Reproduzo artigo de Beto Almeida, publicado no sítio Carta Maior:
É evidente que a eleição numa sociedade desigual e injusta como ainda é a brasileira também revela influências tirânicas que o poder econômico pode exercer sobre o voto dos eleitores sobre a maioria carente de informação. Há até quem queira acreditar que sejam iguais o eleitor bilionário Eike Batista e o eleitor gari desrespeitado pelo jornalista Boris Casoy, que pertenceu a grupos de extrema-direita. Com vistas a atenuar a negativa influência do poder econômico, a legislação eleitoral válida para estas eleições limitou a 10 o número de propaganda a que cada candidato pode veicular na mídia impressa. Além disso, obrigou que o preço do anúncio seja divulgado ao eleitor no próprio anúncio.
Como em editoriais a imprensa critica tanto o poder econômico na eleição e faz sermões contra a falta de transparência, era de se esperar que a nova lei, embora tímida, recebesse aplausos. Porém, a presidente da Associação dos Jornais, Judith Brito - aquela que falou que a mídia vem cumprindo o papel que a oposição, por fraqueza, deixou de cumprir - em artigo escrito talvez na mesa do departamento comercial de algum jornal, protestou.
Os argumentos utilizados pela líder dos jornalões são pérolas reveladoras dos conceitos ou preconceitos que o baronato deste seguimento de mídia tem na cabeça. Primeiramente ela argumenta que “a limitação ao número de anúncios fere a liberdade de expressão e informação na medida em que restringe o direito constitucional do eleitor de receber informações políticas no período mais próximo às eleições”.
E como seria a ausência de limitações ao número de vezes, como antes? Óbvio, o candidato querido pelo Eike Batista não teria dificuldades para comprar espaços até mesmo todos os dias nos jornais que quisesse. Mas os candidatos mais ligados aos garis desprezados pelo Casoy teriam enorme dificuldade para ter um anúncio que fosse, pois são muito conhecidas as tabelas de preços. O que é que fere a liberdade de expressão e divulgação?
É com uma overdose de candura, reconhecemos, que ela informa ao público em geral, num país de leitura praticamente proibida, que a informação sobre “o custo da publicidade eleitoral dos candidatos – é facilmente acessível nas prestações de contas feitas à Justiça Eleitoral” Façamos as contas: a soma de todas as tiragens dos 338 jornais diários existentes no Brasil não alcança 7 milhões de exemplares. Tiragem que anda caindo, juntamente com a credibilidade desta imprensa. E o número de eleitores ultrapassa 100 milhões. Só uma minoria lê.
Mas Dona Judith acredita que quem quiser saber o preço do anúncio irá lá no site do Tribunal Eleitoral... No Brasil os trabalhadores não conhecem sequer seus direitos laborais, não tem informação mínima sobre seus direitos previdenciários, nunca leram a Constituição, aliás, ou nunca tiveram um exemplar nas mãos, mas ela acha que esta informação é “facilmente acessível”. É a confissão do mundo em que vive, é a maneira de ver a realidade, pelas lentes de sua ideologia.
Transparência: pra quem?
A presidente da ANJ vai além na revelação de si mesma. Ela escreveu que “a obrigatoriedade da exposição do preço do anúncio atenta contra o princípio constitucional da isonomia, já que existe apenas para propaganda eleitoral na mídia impressa”. Aqui ela expõe seu próprio conceito de transparência sobre a coisa pública. Em editoriais, os jornalões exigem transparência. Mas, quando a lei, ainda que de modo tímido, porém salutar, determina que se informe ao leitor quanto custou o anúncio, Dona Judith reclama da falta de isonomia, ao invés de reivindicar que para toda e qualquer propaganda, inclusive para a mídia eletrônica, os eleitores deveriam ter o direito de estar informados do custo da propaganda eleitoral.
Afinal, televisões e rádio recebem recursos públicos, do cidadão, para veicularem as propagandas. Ou seja, o horário eleitoral gratuito também tem preço. Claro, reconheçamos, é mais democrático que nas eleições nos EUA, pois lá nem horário eleitoral obrigatório em rádio e TV tem. Quem não tiver campanha bilionária simplesmente não é candidato nos EUA. Eleição movida a dólar. Por que Dona Judith reclama da falta de isonomia, mas, conforme os editoriais que apregoam, teoricamente , transparência na coisa pública, não reivindica o mesmo para a TV e o rádio? Porque ela quer apenas escapar da transparência obrigatória, nada mais.
Por último, a líder da ANJ nos comove ao afirmar que: “Limitar o direito dos eleitores de receber informações sobre os candidatos, além de inconstitucional, é um desserviço à democracia”. Como nós conhecemos a trajetória histórica destes jornalões, seja quando se opuseram ao direito ao voto feminino, à criação dos direitos trabalhistas, à formação da Previdência Social, da Petrobrás ou quando comemoraram clandestinamente quando Vargas estourou seu próprio coração ou quando saudaram o êxito do golpe militar de 1964, que tanto solicitaram editorialmente, a comparação entre discurso e história é fácil.
Como será que esta imprensa informa aos eleitores sobre os candidatos que defendem a necessidade inadiável do Brasil formar, fortalecer e qualificar um sistema público de comunicação? Rotulam: é o candidato da censura! E como tratam os candidatos que tem coragem de mostrar que esta imprensa que tanto ataca o estado e o seu papel vive reivindicando mais verbas públicas para si e se opondo a que as verbas públicas sejam redistribuídas mediante um critério mais democrático visando fortalecer a comunicação pública, educativa, comunitária para dar mais equilíbrio comunicacional, como reza a Constituição? Querem estatizar a imprensa, gritam.
Jornalismo público: pauta inadiável
O artigo da presidente da ANJ nos abre a possibilidade de lançar, uma vez mais, o debate sobre quão urgente é a constituição de uma Fundação para o Jornalismo Público no Brasil, abrindo a possibilidade de que não tenhamos, como hoje, situação tão desequilibrada do ponto de vista informativo, pois há praticamente unanimidade dos jornalões contra a candidata apoiada por Lula. E também nos estimula a lançar ao debate sugestões para que seja criado um mecanismo que permita a todos eleitores receber sim toda a informação sobre todos os candidatos, o que a mídia impressa atual, seja por seu raquitismo - e com tendência de definhamento - não permite já que sua tiragem (e nem informam a “voltagem”) não atinge sequer a 10 por cento dos eleitores.
Está na Constituição a obrigatoriedade do Estado em difundir informação a todos os cidadãos, o que é parcialmente coberto pelo horário eleitoral obrigatório na mídia eletrônica. Mas, e informação impressa? Só os que podem pagar terão seus nomes e propostas divulgadas? É democrático? Dona Judith não explica. O que ela quer é que aqueles candidatos que podem pagar anúncios, não tenham limites na sua “generosidade”. Está claríssimo. Mas, falta aos partidos, ao movimento sindical de jornalistas hoje quase hipnotizado com o discurso único do diploma! Diploma! E mais Diploma!, reivindicar também uma maior presença do poder público na democratização da informação à sociedade.
Mercado editorial não democratiza informação
Isto porque fica claro que o mercado editorial não responde à necessidade de informar ampla e democraticamente sobre os candidatos, apenas aos que podem pagar à turma da Dona Judith. Assim, por que as gráficas dos tribunais eleitorais em cada estado não imprimem jornais gratuitos eleitorais contendo o programa de todos os candidatos, inclusive dos candidatos dos garis que precisam fazer 200 galinhadas para sustentar suas modestas campanhas eleitorais?
E , obviamente, com tiragem do tamanho do Brasil, não com o raquitismo do mercado editorial, já que no Brasil a grande maioria da população é, na prática, proibida de ler jornal e revista. Estatística da Unesco revela que no Brasil se lê menos que na Bolívia. Aqui são 27 exemplares de jornal para cada grupo de 1 mil leitores, enquanto lá na pátria de Evo são 29 exemplares para um grupo similar de leitores. Mas, aqui há a segunda maior frota de helicópteros privados do mundo... Meio vergonhoso, né?
Enquanto o mercado editorial não apresentar uma solução para superar este apartheid da leitura, esta discriminação contra a grande massa de brasileiros que não pode comprar jornal, que nunca comprou um sequer em toda a sua vida, o período eleitoral seria um momento em que as gráficas dos tribunais, saindo de sua ociosidade crônica, imprimiria jornais em grandes tiragens, com distribuição gratuita, e com informações não somente sobre os candidatos, mas também sobre história política , democracia, direitos do eleitor, história das eleições no Brasil etc. Pode ser a única oportunidade em que milhões de brasileiros recebam um jornal para ler.
E isto o jornalismo privado não pode fazer. Dona Judith quer apenas mais anúncio, mais dinheiro em caixa, não quer aumentar tiragem, não quer informar a todos, muito menos sobre todos, mas apenas sobre aqueles “todos” que podem pagar o anúncio. É como nas páginas de classificados: as belas palavras sobre ética dos editorias só revelam seu verdadeiro conteúdo e sinceridade nos anúncios em que a imprensa mostra toda sua relação com o comércio de sexo, páginas de um tenebroso escravagismo sexual moderno...
Um bom exemplo
Enfim, o que se propõe aqui não é uma novidade no Brasil. Muitos sindicatos, os mais democráticos, já fazem isto em suas eleições, numa lição de democracia para o baronato da mídia brasileira. Até a Federação Nacional dos Jornalistas já fez isto no passado, imprimindo jornal especial de eleições da entidade, com espaço igual para cada uma das chapas que concorriam à diretoria. Bom exemplo, pena que não se pratique mais. E o Jornal dos Jornalistas, do qual já fui editor, era enviado por correio a cada um dos jornalistas filiados, em todo o território nacional, com distribuição gratuita. O Tribunal Eleitoral bem que poderia pegar este exemplo da antiga Fenaj. Como também estamos em véspera de eleições na Fenaj, quem sabe o bom e democrático exemplo do jornal especial de eleições não é ressuscitado?
De todo modo, o mais importante é atentar para os gigantescos e anti-democráticos limites a uma informação adequada e cidadã que existem hoje no modelo comunicacional controlado oligopolicamente por empresas e pelo mercado. E também atentar para as palavras habilidosas e ardilosas que no fim e ao cabo nos fazem lembrar um livrinho muito interessante, que voltei a folhear estimulado pelo discurso da líder da ANJ: “Como iludir o povo com slogans de liberdade e igualdade”. Vale reler.
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