Reproduzo artigo de Gilson Caroni, publicado no sítio Carta Maior:
Picles não combinam com morangos, mas o jornalismo brasileiro, em anos eleitorais, é a cozinha das combinações intragáveis. Se for do agrado do paladar do patrão, titulares de carteirinha de jornalista se esmeram em preparar saladas que levam o agridoce ao paroxismo. Como já observou Alberto Dines, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, "ampliam-se as insignificâncias, criam-se pseudofatos (os famosos factóides), e até confere-se relevância política às matérias produzidas pelos marqueteiros nos seus comerciais. É a inversão total de simples preceitos jornalísticos".
Ao ocultar os dados da mais recente pesquisa Vox Populi que, demonstrando um consistente crescimento da candidatura de Dilma Rousseff, desmente as últimas projeções do Datafolha, O Globo e Folha de S.Paulo deixam claro que, dependendo do resultado, sondagens de opinião servem para tudo. Ou para nada, de acordo com a preferência da clientela.
Se o resultado é conveniente para os candidatos das corporações, números teoricamente transitórios são utilizados como tendência definitiva. Se ocorrer o contrário, trata-se de “um retrato do momento” com alta probabilidade de ser modificado até o dia do pleito. Não peçam análise séria em exercícios de imaginação militante.
Pelos caminhos da ficção, Franz Kafka atingiu a realidade da incoerência e da solidão humana. Pelos caminhos da redação partidarizada, se chega com facilidade a uma literatura ridícula, inversamente hilária à verdade factual que pretende distorcer. É uma experiência humorística que não pode ser ignorada, sob pena de perdermos excelente oportunidade de divertimento. Vejamos dois casos recentes. São excelentes exemplos de genuflexão permanente.
Ainda no sábado (3/4), a jornalista Renata Lo Prete, editora da coluna Painel, da Folha de S.Paulo, ciente de números que só seriam divulgados à noite pela TV Bandeirantes, lançou dúvidas sobre a metodologia da sondagem que desmontava o resultado obtido pelo instituto de pesquisa da família Frias:
"Chama a atenção, no questionário de pesquisa Vox Populi sobre a sucessão presidencial com campo em 30 e 31 de março, a inclusão de pergunta relativa aos cargos que os candidatos já ocuparam, quebrando o fluxo das respostas espontânea e estimulada sobre intenção de voto. Esse tipo de procedimento é conhecido por distorcer resultados".
É questionável se a ordem da apresentação dos temas (menção espontânea, conhecimento dos candidatos, menção estimulada) pode ou não influenciar nas respostas ao último quesito. Justamente por isso é leviano insinuar, como faz a colunista, que tal procedimento tenha produzido qualquer distorção na pesquisa do Vox Populi.
Consultar especialistas não faria mal algum se Lo Prete não soubesse o que querem seus senhores. Seria interessante lembrar que a lisura do processo eleitoral compreende principalmente a lisura da imprensa que o acompanha. E nesse ponto não resta dúvida que, para patrões e seus escribas, eleições ainda são um jogo que não pressupõe qualquer relação com amadurecimento democrático e cidadania ampliada.
Outro exemplo do burlesco travestido de análise pode ser encontrado no jornal O Globo. Em sua coluna de sexta-feira, 2/04, Merval Pereira oferece trechos memoráveis que merecem ser destacados. O servilismo, esteja ou não a serviço de fanfarras eleitorais, oferece imagens que nem de longe configuram um desenho ético ou qualquer propósito respeitável.
Tentando demonstrar traços de subalternidade na postura da ex-ministra Dilma Rousseff, o colunista não titubeia: "Ela chegou a usar 28 vezes o tratamento de ' senhor' ao se referir ao presidente Lula no seu discurso de despedida, o que é um sinal de subserviência não candidata com o papel de candidata à Presidência da República"
É compreensível o espanto de Merval. Afinal, trabalha em uma organização que obriga jornalista a chamar patrão de colega. Mas, tirando a força do hábito, qual seria o tratamento adequado a ser dispensado a um presidente? Para responder, bastava uma consulta aos acadêmicos que sistematizam suas reflexões diárias. Mas o tempo das manobras não permite perda de tempo com esse tipo de questão.
Em seguida, misturando números, épocas e fatos, o sincero partícipe das convicções de quem lhe paga o sal, entra em transe e soçobra diante da falta de senso lógico que ilumina os seus escritos: “Lula não tem se mostrado tão bom de voto quanto sua popularidade atual indica. Perdeu duas vezes no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso, o que certamente é sua maior frustração, e venceu duas vezes no segundo turno".
Impressionante! A popularidade de 2010 não foi capaz de eleger Lula em 1994 e 1998! Se Franz Kafka estivesse entre nós certamente abriria um largo sorriso ao ler o que vai na alma do jornalista global.Repetindo Odradeck, personagem de um breve conto seu, diria que "o conjunto se apresenta sem sentido, mas no seu gênero é completo"
Renata Lo Prete, Merval Pereira e Datafolha não ganhariam apenas sentido. A semelhança alucinante entre as receitas aventadas por eles e os detalhes que deformam os homens na literatura kafkaniana ganharia contorno definitivo.
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Fôlego para Serra
ResponderExcluirO último Datafolha suscitou comoção exagerada. As médias dos principais institutos apontam para o estabelecimento de duas linhas paralelas: José Serra na faixa dos 35% e Dilma Rousseff na dos 28%. A tendência é esse quadro permanecer, até o acirramento da disputa, a partir de julho.
As oscilações apontadas pelo Datafolha foram construídas pela agressiva campanha midiática empreendida para salvar a candidatura Serra. Houve peças publicitárias financiadas pelo contribuinte paulista; nenhum analista mencionou-as porque possuem uma conotação explicitamente eleitoreira e, portanto, ilegal. Mas houve também ativa contribuição dos grandes veículos “jornalísticos”, fabricando noticiário e colunismo escancaradamente favorável ao governador.
É um equívoco menosprezar a pesquisa. Seu resultado era previsível. Serra conta com uma competente assessoria de comunicação, gigantesca máquina administrativa, apoio da mídia corporativa. Todas as fichas do projeto oposicionista estavam empenhadas no crescimento do governador antes da desincompatibilização. Foi sua manobra estratégica mais importante do primeiro semestre.
Se os coordenadores da campanha de Dilma não perceberam que isso poderia acontecer, a candidata tem mais problemas do que imagina.