Reproduzo artigo do escritor e professor Luís Carlos Lopes, publicado no sítio Carta Maior:
Os que dizem que as grandes mídias transmitem conteúdos deploráveis em nada exageram. Se disserem que todos os conteúdos são desta natureza, sem dúvida, estarão exagerando. Estarão dizendo a verdade, se afirmarem que é difícil separar o joio do trigo, lembrando que as transmissões e emissões possíveis de serem acessadas contribuem para diminuir a capacidade de interpretação das audiências. Tenta-se fazer com que a realidade objetiva seja algo longínquo e inalcançável aos simples mortais.
O veneno retórico e o de natureza irracionalista mesclados, como faces da mesma moeda, aparecem tanto na ficção, como no que se autodenomina de objetivo e isento. Aliás, a ficção domina de tal forma o cenário que a distinção desta com a pretensão de objetividade passou a ser um exercício do formalismo habitual. Na verdade, as mídias se retroalimentam do real objetivo, tratando-o no assombroso universo da retórica – leia-se mentira pavoneada – e dos irracionalismos – leia-se, incapacidade de ver e interpretar a nós mesmos e ao que nos cerca – cultivados em séculos de história. Produzem uma ficção de si mesmas, fazendo com que tudo o que toquem se transforme em algo fantasmagórico, com exceção, logicamente, das contas bancárias das empresas.
Obviamente, nem todos os operadores das grandes mídias são tão brutais. Alguns tentam desesperadamente entregar ao público algo de melhor qualidade e com alguma seriedade. Trata-se de profissionais talentosos e capazes de fazer algo diverso do que são compelidos a executar. Outros se vendem sem qualquer problema aos seus patrões. São bajuladores e, quase sempre, eles não têm muito a oferecer, além da fidelidade canina. Todavia, é bom lembrar que as grandes mídias são privadas. Trata-se de empresas que têm história e interesses a zelar. Seus empregados dependem da aprovação se seus patrões, para se manter em seus lugares.
Qual a diferença entre uma telenovela e um telejornal? Grosso modo, ambos usam da emoção alienada para convencer e não têm qualquer compromisso com as verdades históricas e com o esclarecimento científico e histórico-cultural das audiências. No atual contexto, os dois apóiam-se nas tradições mais conservadoras, nos preconceitos avassaladores retirados de baús cheios de pó, vermes e outros bichos. Repetem os sensos comuns primários que facilmente envolvem seus públicos. Não têm maiores compromissos com a cultura popular e com o que há de melhor na erudita. Em alguns momentos, este pacto de mediocridade é rompido pelos operadores. Em seguida, a empresa retoma as rédeas e conduz de acordo com suas linhas mestras.
Os ingênuos e os que se fazem de ingênuos pouco podem refletir sobre o papel das mídias. Eles dizem que os telejornais, bem como os jornalões e revistas impressas são a informação líquida para ser consumida. O mesmo aconteceria com as notícias e comentários encontráveis nos sites mantidos pelas mesmas empresas. As telenovelas, os programas humorísticos, bem como o pior da indústria cinematográfica internacional e nacional seriam, apenas, diversão. O problema é que não é possível haver neutralidade real no ato de informar e nem no de produzir artefatos ficcionais de qualquer natureza. Em todos os casos, é possível descobrir a que deuses se estão servindo.
Informação e diversão seriam os objetos centrais dos vários meios de comunicação empresariais. Estes canais levariam ao grande público, presumidamente, o que eles desejariam assistir, ver e ler. Os consumidores são vistos como pessoas fundamentalmente passivas e fáceis de ser convencidas. Nisto, está um segredo bem guardado. De há muito, os consumidores da informação e da diversão são também consumidores de produtos alardeados pela publicidade. Suas passividades são tão fabricadas como os produtos de massa e idéias que os anunciantes pretendem vender. Simplesmente, é dado a eles o acesso a uma via de mão única, sem atalhos ou retornos. As possibilidades de resistência existem, mas, são bem pequenas.
O verdadeiro objetivo destes meios é vender produtos, usando técnicas de convencimento e de catarse total. Quando se vê TV, se acessa à Internet, se lê as mídias impressas ou se assiste a filmes comerciais de ficção, se está ao mesmo tempo, sendo bombardeado por mil e uma mensagens publicitárias. O que realmente interessa a estes meios é ter a certeza que o bombardeio atingiu seus objetivos, com isto, se garantem mais verbas e, sobretudo, infinitos lucros. A lógica da produção é a do comércio, ao qual ela é completamente subordinada.
A tão propalada interatividade da Internet esbarra no fato que ela é intermediada por empresas reais. Ao contrário do que se imaginava inicialmente, estas empresas moldam formatos, sugerem conteúdos e dificultam que exista uma comunicação realmente mais livre. Esta liberdade é buscada com abnegação por grupos e pessoas isoladas que tentam, por meio dos instrumentos disponíveis, construir opiniões contrahegemônicas. Isto funciona com fortes limites impostos pelos custos e pela pressão dos instrumentos controlados pelas empresas. Todavia, é na Internet onde se encontra ainda um espaço de reflexão e de liberdade, inexistente nas grandes mídias. Não são casuais, as tentativas surgidas em vários países de se controlar este espaço e de até emudecê-lo.
Como as mídias são um sistema integrado, comandado por empresas, na Internet, o poder das mesmas se destaca e se firma como opção para grandes parcelas dos usuários. Manter uma revista de opinião alternativa significa encontrar formas criativas de financiá-la e de conseguir que ela, na sua fragilidade que é a origem de sua força, permaneça no ar. Esta batalha é travada todos os dias por quixotes que não aceitam que o mundo seja exclusivamente o que as grandes mídias teimam em dizer e redesenhar. O que mantém a chama acesa é a crença que o sonho ainda possa vencer a obscuridade da vida instrumental do capital.
A midiatização incisiva dos recentes ataques do candidato-síntese das direitas à Bolívia de Evo Morales e as críticas iradas à tentativa brasileira de uma solução pacífica do conflito entre o Irã e os Estados Unidos são provas evidentes da manipulação e da sujeição aos interesses externos. Entretanto, o espaço dado aos que pensam de modo diverso foi proporcionalmente pequeno. Mesmo sendo uma concessão pública, as empresas de TV trabalham como se a liberdade de imprensa fosse a mesma coisa do que a liberdade de empresa.
Todos estes fatos passam batidos, em meio a nuvem formada pela onda publicitária que envolve as mídias. Olhando-se, em perspectiva, percebe-se que elas sabem bem camuflar suas verdadeiras essências. Depois de um ataque furibundo aos que lutam contra a conservação, nada melhor do que um comercial de um novo modelo de carro ou do quase-monopólio de uma empresa provedora da TV por assinatura, dentre outros serviços.
São poucos os programas de TV aberta e da por assinatura que não são pautados no tratamento da violência como um espetáculo, sem dar a audiência quaisquer possibilidades de interpretá-los de modo racional. Não é muito diferente o que ocorre nas mídias impressas, havendo adaptações aos públicos de cada segmento. Os mais pobres consomem mais ‘sangue’ e doses elevadas de ‘mondo cane’. As classes médias vêem as mesmas hemorragias e baixarias em emissões que usam de um linguajar mais controlado e adaptado. O mesmo ocorre com o sentido geral da vida, corrompido por emissões que mentem sobre as reais possibilidades do tecido social.
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terça-feira, 1 de junho de 2010
O terror de Israel extrapola suas fronteiras
Reproduzo artigo da jornalista Elaine Tavares:
Quando na segunda guerra mundial apareceram os rumores do que acontecia na Alemanha, o mundo calou. Levou tempo demais até que os governos de outros cantos se levantassem contra o que se passava de horror sob o domínio nazista. E, mesmo, assim, a intervenção só aconteceu quando o que estava em jogo era o domínio de outros países da Europa. Não foi, verdadeiramente, o massacre dos judeus e dos ciganos que levou ao repúdio do governo de Hitler. Foi sua audácia de dominação sobre os demais países da Europa. Penso eu, cá com meus botões, que se Hitler tivesse se mantido nas fronteiras da Alemanha, não haveria tanto repúdio às suas práticas de terror.
Hoje, assistimos ao estado de Israel repetir o circo dos horrores contra o povo palestino. Já se vão mais de 60 anos de violência, de opressão, de ataques assassinos. Desde 1948 o processo de dizimação do povo palestino acontece sob os olhos das câmeras, aparece sistematicamente na hora do jantar, nos jornais noturnos. E, no mais das vezes, a maioria das gentes olha, boceja, e o máximo que tem de reação é dizer: “essa guerra não termina!” E ponto final. Lá, naquele cantão esquecido do mundo, a porta de entrada do rico médio-oriente, seguem os palestinos resistindo com pedras e gritos de dor.
Hoje, segregados em campos de concentração, tal e qual ocorria com os judeus e ciganos nos campos nazistas, eles são humilhados, subjugados, tratados como não-seres. Chamados de terroristas quando se levantam em rebelião. E tudo o que querem é o direito de viverem em paz no seu próprio território. O mundo sabe muito bem que quando os Estados Unidos criou o estado de Israel, aquela não era uma terra sem povo. Milhares de famílias foram desalojadas, expulsas de suas casas, para dar lugar às colônias israelenses. E, depois, ao longo dos anos, sob o fogo dos canhões, Israel foi comendo o território até confinar as gentes palestinas em campos fechados por muros gigantes, que deveriam ser repudiados como uma vergonha mundial, tal qual foi o muro de Berlim durante tanto tempo. A pergunta que fica é: por que o chamado “mundo livre” não brada contra o muro da vergonha de Israel?
Pois, não satisfeitos em dizimar o povo palestino, Israel chegou ontem ao auge da violência e da perfídia. Foi capaz de atacar militarmente navios que seguiam para Gaza, levando ajuda humanitária. Soldados armados atacaram civis que poucos minutos antes haviam levantado uma bandeira branca. Mesmo nas guerras mais cruéis, todos os generais sabem o que isso significa. Mas, ao que parece, não Israel. Morreram pessoas comuns, tombadas pelas balas assassinas dos soldados israelense. Gente que se importava com o que se passa por detrás dos muros de Israel, que apenas se preocupava em levar comida, remédio e conforto a um povo acossado pela violência e pelo terror. Pois foram atacados de forma absurda, em águas internacionais, violando toda a sorte de tratados e acordos internacionais.
E aí? Cadê as sanções a Israel? O seu parceiro de atrocidades, os Estados Unidos, lamentou o ocorrido, mas não condenou. Vários países estão declarando condenação, mas o que isso de fato significa? Palavras ao vento! Quais as medidas reais a serem tomadas contra esse estado assassino que extrapola suas fronteiras, atacando civis?
Os argumentos que as redes de televisão oferecem são os mais absurdos possíveis. Um general israelense dizendo que só revidaram um ataque dos que estavam no navio. Mas, como isso? As pessoas, em alto mar, cercadas de água, fizeram o quê? Tinham mísseis? Arcabuzes? Facas voadoras? Que ataque poderiam fazer essas pessoas dentro de um navio a aviões de guerra? Vejam que é o mesmo argumento que usam para matar palestinos. Meninos de 12 anos, com pedras na mão, são “violentos terroristas” e ameaçam a vida dos soldados israelenses dentro dos tanques de ferro. É o paroxismo do terror.
Por todo o planeta gritam as gentes, como gritaram contra a invasão do Iraque, contra a invasão do Panamá, do Afeganistão. Gritam os que não tem poder. E lançam declarações os que tem poder. Cuba vive sob um bloqueio criminoso por parte dos Estados Unidos, porque decidiu ser livre e auto-determinada. Isso é crime?
O que aconteceu no mar alto nesta segunda-feira não pode ficar só no plano da condenação pela palavra. É preciso parar Israel. Este é um dos países mais fortemente armados do globo terrestre. Seu poder militar é fabuloso. Tem ainda o serviço secreto mais sanguinário do mundo. É um cântaro de destruição. A fonte de sua violência segue vertendo, como já dizia o grande Mahmud Darwish.
Há 60 anos Israel mata palestinos como se fossem moscas. Ontem matou nove cidadãos da paz. O mundo, enfim, se levanta. Agora, há que parar Israel. Ou isso, ou a barbárie vai se espalhar, saindo das fronteiras do terror. A história é boa mestra. Assim começaram as grandes guerras. Quando um governo, arvorado de dono do mundo, começa a sair de seus limites, abocanhando a vidas dos demais. Se o mundo, na sua maioria, pouco ligou para os palestinos que padecem desde há décadas, que, agora, com estes noves civis, gente da paz, de bandeira branca hasteada, possa se levantar e estancar a fonte do crime.
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Quando na segunda guerra mundial apareceram os rumores do que acontecia na Alemanha, o mundo calou. Levou tempo demais até que os governos de outros cantos se levantassem contra o que se passava de horror sob o domínio nazista. E, mesmo, assim, a intervenção só aconteceu quando o que estava em jogo era o domínio de outros países da Europa. Não foi, verdadeiramente, o massacre dos judeus e dos ciganos que levou ao repúdio do governo de Hitler. Foi sua audácia de dominação sobre os demais países da Europa. Penso eu, cá com meus botões, que se Hitler tivesse se mantido nas fronteiras da Alemanha, não haveria tanto repúdio às suas práticas de terror.
Hoje, assistimos ao estado de Israel repetir o circo dos horrores contra o povo palestino. Já se vão mais de 60 anos de violência, de opressão, de ataques assassinos. Desde 1948 o processo de dizimação do povo palestino acontece sob os olhos das câmeras, aparece sistematicamente na hora do jantar, nos jornais noturnos. E, no mais das vezes, a maioria das gentes olha, boceja, e o máximo que tem de reação é dizer: “essa guerra não termina!” E ponto final. Lá, naquele cantão esquecido do mundo, a porta de entrada do rico médio-oriente, seguem os palestinos resistindo com pedras e gritos de dor.
Hoje, segregados em campos de concentração, tal e qual ocorria com os judeus e ciganos nos campos nazistas, eles são humilhados, subjugados, tratados como não-seres. Chamados de terroristas quando se levantam em rebelião. E tudo o que querem é o direito de viverem em paz no seu próprio território. O mundo sabe muito bem que quando os Estados Unidos criou o estado de Israel, aquela não era uma terra sem povo. Milhares de famílias foram desalojadas, expulsas de suas casas, para dar lugar às colônias israelenses. E, depois, ao longo dos anos, sob o fogo dos canhões, Israel foi comendo o território até confinar as gentes palestinas em campos fechados por muros gigantes, que deveriam ser repudiados como uma vergonha mundial, tal qual foi o muro de Berlim durante tanto tempo. A pergunta que fica é: por que o chamado “mundo livre” não brada contra o muro da vergonha de Israel?
Pois, não satisfeitos em dizimar o povo palestino, Israel chegou ontem ao auge da violência e da perfídia. Foi capaz de atacar militarmente navios que seguiam para Gaza, levando ajuda humanitária. Soldados armados atacaram civis que poucos minutos antes haviam levantado uma bandeira branca. Mesmo nas guerras mais cruéis, todos os generais sabem o que isso significa. Mas, ao que parece, não Israel. Morreram pessoas comuns, tombadas pelas balas assassinas dos soldados israelense. Gente que se importava com o que se passa por detrás dos muros de Israel, que apenas se preocupava em levar comida, remédio e conforto a um povo acossado pela violência e pelo terror. Pois foram atacados de forma absurda, em águas internacionais, violando toda a sorte de tratados e acordos internacionais.
E aí? Cadê as sanções a Israel? O seu parceiro de atrocidades, os Estados Unidos, lamentou o ocorrido, mas não condenou. Vários países estão declarando condenação, mas o que isso de fato significa? Palavras ao vento! Quais as medidas reais a serem tomadas contra esse estado assassino que extrapola suas fronteiras, atacando civis?
Os argumentos que as redes de televisão oferecem são os mais absurdos possíveis. Um general israelense dizendo que só revidaram um ataque dos que estavam no navio. Mas, como isso? As pessoas, em alto mar, cercadas de água, fizeram o quê? Tinham mísseis? Arcabuzes? Facas voadoras? Que ataque poderiam fazer essas pessoas dentro de um navio a aviões de guerra? Vejam que é o mesmo argumento que usam para matar palestinos. Meninos de 12 anos, com pedras na mão, são “violentos terroristas” e ameaçam a vida dos soldados israelenses dentro dos tanques de ferro. É o paroxismo do terror.
Por todo o planeta gritam as gentes, como gritaram contra a invasão do Iraque, contra a invasão do Panamá, do Afeganistão. Gritam os que não tem poder. E lançam declarações os que tem poder. Cuba vive sob um bloqueio criminoso por parte dos Estados Unidos, porque decidiu ser livre e auto-determinada. Isso é crime?
O que aconteceu no mar alto nesta segunda-feira não pode ficar só no plano da condenação pela palavra. É preciso parar Israel. Este é um dos países mais fortemente armados do globo terrestre. Seu poder militar é fabuloso. Tem ainda o serviço secreto mais sanguinário do mundo. É um cântaro de destruição. A fonte de sua violência segue vertendo, como já dizia o grande Mahmud Darwish.
Há 60 anos Israel mata palestinos como se fossem moscas. Ontem matou nove cidadãos da paz. O mundo, enfim, se levanta. Agora, há que parar Israel. Ou isso, ou a barbárie vai se espalhar, saindo das fronteiras do terror. A história é boa mestra. Assim começaram as grandes guerras. Quando um governo, arvorado de dono do mundo, começa a sair de seus limites, abocanhando a vidas dos demais. Se o mundo, na sua maioria, pouco ligou para os palestinos que padecem desde há décadas, que, agora, com estes noves civis, gente da paz, de bandeira branca hasteada, possa se levantar e estancar a fonte do crime.
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"Imprensa alternativa não disputa hegemonia"
Reproduzo entrevista de Daniel Cassol, concedida à jornalista Candice Cresqui e publicada no sítio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação:
A tendência da imprensa alternativa de fazer uma espécie de sociologia dos acontecimentos, optando por sempre explicar as estruturas e relações de poder por trás dos fatos, impede que os próprios fatos falem por si. Além disso, os veículos alternativos assumem a posição de marginalizados e permitem que somente os meios vinculados a grandes empresas narrem o cotidiano. Dessa forma, deixam de disputar hegemonia no terreno do moderno jornalismo.
Refletir sobre as características desses meios e como eles se relacionam com a tradição dos veículos contra-hegemônicos, especialmente em um contexto de “crise das esquerdas”, foi o objetivo da dissertação “Brasil de Fato: A imprensa popular alternativa em tempos de crise”, de autoria do jornalista Daniel Cassol.
Em entrevista concedida por e-mail, Cassol comenta a sua pesquisa e analisa as possibilidades de se fazer um jornalismo alternativo que fuja desse padrão. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS) no início do mês de abril, e teve a orientação da pesquisadora Christa Berger, coordenadora do programa.
Daniel Cassol graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2003. Trabalhou com assessoria de imprensa de movimentos sociais e colabora com veículos alternativos, entre eles o Brasil de Fato. Durante o primeiro semestre de 2009, atuou como correspondente do jornal em Assunção, Paraguai.
O que motivou a sua pesquisa e como foi feita a análise?
Quem alguma vez conversou sobre comunicação alternativa certamente já se deparou com a discussão sobre a incapacidade de os veículos alternativos alcançarem parcelas mais amplas da população. Normalmente, as respostas estão em fatores externos, como a falta de recursos. Minha intenção foi refletir sobre que tipo de jornalismo os alternativos, no caso o Brasil de Fato, vêm fazendo atualmente, como se relacionam com a tradição dos veículos contra-hegemônicos e como se situam num contexto de dificuldade para as idéias de transformação.
Além disso, eu considerava importante fazer uma reflexão atualizada sobre imprensa alternativa, uma vez que os estudos neste campo normalmente se voltam aos jornais do período da ditadura militar ou seguem mais os processos de comunicação e ativismo relacionados às novas tecnologias. Assim, optei por fazer uma interpretação do jornal, procurando compreender seu funcionamento, suas questões e sua relação com o contexto social.
Em que contexto social se deu a criação do jornal Brasil de Fato? Quais foram os objetivos da sua criação?
O Brasil de Fato nasce em 2003, num contexto de esperanças, mas também de certo ceticismo. Esperanças principalmente em torno da eleição do presidente Lula, visto como uma possibilidade de retomada das mobilizações sociais, como de fato aconteceu no início. Prova disso foi o ato de lançamento do jornal durante o Fórum Social Mundial de 2003, que reuniu lideranças e personalidades, além de uma multidão que não coube no auditório Araújo Vianna em Porto Alegre. Porém, o jornal é criado exatamente para contribuir no processo de reorganização dos movimentos sociais, a partir da leitura de que a esquerda brasileira vive um período histórico de crise.
Você menciona uma crise das esquerdas. Como ela se configura?
O próprio jornal é criado em torno desta idéia: a esquerda brasileira vive uma crise de valores, práticas, organização, pensamento e estratégia política. Trata-se de um processo amplo, cuja origem é antiga, e que se caracteriza pelo ataque às organizações dos trabalhadores, o esvaziamento de sindicatos, a burocratização e o pragmatismo de partidos de esquerda, além de um abandono de antigas práticas. Por isso, o Brasil de Fato se apresenta como um instrumento para superação da crise, a partir da retomada da formação política, do trabalho de base e das lutas sociais.
O jornal debate a crise da esquerda e acaba desenhando uma espécie de mapa das lutas e dos atores sociais que considera mais urgentes e importantes, promovendo uma agenda mínima para os movimentos sociais. Porém, mais que fragilidade das forças sociais, o que vivemos é uma crise das alternativas. Boaventura de Souza Santos tem uma idéia interessante: a hegemonia não se dá mais pela imposição dos interesses da classe dominante como se fosse algo bom para toda a população, mas porque não existe alternativa. As coisas são do jeito que são porque não há alternativas, eis uma noção muito presente nos discursos dos administradores políticos, por exemplo. Um contexto em que o pensamento alternativo é tratado como inviável acaba impondo muitas dificuldades para a imprensa de resistência ao pensamento dominante.
Como o jornal sobrevive, há sete anos, nestes tempos de crise?
Minha pesquisa toca pouco nas questões administrativas e políticas do jornal, pois minha opção foi sempre compreender que tipo de jornalismo é feito pelo Brasil de Fato. Mas é possível dizer que a existência de uma unidade mínima em torno do jornal, liderada pela Consulta Popular (saiba mais) e pelo Movimento Sem Terra (MST), garante a permanência do Brasil de Fato ao longo dos anos.
Além disso, há que se destacar o trabalho profissional dos jornalistas da redação, que superam o amadorismo tradicional dos alternativos e mantêm a periodicidade e a qualidade necessárias. É claro que, nestes sete anos, o jornal enfrentou suas próprias crises internas, em razão da eterna falta de recursos, mas de fato é impressionante como o jornal se mantém vivo após sete anos, se constituindo numa das experiências mais longevas de jornal alternativo no Brasil.
Por que você classifica o jornal de “popular alternativo”?
Basicamente, porque esta denominação dá conta das especificidades de um jornal como o Brasil de Fato e afasta incompreensões. O termo “imprensa alternativa” tem problemas: é datado historicamente, porque se refere mais aos jornais de resistência à ditadura militar. Além disso, sob “alternativa” se inscrevem diferentes tipos de comunicação. Da mesma forma, somente “jornal popular” pode confundir com os jornais chamados “sensacionalistas”. A professora Cecília Peruzzo sustenta que a comunicação popular alternativa é aquela que está inserida no contexto dos movimentos sociais.
Além de atender essa característica, o Brasil de Fato traz em sua linha editorial a defesa das classes populares e de um projeto de país. Ao mesmo tempo, tem certa vocação para se tornar uma imprensa de interesse geral, uma vez que aborda temas diversos e tem a pretensão de disputar espaço com os jornais de referência. No entanto, não vejo problemas em se utilizar a expressão “jornal alternativo”, já consagrada. Para efeitos da pesquisa, foi uma forma de precisar a natureza do jornal.
O Brasil de Fato vive, segundo o seu estudo, a tensão entre sua vocação massiva e o recuo para uma postura de resistência. Diante disso, qual é o público do jornal?
Creio que esta é uma das dificuldades enfrentadas pela imprensa popular alternativa como um todo. Estes jornais convivem com o desejo de falar ao leitor comum, para convencê-lo; com a pretensão de desafiar os adversários políticos, para reafirmar as posições; e com a necessidade de conversar entre companheiros, a fim de afinar discursos. Disto decorre, a meu ver, uma indefinição no contrato de leitura estabelecido entre o jornal e seu público, na medida em que este é difuso. O Brasil de Fato, também por sofrer a crise, foi reduzindo sua intenção de se tornar massivo e diário para voltar-se a uma postura mais de resistência.
O jornal terminou por reproduzir o jornalismo alternativo clássico? Quais são as suas diferenças em relação ao dito jornalismo?
O que existe é uma tradição de se fazer jornalismo desde uma perspectiva contra-hegemônica, que vem desde o início do século XX, a partir de leituras mecânicas de alguns textos esporádicos escritos sobre jornalismo, por Lênin, Trotsky, Gramsci e pelo próprio Marx. O Brasil de Fato, como herdeiro legítimo, não poderia deixar de apresentar algumas marcas desta tradição. Em resumo, historicamente a esquerda promoveu certa instrumentalização do jornalismo em nome de sua visão política, ignorando até mesmo a potencialidade desta forma de conhecimento sobre a atualidade.
O jornal é tomado, muitas vezes, como um instrumento para a orientação política das massas e, desse modo, só publica aqueles temas considerados necessários à denúncia dos inimigos de classe e à politização dos trabalhadores. Algo que está presente no Brasil de Fato e em outros veículos alternativos atuais é uma tendência a fazer quase uma sociologia dos acontecimentos, optando por sempre explicar as estruturas e relações de poder por trás dos fatos, impedindo que os próprios fatos falem por si e tirando a autonomia dos leitores.
O jornal apresenta uma visão estática do povo, reduzindo-o ao conflito de classes?
Creio que este é um problema crônico da imprensa de esquerda, que tem a ver com esta tradição de que falei antes e aparece, em parte, no Brasil de Fato. Foi o pesquisador chileno Guillermo Sunkell que, ao analisar os jornais populares do Chile no período do presidente Salvador Allende, apontou que os discursos daqueles jornais interpelavam apenas espaços, atores e conflitos considerados politizados ou politizáveis pelos partidos de esquerda. Assim, o operário fabril era visto como o agente da transformação social, enquanto outras parcelas da população eram esquecidas pelos jornais populares.
Disso resultava essa visão estática da idéia de povo, ou seja, povo era o operário em um conflito econômico com seus patrões. Para Sunkell, estes jornais acabavam marginalizando outras parcelas da população e, também, deixando de lado a realidade subjetiva do povo e outros aspectos da realidade popular, como a religiosidade, a vida em família, o lazer. O resultado era a incapacidade de expansão destes jornais.
No caso do Brasil de Fato, por ser de uma época diferente, os espaços, atores e conflitos contemplados por seus discursos são outros. O operário fabril dá lugar, principalmente, a populações que luta em defesa dos seus territórios e de recursos naturais, em conflitos que poderíamos dizer mais estratégicos. Nota-se também que o jornal dá voz prioritariamente ao povo organizado em sindicatos, movimentos e associações. Povo, para o Brasil de Fato, é povo em luta. Os inimigos é que não são apenas os patrões ou latifundiários, mas principalmente as grandes transnacionais.
Quais os caminhos dos jornalistas para mudar isso?
Talvez um caminho seja fazer mais jornalismo. Apesar de todas as críticas que podemos fazer à atividade, o jornalismo tem fundamental importância na medida em que nos provê de informações sobre os diferentes aspectos da atualidade. É através do jornalismo que organizamos uma determinada visão de mundo, com informações desde as condições das ruas e das paradas de ônibus de nossa cidade até as grandes questões estratégicas de política internacional, por exemplo.
Mas a imprensa alternativa, historicamente, se dedica somente àquelas pautas que interessam à conjuntura imediata ou estratégica das organizações sociais. Assim, como dizia Adelmo Genro Filho, deixa de disputar hegemonia no terreno do moderno jornalismo, ou seja, assume esta posição de estar à margem e permite que somente os veículos vinculados a grandes empresas narrem o cotidiano.
Você conhece alguma outra experiência de jornalismo alternativo que fuja desse padrão?
O próprio Brasil de Fato representa um esforço do jornalismo popular alternativo se reinventar. Considero uma experiência exitosa, não só por sua longevidade, mas porque tenta encontrar uma nova linguagem necessária para estes tempos de crise, principalmente em sua página na internet. Logicamente, vive problemas das mais diferentes naturezas e passa por dificuldades para se expandir hegemonicamente.
Mas, dentro dessa idéia de um jornalismo capaz de abordar os diferentes aspectos da atualidade e da vida em sociedade, acho importante analisarmos experiências como o do jornal La Jornada, do México, a RadioCom, de Pelotas, a Rádio Viva, de Assunção, no Paraguai, e a Radioagência NP, parceria do Brasil de Fato de São Paulo. No seu conjunto, não são veículos de esquerda, mas tem um “lado”. E não se furtam de falar de assuntos do cotidiano, do buraco na rua, dos cuidados com a saúde, dos resultados do futebol, temas que historicamente foram ignorados por não serem politizáveis. São alguns exemplos de possibilidades que me ocorrem agora.
O que a esquerda poderia fazer para ter um jornalismo diferente?
Aqui volto ao Adelmo Genro Filho, que no livro “O Segredo da Pirâmide”, cujas idéias são incompreendidas na mesma medida em que não são lidas, propôs uma “teoria marxista do jornalismo”, que vem sendo atualizada por alguns autores. Em resumo, correndo o risco de reduzir a complexidade, Adelmo Genro Filho sustentava que o jornalismo é uma forma de conhecimento capaz de revelar o que a realidade tem de singular. E o singular tem sua potência na capacidade de revelar os aspectos particulares de determinado acontecimento e nos levar à compreensão do universal. Ou seja, o autor apostava na potencialidade do jornalismo e refutava sua instrumentalização.
Talvez este seja um dos caminhos a serem considerados por quem faz jornalismo alternativo. Há que se considerar a possibilidade de realização de um jornalismo informativo contra-hegemônico, que reconheça a presença da ideologia não como uma limitação da atividade, uma vez que a apreensão da realidade objetiva só se dá na relação dos sujeitos com a realidade – sendo esta, inclusive, riqueza deste processo –, mas que não se reduza à mera propaganda desses pressupostos políticos.
Gosto de uma idéia do Adelmo Genro Filho, que encerra essa aposta nas potencialidades do jornalismo: ele diz que o jornalismo, por mais que tenha sido gestado ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, supera a mera funcionalidade ao sistema, porém “não é reconhecido em sua relativa autonomia e indiscutível grandeza”.
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A tendência da imprensa alternativa de fazer uma espécie de sociologia dos acontecimentos, optando por sempre explicar as estruturas e relações de poder por trás dos fatos, impede que os próprios fatos falem por si. Além disso, os veículos alternativos assumem a posição de marginalizados e permitem que somente os meios vinculados a grandes empresas narrem o cotidiano. Dessa forma, deixam de disputar hegemonia no terreno do moderno jornalismo.
Refletir sobre as características desses meios e como eles se relacionam com a tradição dos veículos contra-hegemônicos, especialmente em um contexto de “crise das esquerdas”, foi o objetivo da dissertação “Brasil de Fato: A imprensa popular alternativa em tempos de crise”, de autoria do jornalista Daniel Cassol.
Em entrevista concedida por e-mail, Cassol comenta a sua pesquisa e analisa as possibilidades de se fazer um jornalismo alternativo que fuja desse padrão. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS) no início do mês de abril, e teve a orientação da pesquisadora Christa Berger, coordenadora do programa.
Daniel Cassol graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2003. Trabalhou com assessoria de imprensa de movimentos sociais e colabora com veículos alternativos, entre eles o Brasil de Fato. Durante o primeiro semestre de 2009, atuou como correspondente do jornal em Assunção, Paraguai.
O que motivou a sua pesquisa e como foi feita a análise?
Quem alguma vez conversou sobre comunicação alternativa certamente já se deparou com a discussão sobre a incapacidade de os veículos alternativos alcançarem parcelas mais amplas da população. Normalmente, as respostas estão em fatores externos, como a falta de recursos. Minha intenção foi refletir sobre que tipo de jornalismo os alternativos, no caso o Brasil de Fato, vêm fazendo atualmente, como se relacionam com a tradição dos veículos contra-hegemônicos e como se situam num contexto de dificuldade para as idéias de transformação.
Além disso, eu considerava importante fazer uma reflexão atualizada sobre imprensa alternativa, uma vez que os estudos neste campo normalmente se voltam aos jornais do período da ditadura militar ou seguem mais os processos de comunicação e ativismo relacionados às novas tecnologias. Assim, optei por fazer uma interpretação do jornal, procurando compreender seu funcionamento, suas questões e sua relação com o contexto social.
Em que contexto social se deu a criação do jornal Brasil de Fato? Quais foram os objetivos da sua criação?
O Brasil de Fato nasce em 2003, num contexto de esperanças, mas também de certo ceticismo. Esperanças principalmente em torno da eleição do presidente Lula, visto como uma possibilidade de retomada das mobilizações sociais, como de fato aconteceu no início. Prova disso foi o ato de lançamento do jornal durante o Fórum Social Mundial de 2003, que reuniu lideranças e personalidades, além de uma multidão que não coube no auditório Araújo Vianna em Porto Alegre. Porém, o jornal é criado exatamente para contribuir no processo de reorganização dos movimentos sociais, a partir da leitura de que a esquerda brasileira vive um período histórico de crise.
Você menciona uma crise das esquerdas. Como ela se configura?
O próprio jornal é criado em torno desta idéia: a esquerda brasileira vive uma crise de valores, práticas, organização, pensamento e estratégia política. Trata-se de um processo amplo, cuja origem é antiga, e que se caracteriza pelo ataque às organizações dos trabalhadores, o esvaziamento de sindicatos, a burocratização e o pragmatismo de partidos de esquerda, além de um abandono de antigas práticas. Por isso, o Brasil de Fato se apresenta como um instrumento para superação da crise, a partir da retomada da formação política, do trabalho de base e das lutas sociais.
O jornal debate a crise da esquerda e acaba desenhando uma espécie de mapa das lutas e dos atores sociais que considera mais urgentes e importantes, promovendo uma agenda mínima para os movimentos sociais. Porém, mais que fragilidade das forças sociais, o que vivemos é uma crise das alternativas. Boaventura de Souza Santos tem uma idéia interessante: a hegemonia não se dá mais pela imposição dos interesses da classe dominante como se fosse algo bom para toda a população, mas porque não existe alternativa. As coisas são do jeito que são porque não há alternativas, eis uma noção muito presente nos discursos dos administradores políticos, por exemplo. Um contexto em que o pensamento alternativo é tratado como inviável acaba impondo muitas dificuldades para a imprensa de resistência ao pensamento dominante.
Como o jornal sobrevive, há sete anos, nestes tempos de crise?
Minha pesquisa toca pouco nas questões administrativas e políticas do jornal, pois minha opção foi sempre compreender que tipo de jornalismo é feito pelo Brasil de Fato. Mas é possível dizer que a existência de uma unidade mínima em torno do jornal, liderada pela Consulta Popular (saiba mais) e pelo Movimento Sem Terra (MST), garante a permanência do Brasil de Fato ao longo dos anos.
Além disso, há que se destacar o trabalho profissional dos jornalistas da redação, que superam o amadorismo tradicional dos alternativos e mantêm a periodicidade e a qualidade necessárias. É claro que, nestes sete anos, o jornal enfrentou suas próprias crises internas, em razão da eterna falta de recursos, mas de fato é impressionante como o jornal se mantém vivo após sete anos, se constituindo numa das experiências mais longevas de jornal alternativo no Brasil.
Por que você classifica o jornal de “popular alternativo”?
Basicamente, porque esta denominação dá conta das especificidades de um jornal como o Brasil de Fato e afasta incompreensões. O termo “imprensa alternativa” tem problemas: é datado historicamente, porque se refere mais aos jornais de resistência à ditadura militar. Além disso, sob “alternativa” se inscrevem diferentes tipos de comunicação. Da mesma forma, somente “jornal popular” pode confundir com os jornais chamados “sensacionalistas”. A professora Cecília Peruzzo sustenta que a comunicação popular alternativa é aquela que está inserida no contexto dos movimentos sociais.
Além de atender essa característica, o Brasil de Fato traz em sua linha editorial a defesa das classes populares e de um projeto de país. Ao mesmo tempo, tem certa vocação para se tornar uma imprensa de interesse geral, uma vez que aborda temas diversos e tem a pretensão de disputar espaço com os jornais de referência. No entanto, não vejo problemas em se utilizar a expressão “jornal alternativo”, já consagrada. Para efeitos da pesquisa, foi uma forma de precisar a natureza do jornal.
O Brasil de Fato vive, segundo o seu estudo, a tensão entre sua vocação massiva e o recuo para uma postura de resistência. Diante disso, qual é o público do jornal?
Creio que esta é uma das dificuldades enfrentadas pela imprensa popular alternativa como um todo. Estes jornais convivem com o desejo de falar ao leitor comum, para convencê-lo; com a pretensão de desafiar os adversários políticos, para reafirmar as posições; e com a necessidade de conversar entre companheiros, a fim de afinar discursos. Disto decorre, a meu ver, uma indefinição no contrato de leitura estabelecido entre o jornal e seu público, na medida em que este é difuso. O Brasil de Fato, também por sofrer a crise, foi reduzindo sua intenção de se tornar massivo e diário para voltar-se a uma postura mais de resistência.
O jornal terminou por reproduzir o jornalismo alternativo clássico? Quais são as suas diferenças em relação ao dito jornalismo?
O que existe é uma tradição de se fazer jornalismo desde uma perspectiva contra-hegemônica, que vem desde o início do século XX, a partir de leituras mecânicas de alguns textos esporádicos escritos sobre jornalismo, por Lênin, Trotsky, Gramsci e pelo próprio Marx. O Brasil de Fato, como herdeiro legítimo, não poderia deixar de apresentar algumas marcas desta tradição. Em resumo, historicamente a esquerda promoveu certa instrumentalização do jornalismo em nome de sua visão política, ignorando até mesmo a potencialidade desta forma de conhecimento sobre a atualidade.
O jornal é tomado, muitas vezes, como um instrumento para a orientação política das massas e, desse modo, só publica aqueles temas considerados necessários à denúncia dos inimigos de classe e à politização dos trabalhadores. Algo que está presente no Brasil de Fato e em outros veículos alternativos atuais é uma tendência a fazer quase uma sociologia dos acontecimentos, optando por sempre explicar as estruturas e relações de poder por trás dos fatos, impedindo que os próprios fatos falem por si e tirando a autonomia dos leitores.
O jornal apresenta uma visão estática do povo, reduzindo-o ao conflito de classes?
Creio que este é um problema crônico da imprensa de esquerda, que tem a ver com esta tradição de que falei antes e aparece, em parte, no Brasil de Fato. Foi o pesquisador chileno Guillermo Sunkell que, ao analisar os jornais populares do Chile no período do presidente Salvador Allende, apontou que os discursos daqueles jornais interpelavam apenas espaços, atores e conflitos considerados politizados ou politizáveis pelos partidos de esquerda. Assim, o operário fabril era visto como o agente da transformação social, enquanto outras parcelas da população eram esquecidas pelos jornais populares.
Disso resultava essa visão estática da idéia de povo, ou seja, povo era o operário em um conflito econômico com seus patrões. Para Sunkell, estes jornais acabavam marginalizando outras parcelas da população e, também, deixando de lado a realidade subjetiva do povo e outros aspectos da realidade popular, como a religiosidade, a vida em família, o lazer. O resultado era a incapacidade de expansão destes jornais.
No caso do Brasil de Fato, por ser de uma época diferente, os espaços, atores e conflitos contemplados por seus discursos são outros. O operário fabril dá lugar, principalmente, a populações que luta em defesa dos seus territórios e de recursos naturais, em conflitos que poderíamos dizer mais estratégicos. Nota-se também que o jornal dá voz prioritariamente ao povo organizado em sindicatos, movimentos e associações. Povo, para o Brasil de Fato, é povo em luta. Os inimigos é que não são apenas os patrões ou latifundiários, mas principalmente as grandes transnacionais.
Quais os caminhos dos jornalistas para mudar isso?
Talvez um caminho seja fazer mais jornalismo. Apesar de todas as críticas que podemos fazer à atividade, o jornalismo tem fundamental importância na medida em que nos provê de informações sobre os diferentes aspectos da atualidade. É através do jornalismo que organizamos uma determinada visão de mundo, com informações desde as condições das ruas e das paradas de ônibus de nossa cidade até as grandes questões estratégicas de política internacional, por exemplo.
Mas a imprensa alternativa, historicamente, se dedica somente àquelas pautas que interessam à conjuntura imediata ou estratégica das organizações sociais. Assim, como dizia Adelmo Genro Filho, deixa de disputar hegemonia no terreno do moderno jornalismo, ou seja, assume esta posição de estar à margem e permite que somente os veículos vinculados a grandes empresas narrem o cotidiano.
Você conhece alguma outra experiência de jornalismo alternativo que fuja desse padrão?
O próprio Brasil de Fato representa um esforço do jornalismo popular alternativo se reinventar. Considero uma experiência exitosa, não só por sua longevidade, mas porque tenta encontrar uma nova linguagem necessária para estes tempos de crise, principalmente em sua página na internet. Logicamente, vive problemas das mais diferentes naturezas e passa por dificuldades para se expandir hegemonicamente.
Mas, dentro dessa idéia de um jornalismo capaz de abordar os diferentes aspectos da atualidade e da vida em sociedade, acho importante analisarmos experiências como o do jornal La Jornada, do México, a RadioCom, de Pelotas, a Rádio Viva, de Assunção, no Paraguai, e a Radioagência NP, parceria do Brasil de Fato de São Paulo. No seu conjunto, não são veículos de esquerda, mas tem um “lado”. E não se furtam de falar de assuntos do cotidiano, do buraco na rua, dos cuidados com a saúde, dos resultados do futebol, temas que historicamente foram ignorados por não serem politizáveis. São alguns exemplos de possibilidades que me ocorrem agora.
O que a esquerda poderia fazer para ter um jornalismo diferente?
Aqui volto ao Adelmo Genro Filho, que no livro “O Segredo da Pirâmide”, cujas idéias são incompreendidas na mesma medida em que não são lidas, propôs uma “teoria marxista do jornalismo”, que vem sendo atualizada por alguns autores. Em resumo, correndo o risco de reduzir a complexidade, Adelmo Genro Filho sustentava que o jornalismo é uma forma de conhecimento capaz de revelar o que a realidade tem de singular. E o singular tem sua potência na capacidade de revelar os aspectos particulares de determinado acontecimento e nos levar à compreensão do universal. Ou seja, o autor apostava na potencialidade do jornalismo e refutava sua instrumentalização.
Talvez este seja um dos caminhos a serem considerados por quem faz jornalismo alternativo. Há que se considerar a possibilidade de realização de um jornalismo informativo contra-hegemônico, que reconheça a presença da ideologia não como uma limitação da atividade, uma vez que a apreensão da realidade objetiva só se dá na relação dos sujeitos com a realidade – sendo esta, inclusive, riqueza deste processo –, mas que não se reduza à mera propaganda desses pressupostos políticos.
Gosto de uma idéia do Adelmo Genro Filho, que encerra essa aposta nas potencialidades do jornalismo: ele diz que o jornalismo, por mais que tenha sido gestado ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, supera a mera funcionalidade ao sistema, porém “não é reconhecido em sua relativa autonomia e indiscutível grandeza”.
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Contra a Bolívia, Serra vira Bush
Frustrada a jogada marqueteira do “Serrinha paz e amor”, o presidenciável demotucano resolveu assumir de vez a postura de candidato da direita. Mais realista do que o rei, ele vestiu a modelito do ex-presidente George Bush, que difundiu 932 mentiras – entre elas, a de que o Iraque possuía armas químicas e bacteriológicas – para justificar a invasão daquela nação rica em petróleo. Para agradar a direita brasileira e estadunidense, José Serra decidiu bombardear a sofrida Bolívia.
De forma leviana, o Bush nativo atacou: “Você acha que a Bolívia iria exportar 90% da cocaína consumida no Brasil sem que o governo de lá fosse cúmplice? Impossível. O governo boliviano é cúmplice”. O ex-governador paulista, cúmplice do consumo aberto de crack nas ruas centrais da capital, mentiu descaradamente. Ele sabe que o maior produtor mundial de cocaína é a Colômbia (50,8%), seguida do Peru (35,7%). Mas preferiu ser cúmplice do aliado colombiano, o direitista Álvaro Uribe, acusado de vínculos com a narco-terrorismo.
O exterminador da política externa
A mentira do demotucano não se deu por descuido ou para criar mais um incidente diplomático – um mês antes, ele já havia dito que o Mercosul “é uma farsa”. Essas bravatas têm objetivos bem calculados. Como afirma Marco Aurélio Garcia, assessor do governo Lula, “Serra está tentando ser o exterminador do futuro da política externa”. O seu intento é atrair o apoio dos setores mais retrógrados da sociedade brasileira, contrários ao Mercosul, aos governos progressistas da região e ao projeto de integração soberana da América Latina.
Serra também tenta ganhar a confiança – e o apoio, aberto e camuflado – do governo dos EUA. A secretária Hillary Clinton, que parece mandar mais do que o fraco Barack Obama, está muita irritada com a postura do Brasil na negociação do acordo de paz com o Irã. Ela também chiou diante da posição brasileira que condenou enfaticamente o golpe em Honduras, no ano passado. Os EUA discordam das relações fraternais do Brasil com os governos da Bolívia, Venezuela ou Cuba. José Serra quer se cacifar como o candidato do imperialismo na disputa de outubro.
Direita serviçal do império
Como já apontou o jornalista Bernardo Joffily, do sítio Vermelho, José Serra utilizou esta mesma estratégia eleitoral no pleito de 2002. “O presidenciável do PSDB-DEM tem uma antiga fixação contra os vizinhos do Brasil. Quando ele tentou pela primeira vez a Presidencia, em 2002, usou como bordão a ‘ameaça’ de que ‘o Brasil pode virar uma Argentina ou uma Venezuela’. Até o jingle da sua campanha dizia que ‘não vou ser outra Argentina’”. Só que ele se deu mal!
A direita brasileira, cujo PSDB é sua expressão partidária, não tolera a atual política externa. Ela sempre pregou o “alinhamento automático com os EUA”, promovido de maneira servil – tirando os sapatinhos – pelo governo FHC. Ela nunca escondeu o seu ódio aos governos progressistas de Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa ou Raul Castro, taxando-os de “ditaduras”, mas foi cúmplice do golpe em Honduras e criticou o abrigo brasileiro ao presidente deposto Manuel Zelaya. Os demo-tucanos também tentaram sabotar o ingresso da Venezuela no Mercosul.
Orquestração com a mídia colonizada
A ofensiva do Bush brasileira também é articulada com a mídia nativa, que mais se parece com uma sucursal rastaqüera do império. Não por mera coincidência, na mesma semana em que José Serra atacou a Bolívia, a revista Veja publicou nova “reporcagem” contra Evo Morales. Semanas antes, ela já havia destilado veneno racista contra os bolivianos. Agora, confirmou as mentiras do demotucano sobre o tráfico de cocaína. No mesmo rumo, a Folha de S.Paulo estampou no título “PF avaliza visão de Serra sobre a Bolívia”, requentando documentos antigos da polícia federal.
Como afirma o jornalista Luis Nassif, as obviedades da campanha tucana são de cansar. “Serra dá o tiro na Bolívia. Aí a Veja aparece com a matéria prontinha, mostrando o perigo boliviano. Daqui a pouco vão ressuscitar os 200 mil guerrilheiros das Farc que invadirão o Brasil pelo mar... Onde esse pessoal está com a cabeça? Criaram um mundo circular em que meia dúzia de neocons fala para eles próprios sem se dar conta do entorno. É um autismo assustador”.
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Mercosul deve romper acordo com Israel
Em reunião realizada nesta segunda-feira, em Buenos Aires, a mesa diretora do Parlamento do Mercosul aprovou nota de repúdio a Israel pelo ataque contra a frota de ajuda humanitária que se dirigia à Faixa de Gaza. O texto-base do documento foi proposto pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR), ex-presidente do Parlasul. Composta por parlamentares da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil, a instância parlamentar também condenou o “cruel bloqueio” à Faixa de Gaza.
Íntegra da nota do Parlasul:
A Mesa Diretora do Parlamento do Mercosul vem a público manifestar a sua indignação contra a violência absurda e desnecessária praticada pelo Estado de Israel contra a chamada Frota da Liberdade, que pretendia levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Esse ato irracional de violência contra uma iniciativa humanitária e política absolutamente pacífica revela desprezo pela comunidade internacional e pelos princípios mais elementares do Direito Internacional Público. Deve-se salientar que o ataque desproporcional ocorreu ainda em águas internacionais.
Não basta lamentar as mortes e feridos, é necessária uma investigação internacional consistente que averigúe o incidente e leve à efetiva punição dos culpados pelo crime. A Mesa Diretora condena também o cruel bloqueio à Gaza, que pune indiscriminadamente crianças, mulheres e civis inocentes. Trata-se de uma violência que não condiz com os princípios e os motivos que levaram à criação do Estado de Israel.
O Parlamento do Mercosul expressa suas sentidas condolências aos familiares dos mortos e feridos da Frota da Paz e sua solidariedade à nação da Turquia, profundamente atingida pelo crime perpetrado. Por último, a Mesa Diretora do Parlamento Mercosul manifesta seu apoio às iniciativas de paz e diálogo no Oriente Médio, única forma viável e civilizada de por fim às tensões que prejudicam toda a ordem mundial.
Resposta do Parlasul é insuficiente
A rápida e incisiva resposta do Parlasul, porém, é insuficiente. Desde 4 de abril, está em vigência um acordo comercial entre o Mercosul e Israel. Ele foi aprovado após intensos debates, iniciados em 2005. Com ele, Israel tornou-se oficialmente o primeiro país fora do território sul-americano a integrar o bloco regional. Agora, diante de mais essa ação deplorável do estado sionista, seria justo rediscutir os termos deste tratado espúrio, que estimula a indústria da guerra, atenta contra a soberania dos povos palestinos e fere as leis internacionais e os direitos humanos.
Quando das negociações do acordo Mercosul/Israel, a organização não-governamental Stop the Wall (parem os muros) divulgou acalentado estudo sobre os crimes cometidos pelos estado sionistas de Israel e os equívocos deste tratado. Reproduzo trechos do seu documento:
A ocupação sionista dos territórios palestinos, a construção de assentamentos ilegais e do muro do apartheid, o deslocamento forçado de palestinos, o cerco e o ataque militar a Gaza, bem como a ofensiva a países vizinhos por parte do Estado de Israel, incorrendo rotineiramente em crimes de guerra, constituem drásticas violações dos princípios democráticos, dos direitos humanos e das leis internacionais. Essas violações foram assinaladas pelas agências das Nações Unidas, da Corte Internacional de Justiça e das organizações de direitos humanos.
Empresas envolvidas em crimes de guerra
Companhias como Mofet B’Yehuda obtêm seus lucros de instalações em assentamentos ilegais. A Elbit Systems e a Israel Aerospace desenvolvem e vendem armas, equipamentos e tecnologias usados para expandir a ocupação, cometer os crimes de guerra e violar os direitos humanos dos palestinos... O Tratado de Livre Comércio Mercosul/Israel prevê explicitamente a inclusão de produtos dos assentamentos. Não há nenhuma cláusula para impedir que companhias israelenses envolvidas em crimes de guerra e na violação da lei internacional se beneficiem do TLC.
A economia israelense baseia-se fortemente nos setores militar, de “segurança” e de “defesa”. Empresas que negociam com essas indústrias beneficiam-se da continuidade da ocupação e do apartheid. Elas podem testar armas, equipamentos e métodos que visam a supressão e controle de liberdades individuais e coletivas. Os seus métodos são aperfeiçoados e testados nos palestinos. Cerca de 600 empresas israelenses estão envolvidas com o setor de “segurança”, produzindo um montante anual de US$ 4 bilhões, 1/4 desses com exportações.
Acordo é contrário às normas internacionais
Em seu parecer de 2004, a Corte Internacional de Justiça determinou que Israel deveria demolir o muro ilegal e prover a reparação pelos danos causados às vítimas palestinas. Essa decisão foi adotada pela ONU na resolução ES-10/15 (de 20 de julho de 2004), e implica claras obrigações por parte de todos os estados signatários da Quarta Convenção de Genebra, segundo a qual todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer a situação ilegal resultante da construção do muro e não prestar ajuda ou assistência à manutenção da situação criada por essa construção.
O muro é um modo primário de roubo e anexação de terra. Junto com os assentamentos, zonas militares, fossos e estradas secundárias, ele anexará de fato cerca de 50% das terras e recursos hidráulicos vitais da Cisjordânia, dividindo o território em seis guetos. Jerusalém será completamente fechada. O muro destrói milhares de árvores e pomares e serve de pretexto para extensivas demolições de casas. Funciona como ferramenta para induzir o deslocamento forçado de palestinos. Atualmente, cerca de 257 mil pessoas que vivem em 60 localidades da Cisjordânia estão ameaçadas de deslocamento caso o muro não seja imediatamente demolido.
Israel ignorou o parecer da Corte Internacional de Justiça de 2004 e as resoluções das Nações Unidas relacionadas ao muro: sua construção está em andamento, com cerca de 500 dos 790 quilômetros totais de comprimento já edificados. As graves e flagrantes violações seguem com ímpeto, portanto, e assim outras dezenas de vilarejos e centenas de milhares de pessoas terão suas terras subtraídas e seus meios de subsistência destruídos... Conceder a Israel um Tratado de Livre Comércio sob as condições atuais equivale a ratificar a recusa de Israel à autodeterminação do povo palestino e as repetidas guerras de agressão contra os povos da região.
Acordo fere princípios do Mercosul
O Protocolo de Assunção sobre compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos do Mercosul (junho de 2005) declara que democracia, desenvolvimento e respeitos aos direitos humanos e liberdades fundamentais são interdependentes. No artigo 4º da declaração sobre os direitos humanos dos presidentes do Mercosul e estados associados (dezembro de 2005), os estados-membros “reafirmam o compromisso com o respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, com base nos princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais; e se comprometem a aplicar as políticas públicas para assegurar seu exercício efetivo.
Ao firmar o TLC com Israel, o Mercosul infringe seus preceitos de promoção e respeito aos direitos humanos e seu entendimento da interdependência entre a tomada de decisões políticas e econômicas. Israel não respeita os direitos humanos e liberdades fundamentais. O TLC entre o Mercosul e Israel tornará o sistema israelense de violações dos direitos humanos mais lucrativo e sustentável... O Tratado de Livre Comércio, como se apresenta, inclui explicitamente produtos provenientes dos assentamentos ilegais e não possui cláusula alguma que assegure que empresas envolvidas nos crimes de guerra israelenses não se beneficiem do acordo.
O Tratado de Livre Comércio Israel-Mercosul serve para minar os direitos humanos, na medida em que dá suporte a um violador serial de direitos humanos. O tratado, bem como a continuidade das relações econômicas com Israel, efetivamente sanciona e promove as violações de direitos humanos perpetradas por Israel, ao torná-las aceitáveis e lucrativas. O Brasil e o Mercosul devem pressionar Israel a respeitar os direitos humanos, recusando-se a ratificar o TLC.
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Íntegra da nota do Parlasul:
A Mesa Diretora do Parlamento do Mercosul vem a público manifestar a sua indignação contra a violência absurda e desnecessária praticada pelo Estado de Israel contra a chamada Frota da Liberdade, que pretendia levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Esse ato irracional de violência contra uma iniciativa humanitária e política absolutamente pacífica revela desprezo pela comunidade internacional e pelos princípios mais elementares do Direito Internacional Público. Deve-se salientar que o ataque desproporcional ocorreu ainda em águas internacionais.
Não basta lamentar as mortes e feridos, é necessária uma investigação internacional consistente que averigúe o incidente e leve à efetiva punição dos culpados pelo crime. A Mesa Diretora condena também o cruel bloqueio à Gaza, que pune indiscriminadamente crianças, mulheres e civis inocentes. Trata-se de uma violência que não condiz com os princípios e os motivos que levaram à criação do Estado de Israel.
O Parlamento do Mercosul expressa suas sentidas condolências aos familiares dos mortos e feridos da Frota da Paz e sua solidariedade à nação da Turquia, profundamente atingida pelo crime perpetrado. Por último, a Mesa Diretora do Parlamento Mercosul manifesta seu apoio às iniciativas de paz e diálogo no Oriente Médio, única forma viável e civilizada de por fim às tensões que prejudicam toda a ordem mundial.
Resposta do Parlasul é insuficiente
A rápida e incisiva resposta do Parlasul, porém, é insuficiente. Desde 4 de abril, está em vigência um acordo comercial entre o Mercosul e Israel. Ele foi aprovado após intensos debates, iniciados em 2005. Com ele, Israel tornou-se oficialmente o primeiro país fora do território sul-americano a integrar o bloco regional. Agora, diante de mais essa ação deplorável do estado sionista, seria justo rediscutir os termos deste tratado espúrio, que estimula a indústria da guerra, atenta contra a soberania dos povos palestinos e fere as leis internacionais e os direitos humanos.
Quando das negociações do acordo Mercosul/Israel, a organização não-governamental Stop the Wall (parem os muros) divulgou acalentado estudo sobre os crimes cometidos pelos estado sionistas de Israel e os equívocos deste tratado. Reproduzo trechos do seu documento:
A ocupação sionista dos territórios palestinos, a construção de assentamentos ilegais e do muro do apartheid, o deslocamento forçado de palestinos, o cerco e o ataque militar a Gaza, bem como a ofensiva a países vizinhos por parte do Estado de Israel, incorrendo rotineiramente em crimes de guerra, constituem drásticas violações dos princípios democráticos, dos direitos humanos e das leis internacionais. Essas violações foram assinaladas pelas agências das Nações Unidas, da Corte Internacional de Justiça e das organizações de direitos humanos.
Empresas envolvidas em crimes de guerra
Companhias como Mofet B’Yehuda obtêm seus lucros de instalações em assentamentos ilegais. A Elbit Systems e a Israel Aerospace desenvolvem e vendem armas, equipamentos e tecnologias usados para expandir a ocupação, cometer os crimes de guerra e violar os direitos humanos dos palestinos... O Tratado de Livre Comércio Mercosul/Israel prevê explicitamente a inclusão de produtos dos assentamentos. Não há nenhuma cláusula para impedir que companhias israelenses envolvidas em crimes de guerra e na violação da lei internacional se beneficiem do TLC.
A economia israelense baseia-se fortemente nos setores militar, de “segurança” e de “defesa”. Empresas que negociam com essas indústrias beneficiam-se da continuidade da ocupação e do apartheid. Elas podem testar armas, equipamentos e métodos que visam a supressão e controle de liberdades individuais e coletivas. Os seus métodos são aperfeiçoados e testados nos palestinos. Cerca de 600 empresas israelenses estão envolvidas com o setor de “segurança”, produzindo um montante anual de US$ 4 bilhões, 1/4 desses com exportações.
Acordo é contrário às normas internacionais
Em seu parecer de 2004, a Corte Internacional de Justiça determinou que Israel deveria demolir o muro ilegal e prover a reparação pelos danos causados às vítimas palestinas. Essa decisão foi adotada pela ONU na resolução ES-10/15 (de 20 de julho de 2004), e implica claras obrigações por parte de todos os estados signatários da Quarta Convenção de Genebra, segundo a qual todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer a situação ilegal resultante da construção do muro e não prestar ajuda ou assistência à manutenção da situação criada por essa construção.
O muro é um modo primário de roubo e anexação de terra. Junto com os assentamentos, zonas militares, fossos e estradas secundárias, ele anexará de fato cerca de 50% das terras e recursos hidráulicos vitais da Cisjordânia, dividindo o território em seis guetos. Jerusalém será completamente fechada. O muro destrói milhares de árvores e pomares e serve de pretexto para extensivas demolições de casas. Funciona como ferramenta para induzir o deslocamento forçado de palestinos. Atualmente, cerca de 257 mil pessoas que vivem em 60 localidades da Cisjordânia estão ameaçadas de deslocamento caso o muro não seja imediatamente demolido.
Israel ignorou o parecer da Corte Internacional de Justiça de 2004 e as resoluções das Nações Unidas relacionadas ao muro: sua construção está em andamento, com cerca de 500 dos 790 quilômetros totais de comprimento já edificados. As graves e flagrantes violações seguem com ímpeto, portanto, e assim outras dezenas de vilarejos e centenas de milhares de pessoas terão suas terras subtraídas e seus meios de subsistência destruídos... Conceder a Israel um Tratado de Livre Comércio sob as condições atuais equivale a ratificar a recusa de Israel à autodeterminação do povo palestino e as repetidas guerras de agressão contra os povos da região.
Acordo fere princípios do Mercosul
O Protocolo de Assunção sobre compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos do Mercosul (junho de 2005) declara que democracia, desenvolvimento e respeitos aos direitos humanos e liberdades fundamentais são interdependentes. No artigo 4º da declaração sobre os direitos humanos dos presidentes do Mercosul e estados associados (dezembro de 2005), os estados-membros “reafirmam o compromisso com o respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, com base nos princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais; e se comprometem a aplicar as políticas públicas para assegurar seu exercício efetivo.
Ao firmar o TLC com Israel, o Mercosul infringe seus preceitos de promoção e respeito aos direitos humanos e seu entendimento da interdependência entre a tomada de decisões políticas e econômicas. Israel não respeita os direitos humanos e liberdades fundamentais. O TLC entre o Mercosul e Israel tornará o sistema israelense de violações dos direitos humanos mais lucrativo e sustentável... O Tratado de Livre Comércio, como se apresenta, inclui explicitamente produtos provenientes dos assentamentos ilegais e não possui cláusula alguma que assegure que empresas envolvidas nos crimes de guerra israelenses não se beneficiem do acordo.
O Tratado de Livre Comércio Israel-Mercosul serve para minar os direitos humanos, na medida em que dá suporte a um violador serial de direitos humanos. O tratado, bem como a continuidade das relações econômicas com Israel, efetivamente sanciona e promove as violações de direitos humanos perpetradas por Israel, ao torná-las aceitáveis e lucrativas. O Brasil e o Mercosul devem pressionar Israel a respeitar os direitos humanos, recusando-se a ratificar o TLC.
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Noblat e Hippolito: “Os fukuyamas tucanos”
Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:
“O governo Lula, que tomou posse em 2003, acabou antes da hora”.
“O governo Lula acabou.”
As duas afirmações foram feitas no delírio que tomou conta de grande parte da imprensa tucana em 2005, o que levou a muitos espasmos de ejaculação precoce. A primeira, de um livro de uma empregada da empresa familiar dos Marinhos, a nunca suficientemente sóbria Lucia Hippolito.
Publicada no auge do que acreditavam seria a crise terminal do governo Lula, no livro “Por dentro do governo Lula”, sugerindo que a perspicaz personagem tinha captado as entranhas do governo, pela sua suposta formação de historiadora. O subtítulo reitera esse olhar privilegiado – “Anotações num Diário de Bordo”, o que pode explicar a pouca sobriedade, provocada pelo vai e vem da viagem.
A segunda afirmação foi feita por um amiguinho, dando uma força para a coleguinha, tomando euforicamente como um fato o fim do governo. O texto é de Ricardo Noblat, na quarta capa do desafortunado livro da pouco sensata funcionaria da mesma empresa que ele.
Ao que se saiba, passados cinco anos, nenhum dos dois fez autocrítica, reconsiderou as suas apreciações, considerou que tinham tido um acesso de onipotência e que tinham se equivocado redondamente. Nada disso. Seguem adiante com suas argutas “análises” cobrando seus salários da mesma empresa, como se não tivesse errado redondamente.
Ninguém acredita no que dizem eles e seus colegas na mídia direitista. Todos eles acreditavam que o governo Lula era um gigante de pés de barro, sem apoio popular, totalmente entregue às ameaças da oposição, inevitavelmente condenado ao impeachment ou a sangrar continuamente até eleições em que ou Lula sequer seria candidato ou seu candidato seria facilmente derrotado pela oposição – por Alckmin ou por Serra. Acreditavam que Lula seria um outro Jânio ou um outro Collor – heróis efêmeros dessa mesma mídia.
Não decifraram o enigma Lula e foram devorados por ele. Lula deu a volta por cima e ascendeu dos 28% de apoio a que chegou a estar reduzido no auge da crise de 2005 aos mais de 80% atuais. Quando a oposição mandou mensageiros com a proposta de capitulação ao Lula – retira-se a proposta do impeachment e Lula renunciaria a candidatar-se a um segundo mandato, proposta que não foi levada pela Dilma, que esteve sempre alinhada com Lula, ao contrário do que disse a venenosa reportagem do Valor -, ouviu um palavrão daqueles do Lula, que disse que viraria o país de cabeça para baixo.
E virou. Não apenas no apelo ao apoio popular, mas sobretudo pelas políticas sociais, que haviam começado a deslanchar com as mudanças no governo, especialmente com o papel de coordenação que passou a ter a Dilma no governo.
Supostos analistas políticos que cometem erros desse calibre, não se emendam, não renunciaram a seus cargos, continuam na mesma toada, revelam como não conhecem o país e tampouco a política, o poder, o governo e o povo brasileiro.
Acreditavam, como Fukuyamas tucanos, que o governo Lula tinha acabado, que seus amigos tucanos voltariam ao poder e o país voltaria a ser deles. Seus patrões já preparavam os apressados cadernos com a necrologia do governo Lula. Como havia dito um ex-ministro da ditadura: “Uma hora o PT teria que ganhar, fracassaria e os deixaria governar o país sem oposição popular”.
Se equivocaram e, pelo que tudo indica, continuam a equivocar-se. Lula não manteria sua popularidade com a crise internacional. Manteve e consolidou o apoio ao governo. Lula não transferiria sua popularidade para a Dilma. Transfere. Dilma, como nunca se havia candidatado, não seria uma boa candidata. Ela se revela excelente candidata. Serra mostraria ser experiente, tranqüilo, seguro. Ele se revela destemperado, inseguro, intranqüilo.
A história não acabou, o governo Lula não “acabou antes da hora”, tem tudo para eleger sua sucessora. Os corvos ladram, a caravana passa.
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“O governo Lula, que tomou posse em 2003, acabou antes da hora”.
“O governo Lula acabou.”
As duas afirmações foram feitas no delírio que tomou conta de grande parte da imprensa tucana em 2005, o que levou a muitos espasmos de ejaculação precoce. A primeira, de um livro de uma empregada da empresa familiar dos Marinhos, a nunca suficientemente sóbria Lucia Hippolito.
Publicada no auge do que acreditavam seria a crise terminal do governo Lula, no livro “Por dentro do governo Lula”, sugerindo que a perspicaz personagem tinha captado as entranhas do governo, pela sua suposta formação de historiadora. O subtítulo reitera esse olhar privilegiado – “Anotações num Diário de Bordo”, o que pode explicar a pouca sobriedade, provocada pelo vai e vem da viagem.
A segunda afirmação foi feita por um amiguinho, dando uma força para a coleguinha, tomando euforicamente como um fato o fim do governo. O texto é de Ricardo Noblat, na quarta capa do desafortunado livro da pouco sensata funcionaria da mesma empresa que ele.
Ao que se saiba, passados cinco anos, nenhum dos dois fez autocrítica, reconsiderou as suas apreciações, considerou que tinham tido um acesso de onipotência e que tinham se equivocado redondamente. Nada disso. Seguem adiante com suas argutas “análises” cobrando seus salários da mesma empresa, como se não tivesse errado redondamente.
Ninguém acredita no que dizem eles e seus colegas na mídia direitista. Todos eles acreditavam que o governo Lula era um gigante de pés de barro, sem apoio popular, totalmente entregue às ameaças da oposição, inevitavelmente condenado ao impeachment ou a sangrar continuamente até eleições em que ou Lula sequer seria candidato ou seu candidato seria facilmente derrotado pela oposição – por Alckmin ou por Serra. Acreditavam que Lula seria um outro Jânio ou um outro Collor – heróis efêmeros dessa mesma mídia.
Não decifraram o enigma Lula e foram devorados por ele. Lula deu a volta por cima e ascendeu dos 28% de apoio a que chegou a estar reduzido no auge da crise de 2005 aos mais de 80% atuais. Quando a oposição mandou mensageiros com a proposta de capitulação ao Lula – retira-se a proposta do impeachment e Lula renunciaria a candidatar-se a um segundo mandato, proposta que não foi levada pela Dilma, que esteve sempre alinhada com Lula, ao contrário do que disse a venenosa reportagem do Valor -, ouviu um palavrão daqueles do Lula, que disse que viraria o país de cabeça para baixo.
E virou. Não apenas no apelo ao apoio popular, mas sobretudo pelas políticas sociais, que haviam começado a deslanchar com as mudanças no governo, especialmente com o papel de coordenação que passou a ter a Dilma no governo.
Supostos analistas políticos que cometem erros desse calibre, não se emendam, não renunciaram a seus cargos, continuam na mesma toada, revelam como não conhecem o país e tampouco a política, o poder, o governo e o povo brasileiro.
Acreditavam, como Fukuyamas tucanos, que o governo Lula tinha acabado, que seus amigos tucanos voltariam ao poder e o país voltaria a ser deles. Seus patrões já preparavam os apressados cadernos com a necrologia do governo Lula. Como havia dito um ex-ministro da ditadura: “Uma hora o PT teria que ganhar, fracassaria e os deixaria governar o país sem oposição popular”.
Se equivocaram e, pelo que tudo indica, continuam a equivocar-se. Lula não manteria sua popularidade com a crise internacional. Manteve e consolidou o apoio ao governo. Lula não transferiria sua popularidade para a Dilma. Transfere. Dilma, como nunca se havia candidatado, não seria uma boa candidata. Ela se revela excelente candidata. Serra mostraria ser experiente, tranqüilo, seguro. Ele se revela destemperado, inseguro, intranqüilo.
A história não acabou, o governo Lula não “acabou antes da hora”, tem tudo para eleger sua sucessora. Os corvos ladram, a caravana passa.
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