quarta-feira, 25 de março de 2009

A mídia e o golpe militar de 1964

O neologismo “ditabranda”, cravado no editorial de 17 de fevereiro da Folha de S.Paulo, serviu para desmascarar este veículo, que vende a imagem publicitária de que é um jornal independente e plural – de “rabo preso com o leitor”. A revisão histórica sobre a sanguinária ditadura militar brasileira custou à Folha um manifesto de repúdio com mais de 8 mil adesões e um emocionante protesto em frente à sua sede com cerca de 500 presentes. Numa manobra marota, o diretor de redação, Otavio Frias Filho, foi obrigado a se retratar, parcialmente, do odioso neologismo.

O forte desgaste na sociedade teve também um alto custo material, o que deve ter apavorado os herdeiros da Famíglia Frias. Segundo revela o blog de Leonardo Sakamoto, “os leitores chiaram. Fontes de dentro do jornal dizem que uma onda de cancelamento de assinaturas teria acendido a luz amarela. Fala-se em perdas de até 2 mil assinantes”. Outro jornalista bem informado sobre os bastidores da mídia, Rodrigo Vianna, informa que “a fuga de leitores teria enfraquecido ainda mais a posição interna de Otavinho. Ele o irmão Luis Frias travam uma guerra pelo comando do grupo desde a morte do pai”. A “retratação” de Otavinho foi uma tentativa de “conter a sangria”.

Os editoriais dos golpistas

O episódio também serviu para relembrar o papel da mídia no período da ditadura. Mas, justiça seja feita, não foi somente o Grupo Folhas que clamou pelo golpe e que deu apoio à ditadura na sua fase mais sombria – de prisões ilegais, torturas, mortes, censura, cassação de parlamentares, fechamento de sindicatos e outras violências. Com a aproximação da fatídica data do golpe, vale citar a conduta de outros veículos privados de comunicação. A postura destes no passado ajuda a entender sua linha editorial reacionária na atualidade. Reproduzimos alguns editoriais da época, coletados pelo jornal Brasil de Fato:

- “Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam se unir todos os patriotas [...] para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para os rumos contrários à sua vocação e tradições... Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegem de seus inimigos”. O Globo.

- “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem... A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas... Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, na desordem social e na corrupção generalizada”. Jornal do Brasil.

- “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e os chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. Jornal O Estado de Minas.

- “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comunos-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr. João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, na época sob comando do governador golpista Carlos Lacerda.

Fato histórico documentado

Como aponta o professor Venício de Lima, num excelente artigo na Carta Maior, “a participação ativa dos grandes grupos de mídia na derrubada do presidente João Goulart já é um fato histórico fartamente documentado”. Não dá para escondê-lo. Daí a tentativa da Folha e de outros veículos de revisar a história da ditadura e reconstruir o seu significado, inclusive com a criação de novos termos – como “ditabranda”. Ele sugere o livro “1964: A conquista do Estado”, obra clássica de René Dreifuss, para se entender este sombrio período e postura golpista da mídia hegemônica.

“Através das centenas de páginas do livro de Dreifuss o leitor interessado poderá conhecer quem foram os conspiradores e reconstruir detalhadamente suas atividades, articuladas e coordenadas por suas instituições, fartamente financiadas por interesses empresariais nacionais e estrangeiros: o IBAD e o IPES... No que se refere especificamente ao papel dos grupos de mídia, sobressai a ação do GOP, Grupo de Opinião Pública ligado ao IPES e constituído por importantes jornalistas e publicitários. O capítulo VI, sobre ‘a campanha ideológica’, traz ampla lista de livros, folhetos e panfletos publicados pelo IPES e uma relação de jornalistas e colunistas a serviço do golpe”.

Para o professor Venício de Lima, é essencial revisitar esta história, principalmente no momento em que o país debate a democratização da mídia. “Não são poucos os atores envolvidos no golpe de 1964 – ou seus herdeiros – que continuam vivos e ativos. A grande mídia brasileira, apesar de muitas mudanças, continua basicamente controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais. O mundo mudou, o país mudou. Algumas instituições, porém, continuam presas ao seu passado. Não deve surpreender que eventualmente transpareçam suas verdadeiras posições e compromissos, expressos em editoriais, notas ou, pior do que isso, disfarçados na cobertura jornalística cotidiana. Tudo, é claro, sempre feito ‘em nome e em defesa da democracia”.

2 comentários:

  1. Faltou aí O Estado de S. Paulo, da família Mesquita, baluarte da "redentora". verdade que OESP arrependeu-se mais tarde, foi censurado, e inclusive abrigou e protegeu jornalistas de esquerda. Nada apaga, entretanto, que conspirou contra um governo democraticamente eleito, visando influir nos militares ou civis aos quais fosse entregue o poder posteriormente.
    Quanto ao governo Lula, todos eles, sem nem uma exceção meramente mercadológica, desvelam seu preconceito de classe, sua prepotência e seu desamor à tudo que seja nacionalista e popular.
    Hoje o maior inimigo da Liberdade de Imprensa no Brasil são as seis ou sete famiglias que dominam a mídia cartelizada. Praticam a censura, sem pudor.

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  2. PressAA

    1964/1985 - A Travessia
    TRAVESSIA é a nova minissérie da TV Brasil que estreia nesta segunda-feira, dia 15 de junho, às 20h30. Dividida em cinco capítulos, relata a travessia de alguns cidadãos brasileiros que tiveram suas vidas atingidas pelo golpe militar (1964-1985). O cineasta e diretor do programa, João Batista de Andrade, diz que "o golpe de 64 foi terrível porque praticamente abortou uma ou duas gerações que revolucionaram culturalmente o país". Os filmes se estruturam nas vivências pessoais, em forma de depoimentos, desnudando a história daquele período. Cada depoimento revela a realidade cotidiana de cada um, antes e depois de 64. Segundo João, "a ideia do filme é ver o que aconteceu com essas pessoas que lutaram por uma país melhor, por avanços, por mais democracia, por mais justiça. Cada história particular, cada travessia”.
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    Abraços

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