Reproduzo entrevista concecida à jornalista Paula Thomaz para o sítio da revista CartaCapital:
Em entrevista à CartaCapital o sociólogo e jornalista Venício A. de Lima, que é coordenador e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, fala de seu livro “Liberdade de imprensa x Liberdade de expressão – Direito à comunicação e democracia”, recém lançado pela editora Publisher Brasil.
Lima questiona o paradoxo nos debates sobre o tema de sua obra e a diferenciação entre os conceitos de liberdade de imprensa e de expressão. O sociólogo afirma que os grandes grupos de mídia se utilizam de seus veículos para dizer o que querem, como se fosse a própria expressão da sociedade. Lima critica essa atitude dos conglomerados, que, ao publicarem o que bem entendem, agem como censores e que há um consenso sobre a privatização da censura que acontece muito mais fora do Estado do que pelo próprio Estado, já que o cidadão não pode intervir. Para ele, a mídia tradicional tem resistido a qualquer tipo de regras para o setor. “E tem sido muito eficiente em dizer que qualquer tipo de regulação é censura”.
CartaCapital:O que fica marcante na sua obra é a disparidade que existe no conceito entre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Foi inevitável chegar a isso?
Venício A. de Lima: Inevitável eu acho que não. Foi ocorrendo historicamente e acabou num interesse da instituição imprensa que foi sendo criada, que foi se constituindo historicamente e esses conceitos foram sendo confundidos. Mas uma coisa que para mim é, num certo sentido, paradoxal é que eu tento fazer isso na introdução do livro e nos anexos dos documentos, que são em geral, usados como referência pela grande mídia e pelo judiciário para a discussão dessas questões. Em todos eles, sem exceção, há diferença entre os conceitos. Do primeiro ao último. Se você pegar qualquer um deles, por exemplo, a primeira constituição americana, tem liberdade de “speech”, a tradução correta para nós seria liberdade de expressão, liberdade de palavra e liberdade de “press”, que é a liberdade de imprensa.
A diferença existe desde sempre e mesmo quando a liberdade de imprensa aparece como liberdade fundamental que precisa ser defendida, historicamente ela se refere primeiro ao direito de imprimir, que é “print”, que é diferente de “press”, e depois há uma imprensa que não é a instituição imprensa do século XXI, ou mesmo da segunda metade do século XX. Era quase uma extensão do direito da fala, que queria dizer o direito individual de imprimir. Há um acordo no debate sobre essas questões que é feito fora do Brasil, de que, quando se refere à liberdade de imprensa, referindo-se ao início da publicação de algo – que poderia ser entendido como um periódico – ainda antes da existência de alguma coisa que pudesse ser parecida com os jornais, que nós temos hoje, são coisas muito diferentes.
A epígrafe do William Hocking, que cito no livro, ele toma como referência à revolução gloriosa na Inglaterra e a primeira emenda americana e fala que nós já temos experiência nesse assunto, mas as coisas mudaram muito e isso tem que ser repensado. Quer dizer, a imprensa não é mais aquela imprensa da época em que o conceito apareceu e, claro, nunca você pode comparar, do meu ponto de vista, sem fazer discussão jurídica, o direito individual de fala, de expressão, com o direito dos grandes grupos empresariais que publicam o que querem.
Nesse sentido eles são os próprios censores hoje.
Isso não é você nem eu que estamos falando. Claro que no Brasil tudo isso é diferente, estamos atrasados quase um século, pelo menos 60 e 70 anos. Nós estamos falando agora em autorregulação. Nos Estados Unidos isso existe desde a década de 20, no caso da indústria de cinema. Há consenso sobre a privatização da censura que acontece muito mais fora do Estado do que pelo Estado, inclusive no reconhecimento de que quando você faz critérios sobre liberdade de imprensa, são incluídos critérios sobre concentração da mídia. A OEA acabou de soltar um relatório imenso que coloca como condição para liberdade de imprensa uma desconcentração da propriedade. A nossa constituição fala nisso, mas o que acontece? Na hora dos julgamentos do Supremo essa condição para o exercício da liberdade de imprensa não é lembrada.
Desconcentração é a saída para reverter essa situação...
Cumprir a Constituição é uma coisa, é atacar de frente essa questão da concentração de propriedade que no Brasil é muito complicada, porque nunca houve qualquer preocupação da nossa legislação, que é praticamente inexistente nessa área, sobre propriedade cruzada. Nossos grupos de mídia mais importantes e os seus parceiros regionais são grupos multimídia porque foram fundados na propriedade cruzada, que é uma coisa regulamentada no mundo inteiro. No mesmo mercado, o mesmo grupo empresarial controla rádio AM, FM, televisão, provedor de internet.
Um monólogo midiático...
Eu morei no Rio Grande do Sul e lá, isso que você acabou de dizer é o fato cotidiano. A RBS controla rádios FM, AM, o jornal popular, o jornal de classe média, a TV aberta, a TV comunitária, o provedor de internet, os colunistas são os mesmos. Quer dizer, você não escapa. Agora, tem várias outras instituições liberais que já foram incorporadas pelas constituições de países como Alemanha, Espanha, Portugal, direito de resposta difuso, direito de antena, coisas que no Brasil não tem nem discussão. Você veja na Confecom, os empresários não querem nem participar, não querem discutir isso.
Nós, nessa área, realmente estamos com um atraso fenomenal em relação a outros países da América Latina que, recentemente, conseguiram, de uma forma ou de outra, por processos que, por mais polêmicos que sejam, pela polêmica que a grande mídia cria, foram processos dentro de um espaço democratizado, como no caso da Argentina, implementar uma lei de meios que a avança em muitas áreas no sentido da universalização da liberdade de expressão individual que, para mim, é o ponto crítico, de uma forma que nós ainda estamos há séculos [de distância]. Na semana passada, o ministro [da Comunicação Social] Franklin Martins falou numa audiência na Câmara que não há nenhuma chance de implementar nada da Confecom esse ano, que vai ficar para o próximo governo. Quer dizer, nós não vamos conseguir mandar.
Você acha que a Confecom ainda não obteve o reconhecimento esperado?
Obteve no sentido de que foi convocada pelo governo, podia não ter sido. Acho que foi positivo. Mas veja, seis meses depois é que saiu o caderno oficial com as propostas que estão sendo organizadas. Existe uma comissão lá na Câmara que viu quais as propostas que já são objeto de projetos que estão tramitando, mas concretamente (a proposta de criação de um Conselho Nacional de Comunicação como um órgão, um espaço de debate dessa questões etc., teria de regulamentar) o próprio Franklin descartou completamente, disse que isso é no final do processo e não no início. O próprio Conselho de Comunicação que é um órgão auxiliar do Congresso não se reúne desde 2006 porque a mesa diretora não nomeia os novos membros. Nós estamos muito atrasados.
Você cita o caso da ANJ e a utilização dos termos dessa maneira confusa na publicidade que comemora os 30 anos da entidade. Teoricamente isso não deveria acontecer.
É uma confusão deliberada. Quem é que é contra a liberdade de expressão, você conhece? Não existe. Isso eles associam a um direito básico que ninguém é contra e se coloca na posição de defesa de algo que ninguém é contra. É a linha da ANJ. Essa ANJ é dirigida pela Judith Brito que é superintende do Grupo Folha, ela admitiu publicamente que os jornais são partidarizados, fazem oposição ao governo, tudo escancarado.
Falta debate público?
Nós não temos tradição de debate público nessa área. Nossos jornais são jornais historicamente elitistas. A situação dos nossos veículos impressos, por exemplo, houve épocas de tiragem importantes, mas sempre pequenas, à exceção da Veja que diz tirar um milhão de exemplares – que é um número impressionante por qualquer critério. Quer dizer, os jornais impressos circulam muito pouco. O debate promovido nesse espaço público, onde os jornais são capazes de construir agenda, são espaços muito limitados. A Confecom, por exemplo ajudou a abrir um pouco o debate a nível nacional, houve conferências em todos os estados. Eu mesmo participei em tudo que foi canto: igreja, sindicato, universidade. Houve uma ampliação do debate, para mim essa foi a coisa mais positiva da Confecom. Mas não há debate. É um caminho longo a percorrer. Os passos são curtos e lentos.
Recentemente tivemos a criação do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé que é um ganho nessa discussão.
Isso é muito positivo. Os movimentos decorrentes das propostas da Confecom, debates que estão acontecendo para implementar as propostas, tudo isso é avanço, mas do ponto de vista concreto, de políticas públicas, se você peneirar nos últimos anos eu tenho dito que ação da EBC [Empresa Brasileira de Comunicação] é a realização da Confecom, nós não conseguimos avançar.
Você acha que o Brasil, assim como no caso da Guerrilha do Araguaia, pode vir a ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Acho muito difícil. A importância desses relatórios serve de debate interno de referência, mas interferência objetiva na situação brasileira é muito difícil. É mais fácil que a SIP [Sociedade Interamericana de Imprensa] com essas decisões que toma todo dia com representantes dos grandes grupos, das Américas, faz mais barulho, mais efeito do que decisões da OEA.
Nós precisamos de uma mídia alternativa ou de uma mídia interativa?
Acho que uma coisa se confunde com a outra. Que precisamos de uma mídia alternativa, isso eu não tenho dúvida, por isso que eu falei na EBC porque é um sistema público. A Constituição prevê complementaridade de sistemas e não havia nada positivado nessa área. Foi aprovada uma legislação que diz que ela é uma empresa pública. Então você tem uma referência para discussão do sistema público e você tem que apoiar, melhorar se você discorda de alguma coisa. Agora eu sempre apoiei, sempre achei necessários esses projetos de mídia alternativa e está incluída a nova mídia, sobretudo a internet, os sites e isso já está operando, e muito, a importância dos formadores de opinião tradicionais. Eu acho que é por aí, mídia alternativa, claro.
Esse sistema tradicional de mídia está enfrentando certas dificuldades que não são próprias do Brasil, aqui tem certas particularidades mas e vai se virar e vai sobreviver de alguma forma, o que tem que haver é uma outra mídia e, evidentemente, tentar uma regulação dessa que está aí. Que é uma regulação, isso é que precisa insistir no Brasil. No Brasil, historicamente, essa mídia, essa velha mídia, a mídia tradicional, tem resistido a qualquer tipo de regulação. E tem sido muito eficiente em dizer que qualquer tipo de regulação é censura. Coisas que absolutamente não procedem, porque são procedimentos regulatórios, que existem nas democracias liberais, que são referência para a nossa. Não tem nada, absolutamente nada de censura na existência de um marco regulatório dessa atividade. Por exemplo, regular o mercado. Garantir competição. Tem um princípio da máxima de expressão da propriedade: quanto mais proprietários melhor. Enfim, essas coisas que existem em outros lugares e que aqui não se pode nem discutir. Aqui temos um déficit nessa área que é um negócio incrível. É um negócio fantástico. Não se discute, não tem debate político no conteúdo das nossas principais emissoras de TV. Nós estamos ainda muito atrás.
E quando vamos ver uma prática jornalística realmente alternativa e autônoma...
É uma luta permanente. Eu tenho 65 anos e mexo com isso desde que eu era estudante universitário e tento fazer um balanço, acho que avançamos muito pouco. Isso é uma luta, uma meta, um ideal, tempo eu não sei.
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