Indignado com a Folha de S.Paulo que qualificou de “ditabranda” a ditadura militar brasileira, o ilustre jurista Fabio Konder Comparato ironizou numa carta ao jornal: “O autor do vergonhoso editorial e o diretor que o aprovou deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça púbica e pedir perdão ao povo brasileiro, cuja dignidade foi descaradamente enxovalhada”. Relembrando sua postura nos anos de chumbo, a arrogante Folha rechaçou a crítica do jurista e da professora Maria Victória Benevides, taxando-a de “cínica e mentirosa”. Mas, com o emocionante ato de repúdio à Folha neste sábado, Otavio Frias Junior, chefão do jornal, teve que ficar de joelhos!
Numa manobra inteligente, o jornal noticiou o ato. Não deu manchete ou fotos, relatou que havia 300 pessoas – quando foram coletadas 345 assinaturas no protesto e muita gente sequer assinou a lista dos presentes – e ainda destilou seus venenos. Apesar disto, foi forçado a noticiar o protesto, reconhecendo o crime. Para acobertá-lo, contou com a cumplicidade dos outros veículos privados de comunicação, que nada falaram sobre o evento. Apenas a TV Brasil, num ponto valioso para a nova emissora pública, cobriu a manifestação. Até no exterior o protesto teve mais repercussão. “Leitores obrigam diário brasileiro a reconhecer seu erro em editorial”, noticiou a agência EFE.
Uma aparente autocrítica
Além da reportagem, a Folha publicou a marota autocrítica do diretor de redação, Otavio Frias Junior. “O uso da expressão ‘ditabranda’ em editorial de 17 de fevereiro passado foi um erro. O termo tem uma conotação leviana, que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis”. O recuo, porém, é aparente. O herdeiro do trono nada fala sobre o apoio do Grupo Folha ao golpe de 64 e os serviços sujos prestados à repressão fascista. E ainda insiste em desqualificar os professores Comparato e Benevides.
Como afirma Eduardo Guimarães, presidente do Movimento Sem Mídia responsável pelo ato, a reação do jornal foi lamentável: “Os textos em questão são absurdos porque dizem que a Folha errou ao qualificar a ditadura militar brasileira de ditabranda, mas reiteram e endossam a teoria que gerou o neologismo”. Ele também rejeita a exigência do jornal do “atestado ideológico” aos que discordam da sua linha: “Sou cidadão brasileiro, não cubano, chileno ou da Cochinchina”. Na essência, a Folha mantém sua linha editorial reacionária; mas, como peça de marketing, tenta preservar a máscara de jornal “plural e democrático”, para continuar iludindo os ingênuos.
A conversão de Eugênio Bucci
Neste esforço, a Folha conta com insólitos apoios. É o caso do jornalista Eugênio Bucci, que faz questão de dizer que militou no grupo trotskista Organização Socialista Internacionalista (OSI) e que dirigiu a Radiobrás no primeiro mandato do presidente Lula. Num artigo intitulado “A briga em que todos perdem”, ele tenta limpar a barra do jornal. Após se solidarizar com os professores Comparato e Benevides, ele lembra seu papel na campanha das Diretas-Já e do impeachment de Fernando Collor para enfatizar que “a democracia brasileira deve muito à Folha de S.Paulo”.
Para Eugênio Bucci, que também parece querer apagar o passado, a polêmica sobre o editorial do jornal, “assumiu proporções de movimentos radicalizados, de parte a parte... Quem ganha com a radicalização? Apenas os inimigos da democracia”. Após atacar a esquerda brasileira, que “tem seus oportunistas, ladrões, cínicos e mentirosos”, ele afirma que é um erro caracterizar a Folha “como um pilar da ditadura – ou, pior, da ‘ditabranda’. Cair nessa armadilha é uma temeridade – e até mesmo os melhores, quando movidos pela raiva repentina, embarcam nessa falácia”. Num passado recente, Bucci teria ido ao ato de repúdio; hoje, prefere relativizar os crimes dos Frias.
Li o artigo mencionado no OI e, assim como você, fiquei indignado. Principalmente partindo do Bucci, que excluindo suas posições políticas sempre controversas, é um grande intelectual brasileiro.
ResponderExcluirQuanto ao recuo da FDS, fica a minha falta de esperança. Daqui a algum tempo, o assunto já estará esgotado na poeira de nossa displicência. Novamente, as críticas mais contudentes ficarão restritas à blogosfera e à esquerda. A burguesia midiática, como sempre, irá isolar-se em uma torre de marfim e articular um movimento visando a desinformação. A atitude da Folha de inventar um termo escarninho pode sinalizar uma vontade urgente de soterrar uma página negra de nossa estória em mal-entendidos e controvérsias. É um golpe como tantos outros que tenta reescrever a nossa história e mascarar o apoio da Folha ao regime.
Cada dia mais, reconheço a necessidade extrema desta "trincheira contra a ditadura midiática" e contra toda a maquiagem de outras ditaduras e seus artífices.
Miro,
ResponderExcluirPara a tristeza dos dirigentes da Folha de S. Paulo e nossa alegria, este episódio jamais será apagado da história da nossa imprensa. O Editorial fascista e sua mea-culpa posterior à manifestação serão sempre citados nos cursos de Jornalismo.
Concordo que o diário continuará publicando seus textos reacionários. Mas, de agora em diante, eles saberão que a manipulação tem limites.
Abraço!
Miro, vou ao Observatório da Imprensa, mas não perco o meu tempo lendo os textos desse sr.
ResponderExcluirEstá querendo um emprego na Folha.
Fernando
Miro, uma das coisas que mais me emocionou naquele ato foi a sua emoção. Você é um bom homem, e agora é meu amigo. Obrigado, cara.
ResponderExcluirOlá meu caro,
ResponderExcluirJá havia percebido esta mudança (por falta de um termo mais, digamos, brando) do Bucci bem antes... todavia, é agradável não me ver só.
Abraço,
Antonio R. Navarro
Muito bem Miro, não dá pra dizer que de tudo isso já não é uma vitória, quanto ao conteúdo ideológico ela não irá recuar mesmo, são negócios de classe esse limite é intransponível. Os Frias são herdeiros dos barões do vale do paraíba, não é à toa que até pouco tempo atrás escrevia um Bragança que quer restaurar a monarquia no Brasil...Sua origem e seu papel de classe ela não irá mudar, o que podemos fazer e denunciar sua ideologia reacionária e lutar por uma outra mídia, mas para ter uma outra mídia é preciso que nós mesmos façamos. Blogs, sites, tv pública já existem, mas é preciso falar pra mais gente.
ResponderExcluirSaudações
E hoje, mais uma vez, a Folha se refere ao fato, só que na reportagem sobre a participação da Dilma no Seminário sobre Mulheres e Poder, quando ela disse que nunca viu a "branda" e é produto da "dura". Se referem ao editorial de 17 de fevereiro e não deixam por menos ao afirmar que a esquerda dá guarida para ditaduras na América Latina. É muito descaramento!
ResponderExcluirGrande beijo