segunda-feira, 3 de maio de 2010
My Lai, o massacre que marcou a guerra
Reproduzo a segunda reportagem de Breno Altman sobre o Vietnã, publicada no Opera Mundi:
O vilarejo de Son Ly, na província de Quang Ngai, na região central do Vietnã, é de difícil acesso. Poucos turistas incluem esse povoado em seus planos de viagem. Quem vem para essa zona do país prefere os belos resorts de Da Nang, com seus campos de golfe, ou a bela cidade de Hoi An, declarada patrimônio histórico pela Unesco.
A estrada estreita e pedregosa que parte de Da Nang é percorrida por poucos estrangeiros. Possivelmente apenas por aqueles que resolveram prestar uma homenagem ou simplesmente conhecer o cenário de um dos mais bárbaros crimes de guerra.
A cidade de Son Ly é dividida em diversas aldeias. Uma delas atende pelo nome de My Lai. Ali, no dia 16 de março de 1968, tropas norte-americanas mataram entre 347 (versão do agressor) e 504 civis desarmados (segundo o cálculo vietnamita). A maioria era de velhos, mulheres e crianças. Não foram bombas ou mísseis sem rumo. A chacina foi realizada com fuzis e metralhadoras. A sangue frio. Olho no olho.
Atualmente, no lugar do massacre, fica o Memorial a My Lai. Além de um museu com fotos e imagens, os escombros da aldeia foram reconstruidos para que o visitante saiba onde está pisando. Pode-se ver as choupanas queimadas. As pisadas dos soldados norte-americanos e dos pequenos vietnamitas no cimento. Os animais mortos. As habitações simples em que os camponeses viviam.
Uma estátua de concreto homenageia os caídos. Um mural semelhante ao quadro Guernica, de Pablo Picasso, faz pensar como My Lai foi uma atrocidade parecida com a do bombardeio nazi-fascista sobre a cidade espanhola, durante a Guerra Civil entre 1936-1939.
A operação, conduzida pela Companhia Charlie, célula da 23ª Divisão de Infantaria dos EUA, foi planejada para responder aos ataques e baixas sofridos pelos norte-americanos dois meses antes, durante a chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita). Seu serviço de inteligência tinha identicado que o 48º Batalhão da Frente Nacional de Libertação, atuante na província, teria encontrado refúgio nas aldeias de Son Ly.
A ordem do coronel Oran K. Henderson, comandante do 11º Brigada de Infantaria, foi expressa: “Entrem agressivamente. Encontrem o inimigo e o destruam.” O tenente-coronel Frank A. Barker repassou a ordem ao 1º Batalhão, ao qual se subordinava a Companhia Charlie, determinando que as casas dos moradores fossem queimadas, seus estoques de comida e poços d’água destruídos, seu rebanho aniquilado.
Coube ao capitão Ernest Medina, chefe da Companhia, dar o comando final, atendendo seus superiores. Seu raciocínio foi de uma terrível simplicidade: “Todos os habitantes das aldeias saem para o mercado às 7h. Quem não tiver saído é vietcong escondido e deve ser liquidado.” Um de seus subordinados perguntou se sua ordem incluía idosos, mulheres e crianças. Medina repetiu sua ordem anterior.
Essas declarações constam do procresso que investigou o que ocorreu em My Lai. A Companhia Charlie entrou em Son Ly apoiada por uma pequena artilheria e alguns helicópteros. O primeiro pelotão, liderado pelo segundo-tenente William Calley, determinou a seus homens que atirassem contra tudo que se mexesse. Começava a chacina de My Lai.
Outros dois pelotões se juntaram ao massacre. Além de My Lai, também a aldeia vizinha de My Khe foi atacada. Um piloto de helicóptero, Hugh Thompson, viu parte da chacina quando sobrevoava o local. Corpos de mulheres e crianças estavam no solo, alguns ainda com vida. Nenhum combatente inimigo.
Pousou sua aeronave e pediu a um dos soldados, David Mitchell, sargento do primeiro pelotão, que o ajudasse a retirar os feridos da fossa na qual estavam jogadas. A resposta foi que ele o ajudaria a “mandá-los para o inferno”. Chocado, Thompson procurou Calley. Foi rechaçado pelo tenente, que dizia aos gritos estar cumprindo ordens.
O piloto resolveu levantar vôo, não sabia o que fazer. Foi a principal testemunha contra os responsáveis diretos pela chacina.
Um fotógrafo do próprio exército dos Estados Unidos, Ronald L. Haeberle, tirou as fotos que chocariam o mundo. Depois de passar para a reserva, vendeu os negativos para um pequeno jornal de Cleveland, Estado de Ohio, chamado The Plain Dealer, que as publicou em novembro de 1969. No mês seguinte a revista Life reproduziria as fotos.
O primeiro relatório sobre My Lai noticiava a morte de 128 guerrilheiros vietnamitas e 22 civis durante ”combate feroz”. Os oficiais encarregados da ação foram cumprimentados pelo general William C. Westermoreland.
O massacre só não foi varrido para debaixo do tapete porque um soldado da Companhia Charlie, Ron Ridenhour, que não participou da operação, escreveu uma carta ao presidente da República e membros do Parlamento norte-americano.
Um ano depois do genocídio, uma investigação foi aberta. O exército tentou esconder o quanto pode os acontecimentos de My Lai. Mas o escândalo veio a público e foi determinante para a escalada da mobilização contra a guerra. Além das crescentes perdas humanas, que abalavam a sociedade norte-americana, tinha ido para o fundo do poça a credibilidade dos senhores das armas.
Vários oficiais foram processados. Mas apenas William Calley foi condenado. Saiu da corte marcial com uma sentença de prisão perpétua. No dia seguinte à condeção, o presidente Richard Nixon determinou que cumprisse sua pena em prisão domiciliar, dentro do Forte Benning, enquanto corresse sua apelação. A sentença original foi comutada para 20 anos, depois para dez.
Mas Calley cumpriria pouco mais de três por sua participação em My Lai.
.
O vilarejo de Son Ly, na província de Quang Ngai, na região central do Vietnã, é de difícil acesso. Poucos turistas incluem esse povoado em seus planos de viagem. Quem vem para essa zona do país prefere os belos resorts de Da Nang, com seus campos de golfe, ou a bela cidade de Hoi An, declarada patrimônio histórico pela Unesco.
A estrada estreita e pedregosa que parte de Da Nang é percorrida por poucos estrangeiros. Possivelmente apenas por aqueles que resolveram prestar uma homenagem ou simplesmente conhecer o cenário de um dos mais bárbaros crimes de guerra.
A cidade de Son Ly é dividida em diversas aldeias. Uma delas atende pelo nome de My Lai. Ali, no dia 16 de março de 1968, tropas norte-americanas mataram entre 347 (versão do agressor) e 504 civis desarmados (segundo o cálculo vietnamita). A maioria era de velhos, mulheres e crianças. Não foram bombas ou mísseis sem rumo. A chacina foi realizada com fuzis e metralhadoras. A sangue frio. Olho no olho.
Atualmente, no lugar do massacre, fica o Memorial a My Lai. Além de um museu com fotos e imagens, os escombros da aldeia foram reconstruidos para que o visitante saiba onde está pisando. Pode-se ver as choupanas queimadas. As pisadas dos soldados norte-americanos e dos pequenos vietnamitas no cimento. Os animais mortos. As habitações simples em que os camponeses viviam.
Uma estátua de concreto homenageia os caídos. Um mural semelhante ao quadro Guernica, de Pablo Picasso, faz pensar como My Lai foi uma atrocidade parecida com a do bombardeio nazi-fascista sobre a cidade espanhola, durante a Guerra Civil entre 1936-1939.
A operação, conduzida pela Companhia Charlie, célula da 23ª Divisão de Infantaria dos EUA, foi planejada para responder aos ataques e baixas sofridos pelos norte-americanos dois meses antes, durante a chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita). Seu serviço de inteligência tinha identicado que o 48º Batalhão da Frente Nacional de Libertação, atuante na província, teria encontrado refúgio nas aldeias de Son Ly.
A ordem do coronel Oran K. Henderson, comandante do 11º Brigada de Infantaria, foi expressa: “Entrem agressivamente. Encontrem o inimigo e o destruam.” O tenente-coronel Frank A. Barker repassou a ordem ao 1º Batalhão, ao qual se subordinava a Companhia Charlie, determinando que as casas dos moradores fossem queimadas, seus estoques de comida e poços d’água destruídos, seu rebanho aniquilado.
Coube ao capitão Ernest Medina, chefe da Companhia, dar o comando final, atendendo seus superiores. Seu raciocínio foi de uma terrível simplicidade: “Todos os habitantes das aldeias saem para o mercado às 7h. Quem não tiver saído é vietcong escondido e deve ser liquidado.” Um de seus subordinados perguntou se sua ordem incluía idosos, mulheres e crianças. Medina repetiu sua ordem anterior.
Essas declarações constam do procresso que investigou o que ocorreu em My Lai. A Companhia Charlie entrou em Son Ly apoiada por uma pequena artilheria e alguns helicópteros. O primeiro pelotão, liderado pelo segundo-tenente William Calley, determinou a seus homens que atirassem contra tudo que se mexesse. Começava a chacina de My Lai.
Outros dois pelotões se juntaram ao massacre. Além de My Lai, também a aldeia vizinha de My Khe foi atacada. Um piloto de helicóptero, Hugh Thompson, viu parte da chacina quando sobrevoava o local. Corpos de mulheres e crianças estavam no solo, alguns ainda com vida. Nenhum combatente inimigo.
Pousou sua aeronave e pediu a um dos soldados, David Mitchell, sargento do primeiro pelotão, que o ajudasse a retirar os feridos da fossa na qual estavam jogadas. A resposta foi que ele o ajudaria a “mandá-los para o inferno”. Chocado, Thompson procurou Calley. Foi rechaçado pelo tenente, que dizia aos gritos estar cumprindo ordens.
O piloto resolveu levantar vôo, não sabia o que fazer. Foi a principal testemunha contra os responsáveis diretos pela chacina.
Um fotógrafo do próprio exército dos Estados Unidos, Ronald L. Haeberle, tirou as fotos que chocariam o mundo. Depois de passar para a reserva, vendeu os negativos para um pequeno jornal de Cleveland, Estado de Ohio, chamado The Plain Dealer, que as publicou em novembro de 1969. No mês seguinte a revista Life reproduziria as fotos.
O primeiro relatório sobre My Lai noticiava a morte de 128 guerrilheiros vietnamitas e 22 civis durante ”combate feroz”. Os oficiais encarregados da ação foram cumprimentados pelo general William C. Westermoreland.
O massacre só não foi varrido para debaixo do tapete porque um soldado da Companhia Charlie, Ron Ridenhour, que não participou da operação, escreveu uma carta ao presidente da República e membros do Parlamento norte-americano.
Um ano depois do genocídio, uma investigação foi aberta. O exército tentou esconder o quanto pode os acontecimentos de My Lai. Mas o escândalo veio a público e foi determinante para a escalada da mobilização contra a guerra. Além das crescentes perdas humanas, que abalavam a sociedade norte-americana, tinha ido para o fundo do poça a credibilidade dos senhores das armas.
Vários oficiais foram processados. Mas apenas William Calley foi condenado. Saiu da corte marcial com uma sentença de prisão perpétua. No dia seguinte à condeção, o presidente Richard Nixon determinou que cumprisse sua pena em prisão domiciliar, dentro do Forte Benning, enquanto corresse sua apelação. A sentença original foi comutada para 20 anos, depois para dez.
Mas Calley cumpriria pouco mais de três por sua participação em My Lai.
.
Os 35 anos da vitória contra os EUA
Reproduzo a excelente série de reportagens de Breno Altman sobre o heróico Vietnã, publicada no sítio Opera Mundi:
Ainda amanhecia quando milhares de vietnamitas, organizados em colunas, começaram a se aproximar do Parque 30 de Abril, diante do antigo palácio presidencial, na cidade de Ho Chi Minh. Sindicatos, universidades, fábricas e organizações camponesas enviaram suas delegações, além das forças armadas. Respondiam à convocação para a manifestação que celebraria o triunfo do Vietnã socialista contra o governo de Saigón (velho nome da cidade) e seus aliados norte-americanos.
Não foi um comício de tipo ocidental. O horário já era extravagante. Todos estavam avisados que as atividades começariam pontualmente às 6h30 e estariam encerradas três horas depois, antes que o calor alucinante de Ho Chi Minh vencesse o dia. Quem ocupava as arquibancadas armadas no caminho central do parque eram as autoridades e os convidados. Os cidadãos, com seus agrupamentos, foram os responsáveis pelo espetáculo.
Poucos discursos, apenas quatro – e religiosamente cronometrados. O primeiro secretário do Partido Comunista do município falou por 20 minutos. Depois vieram o presidente da Associação dos Veteranos de Guerra, o secretário-geral da federação sindical local e o presidente da Juventude Comunista de Ho Chi Minh – cada qual com direito a 10 minutos de discurso. O presidente da República, Nguyen Minh Triet, 68, um sulista que teve participação discreta na guerra e está no cargo desde 2006, apenas assistiu, junto com outros dirigentes.
Aproximadamente 50 mil pessoas desfilaram diante das tribunas. Grupos teatrais representaram momentos da guerra de 21 anos contra os norte-americanos e o então Vietnã do Sul. Muita música, até com um pouco de ritmo pop, além dos acordes previsíveis da Internacional (o histórico hino socialista) e de canções revolucionárias. Depois, uma longa marcha, com militares, trabalhadores, mulheres, intelectuais, estudantes, camponesesm com suas faixas e bandeiras, além de modestas coreografias.
Mas a maior emoção estava no rosto dos veteranos de guerra. Um deles era o coronel Nguyen Van Bach, de 74 anos, cabelos inteiramente brancos. Nascido na província de Binh Duong, no sul do país, integrou-se à luta armada em 1947, aos 11 anos. Ainda era a época da guerra contra os franceses, que não aceitavam a independência conquistada em 1945, sob a liderança do líder comunista Ho Chi Minh.
Van Bach ainda combatia no final de abril de 1975. Fazia parte das tropas guerrilheiras. Estava em um destacamento que já controlava a cidade de Tan An, na província de Long An, localizada no delta do rio Mekong. Foi lá que soube da queda de Saigon nas mãos de seus camaradas. “Tive uma alegria tão grande que provocava lágrimas”, lembra-se. Ainda se emociona, como vários de seus amigos, quando se recorda dessa data.
Afinal, no dia 30 de abril de 1975, encerravam-se mais de 30 anos de guerra regular ininterrupta. Desde que fora formado o primeiro pelotão da guerrilha comunista, em dezembro de 1944, sob o comando de Vo Nguyen Giap, braço direito de Ho Chi Minh, os vietnamitas enfrentaram sucessivamente invasores japoneses, franceses e norte-americanos.
Colonia francesa desde 1856, o Vietnã foi ocupado pelas tropas nipônicas durante a Segunda Guerra Mundial. Os comunistas assumiram a linha de frente na luta contra os soldados de Hiroito, aproveitando o colapso de Paris às voltas com a ocupação nazista. Lideraram uma frente de várias correntes políticas, denominada Vietminh, e declararam a independência do país depois da capitulação japonesa, em agosto de 1945. No dia 2 de setembro do mesmo ano nascia a República Democrática do Vietnã.
Guerra da Indochina
O general De Gaulle, presidente da França, assim que viu derrotado o nazismo, ordenou que suas tropas sufocassem os rebeldes vietnamitas. Foram oito anos de sangrentos combates. Os homens de Ho Chi Minh e Giap organizaram uma poderosa resistência guerrilheira, que progressivamente aterrorizou e desgastou os franceses. Mais de 90 mil gauleses perderam a vida nos campos de batalha.
A estocada final contra os colonizadores foi em 1954. Ficou conhecida como a batalha de Dien Bien Phu, uma região no noroeste do Vietnã, perto da fronteira com o Laos. Os franceses imaginavam-se invulneráveis nessa posição estratégica, da qual planejavam sua contra-ofensiva a partir de uma grande concentração de recursos humanos e materiais. Mas o Vietminh, através de trilhas na selva e túneis, foi cercando o local sem ser percebido.
Depois de oito semanas, entre 13 de março e 7 de maio, as tropas do general Christian De Castries estavam destruídas e desmoralizadas. Foi o derradeiro capítulo da chamada Guerra da Indochina. Os franceses, derrotados, aceitaram as negociações que levariam aos acordos de Genebra, em 1954. Pelos termos desse tratado, o Vietnã ficaria provisoriamente dividido em dois, ao norte e ao sul do paralelo 17. Mas eleições gerais teriam lugar em 1956 para reunificar o país.
Quando se consolidaram as perspectivas de vitória eleitoral comunista, os grupos conservadores chefiados pelo católico Ngo Dinh Diem deram um golpe de Estado no sul e cancelaram as eleições. Os Estados Unidos, que já tinham sido os principais financiadores das operações francesas, assumiram a defesa do regime de Saigon. Forneceram, a princípio, recursos, armas e assessores militares.
Guerra do Vietnã
Os comunistas reagiram e lideraram, a partir de 1960, um levante popular e guerrilheiro contra Diem, articulado pela Frente de Libertação Nacional com o apoio do norte. Os norte-americanos, diante da fragilidade de seus aliados, enviaram tropas para defendê-los. Era o início da Guerra do Vietnã.
A participação direta dos Estados Unidos durou até 1973. Acabaram asfixiados e quebrados como os franceses. “A supremacia deles era tecnológica”, recorda outro veterano, o general Do Xuan Cong, 72. “Mas o armamento deles era para guerra à distância, com aviões, foguetes e bombas. Nós reduzimos o espaço, forçamos o combate no quintal de suas tropas. As armas modernas não tiveram serventia nem substituíram sua falta de moral para a luta”.
A casa começou a cair depois da chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita), em 1968, quando as forças guerrilheiras atacaram dezenas de objetivos ao mesmo tempo, incluindo a própria embaixada norte-americana em Saigon. A Casa Branca já tinha mais de 500 mil homens em combate. A sociedade estrilava com as mortes, derrotas e mentiras.
Os EUA, durante os quatro anos seguintes, despejaram uma quantidade de bombas superior a que foi empregada em todas as batalhas da Segunda Guerra Mundial. No final de 1972 submeteram Hanói a 12 dias e noites de terror. Utilizaram armas químicas para destruir a capacidade alimentar dos vietnamitas e anular as forças guerrilheiras. Mas suas tropas estavam cada vez mais tomadas pelo medo e incapazes de defender suas posições territoriais.
Derrota norte-americana
Washington se viu forçado às negociações de Paris, que levariam à retirada de seus soldados em 1973. O regime de Saigon ficou por sua própria conta. Não permaneceu de pé por muito tempo. Em 1975, o Vietnã reconquistava sua unidade nacional e os comunistas venciam a mais duradoura guerra do século 20.
Os mortos vietnamitas, civis e militares, chegaram a três milhões, contra apenas 50 mil “sobrinhos” do tio Sam. Dois milhões de cidadãos, incluindo filhos e netos da geração do conflito, padecem de alguma deformação genética provocada pela dioxina, subproduto cancerígeno presente no agente laranja, fartamente empregado pelos norte-americanos. Além das perdas humanas, a economia do país foi quase levada à idade de pedra, como preconizava o general norte-americano Curtis LeMay.
Mas quem desfila a vitória, ainda assim, é o Vietnã. Os norte-americanos foram ocupar o mesmo lugar na galeria de fotos que japoneses e franceses, para não falar dos chineses: o de agressores colocados para correr. “Nossa estratégia se baseou em uma ideia simples: a da guerra de todo o povo”, enfatiza o general Cong. “Não havia um centímetro de nosso território no qual os norte-americanos podiam ficar tranquilos. Eles perderam para o medo.”
Essas são águas passadas, porém. Das quais ficam lições, estímulos e valores, é certo, além de grandes livros, fotos e filmes. Mas não resolvem os desafios da paz. Os vietnamitas, nesses 35 anos, tiveram que cuidar de outro problema, para o qual a guerrilha e seus inventos não eram solução. Como alimentar e desenvolver uma nação tão pobre e destruída? Essa é a outra história do Vietnã indomável.
.
Vitória dos torturadores: STF na contramão
Reproduzo o editorial do Vermelho sobre a lamentável decisão do Supremo na questão das torturas:
O fim da tarde desta quinta-feira (29) foi de festa e alívio para ex-agentes da repressão que atuaram à margem da lei durante a ditadura militar (1964-1985). Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação que pedia a inconstitucionalidade da Lei nº 6.638/79, conhecida como Lei da Anistia.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) — que moveu a ação — questionava o 1º parágrafo do artigo 1º da lei. Por meio dele, os militares resolveram “autoanistiar-se” ainda em 1979. Tornaram impunes todos os agentes públicos que “cometeram crimes políticos” ou “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
Não se pode afirmar que a deliberação do STF surpreende. Desde quarta-feira, quando se iniciou o histórico julgamento, a sessão apontava para deixar tudo como está. Ouvidos na tribuna do Supremo, representantes da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) defenderam a validade da anistia como “instrumento necessário para permitir a transição segura para regimes democráticos”.
O ministro Eros Grau, relator do processo, afirmou que o Estado precisa reconhecer seus erros, sobretudo os crimes que cometeu em períodos de arbítrio. Mas, para justificar seu voto contrário à ação, ponderou que é de competência do Legislativo — e não do Judiciário — uma eventual revisão da Lei da Anistia. Seu voto, lido durante cinco horas, foi seguido por mais seis ministros e considerado “brilhante” pelo polêmico Gilmar Mendes.
Não há nada de “brilhante” numa interpretação da História que nega punição a autores de crimes hediondos. A Lei da Anistia concedeu perdão aos responsáveis por escabrosas práticas de tortura nos porões da ditadura. “É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um Congresso submisso?”, perguntou o jurista Fábio Konder Comparato, no Supremo, quando falava em nome da OAB.
Com a Lei nº 9.140, de 1995, o Brasil reconheceu a responsabilidade do Estado pelos mortos e desaparecidos políticos do regime. Foi um avanço para fazer valer o “direito à memória e à verdade” — mas é pouco se comparado à reação de outros países do Cone Sul que enfrentaram governos autoritários na segunda metade do século 20. Mais de 25 anos após o fim de regime militar, os brasileiros sequer podem conhecer a justa dimensão do que era o aparato repressor.
Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, ao contrário, lutaram para responsabilizar e punir as altas autoridades políticas que cometeram crimes contra a humanidade. Por sinal, o julgamento da Lei da Anistia no STF começou uma semana depois de a Justiça argentina condenar Reynaldo Bignone, último presidente da ditadura militar do país (1976-1983), a 25 anos de prisão, por envolvimento em sequestro, roubo agravado, privação ilegítima de liberdade e imposição de torturas.
Decisões do gênero são quase impossíveis no Brasil, onde todos os generais-presidentes já estão mortos, de Castello Branco a João Baptista Figueiredo. Mas há centenas de brasileiros e até estrangeiros que patrocinaram, ordenaram ou efetivamente praticaram a tortura — e seus nomes são desconhecidos. Não temer o passado é um pré-requisito para a consolidação da democracia.
Mesmo depois de terem implantado um portentoso e clandestino aparato de repressão, os torturadores fracassaram ao tentar privar o Brasil de aspirações progressistas, democráticas e socialistas. Esses ideais continuam vivos e se expandem na sociedade brasileira — nos movimentos organizados, nos partidos políticos de esquerda, nos meios acadêmicos, culturais e artísticos, até mesmo nos grotões do país. Apesar dos torturadores. Apesar do Supremo.
.
O fim da tarde desta quinta-feira (29) foi de festa e alívio para ex-agentes da repressão que atuaram à margem da lei durante a ditadura militar (1964-1985). Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação que pedia a inconstitucionalidade da Lei nº 6.638/79, conhecida como Lei da Anistia.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) — que moveu a ação — questionava o 1º parágrafo do artigo 1º da lei. Por meio dele, os militares resolveram “autoanistiar-se” ainda em 1979. Tornaram impunes todos os agentes públicos que “cometeram crimes políticos” ou “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
Não se pode afirmar que a deliberação do STF surpreende. Desde quarta-feira, quando se iniciou o histórico julgamento, a sessão apontava para deixar tudo como está. Ouvidos na tribuna do Supremo, representantes da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) defenderam a validade da anistia como “instrumento necessário para permitir a transição segura para regimes democráticos”.
O ministro Eros Grau, relator do processo, afirmou que o Estado precisa reconhecer seus erros, sobretudo os crimes que cometeu em períodos de arbítrio. Mas, para justificar seu voto contrário à ação, ponderou que é de competência do Legislativo — e não do Judiciário — uma eventual revisão da Lei da Anistia. Seu voto, lido durante cinco horas, foi seguido por mais seis ministros e considerado “brilhante” pelo polêmico Gilmar Mendes.
Não há nada de “brilhante” numa interpretação da História que nega punição a autores de crimes hediondos. A Lei da Anistia concedeu perdão aos responsáveis por escabrosas práticas de tortura nos porões da ditadura. “É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um Congresso submisso?”, perguntou o jurista Fábio Konder Comparato, no Supremo, quando falava em nome da OAB.
Com a Lei nº 9.140, de 1995, o Brasil reconheceu a responsabilidade do Estado pelos mortos e desaparecidos políticos do regime. Foi um avanço para fazer valer o “direito à memória e à verdade” — mas é pouco se comparado à reação de outros países do Cone Sul que enfrentaram governos autoritários na segunda metade do século 20. Mais de 25 anos após o fim de regime militar, os brasileiros sequer podem conhecer a justa dimensão do que era o aparato repressor.
Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, ao contrário, lutaram para responsabilizar e punir as altas autoridades políticas que cometeram crimes contra a humanidade. Por sinal, o julgamento da Lei da Anistia no STF começou uma semana depois de a Justiça argentina condenar Reynaldo Bignone, último presidente da ditadura militar do país (1976-1983), a 25 anos de prisão, por envolvimento em sequestro, roubo agravado, privação ilegítima de liberdade e imposição de torturas.
Decisões do gênero são quase impossíveis no Brasil, onde todos os generais-presidentes já estão mortos, de Castello Branco a João Baptista Figueiredo. Mas há centenas de brasileiros e até estrangeiros que patrocinaram, ordenaram ou efetivamente praticaram a tortura — e seus nomes são desconhecidos. Não temer o passado é um pré-requisito para a consolidação da democracia.
Mesmo depois de terem implantado um portentoso e clandestino aparato de repressão, os torturadores fracassaram ao tentar privar o Brasil de aspirações progressistas, democráticas e socialistas. Esses ideais continuam vivos e se expandem na sociedade brasileira — nos movimentos organizados, nos partidos políticos de esquerda, nos meios acadêmicos, culturais e artísticos, até mesmo nos grotões do país. Apesar dos torturadores. Apesar do Supremo.
.
A mídia alternativa e o Barão de Itararé
No dia 14 de maio, às 19 horas, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 25, próximo à Câmara Municipal de São Paulo), ocorrerá o lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”. A nova entidade, que reúne em seu conselho jornalistas progressistas e lutadores sociais, tem como objetivos principais contribuir na luta pela democratização da comunicação, fortalecer a mídia alternativa e comunitária, promover estudos sobre a estratégica frente midiática e investir na formação dos novos comunicadores.
Uma justa homenagem
O nome “Barão de Itararé” é uma justa homenagem ao jornalista Aparício Torelli (1895-1971), considerado um dos criadores da imprensa alternativa no país e o “pai do humorismo brasileiro”, segundo a biografia elaborada pelo filósofo Leandro Konder. Criador dos jornais “A Manha” e “Almanhaque”, ele ironizou as elites, criticou a exploração e enfrentou os governos autoritários. Preso várias vezes, nunca perdeu o seu humor. Itararé é o nome da batalha que não houve entre a oligarquia cafeeira e as forças vitoriosas da Revolução de 1930.
Frasista genial, ele cunhou várias pérolas. Cansado de apanhar da polícia secreta do Estado Novo, colocou na porta do seu escritório uma placa com a hoje famosa frase “entre sem bater”. Político sagaz, ele percebeu a guinada nacionalista de Getúlio Vargas e respondeu aos críticos udenistas: “Não é triste mudar de idéias; triste é não ter idéias para mudar”. Militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), Apparício foi eleito vereador pelo Rio de Janeiro em 1946 com o lema “mais leite, mais água e menos água no leite” – denunciando fraudes da indústria leiteira.
Crítico ácido dos jornais golpistas
Seu mandato foi combativo e irreverente. Segundo o então senador Luiz Carlos Prestes, “o Barão não só fez a Câmara rir, como as lavadeiras e os trabalhadores. As favelas suspendiam as novelas para ouvir as sessões que eram transmitidas pela rádio”. Teve o seu mandato cassado juntamente com a cassação do registro do PCB, em 1947, e declarou solenemente: “Saio da vida pública para entrar na privada”. Seu jornal, A Manha, foi novamente empastelado e, com dificuldades financeiras, ele escreveu: “Devo tanto que, se eu chamar alguém de ‘meu bem’, o banco toma”. Passou a colaborar com o jornal getulista A Última Hora e lançou ainda mais dois Almanhaque.
Diante da grave crise política que resultou no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, afirmou: “Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira”. Barão de Itararé denunciou as manipulações da imprensa, foi um crítico ácido dos jornais golpistas de Assis Chateaubriand e Carlos Lacerda e um entusiasta do jornalismo alternativo. Após o golpe militar de 1964, ele passou por inúmeras privações. Faleceu em 27 de novembro de 1971. Em sua lápide poderia estar inscrita uma de suas frases prediletas. “Nunca desista de seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra”.
Entidade ampla e plural
A criação da nova entidade, que atuará em parceria com várias outras que já priorizam a luta pela democratização da comunicação, empolgou jornalistas e lutadores sociais. Entre outros, integram seu conselho os jornalistas Luis Nassif, Leandro Fortes, Luiz Carlos Azenha, Maria Inês Nassif, Rodrigo Vianna, Beto Almeida, Gilberto Maringoni; os professores Venício A. de Lima, Marcos Dantas, Dênis de Moraes, Laurindo Lalo Leal Filho, Gilson Caroni, Igor Fuser, Sérgio Amadeu.
Visando fortalecer a mídia alternativa já existente, também participam os responsáveis de vários veículos progressistas – Breno Altman (Opera Mundi), Carlos Lopes (Hora do Povo), Ermanno Allegri (Adital), Wagner Nabuco (Caros Amigos), Joaquim Palhares (Carta Maior), Eduardo Guimarães (Cidadania), Renato Rovai (Fórum), Nilton Viana (Brasil de Fato), Paulo Salvador (Revista do Brasil), Oswaldo Colibri (Rádio Brasil Atual), José Reinaldo Carvalho (Vermelho).
O conselho reúne ainda lideranças dos movimentos sociais, dirigentes de entidades vinculadas à comunicação pública e comunitária – Edivaldo Farias (Abccom), Regina Lima (Abepec), José Sóter (Abraço), Orlando Guilhon (Arpub) – e integrantes de instituições engajadas na luta pela democratização da mídia – João Brant (Intervozes), João Franzin (Agência Sindical), Sérgio Gomes (Oboré), Vito Giannotti (NPC), Rita Freire (Ciranda).
Seminário "A mídia e as eleições de 2010"
O lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” se dará durante a realização do seminário nacional “A mídia e as eleições de 2010”. As inscrições para o evento se encerram em 12 de maio e custam R$ 20,00. As vagas são limitadas. Os interessados devem entrar em contato com Danielli Penha pelo telefone (11) 3054-1829 ou pelo endereço eletrônico britarare@gmail.com. Abaixo a programação:
Dia 14 de maio, sexta-feira, às 18h30
A cobertura jornalística da sucessão presidencial
- Maria Inês Nassif – Jornal Valor Econômico;
- Leandro Fortes – Revista CartaCapital;
- Paulo Henrique Amorim – Sítio Conserva Afiada;
- Altamiro Borges – Portal Vermelho;
Dia 14 de maio, sexta-feira, às 21 horas.
Coquetel de lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Local: Auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 25)
Dia 15 de maio, sábado, 9 horas:
Plataforma democrática para a comunicação.
- Marcos Dantas – professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
- Luiza Erundina – deputada federal do PSB-SP;
- Manuela D’Ávila – deputada federal do PCdoB-RS;
- Igor Felippe – assessoria de imprensa do MST;
Dia 15 de maio, 14 horas:
Políticas públicas para democratização da comunicação.
- Ottoni Fernandes – secretário executivo da Secom;
- Regina Lima (Abepec) – presidente da Abepec;
- Jandira Feghali – ex-secretária de Cultura do Rio de Janeiro;
- José Soter (Abraço) – coordenador nacional da Abraço.
Dia 15 de maio, 17 horas:
Lançamento do livro “Vozes em cena – Análise das estratégias discursivas da mídia sobre os escândalos políticos”, de Regina Lima.
- Local: Salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Maria Paula).
.