sábado, 8 de maio de 2010

O candidato Serra e a batalha no Iceberg

Reproduzo o terceiro artigo da série de Artur Araújo que analisa o programa real do candidato demotucano:

Os icebergs, conforme nos ensinam na escola, mostram só 10% de si acima da linha d’água. É abaixo da superfície, longe do exame fácil, que mora o real perigo. Assim também é na política.

No substrato abissal da candidatura de José Serra movem-se e convergem forças tectônicas, que querem garantir o salto para o passado - a certeza da retomada do neoliberalismo estrito senso - caso, como torcem, o candidato vire a onda e emplaque assento no Planalto.

O bloco de gelo de Serra vive, neste momento, um fenômeno que alguns chamam de “adensamento do entorno”. É quando os formuladores e apoiadores são obrigados a explicitar, a abrir posições no campo da própria candidatura, para agregar força para seus projetos e para ajustar a divisão de postos em um eventual governo futuro. Uma leitura, por esse método, de artigos e notícias publicados nos últimos dias pode ser reveladora e contribuir para traçar a rota dos partidários de Dilma Rousseff.

Seguindo e aprofundando a deriva aberta por Mendonça de Barros (“Folha de S. Paulo”, 16/04), Rubens Ricúpero, em artigo intitulado “Ilusões e autoenganos”, publicado na própria “FSP” em 25/04, indaga: “Como competir com chineses e coreanos se os sindicatos querem reduzir a jornada semanal de trabalho? Como elevar os investimentos em infraestrutura [...] e ao mesmo tempo manter a expansão de bolsas-família e de aposentadorias?”.

Em primeiro lugar, é bom notar que o ex-ministro e ex-diplomata despiu as luvas de pelica e, ao contrário do que já andou pregando pela televisão, desta vez não esconde; varre para cima do tapete o que há de ruim, para o Brasil, em suas idéias. E não o faz por deslize, por não ter percebido que “já estava no ar”, mas porque pretende “adensar o entorno”, porque quer dar à parte imersa a conformação que defende para o Brasil, de 2011 em diante.

Pode ser muito útil, para quem formula a campanha adversária, examinar essa vinda a público de posições e temas nada populares. Corte de programas sociais, jornada de trabalho longa e aposentadoria curta, por exemplo, são assuntos que o candidato precisa deixar nebulosos em sua romaria em busca do voto.

Os grão-tucanos, no entanto, deram início à batalha, entre si, para garantir a conformidade de Serra com a linha do grande capital internacional – que o FMI e o G20 voltaram a trombetear nestes dias – e com as propostas dos financistas pátrios, da estirpe de Gustavo Franco, Pedro Malan e Armínio Fraga. Em 26/04, na mesma “Folha”, outro ex-ministro de FHC, Bresser-Pereira, já retruca: “A crise convenceu a todos de que a teoria econômica neoclássica dos mercados autorregulados é enganadora.”, reportando a Conferência Minsky, recentemente ocorrida em Nova York e patrocinada pela Fundação Ford.

Na festa dos oitenta anos de Maria da Conceição Tavares, Serra intentou uma operação de associação à mestra, para reforçar seu propalado desenvolvimentismo e a “face meiga” com que estrelou recente capa de “Veja” – o pós, jamais o anti-Lula. Foi castigado, pela própria grande mídia que o apóia, com uma de suas armas mais letais: enterraram a notícia em notinhas de pé de página. Para a “FSP”, em 27/04, “Dilma dança o vira e Serra escapa antes em festa de economista”.

Não é coincidência que a última reunião do G20 seja vista nos seguintes termos, por Vinicius Torres Freire (em artigo também publicado na edição de 26/04 da “Folha”): “A Grécia foi para o vinagre na sexta-feira. No mesmo dia, os países do G20, reunidos em Washington, falavam de planejar o fim dos estímulos fiscais e monetários que evitaram a Grande Depressão [de 2009]. Isto é, um plano para reduzir gastos dos governos e, talvez, tirar os juros do nível zero".

"Em suma, a conta da crise está chegando. Serão anos de arrocho e baixo crescimento no mundo rico, na Europa em particular. Apesar de algumas falências bancárias, do processo contra o bancão Goldman Sachs ou do reconhecimento de que as agências de risco foram cúmplices da bandalha da banca mundial, o custo do ‘ajuste’ vai cair mesmo é no lombo do cidadão comum. Por ora, a reação política ‘popular’ é entre nula e escassa. Mesmo mudanças políticas conservadoras, que mal arranham o ‘establishment’, estão atoladas.”

Aos olhos dos eleitores, as campanhas se definem pelas candidaturas, que são apenas as pontas dos icebergs. Quem quer compreender o que realmente está em jogo tem que mergulhar, avaliar a massa submersa, em que se organiza e cristaliza a estrutura de cada bloco, porque é isso que define, muito mais que os candidatos, como será o futuro, após a posse de quem vencer.

A “turma dos 30%” é aquela que defendeu e defende um Brasil em que lhes bastam a inclusão de uma pequena parcela de brasileiros e de alguma porção do território, bem ao gosto dos que nos querem como meros exportadores de commodities e com mercado interno “modesto”, de preferência abastecido de fora para dentro. E essa turma está soprando os clarins e arregimentando tropas; estão em campanha aberta, pública (e arriscada) para dar ao seu bloco de gelo, na parte grande, o formato que lhes convém. A despeito do que o candidato emita da boca para fora – afinal campanha é disputa de “corações e almas” – o que querem é arrumar, desde já, a “mente” do governo com que sonham.

À ponta do iceberg, o candidato, cabe recitar um roteiro de platitudes que, assim esperam seus marqueteiros, lhe dêem o formato de pós-Lula e não tragam à tona a agenda real: desmontar tudo o que foi conquistado pelos brasileiros no período pós-2002, em particular a onda democrática de inclusão de multidões na vida cidadã e a inclusão soberana do país entre as demais nações do mundo.

Para isso vão esgrimir seu sabre de preferência, o medo. Agora que não podem mais pregar o “medo ao Lula” – pois bobos não são - põem na roda o “medo do crescimento”, os tais “limites estruturais do Brasil”. Gostariam de fazer isso, como se diz no interior goiano, “debaixo de um quieto”, só agir sob a linha d’água, mas têm que por um pouco a cabeça para fora, para que se adense a força do que intentam.

Por último, porém muito importante, registre-se que, às vezes, a dinâmica do que é profundo e denso provoca distúrbios na ponta que flutua: é só ver a trapalhada de Serra com o Mercosul. Após quase ter proposto de novo a ALCA - e ter levado pito até de conservadores argentinos - teve que cavar, às pressas, entrevistas nos jornalões para dizer que não disse o que disse.

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