sexta-feira, 7 de maio de 2010
Vietnã defende sistema de partido único
Décimo e último artigo da excelente série de reportagens de Breno Altman sobre o Vietnã. A série, com uma recheada galeria de fotos e vídeos, está disponível no sítio Opera Mundi:
A Academia Nacional de Política e Administração Pública Ho Chi Minh ocupa amplo espaço no distrito Cau Giay, zona noroeste de Hanói, capital do Vietnã. O conjunto de prédios cor de tomate se distribui ao redor de uma praça vigiada pela estátua do líder comunista. Mas não é um estabelecimento de ensino qualquer. Nenhum vietnamita pode ocupar cargo de direção no Partido Comunista ou no Estado sem passar pelos bancos dessa escola.
Fundada em 1949, a instituição pertence à organização partidária que dirige o Vietnã desde a independência. Mas também presta serviços à gestão governamental. Sua missão primordial é garantir a formação político-ideológica de quem comanda o país. Até mesmo daqueles que tenham cursado o ensino superior, não importa qual estágio.
Um mecanismo dessa natureza seria impensável em democracias ocidentais. A verdade, de todo modo, é que o sistema político vietnamita não bebe na fonte das idéias liberais de Monstesquieu, o pai da teoria de separação dos poderes. A começar porque a Constituição nacional consagra o Partido Comunista do Vietnã (PCV) como único e dirigente.
“O Vietnã não é uma ditadura”, afirma o professor Le Huu Nghia, presidente da academia e membro do comitê central do PCV. “Nosso sistema político possui regras de funcionamento democrático e participativo que são produtos de nossa história e tradição. O que não aceitamos é a imposição de outros modelos, baseados na vinculação entre poder político e poder econômico.”
O alvo aparente das críticas do dirigente comunista é o multipartidarismo existente nas democracias representativas, no qual os recursos financeiros e o acesso à mídia são instrumentos decisivos. No caso vietnamita, após a implantação da economia de mercado, esse tema é mais do que uma discussão filosófica.
Afinal, o que aconteceria com a revolução liderada por Ho Chi Minh se os novos ricos e o capital estrangeiro, engordados durante o período de renovação, pudessem ter seus próprios partidos e veículos de comunicação? Essa talvez seja uma das grandes preocupações entre os comunistas.
“Os grupos empresariais podem ganhar dinheiro, mas não lhes é permitido almejar o poder de Estado”, explica o professor Vo Daí Luoc, presidente do Centro Econômico Vietnã, Ásia e Pacífico. “O multipartidarismo tradicional é uma fórmula pela qual os destinos de um país são submetidos à ditadura de quem tem dinheiro e mídia para apoiar as campanhas eleitorais.”
Fusões partidárias
Mas nem sempre essa rejeição à liberdade partidária foi tão explícita. A independência vietnamita, por exemplo, foi conquistada por uma coalizão de partidos, denominada Vietminh, na qual os comunistas eram a corrente majoritária. As outras duas agremiações mais importantes, democratas e socialistas, foram incorporadas pelos comunistas apenas em 1988.
O próprio PCV surgiu de uma fusão, ocorrida em 1976, entre o Partido dos Trabalhadores, que dirigia o norte do país até o final da guerra, e o Partido Revolucionário do Povo, que combatia no sul o regime apoiado pelos norte-americanos.
O conflito militar é importante para entender o que ocorreu depois da expulsão dos franceses. Os grupos direitistas, fortes abaixo do paralelo 17 e vinculados às forças colonialistas, desrespeitaram os acordos de Genebra, que previam eleições gerais para 1956 com o objetivo de reunificar o país. Esses setores constituíram ilegalmente a República do Vietnã, ao sul, e se subordinaram a sucessivos governos norte-americanos.
A disputa entre os diversos partidos deixava, assim, de ser uma questão institucional. As correntes conservadoras tinham se aliado à agressão externa e rompido com o pacto de 1954, recorrendo à repressão contra os simpatizantes do Vietminh. Os comunistas passaram a ver na sua liquidação política e militar uma questão de sobrevivência nacional.
Esses grupos, derrotados em 1975, praticamente deixaram de atuar no Vietnã. Suas principais lideranças fugiram para o exterior, particularmente para os Estados Unidos. Lá fundaram diversos partidos e organizações dissidentes, financiados por empresários que apoiavam o regime de Saigon. Seu objetivo é reingressar na vida política do país.
Algumas entidades defensoras dos direitos humanos reclamam que há presos de consciência no país. O governo rechaça a denúncia, alegando que os eventuais prisioneiros participaram de conspiração financiada por potências estrangeiras e foram julgados como terroristas.
Há fatos que parecem dar sentido à posição oficial. Na véspera do desfile pelos 35 anos do final da guerra, uma mulher foi presa em Ho Chi Minh com bombas, armas e um plano de sabotagem contra a manifestação. Morava na Califórnia e ingressara clandestinamente pela fronteira do Camboja. Declarou pertencer a uma célula oposicionista criada em São Francisco.
Financiamento público
Esses acontecimentos eventualmente reforçam a opção pelo partido único. Mas o que se ouve dos dirigentes comunistas é a convicção das benesses democráticas de seu sistema se comparado com os paradigmas ocidentais.
“Qualquer cidadão, filiado ou não ao partido, pode se apresentar como candidato às eleições”, explica o professor Le Huu. “Não terá que se preocupar com recursos, marketing ou imprensa. Todos os candidatos têm as mesmas oportunidades de propaganda. O que os diferencia são suas biografias e suas ligações com a comunidade que querem representar.”
A Assembléia Nacional é o topo da pirâmide. Seus deputados elegem o primeiro-ministro, os membros do governo e o presidente da República, além dos integrantes do poder judiciário. Cada parlamentar representa uma das 493 zonas eleitorais. As 63 províncias possuem instituições equivalentes: o Conselho Popular, que faz às vezes de parlamento regional, e o Comitê Popular, que funciona como governo local. Também os distritos e as aldeias se organizam desse modo.
Nas últimas eleições quinquenais, realizadas em maio de 2007, 492 dos deputados nacionais eleitos pertenciam à Frente da Pátria, que inclui o PCV, diversas organizações sociais não partidárias e até grupos religiosos. Desses, 43 não eram filiados comunistas. Um dos parlamentares foi eleito avulsamente.
A Constituição de 1992, que fixou o sistema institucional atual, também elencou mecanismos automáticos de renovação. O presidente e o primeiro-ministro só podem permanecer nas respectivas funções por dois mandatos de cinco anos. O PCV adotou a mesma regra em relação a seu secretário-geral.
Várias reformas e programas foram implementados para oxigenar a vida política. Uma dessas iniciativas é a transmissão dos debates da Assembléia Nacional por televisão, rádio e internet. Atualmente é comum que distintas comissões do parlamento chamem os ministros, discutam propostas e cobrem resultados sob a luz das câmeras.
Imprensa
Há alguns anos também foi aprovada uma nova legislação sobre imprensa. A propriedade individual dos meios de comunicação continua proibida, mas as organizações sociais passaram a receber licença e financiamento público para desenvolver seus próprios veículos. O Vietnã tem hoje mais de quatrocentos jornais periódicos, além de uma centena de estações de rádio, setenta de televisão e 170 mil sítios de internet.
Algumas das publicações e páginas eletrônicas apresentam versão em língua estrangeira. Não é incomum matérias de denúncia sobre problemas nacionais e erros cometidos pelas autoridades. A abordagem direta e informativa não fica nada a dever aos melhores manuais ocidentais de mídia. Ao menos para inglês ver. Ou brasileiro.
Tampouco parece haver controle sobre o acesso à rede mundial. Existem centenas de lan houses nas ruas de Hanói e Ho Chi Minh. Ao contrário do que se diz sobre a China, por exemplo, não há evidências de proibição a algum sitio no Vietnã. As biroscas de internet estão sempre lotadas de jovens loucos por um mouse. A reportagem testou dez diferentes páginas eletrônicas, incluindo endereços de grupos dissidentes, em três lans aleatórias
“Nosso esforço é desenvolver nosso sistema, não abandoná-lo”, afirma Le Huu. “Queremos aumentar a participação política, especialmente dos não comunistas.” Essa lógica, de fato, tem atropelado dogmas. Disposto a influir sobre diferentes setores sociais, o PCV permite, desde 2006, a filiação de empresários. Muita gente deve ter ficado de cabelo em pé.
Os dirigentes do país costumam associar a natureza de suas instituições à estratégia militar que adotaram nos embates contra franceses e norte-americanos. "Nosso conceito era o de guerra de todo o povo", diz o major-general Bui Thanh Son, da direção do Instituto de Defesa Nacional. "Não eram apenas as forças armadas que combatiam. Todos os cidadãos estavam engajados, em cada aldeia ou povoado. Nossa política de defesa continua baseada nas mesmas idéias. Nosso sistema político também."
Sua declaração não deve ser lida como bravata. Todo vietnamita que ocupa cargo de chefia, dos menores municípios até o poder central, deve fazer um treinamento militar especial, do qual sai como oficial de milícia. Essas pequenas unidades de autodefesa organizam milhões de vietnamitas. Nenhum cidadão está autorizado a possuir armas. Mesmo os policiais trabalham apenas com um bastonete, o que faz do país uma das nações menos violentas do planeta.
Mas a história ensina a seus adversários que deveriam pensar duas vezes antes de querer impor seu próprio modo de vida ao povo de Ho Chi Minh.
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O seu blog é otimo e tem conteudo jornalistico.
ResponderExcluirO sistem de governo quase não importa desde que sua politica seja direcionada ao povo.
http://globoum.blogspot.com/