI do Mensalão, a maioria dos recursos eram repassados às Organizações Globo. Por isso, a apuração desses fatos fica fácil de ser feita pela Época.”

Segundo Zampronha, o objetivo do valerioduto era criar empresas de fachada para auxiliar na movimentação de dinheiro sujo e manter os interessados longe dos órgãos oficiais de fiscalização e controle. O leque de agremiações políticas para as quais Marcos Valério “prestava serviços” era tão grande que não restou dúvida ao delegado: “Estamos diante de um profissional sem qualquer viés partidário”. Isso não minimiza o fato de o PT, além de qualquer outra legenda, ter se lambuzado no esquema. Não fosse a denúncia de Jefferson, o valerioduto teria se inscrutado de forma absoluta no Estado brasileiro e se transformado em uma torneira permanemente aberta por onde jorraria dinheiro público para os cofres petistas.

CartaCapital não espera, como de costume, que esta reportagem tenha repercussões na mídia nativa. À exceção da desbotada tese do mensalão, que serve à disputa político-partidária na qual os meios de comunicação atuam como protagonistas, não há nenhum interesse em elucidar os fatos. O que, se assim for, provará que a sociedade afluente navega tranquilamente sobre o velho mar de lama.

Realengo e os rubros reflexos do massacre

Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog Cinema & Outras Artes:

Os massacres envolvendo franco-atiradores e dezenas de alvos inocentes, geralmente em escolas ou universidades, foram por muito tempo considerado um fenômeno tipicamente norte-americano. Com efeito, até a década de 90 os EUA concentravam quase 90% de ataques do tipo.

As explicações, portanto, orbitavam em torno das idiossincrasias do american way of life, com sua concentração fatídica de culto às armas e à livre-circulação destas, individualismo e consumismo exacerbados, e belicismo como manutenção de um orgulho e poderio nacionais que há tempos encontra-se em decadência.

Por isso mesmo, alguns setores - da esquerda notadamente -, reagiam de forma contraditória: ainda que não deixassem de achar estarrecedor e deplorável a morte de inocentes por tais eventos promovida, nutriam uma indisfarçável satisfação por estes se consubstanciarem como evidência de que algo ia muito mal no seio do Império opressor.

Porém, por motivos que os bem-pensantes ainda não foram capazes de explicar, de uns 15 anos para cá casos semelhantes passaram a se repetir no Japão, na Rússia, na França, na Alemanha. Hoje foi a vez do Brasil, mais exatamente de Realengo, carioquíssimo subúrbio que antes remetia a domingos de calor e músicas de Jorge Benjor - e bairro ao qual Gilberto Gil mandou aquele abraço antes de partir, à força, para o exílio londrino, e, 1968.

Mas os abraços de hoje em Realengo em muito diferem do nobre gesto de superação do exilado, a se despedir em alto astral do país do qual fora apartado: são abraços partidos, de mães que não mais terão seus filhos nos braços; abraços confortadores, desolados, de consolo; abraços que, além de um gesto de afeto irradiam uma mesma pergunta: por quê?

À medida em que a tragédia ia vindo a público, a mídia brasileira – TVs à frente – começava a dar um show de incompetência, manipulação, desrespeito, achismo e despreparo que acabou por fornecer, no Dia do Jornalista, um triste retrato dessa categoria profissional. Num misto de incompetência e má-fé, até o islamismo foi invocado como a razão do massacre, enquanto a emoção dos entrevistados e do espectador era explorada com inédita sem-cerimônia.

Algumas horas antes de saber do massacre eu conversava com uma aluna, prestes a se formar, da qual sou orientador. Com olhos muito vivos, que transmitem uma intensa vida interior, ela pesquisa há tempos sobre um novo modelo de jornalismo, cívico, comunitário, solidário. Por mais que travemos, nessas sessões, uma delicada batalha entre as exigências realistas da academia e seu entusiasmo genuíno, este, nela, acaba sempre por me encantar.

A lembrança dela e de sua pureza de intenções, contrapostas às imagens do massacre e à vergonhosa cobertura midiática, acabou por formar, em mim, uma lúgubre epifania, de uma sociedade onde crianças são mortas sem mais nem porquê, jovens idealistas saem das faculdades para serem moldados em meros instrumentos do comércio jornalístico, e a por si nobre missão de informar a sociedade se transforma numa busca sem barreiras por Ibope, em que a ética e as boas atenções afundam no sangue e na exploração sadomasoquista da dor alheia.

A mídia e a mercantilização do medo

Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no Blog da Boitempo:

Desde os primórdios da humanidade, daquilo que nos é dado a conhecer, pelo menos, o sentimento do medo é inerente a ação e ao comportamento humano. O confronto com a natureza, a proteção mística contra o desconhecido, a luta pela sobrevivência, o inevitável desejo de posse, a tentativa de suplantar a dor física e o sofrimento, para ficarmos com alguns exemplos, são atitudes que caracterizam o relacionamento entre o homem e a sensação de medo.

Muito já terão os pensadores e cientistas sociais discorrido sobre o tema, em particular historiadores, sociólogos e psicólogos. O atual estágio de desenvolvimento humano, contudo, que para o bem e para o mal se confunde com o atual estágio do capitalismo, agregou a essa relação um componente perverso: transformou o medo numa mercadoria.

Que o digam a indústria farmacêutica, a indústria armamentista, os bancos e o capital financeiro especulativo, as grandes seguradoras, os grandes conglomerados midiáticos ao redor do mundo.

Apoiado numa monumental e cínica campanha de marketing, a mercantilização do medo está presente nas páginas dos jornais diários, dos grandes telejornais, nas histórias em quadrinhos, nos filmes de catástrofe e terror, nas novelas de televisão, nos programas de rádio, quando uma sucessão de tragédias, sejam elas individuais ou coletivas, ganharam e ganham destaque em nível nacional ou internacional.

A história da guerra no Iraque é paradigmática. A invasão desse país pelos EUA, sob premissas falsas de procurar armas de destruição em massa, e o criminoso silêncio do mundo, terceirizou o uso de força, com a contratação de tropas e serviços mercenários. Milhões e milhões de dólares foram gastos com roupas, alimentos, remédios, combustível, armas e munições, colocando nos dois pratos da balança os polpudos cheques públicos nas mãos da empresa privada de um lado e o medo, simplesmente o medo, de outro. Os genocidas do governo Bush, entre eles o vice presidente Dick Cheney e a empresa Halliburton sabem exatamente o que significa essa mercantilização do medo.

O medo ao terrorismo, o medo aos muçulmanos selvagens, o medo aos inimigos internos, o medo a culturas diferentes e à diversidade. O medo, enfim, a tudo que não seja branco e de olhos azuis. E que não fale o inglês do Texas ou da Câmara dos Lordes. Ou ainda, de forma mais prosaica, o medo ao desemprego, o medo ao assalto, o medo à infidelidade, o medo ao bullying, o medo à periferia, o medo aos juros bancários, o medo às enchentes, o medo aos terremotos, o medo, o medo, o medo…

Quanto vale o nosso medo do dia a dia nas bolsas de Nova York, Xangai ou mesmo na Bovespa?

"Brasil superou o complexo de vira-lata"

Reproduzo artigo de Marco Aurélio Weissheimer, publicado no sítio Carta Maior:

O sucesso da política externa brasileira nos últimos anos deve-se à presença forte do presidente Lula, à constelação política que se formou no país e também a uma atitude de desassombro, no sentido etimológico da palavra, ou seja, uma atitude de não ter medo da própria sombra. O Brasil deixou de ter medo da própria sombra. Foi assim que o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, definiu a política externa implementada pelo país nos últimos oito anos. O chanceler que percorreu o mundo ao lado do presidente Lula falou para um auditório lotado de estudantes de Relações Internacionais – em sua maioria -, na tarde desta quinta-feira (7), na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Celso Amorim esteve em Porto Alegre a convite do governo gaúcho, com apoio da Fundação de Economia e Estatística (FEE), do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) e do Núcleo de Estratégias e Relações Internacionais (Nerint), da UFRGS. Na abertura do encontro na Faculdade de Direito, o governador Tarso Genro apresentou Amorim como responsável por uma linha de política externa que colocou o Brasil em outro patamar no mundo. E lembrou o reconhecimento internacional que o chanceler brasileiro obteve.

Em 2009, a revista Foreign Policy, uma das mais respeitadas publicações de política externa do mundo, apontou Celso Amorim como o melhor chanceler do mundo. No ano a seguinte, a mesma revista escolheu-o como um dos cem pensadores globais mais importantes do planeta. Só quem parece não ter descoberto isso, assinalou o governador, foi a imprensa brasileira que, durante a gestão de Amorim no Itamaraty, apresentou-o como se fosse “um nacionalista fundamentalista que não gostava dos Estados Unidos”, criticando-o a partir de “uma visão pelega e subserviente de política externa”.

Em sua fala, Celso Amorim, falou do desassombro da atual política externa brasileira e do sentimento que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues definiu como “complexo de vira lata”, ainda muito presente em alguns setores da sociedade brasileira.

“Recentemente li um artigo comentando a Apologia de Sócrates, de Platão, onde ele diz que ser corajoso não é não ter medo, mas sim não ter medo daquilo que não é preciso ter medo. Muito da opinião veiculada pela mídia fica constantemente excitando nosso medo. O medo existe, é algo que está dentro de cada um de nós. Mas precisamos trabalhar para evitar que ele predomine sobre nossos sentimentos, perspectivas e visões”.

Nem os nossos mais ferozes críticos, acrescentou Amorim, podem negar que o Brasil adquiriu uma nova posição no cenário internacional. “Quem fizer uma pesquisa na imprensa internacional a respeito do que foi veiculado sobre o Brasil na época da última eleição presidencial verá como a nossa política externa foi tema de debate fora do país”. Vários adjetivos foram utilizados para definir a nossa política. O jornal Le Monde classificou-a como “imaginativa”. A própria Foreign Policy usou um termo que não é muito comum em língua portuguesa, chamando nossa política de “transformativa”, logo após nosso reconhecimento do Estado palestino.

“Uma amiga minha brincou”, contou Amorim, “que, no final de 2010, quando todo mundo pensava que o governo já tinha acabado, veio o reconhecimento do Estado palestino, e depois, nos últimos dias mesmo, veio a adoção de quotas para negros na primeira fase do exame para o Instituto Rio Branco (Itamaraty). Essas coisas mexem muito com a cabeça das pessoas. Até por isso é alvo de críticas e polêmicas. É uma área da política que mexe muito com conceitos”.

E foi esse, justamente, um dos principais pontos da fala de Amorim. Ele enfatizou a importância do conceito de desassombro na política e na vida (das pessoas e dos Estados), defendendo que o Rio Grande do Sul volte a ter essa postura no cenário nacional. “O Rio Grande do Sul sempre foi um Estado muito politizado que influenciou o Brasil diversas vezes com ideias, energia e vontade política”. Mais do que uma disposição voluntarista, acrescentou, essa é uma exigência do mundo de hoje que está mudando de modo dramático.

A política externa dos governos Lula e Dilma

Questionado sobre uma suposta solução de continuidade entre a política externa do governo Lula e a do governo Dilma, tema que vem sendo martelado com insistência na imprensa brasileira, Amorim negou que isso esteja acontecendo. As linhas gerais da política são as mesmas: defesa do interesse nacional, uma visão de solidariedade em relação aos outros povos e países e princípio da não indiferença em relação aos problemas do mundo.

“Não vejo diferença nem profunda, nem superficial, na condução da nossa política externa. Isso não quer dizer que não possam existir diferenças pontuais na hora de decidir sobre questões particulares”.

Uma dessas diferenças pontuais, que vem sendo objeto de grande interesse midiático, estaria na questão dos direitos humanos. Como costuma acontecer na insólita “diversidade” de opiniões na mídia brasileira, vários colunistas políticos repetem, com algumas variações, o mesmo comentário: enquanto o governo Lula foi pragmático nesta área, fechando os olhos para alguns casos de violação dos direitos humanos, o governo Dilma estaria rumando para uma posição mais principista na área, o que teria sido confirmado pelo recente voto do Brasil na ONU a favor do envio de um relator especial ao Irã para investigar a situação dos direitos humanos naquele país. Sobre esse tema, Celso Amorim comentou:

“Creio que a palavra chave quando se fala em Direitos Humanos é dignidade. Este foi um dos principais conceitos que orientou o governo Lula, tanto em sua luta contra a fome e a pobreza, quanto em seus votos na Organização Mundial do Comércio. Esse debate sobre direitos humanos no plano internacional é muito complexo. Os Estados Unidos já mudaram de posição mais uma vez nesta área em relação a China, por exemplo, dependendo de suas motivações políticas e comerciais. Quem se atreve, por exemplo, a pedir na ONU o envio de um relator especial aos Estados Unidos para investigar a situação dos presos em Guantánamo? É fundamental que a política tenha um substrato moral, mas não podemos esquecer que ela é “política” e, nesta dimensão, na maioria das vezes, o diálogo tem um efeito mais positivo do que condenações”.

Revolta Árabe: o papel central do Egito

Celso Amorim também falou sobre as revoltas que estão ocorrendo em diversos países do Oriente Médio e da África. Para ele, o mundo está atravessando um período de mudanças dramáticas, de consequências ainda imprevisíveis. No caso das chamadas revoltas árabes, o ex-chanceler brasileiro considera que o caso mais importante a acompanhar não é propriamente o da Líbia, país com cerca de 4 milhões de habitantes, mas sim o do Egito, com 80 milhões de habitantes e um posição chave na definição do problema palestino.

Amorim elogiou o voto brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, abstendo-se na votação que aprovou a criação de uma zona de exclusão aérea. E questionou os resultados alcançados até aqui pelas forças da OTAN. Segundo ele, a zona de exclusão aérea instalada no Iraque anos atrás é brincadeira de criança perto do que está sendo feito agora na Líbia e que não se limita a um controle do espaço aéreo. Além disso, a alegada proteção à população civil também está cercada por dúvidas. Há população civil em torno de Kadafi e entre os rebeldes. Estão sendo protegidos ou bombardeados? – questionou.

O ex-titular do Itamaraty defendeu que o Brasil deve continuar a exercer uma diplomacia ativa no mundo. “O Brasil pode e deve influir nos assuntos globais. Isso é de interesse do mundo e do Brasil”, resumiu, lembrando que o nosso país não tem nenhum conflito com seus vizinhos e é respeitado internacionalmente por sua capacidade de diálogo. “Que outro país recebeu em um único mês os presidentes do Irã, de Israel e da Autoridade Palestina?” – resumiu.

"Obama perdeu grande oportunidade"

Sobre uma suposta decepção com a recente visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pelo fato dele não ter feito um pronunciamento mais incisivo em defesa da presença do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, Amorim foi taxativo: “Não há nenhuma decepção. O presidente Obama é que perdeu uma grande oportunidade de firmar uma parceria estratégica com um país que está se tornando uma potência mundial. Acho que ele e seus assessores não perceberam isso. As declarações dele em favor da presença da Índia no Conselho de Segurança enviaram um péssimo sinal ao mundo. Parece que ter a bomba atômica é uma condição para ingressar no Conselho como membro permanente”.

O elogio do desassombro na política e na vida feito por Celso Amorim foi muito aplaudido pelos estudantes de Relações Internacionais que, ao final do debate, fizeram fila e disputaram centímetros para chegar perto e tirar uma foto com um dos brasileiros mais influentes do planeta nos últimos anos.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Tragédia em Realengo e histeria da mídia

Reproduzo artigo de Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:

Fico espantado com a superficialidade com que se está tratando esta tragédia na escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo. O rapaz enlouquecido que fez essa monstruosidade é apresentado de todas as formas preconceituosas possíveis, como portador de HIV ou religioso islâmico e acusado de “passar o dia na internet”. Ora, nenhuma destas três coisas explica coisa alguma sobre o ataque psicótico que o levou a atacar e matar crianças em uma escola.

Se explicassem, haveria milhares de tragédias assim, pois há milhões de soropositivos, de islâmicos e de nerds.

Só reforça esteriótipos e preconceitos, porque nem Aids, nem fé muçulmana ou internet fabricam este tipo de loucura.

A tão falada carta do homicida a cada hora é usada para achar uma “lógica” num ato ilógico, louco, transtornado. Uma exploração irresponsável, discriminatória e cheia de ódios. Afinal, a carta apareceu e não faz referência a nada do que se falou na imprensa, irresponsavelmente.

E ficaram falando em “fundamentalismo islâmico”. Que vergonha!

Aliás, não é só a mídia que está agindo com leviandade. O Senador José Sarney perdeu uma boa oportunidade de ficar calado. Suas declarações de que o ato foi “terrorismo” e de que era preciso colocar “segurança pública” (o que seria isso, artes marciais, defesa pessoal, ou o que?) no currículo das escolas são lamentáveis.

Como eu disse antes, o colégio era tranquilo, nunca tinha registrado incidentes de violência e até tinha um bom sistema de segurança. ora, ninguém está livre de deixar entrar um louco sob a aparência mais cândida do mundo.

Não é hora de histeria. Todos vocês lembram dos demagogos que prometiam -parece que se mancaram – colocar um guarda em cada esquina, como se um guarda próximo fosse evitar este massacre. Não evitaria, até porque, casualmente, havia policiais perto e eles agiram rapidamente. A presença de um policial sentado dentro da escola só ia, provavelmente, fazer com que um louco disposto a chacinar começasse por ele, de surpresa.

Capitão Bolsonaro, a história esquecida

Reproduzo artigo de Luiz Egypto, publicado no Observatório da Imprensa:

Na barulhenta cobertura da mídia sobre as declarações racistas e homofóbicas do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) ao programa CQC, da Rede Bandeirantes, ficou esquecido, no fundo de um arquivo qualquer, um episódio de 24 anos atrás, também protagonizado pelo agora deputado federal, e que tocou em um dos fundamentos da atividade jornalística – qual seja, as declarações off the records, isto é, aquelas informações utilizadas pelo jornalista sob o compromisso de resguardar o anonimato de sua fonte.

A história é a seguinte. No segundo semestre de 1987, finda a ditadura e já sob o governo civil de José Sarney, a economia estava combalida em razão do fracasso do Plano Cruzado. A inflação era alta, tendendo a índices estratosféricos, e grassava forte insatisfação nos quartéis devido à política de reajustes dos soldos dos militares – além, é claro, do incômodo, sobretudo entre a oficialidade média, pela perda do poder político que gozaram por 21 anos seguidos.

Jair Bolsonaro era então capitão do Exército, da ativa, cursava a Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO) e morava na Vila Militar, na Zona Norte do Rio. Em setembro de 1986, ele assinara um artigo na revista Veja no qual protestava contra os baixos vencimentos dos militares. Por isso ele foi preso e, na época, sua punição provocou protestos de mulheres de oficiais da ativa – que, ao contrário dos maridos, podiam sair em passeata sem correr o risco de serem presas.

"Só para assustar"

Bolsonaro tornou-se fonte da revista. Em meados de outubro 1987, a prisão de outro militar, capitão Saldon Pereira Filho, pelo mesmo motivo, levou à Vila Militar a repórter Cassia Maria, de Veja, destacada para repercutir o ocorrido. Ali ela conversou com Jair Bolsonaro, que estava acompanhado de outro capitão e da mulher deste.

Sob condição de sigilo, a mulher do militar contou à repórter – e depois Bolsonaro e seu colega confirmaram – que estava sendo preparado um plano batizado de "Beco sem saída". O objetivo era explodir bombas de baixa potência em banheiros da Vila Militar, da Academia Militar de Agulhas Negras, em Resende (RJ), e em alguns quartéis. A intenção era não machucar ninguém, mas deixar clara a insatisfação da oficialidade com o índice de reajuste salarial que seria anunciado dali a poucos dias. E com a política para a tropa do então ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves – que teria sua autoridade seriamente arranhada com os atentados.

"Serão apenas explosões pequenas, para assustar o ministro. Só o suficiente para o presidente José Sarney entender que o Leônidas não exerce nenhum controle sobre a tropa", ouviu a repórter de Ligia, mulher do colega de Bolsonaro, identificado com o codinome de "Xerife".

Frase isolada

A repórter havia apurado uma bomba, no sentido literal e no figurado. Veja não respeitou o off – no que fez muito bem, neste caso, pois do contrário estaria acobertando atos terroristas – e quebrou o pacto de sigilo com a fonte. A história toda foi contada nas páginas 40 e 41 da edição 999 (de 27/10/1987) da revista. A repórter Cassia Maria anotou em seu relato:

"‘Temos um ministro incompetente e até racista’, disse Bolsonaro a certa altura. ‘Ele disse em Manaus que os militares são a classe de vagabundos mais bem remunerada que existe no país. Só concordamos em que ele está realmente criando vagabundos, pois hoje em dia o soldado fica o ano inteiro pintando de branco o meio-fio dos quartéis, esperando a visita dos generais, fazendo faxina ou dando plantão’. Perguntei, então, se eles pretendiam realizar alguma operação maior nos quartéis. ‘Só a explosão de algumas espoletas’, brincou Bolsonaro. Depois, sérios, confirmaram a operação que Lígia chamara de Beco sem Saída. ‘Falamos, falamos, e eles não resolvem nada’, disseram. ‘Agora o pessoal está pensando em explorar alguns pontos sensíveis.’

Sem o menor constrangimento, o capitão Bolsonaro deu uma detalhada explicação sobre como construir uma bomba-relógio. O explosivo seria o trinitrotolueno, o TNT, a popular dinamite. O plano dos oficiais foi feito para que não houvesse vítimas. A intenção era demonstrar a insatisfação com os salários e criar problemas para o ministro Leônidas.

(...)

Nervoso, Bolsonaro advertiu-me mais uma vez para não publicar nada sobre nossas conversas. ‘Você sabe em que terreno está entrando, não sabe?’, perguntou. E eu respondi: ‘Você não pode esquecer que sou uma profissional’."


Com esses antecedentes, não deixa de ser curioso que agora, quando o personagem volta à baila, a cobertura da edição (nº 2211, com data de capa de 6/4/2011) desta semana de Veja sobre o explosivo episódio de racismo, que suscitou tanta repercussão, resuma-se a uma mísera frase de Bolsonaro reproduzida na seção "Veja Essa".

Faltou um curioso da Redação para examinar o arquivo digital da revista. Faria um gol.

Os serristas mandam no PSD de Kassab?

Por Altamiro Borges

No programa Roda Viva, apresentado pela TV Cultura nesta segunda-feira (4), o prefeito da capital paulista Gilberto Kassab, mentor do recém-criado Partido Social-Democrático (PSD), voltou a lançar dúvidas sobre o futuro desta legenda. Numa das respostas, ele foi taxativo: “Se o Serra for candidato a prefeito, eu o apóio; a governador, eu o apóio; a presidente da República, eu o apóio”.

Um dia antes, o ex-vice de José Serra na disputa presidencial de 2010, Índio da Costa, também anunciou sua saída do DEM e ingresso no PSD. Alegou problemas locais para justificar a punhalada nos demos, acusando o ex-prefeito carioca, César Maia, e seu filhote Rodrigo de terem transformado a legenda num “cartório”. A mudança de partido teria como pretensão a disputa da prefeitura local em 2012. O índio quer virar cacique!

De líder da oposição a papagaio de pirata

Reproduzo artigo de Luis Nassif, publicado em seu blog:

Não há inauguração de obras por Geraldo Alckmin que José Serra não esteja presente. Tirou do beijoqueiro o título de papagaio mor do Brasil.

Ontem, no evento que oficializou Aécio Neves como o novo líder de direito do PSDB, o impassível Serra, empoleirado nas costas de Aécio, querendo aparecer na foto.

Esse oportunismo ineficaz é intrigante. Oportunismo, sim. Mas com uma falta de amor próprio e de senso político que não é normal, nem mesmo em alguém reconhecidamente inabilidoso e mal educado como Serra. É visível o desconforto que causa em todos de quem se aproxima. É como a visita indesejada, o bicão de festa, o inimigo que tenta mostrar intimidade em público, atrás de migalhas de holofotes.

Ele não dispõe mais dos canhões da velha mídia, nem dos trabalhos especiais de Marcelo Itagiba. Não consegue mais ameaçar jornalistas com pedidos de demissão, nem adversários com divulgação de dossiês, nem se valer de assassinos profissionais em veículos de grande circulação.

Os sargentos que amealhou na campanha se sentem traídos. A prova de lealdade exigida por Serra era a de cometerem atos vis em defesa do chefe, um estilo terrível de marcar em sangue a adesão. Pensadores, políticos com bom potencial, estrategistas, todos foram obrigados a sacrificar sua imagem, reduzidos a meros sargentos, gladiadores violentos, de baixo nível, comprometendo biografias exemplares.

Dia desses cruzei com o ex-Eduardo Graeff numa esquina perto de casa. Fomos amigos por bom tempo. Sujeito doce, aparentemente manso. Na campanha se transformou em um pitbull comandando o exército de trolls contratados por Serra. Dançou quando passei a fazer cruzamentos dos seguidores dos trolls no Twitter com os nomes cadastrados na Redepsdb. A trama foi desmascarada. Graeff caiu e o trabalho sujo assumido por Soninha, a ex-doce Soninha que se transformou totalmente, liquidando com uma das imagens mais simpática entre a juventude.

Hoje em dia o que resta de Serra são as aparições em eventos de terceiros e meia dúzia de remanescentes na Internet - alguns ainda provavelmente empregados no governo Alckmin - providenciando ataques de baixo nível contra críticos adversários. E também contra Alckmin e Aécio, em defesa de Kassab.

Sob os holofotes, Serra nega apoio ao PSD. Mas apoia com o que lhe resta: colocando seus trolls para atacar os líderes maiores do PSDB. Como se, com o tanto de impressões digitais que deixou pela Internet, ainda fosse possível esse duplo jogo de luzes e sombras.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Vídeo: "Papel da mídia na atualidade"



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A cultura digital e o direito autoral

Reproduzo artigo de Manuela D'Ávila e Fabricio Solagna, publicado no sítio Congresso em Foco:

Estes primeiros dias de 2011 foram atribulados para o Ministério da Cultura (MinC) e para ativistas da cultura livre. Nestes três primeiros meses, a atual gestão do ministério alterou o licenciamento do site institucional e reverteu a proposta de reforma dos Direitos Autorais. Além disso, o MinC declarou que a principal política se concentrará no desenvolvimento de uma Indústria Criativa com forte valorização dos bens imaterias, através da propriedade intelectual.

Não faltaram, porém, vozes dissonantes. Principalmente dos ativistas da Cultura Digital e militantes do movimento do Software Livre. Por outro lado, há os defensores ferrenhos da mudança, que invocam questões de soberania nacional e de valorização dos artistas brasileiros. No entanto, surge nesse cenário uma terceira via que tenta mediar os dois lados desse debate. O fato é que, para além de rotulações, há duas distintas agendas em torno da propriedade intelectual em disputa.

Durante a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação da OMPI em Tunis, em 2005, o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou que se inspirava na ética hacker no seu modo de fazer política. Ele estava, de fato, pensando em como ser criativo ao driblar o modus operandi da política tradicional. O MinC se destacou internacionalmente naquele momento por ter como porta voz um representante da classe artística que estava pensando à frente do seu tempo.

Não só por tentar utilizar tecnologias modernas, mas, principalmente, para emergir a diversidade cultural brasileira através das mídias digitais em um momento em que as influências culturais são transnacionais. Muitos, no momento, afirmaram que o multiculturalismo falaria por si só. Falaram, ainda, que pensar em um possível remake do tropicalismo no século 21 seria um desatino. Gilberto Gil viu a necessidade de, nas suas próprias palavras, "politizar as novas tecnologias".

Nestes últimos oito anos, houve pedras no caminho, por certo. Muitas das tentativas ficaram só no papel. Outras extrapolaram inclusive a capacidade do MinC de gerenciá-las. Os Pontos de Cultura, por exemplo, já ultrapassam 4 mil em todo o Brasil e atingem mais de 8 milhões de pessoas. Além disso, percebeu-se a necessidade e a potencialidade de uma outra agenda para o desenvolvimento cultural para além do tradicional caminho da indústria cultural. As mídias alternativas, as trocas culturais em rede e a inversão do financiamento público elucidaram um país que antes estava esquecido.

No cenário internacional, a agenda foi extremamente conservadora. Diversos países adotaram legislações rígidas em torno da circulação de bens culturais na Internet (são exemplos França, Espanha, Inglaterra, Austrália e México). Os EUA, desde 2001, adotam uma política dura. A chamada Digital Milenium Copyright Act já tentou prender diversos adolescentes e ativistas sociais por conta de possíveis "violações de direito autoral". Essa política teve seus representantes no Brasil, através do projeto do então senador Eduardo Azeredo, chamado de AI-5 Digital (o que nos permite uma ideia do teor das propostas), fortemente combatido pela sociedade civil militante das práticas colaborativas em rede. A resposta veio com um abaixo-assinado com mais de 150 mil assinaturas contrárias à proposta.

No que tange a Propriedade Intelectual (PI), o Brasil sempre teve uma atitude de vanguarda. Propôs, junto com a Argentina e outros países, a agenda para o Desenvolvimento na OMPI onde, inclusive, pautou outro rumo para os bens intelectuais. Contra as investidas das indústrias do norte, conseguimos garantir preços menos abusivos para o coquetel anti-retroviral e uma punição aos subsídios agrícolas americanos que tanto prejudicam nossa produção de algodão. Isso porque sempre distinguimos que, dentro de PI, existiam dois direitos: o direito autoral e os direitos de propriedade industrial.

Colocados todos dentro do escopo da Propriedade Intelectual, na maioria das vezes são empurrados como um pacote único para países em desenvolvimento, como medidas de "modernização". É o caso recente do ACTA, um acordo antipirataria que está sendo ratificado por acordos bilaterais sem nem ao menos passar pelos parlamentos.

Direito Autoral e Creative Commons

Desde a retirada da menção do licenciamento do site do MinC, antes em Creative Commons (CC), no dia 20 de janeiro, a polêmica foi estabelecida. Além de um valor simbólico, estabeleceu-se uma forte tentativa de se opor Creative Commons ao Direito Autoral, ou como se o primeiro não fosse necessário.

O projeto Creative Commons se inspira fortemente no Copyleft, nas licenças de software livre que permitem o compartilhamento de conteúdo. Iniciativas como a Wikipedia são baseados neste conceito e só são possíveis porque existe Direito Autoral e porque se utilizam desse para estipular algumas reservas ao contrário. Não é à toa que o copyleft é conhecido também como "todos os direitos revertidos".

O projeto CC teve origem com o advogado americano Lawrence Lessig, que lutou por anos. Ele perdeu para os principais lobistas da indústria hollywoodiana e resolveu, então, criar dispositivos legais que permitissem que as pessoas tivessem liberdade de criar e compartilhar conteúdos na Internet sem precisar passar por intermediários.

Nesse caso, é algo totalmente incoerente associar os commons com práticas de cópia ilícita, ou, como gosta de chamar a indústria do entretenimento, pirataria. A pirataria é a cópia não autorizada visando ao lucro. Isso é completamente diferente da cópia privada ou do licenciamento permissivo que indica ao outro o que pode ser feito com a obra.

Desde então, o projeto tem sido utilizado por diversos governos e tem ajudado artistas a terem uma relação mais direta com seu público. Casos não faltam: de Nine Inch Nails lá fora a Mombojó e Teatro Mágico no Brasil.

A ideia romântica do artista ou criador solitário que dedica sua vida às obras é uma parte da história. Há uma complexa indústria cultural ressaltada inclusive pela ministra Ana de Holanda – à qual se somam diversos tipos de profissionais – como uma indústria lucrativa que abocanha o maior bolo da fatia do faturamento cultural.

O fato é que justificar a defesa do direito autoral em nome dos "verdadeiros artistas" que estariam sendo prejudicados pela atual Cultura Digital é uma distorção. A tendência à monopolização se percebe em escala mundial e, no Brasil, apenas cinco gravadoras dominam quase 90% do mercado.

"Valorização do artista nacional"

Um dos argumentos que vem sendo usado diz que as obras seriam expropriadas por "grandes corporações" sem a devida remuneração dos artistas. Em alguns casos, supõe-se que grandes corporações estivessem utilizando uma militância internacionalizada a seu favor. Bem, basta dizer que são as grandes corporações de mídia brasileira que não costumam repassar o direito autoral.

Em um ponto, porém, temos que concordar: no caso dos escritórios de arrecadação, o Brasil tem um dos melhores sistemas de captação. No caso da música, o ECAD tem um dos sistemas mais modernos, inclusive, com reconhecimento de músicas automático das emissoras de rádio, por exemplo. Ocorre que, para além da radiodifusão, o escritório costuma cobrar por metro quadrado em shows, festas juninas em escolas, teatros e, inclusive, em cinemas, como bem levantou Jorge Furtado. Ou seja, o ECAD tem o melhor sistema de arrecadação e o pior sistema de distribuição. O que ativistas questionam é, por que captar tanto se não há redistribuição?

Mas direito vai além da música. A lei restritiva do direito autoral também propicia que muitas interpretações jurídicas causem desatinos. Já não são isolados casos de fechamento de xerox em universidades (temos o exemplo de 2010, na Praia Vermelha). A lei fala em "pequenos trechos" e realizadas pelo próprio "copista", sem "intuito de lucro". Sabemos bem que a maioria das universidades brasileiras não dispõe de todo o acervo necessário. O xerox acaba sendo o local de acesso ao material necessário para os estudantes.

Mas não é só isso. O grupo GPOPAI fez um interessante estudo sobre o mercado editorial e, principalmente, sobre livros científicos e técnicos. O subsídio dado às editoras na forma de isenção de imposto, hoje, corresponde a cerca de 36% do seu faturamento. Além disso, chega a ser quase o dobro do investimento em cultura do MinC (quase R$ 1 bilão por ano nos dados compilados de 2006).

Não vemos nenhum problema na subvenção para o fomento da Cultura e, muito mais, quanto à produção de livros científicos. Mas a lei impede que eles sejam reproduzidos em caso de esgotamento da edição, por exemplo. Além disso, por que não adotar uma licença permissiva, no caso de livros didáticos, já que possuem uma venda encomendada pelo poder público na distribuição nas escolas?

Pirataria e perdas na indústria da Cultura

Quando se trata de pirataria, o Brasil figura como um dos países de maior preocupação no cenário internacional. Há muitos anos, o país vem sendo citado pela Section 301, uma lista unilateral norte-americana dos países que não possuem métodos suficientes de combate a cópias ilegais. Por isso, todo DVD que assistimos traz, obrigatoriamente, comercial produzido pelas distribuidoras norte-americanas. Esses comerciais afirmam que a pirataria de DVDs é um roubo similar ao assalto a mão armada.

Porém, uma pesquisa recente feita em diversos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil, demonstra que a conexão entre pirataria e crime organizado é muito mais propaganda do que realidade. Além disso, não há relação alguma com tráfico de drogas. De fato, para além de tênis e marcas de roupas falsificadas, a produção de CDs e DVDs piratas representa um mercado com baixa organização dependente, muitas vezes, de fornecedores caseiros ou de fábricas de pequeno porte. Demonstra, também, que a principal motivação para o crescimento desse mercado continua sendo o alto custo dos produtos originais, que estão muito distantes da atual classe média emergente (hoje um CD custa cerca de R$ 30 e um DVD R$ 80).

Mas o mais impressionante é a fabricação de dados desconexos apresentados como científicos quanto às perdas do setor. Fala-se em R$ 6 bilhões em perdas e mais R$ 2 milhões de empregos que deixam de ser gerados sem nenhuma metodologia ou dados mais concretos a serem verificados. O estudo pode ser acessado gratuitamente aqui.

Porém, essas justificativas são usadas em tentativas de radicalizar ainda mais a vigilância na troca de arquivos na rede. É no que se fundamenta o AI-5 Digital e agora o ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement), que pretende implantar uma vigilância direta nos provedores de acesso que podem desconectar usuários imediatamente quando detectada uma suspeita de troca de arquivos protegidos por direito autoral. Seria um monitoramento em larga escala, a favor somente de grandes distribuidores capazes de mobilizar grandes recursos em prol de seus direitos de intermediários.

Novas leis e novos direitos

Mesmo que a reforma da Lei do Direito Autoral já tenha passado por oito seminários e por uma consulta pública na Internet, não temos qualquer problema de debatê-la novamente. O esclarecimento é o melhor caminho para todos os lados e, principalmente, para a clareza de que temos que trilhar um caminho de desenvolvimento em prol de um outro direito de propriedade intelectual, que valorize realmente os produtores de conteúdo, os produtores de cultura, e que permita a criatividade na rede e a liberdade de expressão.

Precisamos do Marco Civil da Internet, para que sejam estabelecidos os limites da privacidade, a neutralidade na rede, onde cada ator, nesse cenário, tenha seu papel definido, sem avançar o sinal da liberdade em nome de uma falsa segurança.

Assim como no caso da meia-entrada, somente grandes produtoras se opõem a um direito conquistado pelos estudantes. Poucos privilegiados pelo Direito Autoral têm-se colocado contrários a uma rediscussão do tema no sentido de uma redistribuição de direitos que valorize uma cultura digital do nosso tempo. Estamos em um momento em que a juventude tem diversos espaços para expressar sua arte e seu talento, politizando as redes com sua linguagem e com seu protagonismo. Será mesmo que precisamos reprimir a capacidade de criação em favor do direito que só privilegia a menor parte?

* Manuela D'Ávila é deputada federal (PCdoB/RS) e Fabrício Solagna integra o Gabinete Virtual do Rio Grande do Sul.

Agnelli para presidente da Globo

Reproduzo artigo de Paulo Henrique Amorim, publicado no blog Conversa Afiada:

Saiu no Globo, na página 23:

“Agnelli: perfil versátil e reconhecimento global”.

“Após 10 anos na Vale, ex-presidente deve cumprir quarentena e passa a ser opção a empresas de variados setores”.

*****

Trata-se da publicação do curriculum vitae do Roger, aquele que a Presidenta demitiu há um mês e que se tornou um dogma da Teologia neoliberal.

A reportagem de dois repórteres do Globo faz de Agnelli virtual presidente da Organizações (?) Globo.

Versátil, reconhecimento “global”, experiência com política, salário de R$ 15 milhões anuais, experiência em banco de varejo, pode trabalhar em concessionária de energia, transporte e telecomunicações (epa! epa!).

Está tudo claro!

Agnelli vai comandar a Globo.

Seria inconcebível uma empresa de telecomunicações publicar um perfil tão glorioso e não contratar o referido executivo.

Seria um desperdício!

(Porque não se pode imaginar que o Globo se preste ao papel de procurar emprego para o Roger).

Os filhos do Roberto Marinho já tiveram o dissabor quando contrataram um executivo versátil e de reconhecimento global, idolatrado pelo PiG e pelo governo tucano.

Trata-se do Executivo Versátil e Global que realizou a metamorfose da Petrobras em Petrobrax.

Foi um desastre ferroviário, diria o Mino Carta.

O perigo é o Roger assumir a presidência absoluta das Organizaçõs (?) Globo e criar dois problemas.

Primeiro, ele gosta de jatinho da Bombardier.

E na empresa dos filhos do Roberto Marinho não se recomenda ter jatinho melhor do que os dos filhos do Roberto Marinho.

Segundo, o Roger, segundo a revista Economist, tem a mania de vender um produto só.

Quando assumisse a presidência da Globo, seria capaz de fechar o jornal nacional e fazer a novela das 6, das 7, das 8, das 9 e das 10.

Seria o mesmo raciocínio que aplicou à Vale, quando se concentrou em vender minério de ferro e pouco mais.

Como novela é o que dá mais dinheiro, ele se concentraria em novela.

Aí, surge um problema:

Como lustrar o ego Versátil e Global, sem o jornal nacional?

Muito simples.

A urubóloga entrevistá-lo às 2ªs, 4ªs e 6ªs no Bom (?) Dia Brasil e, uma vez por semana, ele aparecer na Ana Maria Braga para fazer omelete ou ensinar como dar nó em gravatas francesas.

Fome: cresce a extrema pobreza nos EUA

Por Altamiro Borges

Num artigo contundente publicado no jornal mexicano La Jornada, David Brooks apresenta a face cruel dos EUA pouco difundida pela mídia colonizada. Mostra que a pobreza extrema cresce em ritmo acelerado no império. Já as poderosas corporações batem recordes de lucros. No capitalismo, a crise mata de fome o trabalhador e engorda ainda mais os tubarões.

“Aqui milhões padecem de fome. Não estamos falando do Haiti, nem de países africanos, nem asiáticos, nem das ‘favelas’ sul-americanas, e sim do extraordinário fato de que no país mais rico do mundo, milhões sofrem do que se chama insegurança alimentar, o que o cristianismo traduz como: não saber de onde virá a próxima comida”, afirma, indignado, David Brooks logo na abertura do seu artigo.

Folha e Globo querem lulismo sem Lula

Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:

A estratégia da velha mídia parece cada vez mais evidente: dianta da força de Lula (que tem o carisma e a história recente) e de Dilma (que tem o poder e o apoio de Lula), procura-se fraturar o lulismo. A idéia é abrir uma cunha entre os dois.

A operação está clara desde os primeiros dias do governo Dilma:

- elogios à postura de “estadista” de Dilma (“discreta”) em contraposição ao “populismo” de Lula;

- elogios à forma como Dilma conduziu a política econômica (aumento de juros, freio nos salários, corte de gastos), de forma “responsável”, em contraposição à “gastança” de Lula;

- elogios à “nova política externa” de Patriota, em contraposição à dupla Amorim/Lula.

Editoriais elogiosos foram a face visível dessa operação. A face invisísel são conversas ocorridas nos bastidores – conversas que têm como objetivo aproximar Dilma da velha mídia (por isso, ela foi à festa da “Folha”, por isso ela almoçou com a direção da Globo depois de participar do Ana Maria Braga).

Dilma mandou o recado: quero normalizar as relações com vocês. A velha mídia aceitou a sinalização. Vê com bons olhos o movimento, porque em algum momento precisará da força do governo para se contrapor à grana das teles. Sem apoio político, Globo+Abril+Uol não fazem frente às teles. Por isso, o jogo está sendo jogado, com suavidade. Aceita-se Dilma, e tenta-se vender a idéia de que Dilma é um lulismo melhorado. É um lulismo sem Lula.

Ok. Mas a velha mídia não brinca em serviço: enquanto afaga Dilma, ataca Lula.

A matéria de “Época” foi apenas o ensaio do que virá por aí. Sem o poder, imaginam os barões da velha mídia, Lula não terá como reagir. Imaginam, também, que Dilma não saírá em defesa do líder, deixará que ele se defenda sozinho.

A estratégia é descontruir Lula agora. Tolerar Dilma. Mais à frente, se necessário, parte-se contra Dilma. Aécio estará à espreita, preparado para entrar no jogo.

A movimentação na oposição mostra que a vez será de Aécio em 2014. Os outros sofrem…

- Serra está sob pressão. Alckmin quer empurrá-lo para a Prefeitura em 2012. Se aceitar, Serra terá contra si a pecha de assumir mandato e largar pelo caminho (como fez em 2006, largando a Prefeitura para concorrer ao governo). Se não concorrer, não terá máquina para se contrapor ao alckmismo em São Paulo.

- Alckminn tem que lutar pela sucessão em 2014; enfrentará PT e ainda Kassab (que pode fazer jogo duplo – apoio do lulismo e do serrismo por baixo do pano).

Aécio é quem tem a casa mais arrumada. Anastasia é bom gestor, afinado com Aécio. Não há disputa em Minas.

Resta a Aécio convencer a classe dominante brasileira de que ele pode gerir o país. Há quem não goste do jeito “collorido” do mineiro – afeito às festas e às aventuras amorosas.

Se Aécio se mostrar confiável, terá o apoio da velha mídia. Do contrário, o plano parece ser capturar Dilma para um lulismo sem Lula.

Os colunistas de jornal acreditam tanto nisso que chegaram a brigar para manter Agnelli (desafeto de Lula) na Vale. Como seria impossível, contentaram-se em “nomear” Tito Martins para o cargo. A ”Folha” deu como certo que ele era o nome para comandar a mineiradora no lugar do Agnelli.

Dilma agiu por outros caminhos. Nomeou Murilo Ferreira para o cargo. Parece que a família Marinho e os Frias não mandam como gostariam no governo de Dilma.

Eles queriam lulismo sem Lula e dilmismo sem Dilma. Não terão nem um nem outro.

Debate: "A agenda econômica de Cuba"

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo promove hoje, dia 6, a partir das 19 horas, o debate "Bloqueio e agenda econômica de Cuba".

Participam do evento o jornalista cubano Ariel Terrero Escalante, editor da Revista Bohemia e comentarista econômico do programa de televisão "Buenos Días", e o jornalista econômico Cley Scholz, chefe de reportagem do Jornal O Estado de São Paulo.

A atividade conta com o apoio do Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba.

Serviço:

Debate "Bloqueio e agenda econômica de Cuba"

Data: quarta-feira, 06/04

Horário: 19h

Local: Rua Rego Freitas, 530 - sobreloja.

A Folha chegou ao fundo do poço

Reproduzo artigo de Sylvio Micelli, publicado em seu blog:

Tempos atrás recebi em casa uma proposta para voltar a ser assinante do jornal “Falha”, ops… Folha de São Paulo (eles não admitem brincadeiras… eles não estão de brincadeira…)… Como sou lixeiro por natureza, guardei a listinha de 20 itens para um dia usar. O dia chegou.

Fui assinante do periódico durante anos, mais por dever de ofício que, propriamente, por gosto. Um dia desisti de tantas meias e falsas verdades e deixei de assinar qualquer coisa. Acompanho tudo pela Internet e, sinceramente, não sinto falta. Quando devo ter acesso a algum conteúdo “exclusivo” é fácil achar. Não existe tanta exclusividade na World Wide Web e isso, como sabemos, amedronta muita gente.

Após o episódio que culminou com a demissão dos colegas jornalistas, Alec Duarte, então editor-assistente de política da Folha, e a repórter do Agora SP, Carolina Rocha, simplesmente por escancararem uma prática comum no jornalismo via Twitter, a jóia mais “importante” da família Frias não poderia ter chafurdado mais na lama da falsidade e da falta de ética. Tudo fica ainda mais patético porque a decisão contou com o beneplácito de sua ouvidora (ombudsman) Suzana Singer que teria, ao menos em tese, a função de representar os anseios do leitor perante o jornal.

Questiono, por exemplo, o porquê de o editor e do redator que “mataram” Romeu Tuma antes da hora e beneficiaram diretamente a candidatura de Aloysio Nunes Ferreira não terem ido para o olho da rua. Terá sido mesmo um engano? Ou a coisa foi plantada para beneficiar o senador tucano? Mistério? Nem tanto…

Quer dizer então, que uma “barriga” desse tamanho – matar uma pessoa antes da hora – pode e brincar que o material sobre a morte de José Alencar já está pronto não pode? A morte de Alencar era, digamos, algo incerto, mas já sabido. Era só aguardar o momento e seria amador o veículo de comunicação que não tivesse se preparado para o fato. Outras biografias já estão prontas, independente do estado de saúde dos famosos, só aguardando o desfecho, pois como diriam os poetas, a morte é inexorável.

A Folha de São Paulo deve imaginar que seus leitores são imbecis e que eles não sabem quando estão sendo enganados. Eles sabem. É que a maioria desses mesmos leitores, não está nem aí para nada e acha que ler a Folha ou sua “prima”, a revista Veja, lhes dá um status plenamente aceito pela nossa sociedade.

Vamos então à listinha preparada pela Folha de São Paulo para convencer a mim, de que devo voltar a ser um assinante. Após cada item, seguem meus comentários:

1. O mais completo jornal do país

Completo sob qua ótica? O jornal tem uma cobertura razoável no estado de São Paulo e superficial no restante do País, como em Brasília ou Rio de Janeiro. O norte e nordeste do Brasil não existem para a Folha, exceto quando acontece alguma catástrofe;

2. Os melhores colunistas do Brasil

Há gente boa que escreve na Folha, reconheço. Mas a maioria – os “calunistas” da Folha – se acha o dono da verdade, naquela linha “se o mundo não se encaixa na minha teoria, então há algum problema com o mundo”;

3. Uma visão mais ampla dos acontecimentos do mundo

Impossível. Não há nem uma visão ampla dos acontecimentos do Brasil… o que dirá do resto? Quando muito, a Folha vai na linha da visão ocidental dos fatos ou de preferência reproduz textos de agências e colunistas internacionais;

4. Você pode alterar o endereço de entrega por um período, como no caso de férias

Oooohhhhh! O que seria das minhas férias ou do meu final de semana sem a companhia da Folha…;

5. Pluralidade de opiniões

Bobagem. Não é porque vez em quando vem um tema “relevante” com uma opinião SIM e outra, NÃO, que o jornal é plural. Pluralidade deveria ser vista e usada na apuração dos fatos. Sabe aquela primeira lição do bom e ético jornalismo – ouvir os dois lados – e formar opinião? Esqueça. A Folha já definiu seus mocinhos e bandidos. Eu, por exemplo, como escrevo sobre o funcionalismo público, serei sempre um bandido tentando provar que não cometi nenhum crime;

6. Uma grande variedade de cadernos

Verdade. Cópia do “primo mais velho”, o jornal O Estado de São Paulo que a Folha sempre “não quis” copiar. Ah… se a Folha soubesse que a maioria lê o caderno de Esportes e o de entretenimento…;

7. Análise dos acontecimentos com profundidade

Nada. Cobertura rasa e parcial de tudo. Preferencialmente com a visão “oficialista” para que se dê respaldo e “credibilidade” ao jornal;

8. Transparência nos artigos

Sim. Transparência nos artigos que interessam. Certa vez um amigo me disse: ‘quando leio o Estadão, sei qual é o lado deles. Quando leio a Folha sei que eles querem me enganar dizendo que não tem um lado…”;

9. Visual moderno, limpo e de fácil entendimento

Fato. O rótulo tem que ser bonito para vender. Não importa o conteúdo;

10. A conveniência de receber seu jornal em casa

… e a ideia de tirar você da banca. Vai que você descobre que existe vida inteligente além dos limites da Alameda Barão de Limeira… Acredite! Há sim vida inteligente no jornalismo brasileiro;

11. Independência

… ou morte. Não há o que comentar. Vender independência no jornalismo é como vender terreno na Lua. Todos defendem uma posição. Só não vale ser hipócrita. Quando faço um texto enaltecendo aspectos da luta do funcionalismo, claro que estou a defender um lado, até porque já temos muita mídia (oficial e extra-oficial) contra. Tento, sem muito sucesso, equilibrar um jogo naturalmente desigual;

12. Liberdade na apuração dos fatos

Nada. Já participei de episódios em que o jornalista até ouviu os dois lados, como manda o figurino. Na hora do texto, depois de editado etc e tal, a lauda trazia a versão oficial na íntegra e do nosso lado, uma citação, quando trazia. No começo cheguei a questionar os coleguinhas que me explicavam ser culpa do editor e o nível de hierarquia ía subindo. Depois desisti;

13. Referência para você debater assuntos da atualidade

… que é aquele lance que eu falei do status. Tem gente que acha que barzinho bom é só aquele que sai no Guia da Folha. Tem outros que acham que os donos da página 2 do jornal são verdadeiros gurus a proferir a mais arrebatadora verdade. Conheci gente que lia a página 2 da Folha e achava que sabia de toda a verdade universal…;

14. Informação de qualidade

… de acordo com os interesses. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei;

15. Acesso ao conteúdo oferecido pela Folha Digital

Na mais pretensa linha “Pink & Cérebro” e nós vamos dominar o mundo;

16. Descontos exclusivos em coleções lançadas pela Folha

Verdade! O conteúdo pouco interessa. Vamos ao jornalismo “fast food“. Compremos o jornal e levemos inteiramente “de grátis”, dicionários, CDs, DVDs e outros brindes. Mais ou menos como aquela grande cadeia de sanduíches, que nem paga um salário mínimo aos seus escrav… ops… funcionários! Peça o seu lanche e leve os brinquedinhos. A qualidade da comida pouco importa.

17. Visão crítica do Brasil e do mundo

… sempre sob a ótica da Alameda Barão de Limeira. Mais uma informação que beira à soberba. A Folha só se lembra do Jardim Pantanal, aqui em São Paulo, quando inunda e de Parelheiros para fazer alguma matéria “cultural” ou de “ambiente”, que mais beira a calhau por falta de assunto;

18. Análise dos acontecimentos sob os mais diversos ângulos

Quanto mais obtuso esse ângulo, melhor. Lembremos que o obtusângulo é um ângulo que tem mais de 90º e menos de 180º, ou seja, algo naturalmente limitado e que não enxerga os 360º dos fatos;

19. Uma linguagem atual, clara e objetiva

Sempre com o intuito de convencer você de que eles são os arautos da democracia, mas de uma forma moderninha, quase um bate-papo;

20. Opção de entrega em um endereço nos dias de semana e em outro nos fins de semana

Volte ao item 4…

Por tudo isso e mais o conjunto da obra não pretendo voltar a ser assinante da Folha ou de qualquer outro veículo. Muito do que relatei acima pode ser aplicado a 95% do jornalismo brasileiro.

A questão da Folha de São Paulo é a seguinte: nos anos 80 ela foi importante ao equilibrar a relação de força com o Estadão. Este representava a opinião da classe dominante. Aquela flertava com as massas e adotava uma postura liberal e moderna. À medida que a Folha foi crescendo transformou-se num braço comprido do poder de plantão, definido por muitos como o quarto poder. O Estadão continua a ser o mesmo. Pegar um exemplar hoje ou de 30 anos atrás, noves fora nada, dá quase na mesma.

A Folha perdeu o sentido e perdeu o rumo. Virou uma caricatura de si mesma, despencou sua tiragem de mais 1 milhão de exemplares nos anos 90 (nos tempos de Matinas Suzuki e o “Folhão de Domingo“, cópia deliberada do Estadão) para menos de 300 mil hoje, foi ultrapassada ano passado pelo Super Notícia de Minas Gerais, como líder nacional em circulação e agora demite jornalistas apenas pelo óbvio ululante.

A Folha não poderia ter ido tão fundo no poço de seu próprio lamaçal.

Agora entendo quando alguns amigos, jovens há mais tempo, diziam-me que não há nada pior “que comunista arrependido”.

Por isso que digo: Folha... Não dá para ler.

Programa do encontro de blogueiros do PR

Reproduzo matéria da página dos blogueiros progressistas do Paraná:

Data: 09 e 10 de abril de 2011.

Local: Hotel Trevi, Curitiba, PR

Sábado - 09/04

Manhã

9:00 - Abertura

9:30 - Painel: A importância do jornalismo no blogs e os desafios de se construir novos meios de comunicação eletrônicos

Beto Almeida - Diretor da Telesur

Antônio Jordão Pacheco Yn - Diretor de Programação da TV dos Trabalhadores

11:00 - Debate em Plenário

12:30 - Almoço

Tarde

14:00 - Painel: Mídia, eleições 2010 e os desafios para a blogosfera

Altamiro Borges - Coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”

Vito Giannotti - Coordenador do NPC – Núcleo Piratininga de Comunicação

15:30 - Debate em Plenário

18:00 - Encerramento do dia

Domingo - 10/04

Manhã

09:00 - Conteúdo local e sua ligação com os temas regionais, estaduais e nacionais

Esmael de Moraes - Blog do Esmael

Hemerson Baptista - Blog VivaSamas

10:00 - Debate em Plenário

11:00 - Trabalho em grupos

1. Liberdade de Expressão e Internet

2. A internet, a cidadania e Movimentos Sociais

3. A experiência dos organizações sociais e populares com internet

4. Plano Nacional de Banda Larga, a Banda Larga Pública

5. A nova regulamentação das mídias e estratégias de mobilização para defesa das Liberdades e da Cidadania

6. Estratégias de formação de cidadãos ativos e conectados via internet

7. Conteúdo prioritário para os Blogs: O papel da Narrativa, da Pesquisa, da Informação e da Opinião

13:00 - Almoço

Tarde

15:00 - Apresentação dos grupos

16:00 - Decisões do Encontro Estadual.

"Regulação da mídia não é censura"

Reproduzo matéria de Ricardo Carvalho, publicada no sítio da revista CartaCapital:

É preciso diferenciar regulação da mídia de censura. Essa foi uma das conclusões do debate realizado com parlamentares que compõem a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular, na última sexta-feira 1º, em São Paulo.

“É preciso desconstruir esse mito, usado pela grande imprensa, de que regulação é um ataque à liberdade de expressão”, diz a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “O controle social dos meios de comunicação faz parte do Estado Democrático de Direito e precisa atentar contra a propriedade cruzada dos meios, lutar pela regionalização e por espaço para a produção independente”, destacou.

Participaram também Brizola Neto (PDT-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP) e Emiliano José (PT-BA), todos deputados federais. Presença esperada para o evento, Luiza Erundina (PSB-SP), uma das líderes da Frente, não pode comparecer por motivos pessoais.

A deputada Jandira ressaltou três objetivos principais que devem ser perseguidos pela Frente: a restauração do Conselho de Comunicação Social no Congresso, órgão criado em 2002, porém esvaziado nos últimos anos; revisão do Marco Regulatório da Comunicação, de 1962, “quando a TV em preto e branco era uma novidade no Brasil”, conforme lembrou a deputada; e criação de uma agenda unificada, com participação de movimentos sociais, a ser debatida no Congresso.

Todos os palestrantes concordaram que a participação da sociedade civil é fundamental para que qualquer debate sobre a comunicação avance no Congresso. “Se dependermos apenas do conservadorismo da Câmara e do Senado, será muito difícil avançar”, discursou o deputado Ivan Valente.

Ele destacou o fato de que existem parlamentares no Congresso que tem fortes vínculos ou até mesmo são proprietários de meios de comunicação. “Até os Estados Unidos, o país mais liberal do mundo, estabelece limites para evitar monopólios e define que quem tem rádio não pode ter televisão, e vice-versa. Precisamos pautar-nos em propostas como essas”.

Os parlamentares também mostraram preocupação sobre o destino que será dado ao projeto de regulação dos setores de comunicação e telecomunicação deixado pelo ex-ministro de Comunicação Social Franklin Martins, sob análise do atual titular da pasta, Paulo Bernardo.

O papel da mídia no Brasil

Emiliano José, deputado federal e colunista do site de CartaCapital, abriu o debate analisando o papel que os meios de comunicação desempenharam no País nos últimos anos. “A mídia no Brasil constituiu-se num partido político. Ela tinha, e ainda tem, propostas e projeto político para o Brasil”, disse.

Ele afirmou que durante a ditadura militar (1964-1985), os grandes meios de comunicação foram coniventes com o autoritarismo. O partidarismo político da imprensa também ficou evidente nas eleições de Fernando Collor, no final dos anos 80, e de Fernando Henrique Cardoso, segundo o deputado. “Essa mesma mídia sofreu três derrotas nas últimas eleições. Até hoje, ela não se conforma que o Lula, um metalúrgico, mudou o Brasil”.

Já o deputado Brizola Neto (PDT-RJ), que mantém o blog Tijolaço, argumentou que, embora mantenha o monopólio da criação de conteúdo, a grande imprensa tem de conviver atualmente com um espaço livre e verdadeiramente democrático de debate. Ele citou a importância da militância na internet durante a campanha pela eleição de Dilma Rousseff, em 2010.

O debate foi promovido pelo Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé e mediado por Altamiro Borges. Na ocasião, houve o lançamento do livro "Jornalismo de Campanha e a Constituição de 1988", de Emiliano José.

O lançamento oficial da Frente ocorre em Brasília, em 19 de Abril.

Encontro dos blogueiros do Mato Grosso


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Golpe de 1964: jornais e "opinião pública"

Reproduzo artigo de Venício A. de Lima, publicado no sítio Carta Maior:

In memoriam de João Baptista Franco Drummond (1942-1976)

Apesar de quase cinco décadas já haverem se passado, ainda existem aspectos a ser esclarecidos sobre a participação da mídia no golpe de 1º de abril de 1964. Que os principais grupos empresarias do setor apoiaram e articularam a deposição do presidente João Goulart está suficientemente documentado. Que eles conclamaram os militares a intervir na ruptura do processo democrático, idem [cf. nesta Carta Maior, “A grande mídia e o golpe de 64”].

Uma questão intrigante, todavia, permanece: quais justificativas eram utilizadas pela própria mídia para contornar a evidente contradição existente entre o seu discurso em “defesa da democracia” e, ao mesmo tempo, a articulação e a pregação abertas de um golpe de estado contra o presidente da República democraticamente eleito?

Essa questão torna-se mais interessante quando, ao estudá-la, constatamos que o discurso justificador utilizado naquele período continua a ser utilizado ainda hoje e, em alguns casos, pelos mesmos grupos de mídia na defesa de seus velhos interesses.

“A Rede da Democracia”

Várias dissertações e teses acadêmicas têm estudado os vínculos da mídia com o golpe de 1964. Boa parte delas, no entanto, se mantém anônimas nas prateleiras das bibliotecas universitárias. Um desses trabalhos, uma pesquisa de pós-doutorado, foi transformada em livro lançado há cerca de um ano. Trata-se de “A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-64)”, co-edição da NitPress e Editora da UFF, do historiador e cientista político Aluysio Castelo de Carvalho.

A "Rede da Democracia” foi uma cadeia de emissoras de radio idealizada pelo então deputado federal (à época, do extinto Partido Social Democrático) e vice-presidente dos Diários Associados, João Calmon (1916-1999), criada em outubro de 1963, comandada pelas rádios Tupi, Globo e Jornal do Brasil e retransmitida por centenas de emissoras em todo o país.

Diariamente políticos, empresários, militares, jornalistas, intelectuais, sindicalistas, estudantes – articulados com partidos e entidades de oposição (IPES e IBAD) – faziam oposição aberta ao governo e se constituíam em espaço de articulação discursiva na conspiração que se formava para derrubada de Goulart, até as vésperas do 1º de abril. Os pronunciamentos veiculados na “rede” eram, em seguida, publicados nos respectivos jornais dos grupos empresariais de mídia.

A inspiração para a criação da “rede”, segundo Carvalho, parece ter vindo do livro de Suzanne Labin, “Em Cima da Hora – A conquista sem guerra” (original “II est moins cinq”), lançado no Brasil em 1963 (Distribuidora Record, Rio de Janeiro), com tradução, prefácio e notas do jornalista, então governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda (1914-1977).

A francesa Suzanne Labin (1913-2001), militante internacional do anticomunismo, escreveu dezenas de livros e folhetos, traduzidos em vários idiomas, que tiveram ampla distribuição como material da luta ideológica no tempo da guerra fria. No Brasil, além do “Em cima da hora”, foram também publicados títulos como “A Rússia de Stalin”, “O Duelo Rússia x EUA”, “A Condição Humana na China” e “A Guerra Política”.

No prefácio do livro, Lacerda afirma tratar-se de “um guia no meio da confusão, um antídoto para o veneno da inércia, um roteiro contra o sofisma. Possam lê-lo os que ensinam os outros a ler” (p. 15). No texto, Labin sugere a fundação de uma “Liga da Liberdade” cuja primeira tarefa seria “recuperar a imprensa”. Para isso recomenda “a formação de uma rede de imprensa diária e periódica de tiragem suficientemente ampla, expressamente dedicada à desintoxicação dos espíritos” (p. 135). Além disso, diz ela, “a Liga não deve limitar-se à imprensa. Deve utilizar todos os outros meios de expressão, desde logo as revistas, panfletos e livros. (...) deverá também produzir filmes” (p. 136).

Na verdade, “A Rede da Democracia” brasileira, coordenada pelos principais grupos de mídia do Rio de Janeiro, servia a propósitos políticos específicos que se concretizariam em abril de 1964.

Concepção “publicista” da opinião pública

Carvalho parte de uma visão panorâmica do papel central atribuído à “opinião pública” por alguns dos pensadores clássicos da democracia representativa liberal – Hobbes, Locke, Montesquieu, Constant – dentre outros. No Brasil, Rui Barbosa e Oliveira Vianna atribuíram “às elites dirigentes responsáveis o papel de intérprete dos interesses da nação” e também colocaram “a imprensa em primeiro plano, enfatizando sua posição central como órgão da opinião pública” (p. 29).

A principal hipótese de Carvalho é a de que, para fugir da contradição acima apontada, os jornais cariocas estudados abandonaram a concepção institucional de representatividade da opinião pública – aquela que se materializa através dos partidos, de eleições regulares e de representantes políticos – e recorreram a outra concepção – a publicista – que “ressalta a existência da imprensa como condição para a publicização das diversas opiniões individuais que constituem o público”.

A adoção da concepção publicista faz com que não só a crítica aos partidos políticos e ao Congresso se justifique, como também sustenta a posição de que os jornais são os legítimos representantes da opinião publica.

A partir da análise de pronunciamentos feitos na Rede da Democracia e de editoriais dos jornais, Carvalho afirma:

“Ocorreu por parte (de O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil) uma exaltação da própria imprensa como modelo de instituição representativa da opinião pública, porque se viram mais comprometidos com a preservação da ordem social liberal. Os jornais cariocas construíram uma imagem positiva da imprensa, em detrimento da divulgada sobre o Congresso. (...) Os jornais se consideravam o espaço público ideal para a argumentação, em contraposição à retórica dita populista e comunista que teria se expandido no governo Goulart e estaria comprometida com a desestruturação das instituições, sobretudo do Congresso. Os jornais se colocaram na posição de porta-vozes autorizados e representativos de todos os setores sociais comprometidos com uma opinião que preservasse os tradicionais valores da sociedade brasileira ancorados na defesa da liberdade e da propriedade privada” (p. 156).

Entre os inúmeros pronunciamentos e editoriais analisados, merece destaque o publicado em O Jornal [2 de março de 1962] que toma como referência a relação entre sociedade e sistema político existente nos Estados Unidos e evoca dois clássicos liberais, Tocqueville e Lord Bryce. Diz o editorial:

“Ninguém ignora quanto o governo americano é sensível à opinião pública e se deixa conduzir por suas reações. Congresso e Poder Executivo não ousam nunca contrariá-la, temendo republicanos e democratas os seus pronunciamentos nas urnas. Os grandes autores clássicos na apreciação do sistema político norte-americano – De Tocqueville e Lorde Bryce – mostraram como, apesar do regime presidencialista submeter-se à inflexibilidade dos mandatos e por isso parecer menos maleável aos efeitos das variações da opinião, como sucede nos parlamentarismos europeus, nos Estados Unidos os governos condicionam invariavelmente as suas decisões aos resultados da auscultação da vontade e do sentimento do povo, rigorosamente traduzidos pela imprensa” (citado em Carvalho, p. 159).

Mídia e a “opinião pública” hoje

A “concepção publicista”, apresentada por Carvalho, foi um fenômeno reduzido à articulação do golpe de 1964 pelos principais jornais cariocas ou corresponde a uma postura permanente da grande mídia brasileira?

Tenho tratado do tema reiteradas vezes e mostrado como, para certos jornais e jornalistas, a opinião da mídia teria que ser uma instância levada em conta não mais apenas por ser a mediadora ou “refletora” da opinião pública, mas por ser a própria opinião pública (cf., por exemplo, “A opinião privada tornada pública” ; e “Opinião da imprensa não é a opinião pública”).

Relembro, todavia, um episódio, no mínimo, curioso. No auge da crise que envolveu o Senado Federal em 2009 e em meio às pressões para sua renúncia, falando por ocasião do Dia Internacional da Democracia, o Senador José Sarney afirmou:

"A tecnologia levou os instrumentos de comunicação a tal nível que, hoje, a grande discussão que se trava é justamente esta: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós; e dizemos nós, representantes do povo: somos nós. É por essa contradição que existe hoje, um contra o outro, que, de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas. Isso não se discute aqui; estou repetindo aquilo que, no mundo inteiro, hoje, se discute" (cf. Sarney vs. Imprensa: Quem mudou: o senador ou a grande mídia?).

Quarenta e cinco anos depois do golpe de 1964, em 2009, um de seus principais apoiadores e, ele próprio, proprietário de jornal e concessionário do serviço público de radiodifusão, questiona a mesma “concepção publicista” de que a mídia se valeu para justificar sua posição golpista.

Dois anos mais tarde, em 2011, é necessário que as devidas lições sejam aprendidas. Estudar e conhecer melhor os vínculos dos grupos de mídia com a articulação golpista do início da década de 60, além de ser nosso dever para com aqueles que tombaram pelo caminho, pode nos ajudar – e muito – a compreender o que ainda ocorre na democracia brasileira de nossos dias.