sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pochmann critica retorno do "ajuste fiscal"

Reproduzo entrevista concecida ao jornalista Anselmo Massad, publicada na Rede Brasil Atual:

O economista Marcio Pochmann criticou a decisão do governo federal de promover corte de gastos públicos anunciada na segunda-feira (6) pelo ministro da Fazenda Guido Mantega. Em entrevista à Rede Brasil Atual, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sustentou que a redução da taxa de juros permitiria um alívio maior e mais rápido sobre as contas públicas sem riscos de produzir retração econômica.

Para Pochmann, o Brasil fez uma escolha política de colocar o desenvolvimento nacional como tema central. Isso significou, substituir a "monotemática que perdurou nos anos 1990 do arrocho fiscal", diz ele. A volta do discurso de que é necessário reduzir as despesas – incluindo investimentos em obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e eventualmente de programas sociais – pode ter efeitos ruins no longo prazo.

"A questão central do Brasil diz respeito a enfrentar os nós do desenvolvimento que não são apenas de ordem fiscal", constatou o presidente do Ipea. "Questões importantes são os riscos da situação cambial e monetária que fazem o Brasil perder competitividade em setores de maior valor agregado. Assim, empurra o país a ser cada vez mais uma economia de bens primários, ancorada em produtos de menor valor agregado", criticou.

Pochmann reconheceu que há um "espaço permanente" para melhorar a qualidade dos gastos públicos e da arrecadação – abandonando o padrão regressivo em que os mais pobres pagam proporcionalmente mais tributos. Porém, ele teme cortes verticais e seus impactos sobre o nível de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Confira os principais trechos da entrevista.

Como o sr. vê a decisão anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de se promover cortes de gastos públicos?

O Brasil fez uma escolha nesta década de colocar como tema central o desenvolvimento nacional, substituindo a monotemática que perdurou nos anos 1990 do arrocho fiscal – ou ajuste fiscal. E demonstrou, a nosso modo de ver, que a busca do crescimento econômico foi fundamental para a reversão das fragilidades em termos de financas públicas. Quando o crescimento tornou-se um compromisso político, houve melhoras generalizadas, sobretudo no quadro fiscal de endividamento do setor público. Ao mesmo tempo, houve um fortalecimento dos investimentos públicos.

Isso não encerra as dificuldades de arrecadação e de gasto públicos. De um lado, pode-se melhorar a arrecadação, porque infelizmente a tributação é regressiva, são os pobres que mais impostos pagam imposto no país. De outro lado, há espaço permanente para melhorar o gasto, porque há ineficiências. Mas não me parece o mais acertado colocar o ajuste fiscal como questão central do Brasil.

Qual seria a questão central?

A questão central do Brasil diz respeito a enfrentar os nós do desenvolvimento que não são apenas de ordem fiscal. Questões importantes são os riscos da situação cambial e monetária que fazem o Brasil perder competitividade em setores de maior valor agregado. Assim, empurra o país para ser cada vez mais uma economia de bens primários, ancorada em produtos de menor valor agregado.

Mantega prometeu cortes de um modo diferente dos ajustes fiscais que frearam a economia na década de 1990, apesar de incluir obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Há algum tipo de corte que evitaria retração?

O procedimento de cortes de gastos podem ser inteligentes. Sempre há espaço para isso, não sendo um corte vertical – digamos, 10% de tudo. Há rubricas que poderiam ser limitados com um manejo mais inteligente, mas todo corte de investimento é uma dificuldade a mais para o crescimento a médio e longo prazos. Especialmente em um país cuja taxa de investimento é ridiculamente baixa, inferior a 20% (do PIB).

O Brasil precisa aumentar sua taxa de investimento (em relação ao volume do PIB), de modo que não me parece uma decisão acertada cortar investimento. Pode ajudar no curto prazo, mas comprometer no longo prazo. Em relação ao custeio, houve aumento, mas proporcionalmente ao PIB não foi significativo. Cortar o gasto social seria também um problema. Um dos êxitos do Brasil é ter colocado os investimentos sociais como indutores do próprio desenvolvimento nacional. É a distribuição da renda que fortalece a expansão do mercado interno brasileiro.

O corte de despesas e investimentos contribuiria para redução de juros?

Por que os juros são altos no Brasil? A hipótese novamente recuperada é de que há problemas de ordem fiscal que fazem com que o Brasil precise de juros mais altos para atrair recursos para pagar o déficit público. Por outro lado, toda vez em que o juros são altos, há um custo fiscal maior, que onera demasiado os títulos públicos, impondo um custo de gestão da dívida além do necessário. A experiência recente do Brasil demonstrou que ajuste fiscal nos moldes dos anos 1990 não permitiram reduzir a taxa de juros. A redução real foi feita sem esse tipo de ajuste fiscal, justamente na opção pelo crescimento da economia nacional.

Mas para definir o nível de juros, se leva em conta a inflação...

Cortar investimento é uma decisão que pode significar justamente perder uma forma de administrar a inflação. A melhor maneira de enfrentá-la é aumentar a capacidade produtiva do país. Ao cortar investimento, a capacidade cresce menos e, portanto, a possibilidade de o país continuar crescendo fica limitada.

Mas há margem para cortes de despesas públicas?

A maior eficiência do gasto público é no pagamento do serviço da dívida. A melhor forma de fazer ajuste fiscal é reduzir a taxa de juros. Assim, precisa de menos receita pública para comprometer com a dívida.

O sr. menciona o câmbio e situação monetária como questões centrais para o Brasil enfrentar. Como isso poderia ser feito?

Esse é um dos constrangimentos que os países não desenvolvidos estão vivendo. Países que não conseguem controlar sua moeda estão submetidos a essa divisão internacional do trabalho que faz com que países que manejam melhor suas moedas sejam mais competitivos em bens de maior valor agregado. Os demais sofrem um processo de valorização e tornam-se menos capazes de exportar produtos de maior valor agregados (como os industriais), permitindo competitividade apenas em setores historicamente garantidos. É um problema colocado hoje e que se manterá para os próximos anos e exigirá uma estratégia de médio e longo prazos. Parte diz respeito à própria política monetária.

Quanto maior o diferencial no Brasil em relação à taxa de juros internacional, maiores os atrativos de recursos estrangeiros virem para cá, forçando uma valorização do real. Há espaço de manejo e experiências internacionais que poderiam ser adotadas. Vizinhos como o Chile adotam mecanismos que tornam burocraticamente mais difícil a entrada e saída de capital especulativo. O Brasil tem possibilidade de incrementar a política macroeconômica com o objetivo de evitar a valorização da nossa moeda.

Por outro lado, há acertos internacionais que vão demandar mais tempo, que dizem respeito ao quadro de decadência que os Estados Unidos estão vivendo. Mas aí é a concertação internacional. Precisaria reunir mais força de países que sofrem com isso, mas há oportunidade de medidas mais ousadas no campo interno.

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