quinta-feira, 6 de maio de 2010

As greves por melhores salários no Vietnã



Sétimo artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:

Quase vinte mil empregados da fábrica de sapatos Pouchen, de capital taiwanês, localizada na província de Dong Nai, cruzaram os braços e pararam as máquinas no início de abril. A lei vietnamita determina que as empresas concedam aumento salarial anualmente. Mas os donos dessa companhia, desde 2008, desobedecem a regra.

“Depois de tantas promessas não cumpridas e de tanto desrespeito aos direitos dos trabalhadores, a greve foi nossa última alternativa”, conta o operário Quan, um dos que participaram do movimento e que prefere não dar o nome completo por medo de demissão. “O que recebemos não é suficiente para acompanhar a alta dos alimentos”.

A legislação restritiva não foi um obstáculo para a paralisação. Apesar de uma greve ser considerada legal apenas se for chancelada pelo sindicato da fábrica ou da categoria, os contratados da Pouchen atropelaram a norma. “Não confiamos no sindicato”, afirma Quan. “Na nossa fábrica seus representantes estão mais próximos da administração da empresa do que dos trabalhadores”.

O protesto na Pouchen não foi um caso isolado nos últimos meses. Nos primeiros quatro meses do ano ocorreram 95 greves "fora-da-lei" no país. No ano passado, foram 216 paralisações desse tipo. Mais de 70% delas aconteceram em empresas de capital estrangeiro, segundo dado da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) do Vietnã.

Os ramos afetados são variados, do setor têxtil ao siderúrgico, da fabricação de calçados aos serviços. Até em uma companhia de táxis da Cidade de Ho Chi Minh houve ação paredista sem pedir licença. A razão mais constante para essas demonstrações são baixos salários que não acompanham a inflação. Mas também as fraudes aparecem como motivos para as reclamações.

Há diversos registros de empresas privadas que sonegam pagamento de previdência social e seguros de saúde. Outra manobra é vender seus produtos a preço irrisório para um distribuidor no exterior, que por sua vez os revende por quantia cinco ou dez vezes superior. Trabalhadores vietnamitas, que têm direito à participação nos lucros, acabam vendo seu quinhão burlado, porque a participação é calculada com base na comercialização original.

Maus patrões

No início do período de renovação econômica, a atitude do governo e do Partido Comunista em relação a essas situações era rígida. O objetivo de atrair capitais exigia, pela visão oficial, um quadro de estabilidade a qualquer custo nos ambientes de produção. O crescimento da economia era prioritário em relação aos direitos individuais ou de classe dos trabalhadores.

Mas esse comportamento parece estar se modificando. A imprensa nacional, mesmo as edições em língua estrangeira, dispara matérias contra os maus patrões e em defesa da mobilização operária. A central sindical e o parlamento discutem uma novo código do trabalho, com mais direitos e maior facilidade para os protestos sindicais.

“Podem existir greves legais, em teoria”, declarou Dang Nhu Loi, vice-presidente da Comissão de Assuntos Sociais da Assembleia Nacional, ao jornal Than Nien. “Mas são tantos os obstáculos e formalidades que as empresas acabam protegidas das pressões e praticamente todas as greves podem ser consideradas irregulares”.

Algumas medidas governamentais também são propostas. “Os parques industriais, quando negociam os contratos de investimento, deveriam determinar sálarios, benefícios e condições de trabalho nas empresas que se estabelecerem, sob o risco de cassar licenças”, sugere Le Thi My Phuong, diretora do Departamento de Trabalho da província de Dong Nai.

Renovação

Não é apenas a administração pública que está buscando uma nova abordagem das relações de trabalho. Também o sindicalismo enfrenta os novos tempos. “Antes da economia de mercado, nosso papel principal era colaborar na gestão da economia e na educação política dos trabalhadores”, diz o vice-presidente da CGT, Hoang Ngoc Thanh. “Agora temos de assumir a vanguarda na defesa de remuneração digna, respeito aos direitos e melhoria das condições de trabalho”.

A central, criada em julho de 1929, conta com 6,7 milhões de filiados. Está presente nas 63 províncias e aglutina 20 sindicatos por ramo de atividade. As empresas com mais de 50 trabalhadores possuem seu próprio comitê sindical, uma espécie de sindicato por empresa. A entidade é financiada por verbas do orçamento estatal e pela contribuição de seus integrantes. Conta com um diário nacional, seis revistas e cinco jornais regionais, além de páginas na internet.

Mas Thanh reconhece que a CGT precisa se renovar. “Nossa palavra de ordem é ir para as bases”, afirma. “Precisamos ajudar nossos núcleos de fábrica a serem mais ativos, a representarem efetivamente os filiados, a mobilizá-los por suas reivindicações”.

Muitas das empresas privadas tentam proibir a organização sindical e partidária dentro de suas instalações, a revelia da lei. Mesmo grandes grupos, como a Samsung, arriscaram-se a adotar medidas nesse sentido, que violam a Constituição vietnamita. Esses arroubos, no entanto, podem estar com seus dias de impunidade contados.

Opção calculada

A mudança de linha da CGT, expressando possivelmente orientação mais agressiva do Partido Comunista, tem criado um novo cenário trabalhista. Apenas 104 greves ocorreram em 2007. No ano seguinte, foram 750. Caíram para 314 em 2009. “Companhias que estavam descumprindo leis e acordos coletivos estão percebendo que precisam rever seu comportamento”, analisa Thanh.

O espírito renovador do sindicalismo, pressionado pelo chão da fábrica, também parece ser movido pelo gradual reequilíbrio dos fatores de desenvolvimento. O aumento do poder aquisitivo interno, a melhoria da qualidade de vida e a proteção ambiental passam a contar mais na balança. O crescimento, antes necessidade desesperada, atualmente se apresenta como opção calculada.

O socialismo vietnamita, por outro lado, está descobrindo que a economia de mercado não vem desacompanhada. Traz consigo o conflito entre salário e lucro. Se os trabalhadores não se organizarem para defender a parte que lhes cabe, podem ficar a ver navios.

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