Apesar do enorme poder de manipular “corações e mentes”, a mídia vem sofrendo abalos na fase recente. Pesquisas apontam o aumento da vulnerabilidade das corporações midiáticas. “Durante os últimos quatro anos, a audiência dos telejornais das três principais cadeias norte-americanas teve queda de 60% a 38% do total de telespectadores. 72% dos temas tratados têm caráter local ou se referem à violência, drogas, agressões e delitos” [26]. Parcela crescente dos estadunidenses já passa mais tempo em frente à tela do computador do que assistindo, como receptor passivo, aos programas de baixa qualidade e à overdose de publicidade das emissoras de televisão.
Mais dramática é a situação da mídia impressa. Nos EUA, somente 19% da população entre 18 e 34 anos se declara leitora de jornais. Vários periódicos decretaram falência e alguns migraram para a internet. Um caso emblemático ocorreu no final de 2008. Um dos mais tradicionais jornais dos EUA, o centenário The Christian Science Monitor, anunciou que seria veiculado apenas pela internet. Sua circulação diária caiu de 220 mil exemplares, em 1970, para 52 mil em 2008, o que fez despencar a publicidade deste periódico editado pela igreja First Church of Christ. O jornal já havia recebido sete prêmios Pulitzer e exercia certa influência na formação da opinião pública.
“Pouca gente acredita que os jornais, na forma impressa de hoje, tenham chance de sobreviver. Eles estão perdendo anunciantes, leitores, valor de mercado e, em alguns casos, o próprio senso de missão... Nos últimos três anos, os jornais americanos perderam 42% do valor de mercado. Poucas companhias foram tão punidas em Wall Street quanto aquelas que ousaram investir no ramo jornalístico... O New York Times Company viu as suas ações caírem 54% desde 2004. A Washington Post Company só evitou o mesmo destino ao se apresentar como ‘empresa de educação e comunicação’; seu braço didático, a Kaplan, agora responde por pelo menos metade do faturamento total... A maioria dos executivos reagiu ao colapso de seu modelo de negócios com uma espiral de cortes orçamentários, sucursais fechadas, fusões, demissões e reduções de formato. De 1990 para cá, um quarto dos empregos no ramo jornalístico desapareceu”, aponta o jornalista Eric Alterman [27].
Principais fatores do declínio
Vários fatores explicam o declínio relativo da mídia hegemônica. O principal deles, segundo boa parte dos especialistas, é o fator tecnológico. A internet e o acelerado processo de convergência digital possibilitam novas opções de informação, cultura e entretenimento, mais democráticas e interativas. São uma brecha, mesmo que parcial e temporária, ao poder da ditadura midiática. As corporações, porém, já perceberam este vasto potencial, impõem legislações restritivas em vários países e integram a internet aos seus domínios. O ranking mundial revela que os sítios mais freqüentados em qualquer país já pertencem aos mesmos conglomerados. No futuro, prognostica Ignacio Ramonet, a internet poderá até servir para reforçar ainda mais o poder das corporações.
A mídia hegemônica também é vítima da própria crise capitalista que ajudou a criar. Apostou na orgia financeira e agora afunda com os títulos tóxicos. Além disso, ela sofre com a multiplicação de emissoras abertas e de jornais gratuitos. Por último, vale destacar a perda de credibilidade dos veículos tradicionais. Pesquisa da Universidade do Sagrado Coração revelou que menos de 20% dos estadunidenses acreditam no noticiário jornalístico – número que despencou 27% em cinco anos. “Menos de uma em cada cinco pessoas acredita no que lê na imprensa”, apontou o relatório “O estado da mídia”, de 2007. O descrédito cresceu devido às mentiras veiculadas após a invasão do Iraque e deu espaço para o crescimento de sítios e blogs progressistas nos EUA e na Europa.
Um caso exemplar é o da página eletrônica Huffington Post, fundada em maio de 2005 e que se projetou ao desmascarar os impérios midiáticos que aderiram à política de Bush. Já na campanha de Barack Obama, ela registrou visitas diárias de 11 milhões de pessoas. A sua equipe é reduzida e o noticiário é compartilhado por milhares de voluntários, entre eles, mais de 1.800 blogueiros. O fenômeno da blogosfera progressista já preocupa os barões da mídia. Numa palestra recente, o editor-executivo do New York Times, Bill Keller, atacou os que “mastigam e reciclam notícias”. Após afirmar que “a grande imprensa perdeu seu verniz de confiabilidade absoluta”, Arianna Huffington disparou: “Os blogueiros não mastigam notícias, eles cospem notícias”.
A ditadura da mídia, como se nota, não é inabalável. A sua perda de credibilidade tende a crescer com o acirramento da luta de classes no mundo. Como aponta Pascual Serrano, no texto citado, o declínio atual decorre, entre outros fatores, da “crise de identidade” (o público já não confia nos veículos, tendo provado várias vezes como eles mentem e ocultam os elementos fundamentais da realidade); “crise de objetividade” (o mito da neutralidade sucumbe e a confiança no jornalismo despenca com ele); “crise de autoridade” (a internet e as novas tecnologias revelam a capacidade das organizações sociais e dos jornalistas alternativos para enfrentar o poder das corporações midiáticas); e da “crise de informação” (a dinâmica mercantilista e a necessidade de aumentar a produtividade e a rentabilidade provocam a perda de qualidade da atividade jornalística).
NOTAS
26- Ryszard Kapuscinski. “Reflejan los medios la realidade del mundo?”. Le Monde Diplomatique, 24/02/2001.
27- Eric Alterman. “O futuro dos jornais”. Folha de S.Paulo, “Caderno Mais!”, 08/06/08.
- Extraído do primeiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado em julho passado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
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