Reproduzo entrevista concedida à jornalista Maria Mello, publicada na página oficial do MST:
A continuidade da administração do PSDB no estado de São Paulo significa o aprofundamento do neoliberalismo, a consolidação de um plano de privatização de serviços públicos, a piora da qualidade do ensino público e o acirramento da violência contra a classe trabalhadora. A avaliação é de Gilmar Mauro, integrante da coordenação nacional do MST. “A permanência do tucanato no estado de São Paulo é a permanência do projeto neoliberal e de criminalização do MST”, afirma.
Segundo o dirigente do MST, houve um retrocesso em relação à arrecadação de terras devolutas e à estruturação do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) na gestão de Serra, em comparação ao período do governador Mario Covas, entre 1995 e 2001. Em entrevista à Página do MST, Gilmar apresenta uma avaliação das políticas do governo Serra em relação à reforma agrária. Ele aponta o crescimento do processo de repressão das lutas sociais durante sua gestão e o estímulo dado ao modelo agrícola de exportação, em detrimento da produção de alimentos. “São Paulo virou um grande canavial”, disse.
Na sua avaliação, como o governo Serra tratou a questão agrária e o MST à frente do governo do Estado de São Paulo?
Um primeiro aspecto é que nunca conseguimos fazer uma reunião com o Serra quando ele era governador. A única que fizemos foi com secretários de governo. Está tudo praticamente paralisado, todos os processos de arrecadação de terras. Não há iniciativa nenhuma do governo do estado em arrecadar. Prova disso é que os trabalhadores do Instituto de Terras do Estado de São Paulo fizeram uma greve recentemente, porque há um desmonte do órgão por parte do governo Serra. Então, no que se refere à reforma agrária não foi feito nada. Esta é a verdade. Nem quanto ao acompanhamento de assentamentos nem quanto à arrecadação de terras. No estado de São Paulo, não avançamos em absolutamente nada.
Como você avalia o trabalho do Itesp, o órgão responsável pela reforma agrária no estado?
O Itesp tem sido desmontado ao longo dos anos. No período Covas [governador entre 1995 e 2001], ele foi bastante incrementado. Tinha uma estrutura grande: técnicos, equipes de arrecadação. Havia uma ofensiva do governo estadual no sentido de arrecadar terras devolutas, principalmente no Pontal do Paranapanema. Com a entrada do Alckmin [entre 2001 e 2006], ainda houve alguma continuação, mas com um ritmo muito lento. No final do seu segundo governo, já não havia mais nada. Com a entrada do Serra, as atividades de arrecadação ficaram paralisadas. Houve desmonte, inclusive, do ponto de vista de condições de trabalho para os técnicos. Não existe nada de política agrária no estado de São Paulo por parte do governo Serra.
Qual é a tarefa do Estado em relação à arrecadação das terras devolutas?
São necessárias várias iniciativas. A primeira é a vontade política de arrecadar, ir para a região, como no governo Covas. É terra do Estado, vamos arrecadar e transformar em reforma agrária. A segunda é através das Procuradorias de Justiça: estimular a Procuradoria do estado a entrar com os pedidos de reivindicação dessas áreas, para que possam tomar a medida chamada de reivindicatória. Antes disso, ainda há uma série de tarefas que precisam ser tomadas do ponto de vista jurídico. Essas iniciativas são muito poucas no governo Serra. Pouquíssimas. O que a gente sabe é que havia várias ações judiciais – inclusive, acabou de sair uma decisão considerando devolutas terras do Pontal do Paranapanema, mas isso é fruto de um trabalho anterior, feito há muito tempo atrás. O engraçado é que o governo, em vez de fazer isso, mandou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei para regularizar o grilo no Pontal e em todo o estado. Então, além de não arrecadar terras, o governo Serra buscou regularizar o grilo.
Qual foi o comportamento da polícia nas ações que envolveram trabalhadores do campo e da cidade sob o governo Serra?
Primeiro, é preciso lembrar que não há interesse nenhum em fazer a reforma agrária por parte do governo Serra e do tucanato em geral. Eles são contra a reforma agrária. Depois, as ações policiais, nos últimos tempos - diferentemente de algum tempo atrás, quando havia algum tipo de diálogo -, têm acontecido de forma muito mais violenta, com um processo de repressão bastante intenso. Aliás, não só conosco, mas com professores, com a própria Polícia Civil, trabalhadores urbanos, das favelas.
Quais as características do agronegócio em São Paulo? Como vem evoluindo a produção de etanol?
São Paulo passou a ser um grande canavial. A monocultura da cana e a do eucalipto são as que predominam em todo o Estado, com a diminuição do plantio de café, de laranja e de outros tipos de produção, inclusive da pecuária. Com esse avanço da cana e do eucalipto, a pecuária migra para a região Centro-Oeste, que tem um bioma importante que está sendo destruído e, principalmente, para a região amazônica. Hoje o Brasil tem 175 milhões de cabeças de boi migrando para o Norte e Centro-Oeste do país, provocando a destruição ambiental daqueles biomas importantes. São Paulo virou um grande canavial e um grande eucaliptal. Essa tem sido a postura de apoio do governo ao agronegócio. O impacto ambiental disso já está sendo sentido pela população: as secas, as mudanças de temperatura.
Segundo dados do Incra, existem em São Paulo 12.291 propriedades nas mãos de estrangeiros. Como avalia essa questão?
O grande agronegócio vem investir no Brasil porque, do ponto de vista competitivo, na lógica de produção de mercadorias e de competição internacional, o Brasil tem vantagens comparativas muito grandes. Possui água em abundância, terras férteis, sol... Enquanto o eucalipto, nos países baixos da Europa, vai levar 15, 20 anos pra dar corte, aqui em São Paulo ou na Bahia vai produzir em cinco ou seis anos. Então, as empresas do grande capital internacional estão cada vez mais investindo no Brasil, seja na aquisição de propriedades ou no controle de toda a produção. Isso tende a ser intensificado por causa dessa política de exportação de commodities que o país adotou, não só em São Paulo. Mas é evidente que o Estado de São Paulo interessa muito ao grande capital. Por isso, há esse número grande de propriedades nas mãos de estrangeiros.
Agora, se não houver uma política de reforma agrária de fato que substitua essa política de assentamentos dificilmente conseguiremos reverter esse quadro num curto espaço de tempo. E mais ainda aqui em São Paulo, onde não há interesse nenhum nesse sentido. No caso do Pontal, por exemplo, há tentativas de regularização de terras públicas que passam cada vez mais para o controle de grandes empresas. O processo de monopolização da terra não tem se modificado no decorrer dos anos.
O que significaria uma nova vitória da candidatura tucana no Estado?
Seria a consolidação de um projeto de privatização de vários serviços públicos. São Paulo está cheio de pedágios, não tem mais por onde andar sem pagar. Esse é um processo de privatização das estradas, em que o direito de ir e vir está sendo retirado. Outro é um projeto educacional extremamente complicado. Um exemplo são as escolas dos assentamentos no Estado, que hoje padecem de inúmeros problemas. Nós temos no MST crianças que têm de levantar às 4h da manhã para poder chegar às escolas com transporte extremamente precário. Do ponto de vista da repressão e criminalização, também existe uma intensificação, e a prova disso é a incapacidade do governador Serra em dialogar com os setores da classe trabalhadora em luta. Os próprios prefeitos do PSDB dizem que têm muita dificuldade em dialogar com o Serra. Com relação à reforma agrária, a permanência do tucanato no estado de São Paulo é a permanência do projeto neoliberal e de criminalização do MST.
E a eventual vitória da candidatura tucana à presidência, o que pode representar?
A linha política do Serra é a do grande capital. Mesmo que não haja grandes diferenças nesse aspecto entre o atual governo e um tucano, o que agravaria a situação para o nosso lado é que o governo tucano é antidemocrático. Praticou no período FHC a criminalização dos movimentos sociais. Tomando como exemplo a política de Serra no Estado de São Paulo, que nunca sentou conosco, imagino que em nível nacional isso se repetiria. E haveria um aumento vertiginoso do processo de criminalização da pobreza.
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