Reproduzo artigo de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo:
Trinta anos de experiência como repórter de TV me permitem dizer que televisão é emoção e calor humano. Se a internet se baseia na escrita e, portanto, é o meio da razão, na TV as palavras são subsidiárias. Elas se prestam apenas a sustentar o que vemos na tela. Michael Deaver, o marqueteiro do presidente Ronald Reagan nos anos 80, costumava dizer — para desespero dos jornalistas que eram setoristas na Casa Branca — que não se importava com o texto das reportagens de TV sobre Reagan, desde que ele controlasse as imagens. E ele controlava. As aparições de Reagan eram milimetricamente organizadas para ressaltar o melhor ângulo, a melhor luz e um cenário que reforçasse as palavras do presidente.
Curiosamente, o septuagenário era vendido como um jovem a energizar um país que lidava com a sindrome da decadência relativa. O “vigor” de Reagan não derivava de seu estado de saúde (ele tinha enfrentado vários problemas, inclusive câncer de pele), mas da associação do presidente aos caubóis míticos do Oeste. Sempre que aparecia em seu rancho Reagan tinha nas mãos alguma ferramenta a sugerir que estivesse preparando terreno ou cortando lenha. Em viagens para o interior, dava entrevistas ou fazia discursos cercado por fardos de feno. Usava chapéu, botas, cinturões e a camisa de flanela xadrez dos interioranos.
Não por acaso, Reagan foi chamado de presidente de teflon. É como se ele tivesse sido recoberto por uma película impermeável a críticas.
Os estadunidenses não conseguiam atribuir a ele os problemas enfrentados no dia-a-dia — e não eram poucos. Reagan presidiu os Estados Unidos em um período de precarização das condições de trabalho, de concentração de renda e de ganhos extraordinários para os de cima. Mas se elegeu, se reelegeu e fez o sucessor.
O perigo do marketing eleitoral reside justamente nisso: em dissociar a disputa eleitoral da disputa política entre projetos de governo.
Foi penoso ouvir hoje o candidato José Serra dizer, no debate do UOL, que dedicou a vida a beneficiar “a não-elite”. Aparentemente, o candidato tem dificuldades em dizer que ajudou os pobres.
Do outro lado, Lula não tem qualquer dificuldade em dizer e mostrar que ajudou os pobres.
Foi esse o eixo do programa eleitoral da candidata Dilma Rousseff que assisti e que reproduzo acima.
Para os fins a que se destina o programa, ganhar uma eleição, foi muito bem feito.
Motivos:
1. Didatismo ao apresentar os resultados do governo Lula;
2. A ênfase em mudança com continuidade, que tira oxigênio da oposição — normalmente associada à ideia de mudança;
3. Imagens de avanço em linha reta, que sugerem ir em frente sem rompimento;
4. Cenas gravadas no Palácio da Alvorada, nunca vistas antes, sugerindo que Lula está abrindo sua intimidade ao eleitor que está em casa;
5. A exploração do sentimento de saudade de Lula, de forte apelo emocional, conectada à passagem de bastão para a sucessora.
Além disso, como vacina preventiva, o programa uniu as biografias de Lula e Dilma enfatizando que ambos foram vítimas do regime militar.
Podemos discordar do conteúdo informativo do programa, mas como peça de televisão e de marketing foi brilhante.
É preciso considerar que o povo brasileiro não é politizado e que o próprio governo Lula, ao longo dos dois mandatos, não investiu nessa politização.
A relação da grande maioria dos brasileiros com a política é de desdém, para não dizer hostilidade.
Ao presidir avanços incontestáveis — no salário mínimo, nos empregos com carteira assinada, no acesso à universidade, nos programas sociais –, Lula se destacou deste quadro geral.
Apesar das incontestáveis carências do Brasil, de nossa imensa dívida social e dos muitos erros do governo Lula, o presidente da República rompeu com a ideia de que política não importa.
Para alguns milhões de brasileiros, beneficiados diretamente pelo governo dele, política passou a importar.
O apelo essencial do programa de João Santana ficou claro: Lula fez e Dilma, por ser do Lula, continuará fazendo.
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