Por Altamiro Borges
Nos últimos meses, o sindicalismo brasileiro recebeu vários sinais trocados, contraditórios. Por um lado, ocorreram tímidos avanços nos direitos trabalhistas, com algumas vitórias importantes. Por outro, está em curso um perigoso processo de judicialização das lutas sociais, com inúmeras sentenças contrárias ao sindicalismo, e o governo Lula baixou várias medidas que podem asfixiar financeiramente e fragmentar as organizações sindicais. Esta agenda ambígua comprova que os classistas devem evitar tanto o adesismo chapa-branca da CUT, que aplaude qualquer medida do Planalto, como o esquerdismo da Conlutas, que não vê nada de progressivo na atual conjuntura.
No campo trabalhista, a agenda positiva teve início com o veto presidencial à Emenda-3, também batizada de Emenda da Globo, uma armadilha da bancada patronal no parlamento que limitava a fiscalização das empresas e estimulava a chamada Pessoa Jurídica (PJ), uma relação contratual sem direitos trabalhistas. Na seqüência, o governo enviou mensagem ao Legislativo propondo a ratificação de duas importantes convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção 151, que garante o direito de negociação coletiva ao servidor público, e a Convenção 158, que proíbe as demissões imotivadas no setor privado. Ambas ainda estão em tramitação.
Agenda positiva no segundo mandato
Mais recentemente, o Congresso Nacional aprovou o aumento do tempo da licença-maternidade de 120 para 180 dias e agora discute medidas para cercear o uso abusivo do estágio nas empresas e para garantir os direitos trabalhistas de 6,8 milhões de empregadas domésticas. Outro conquista importante foi a implosão do Fórum Nacional de Previdência Social, um organismo tripartite que discutia a terceira reforma regressiva dos direitos previdenciários. Tanto esta “reforma” como a trabalhista saíram da pauta da mídia venal, para seu desânimo. Até o PSTU, que vivia falando do fantasma das “reformas neoliberais do governo Lula”, retirou o baner do seu portal na internet.
Em gesto ousado, o presidente Lula também levantou a bola para sindicalismo lutar pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Num evento público, ele afirmou que as empresas estavam obtendo altos lucros, devido ao crescimento da economia e à elevação da produtividade, e que poderiam repartir esse faturamento “reduzindo a jornada”. Já num evento no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula surpreendeu ao dizer que “agora é hora de lutar por reajuste salarial, já que a economia está bem”. Diferente do primeiro mandato, no qual vingou a agenda negativa da Reforma da Previdência, neste segundo prevalecem as boas notícias no terreno trabalhista.
Cenário mais favorável às lutas
Estas conquistas, embora tímidas, inserem-se num quadro de relativo aquecimento da economia, o que gera mais emprego e aumenta o poder de barganha do sindicalismo. Segundo pesquisas do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), no ano passado mais de 80% das categorias conquistaram aumento real de salário, acima da inflação, fato inédito nas últimas décadas. Estudos da Unicamp também comprovam que, após longo período de queda na taxa de sindicalização, nos últimos dois anos voltou a crescer o quadro de sócios – que pulou de 16,3% no final dos anos 90 para quase 20% da População Economicamente Ativa (PEA).
Numa relação dialética, este é apenas o lado vistoso do sol. Já no terreno propriamente sindical, a agenda tem sido negativa e preocupante. Ela teve início de maneira auspiciosa, com a aprovação do reconhecimento das centrais sindicais. Nunca na história do país, as organizações horizontais de classe tiveram vida legal. Agora, elas participarão de negociações, terão assento em instâncias públicas e contarão com estrutura material (10% do valor da contribuição sindical) para as suas atividades. É uma conquista histórica, que entrará para a biografia do presidente Lula. Mas ela, porém, pode ser manchada com iniciativas que, na contramão, debilitam o sindicalismo.
Duas portarias anti-sindicais
É o caso da portaria que extingue abruptamente a contribuição sindical, substituindo-a por uma suspeita taxa negocial. Com exceção da CUT, as demais centrais condenam a medida e inclusive questionam sua legalidade. Afirmam que a extinção poderá asfixiar financeiramente milhares de entidades e que a contribuição negocial gerará processos jurídicos, ficando na dependência da boa vontade das empresas e da assinatura de acordos ou dissídios coletivos. As dúvidas sobre a portaria foram reforçadas por um consistente parecer técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), um organismo plural que presta assessoria ao sindicalismo.
É o caso também da portaria 186, baixada pelo Ministério do Trabalho. Afora a CUT, novamente a única a aplaudir o governo, as outras temem que ela abra caminho para maior fragmentação do sindicalismo. Um dos seus 34 artigos permite a multiplicação das federações e confederações de trabalhadores. Conforme alerta o jurista Edésio Passos, ex-deputado federal do PT e assessor do Diap, ela é inconstitucional. “Ao quebrar o princípio da unicidade, impedindo o livre curso das impugnações e aceitando o pluralismo no âmbito das entidades federativas e confederativas, a portaria 186/08 subverte o sistema e caminha em direção a sua desconstituição via estatal”.
Judicialização da ação sindical
O cenário é ainda mais preocupante quando se observa a recente ofensiva do Ministério Público Federal contra o sindicalismo. A mesma Justiça que votou, no Rio Grande do Sul, a “dissolução do MST”, baixa sentenças que cerceiam sua ação. Entre outros atentados à Constituição e à CLT, ela fixou que as entidades só terão direito a sete diretores com estabilidade no emprego e até já acatou pedidos patronais para demitir dirigentes. Ela também exige cartas dos trabalhadores autorizando com o desconto da contribuição sindical, o que tem inviabilizado várias entidades. É há também casos em que anula a validade de acordos coletivos enquanto outro não for assinado.
Como se nota, o quadro é contraditório. Ao mesmo tempo em que há avanços na área trabalhista, decorrentes do próprio crescimento da economia, parece que está em curso um movimento para inibir o seu fortalecimento e castrar o seu poder de pressão. Neste esforço, a mídia hegemônica faz de tudo para estigmatizar o sindicalismo, destilando veneno diariamente; o intenso processo de judicialização ataca sua estrutura; e o próprio governo Lula cria sérios obstáculos. O momento é mais favorável à luta dos trabalhadores, mas é preciso superar os entraves impostos, mantendo a autonomia, intensificando a pressão e agindo ainda com mais habilidade política.
Nos últimos meses, o sindicalismo brasileiro recebeu vários sinais trocados, contraditórios. Por um lado, ocorreram tímidos avanços nos direitos trabalhistas, com algumas vitórias importantes. Por outro, está em curso um perigoso processo de judicialização das lutas sociais, com inúmeras sentenças contrárias ao sindicalismo, e o governo Lula baixou várias medidas que podem asfixiar financeiramente e fragmentar as organizações sindicais. Esta agenda ambígua comprova que os classistas devem evitar tanto o adesismo chapa-branca da CUT, que aplaude qualquer medida do Planalto, como o esquerdismo da Conlutas, que não vê nada de progressivo na atual conjuntura.
No campo trabalhista, a agenda positiva teve início com o veto presidencial à Emenda-3, também batizada de Emenda da Globo, uma armadilha da bancada patronal no parlamento que limitava a fiscalização das empresas e estimulava a chamada Pessoa Jurídica (PJ), uma relação contratual sem direitos trabalhistas. Na seqüência, o governo enviou mensagem ao Legislativo propondo a ratificação de duas importantes convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção 151, que garante o direito de negociação coletiva ao servidor público, e a Convenção 158, que proíbe as demissões imotivadas no setor privado. Ambas ainda estão em tramitação.
Agenda positiva no segundo mandato
Mais recentemente, o Congresso Nacional aprovou o aumento do tempo da licença-maternidade de 120 para 180 dias e agora discute medidas para cercear o uso abusivo do estágio nas empresas e para garantir os direitos trabalhistas de 6,8 milhões de empregadas domésticas. Outro conquista importante foi a implosão do Fórum Nacional de Previdência Social, um organismo tripartite que discutia a terceira reforma regressiva dos direitos previdenciários. Tanto esta “reforma” como a trabalhista saíram da pauta da mídia venal, para seu desânimo. Até o PSTU, que vivia falando do fantasma das “reformas neoliberais do governo Lula”, retirou o baner do seu portal na internet.
Em gesto ousado, o presidente Lula também levantou a bola para sindicalismo lutar pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Num evento público, ele afirmou que as empresas estavam obtendo altos lucros, devido ao crescimento da economia e à elevação da produtividade, e que poderiam repartir esse faturamento “reduzindo a jornada”. Já num evento no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula surpreendeu ao dizer que “agora é hora de lutar por reajuste salarial, já que a economia está bem”. Diferente do primeiro mandato, no qual vingou a agenda negativa da Reforma da Previdência, neste segundo prevalecem as boas notícias no terreno trabalhista.
Cenário mais favorável às lutas
Estas conquistas, embora tímidas, inserem-se num quadro de relativo aquecimento da economia, o que gera mais emprego e aumenta o poder de barganha do sindicalismo. Segundo pesquisas do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), no ano passado mais de 80% das categorias conquistaram aumento real de salário, acima da inflação, fato inédito nas últimas décadas. Estudos da Unicamp também comprovam que, após longo período de queda na taxa de sindicalização, nos últimos dois anos voltou a crescer o quadro de sócios – que pulou de 16,3% no final dos anos 90 para quase 20% da População Economicamente Ativa (PEA).
Numa relação dialética, este é apenas o lado vistoso do sol. Já no terreno propriamente sindical, a agenda tem sido negativa e preocupante. Ela teve início de maneira auspiciosa, com a aprovação do reconhecimento das centrais sindicais. Nunca na história do país, as organizações horizontais de classe tiveram vida legal. Agora, elas participarão de negociações, terão assento em instâncias públicas e contarão com estrutura material (10% do valor da contribuição sindical) para as suas atividades. É uma conquista histórica, que entrará para a biografia do presidente Lula. Mas ela, porém, pode ser manchada com iniciativas que, na contramão, debilitam o sindicalismo.
Duas portarias anti-sindicais
É o caso da portaria que extingue abruptamente a contribuição sindical, substituindo-a por uma suspeita taxa negocial. Com exceção da CUT, as demais centrais condenam a medida e inclusive questionam sua legalidade. Afirmam que a extinção poderá asfixiar financeiramente milhares de entidades e que a contribuição negocial gerará processos jurídicos, ficando na dependência da boa vontade das empresas e da assinatura de acordos ou dissídios coletivos. As dúvidas sobre a portaria foram reforçadas por um consistente parecer técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), um organismo plural que presta assessoria ao sindicalismo.
É o caso também da portaria 186, baixada pelo Ministério do Trabalho. Afora a CUT, novamente a única a aplaudir o governo, as outras temem que ela abra caminho para maior fragmentação do sindicalismo. Um dos seus 34 artigos permite a multiplicação das federações e confederações de trabalhadores. Conforme alerta o jurista Edésio Passos, ex-deputado federal do PT e assessor do Diap, ela é inconstitucional. “Ao quebrar o princípio da unicidade, impedindo o livre curso das impugnações e aceitando o pluralismo no âmbito das entidades federativas e confederativas, a portaria 186/08 subverte o sistema e caminha em direção a sua desconstituição via estatal”.
Judicialização da ação sindical
O cenário é ainda mais preocupante quando se observa a recente ofensiva do Ministério Público Federal contra o sindicalismo. A mesma Justiça que votou, no Rio Grande do Sul, a “dissolução do MST”, baixa sentenças que cerceiam sua ação. Entre outros atentados à Constituição e à CLT, ela fixou que as entidades só terão direito a sete diretores com estabilidade no emprego e até já acatou pedidos patronais para demitir dirigentes. Ela também exige cartas dos trabalhadores autorizando com o desconto da contribuição sindical, o que tem inviabilizado várias entidades. É há também casos em que anula a validade de acordos coletivos enquanto outro não for assinado.
Como se nota, o quadro é contraditório. Ao mesmo tempo em que há avanços na área trabalhista, decorrentes do próprio crescimento da economia, parece que está em curso um movimento para inibir o seu fortalecimento e castrar o seu poder de pressão. Neste esforço, a mídia hegemônica faz de tudo para estigmatizar o sindicalismo, destilando veneno diariamente; o intenso processo de judicialização ataca sua estrutura; e o próprio governo Lula cria sérios obstáculos. O momento é mais favorável à luta dos trabalhadores, mas é preciso superar os entraves impostos, mantendo a autonomia, intensificando a pressão e agindo ainda com mais habilidade política.
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