domingo, 25 de julho de 2010
José Serra, atrasado no tempo
Reproduzo artigo de Wladimir Pomar, publicado no Correio da Cidadania:
O slogan principal de campanha do candidato Serra é "O Brasil pode mais". Ele aponta, portanto, para a possibilidade de dar continuidade ao governo Lula. Ultimamente, porém, ele elevou o tom de suas críticas ao governo que supostamente diz querer dar continuidade. Por outro lado, como fez em 2002, ele procura se distanciar do governo FHC, ao mesmo tempo em que reafirma que o sucesso do governo Lula se deveu às reformas implantadas durante os oito anos de governo tucano-pefelista.
A que se devem essas contradições do candidato? Para explicá-las, talvez seja necessário voltar um pouco mais no tempo. É preciso relembrar que os anos 1980 foram a década perdida na economia de muitos países. Foi uma década particularmente danosa para a América Latina e o Brasil, onde a economia ficou estagnada, a recessão e o desemprego aumentaram e a miséria alastrou-se.
No final dessa década, a China e os países asiáticos demonstravam que era possível aproveitar a globalização para desenvolver-se econômica e socialmente. Porém, no Brasil e países da América Latina foram adotadas as recomendações do FMI, Banco Mundial e outros organismos financeiros, controlados pelos Estados Unidos e potências européias, segundo as quais era necessário implantar reformas neoliberais para que as economias voltassem a crescer.
Essas reformas incluíam disciplina fiscal e sistema tributário rígidos, taxas de juros elevadas, taxas de câmbio flutuantes, total abertura comercial, abertura completa ao investimento direto estrangeiro, privatização das empresas estatais, desregulamentação econômica e trabalhista e inviolabilidade do direito de propriedade. O Estado deveria ser retirado das atividades produtivas e o mercado deveria ter liberdade total para demonstrar suas potencialidades.
O PSDB, que surgira de um racha do PMDB, aparentemente pela esquerda, sucumbiu a esses argumentos já durante a implantação das reformas neoliberais do governo Collor. E foi o sustentáculo principal de sua continuidade durante o governo Itamar e, em aliança com o antigo PFL, hoje DEM, aplicou-as tenazmente durante os oito anos do governo FHC, iniciados em 1994.
Desse modo, o PSDB tornou-se o partido orgânico do neoliberalismo no Brasil e responsável pela inserção subordinada do país no mercado internacional. Essa função, inicialmente apenas ideológica e política, tornou-se muito rapidamente também uma função social e econômica, através do entrelaçamento profundo entre os principais quadros do tucanato e os interesses dos diferentes grupos financeiros em ação no Brasil e no exterior. Onde estava Serra que não se opôs a isso?
O governo FHC abriu, sem qualquer controle, o mercado nacional à ação predatória das corporações transnacionais. Os investimentos externos voltaram-se exclusivamente para a especulação nas bolsas e para a aquisição de plantas industriais já existentes, muitas das quais foram simplesmente fechadas. A quebra do parque industrial brasileiro, em virtude dessa "abertura", poderia ser considerada crime contra a soberania nacional, se fosse devidamente investigada. Por que Serra não se insurgiu contra isso e mostrou seu pretenso viés nacionalista e desenvolvimentista?
As privatizações do governo tucano-pefelista só não zeraram a participação do Estado na economia porque houve resistência e não houve tempo suficiente para privatizar todas as empresas estatais, ainda sobrando a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Se o tucano-pefelismo houvesse permanecido mais alguns anos no governo, o Estado brasileiro não teria hoje qualquer instrumento econômico para estimular o crescimento e enfrentar as crises sistêmicas do capitalismo. Que se saiba, Serra jamais disse nada contra isso.
O ajuste fiscal tucano-pefelista foi realizado às custas das grandes massas do povo e do crescimento econômico nacional. Sob o argumento neoliberal de que crescimento causa inflação, a estagnação econômica dos anos 1980 prolongou-se durante os anos 1990, com profundas repercussões no alastramento da miséria e nas condições de vida da maior parte da população. Desemprego e precarização do trabalho foram realidades perniciosas causadas pelas políticas econômicas e sociais da era FHC. Jamais se viu Serra insurgindo-se contra elas.
Embora o tucanato tenha assumido o governo pretensamente para impor um caminho que retomasse o crescimento e distribuísse renda, na prática fez o contrário. Procurou reorganizar o capitalismo brasileiro através da desorganização do tripé que havia permitido seu crescimento histórico. Buscou liquidar seu esteio estatal, enfraquecer seu esteio privado nacional e estimular o total predomínio do esteio privado estrangeiro, em especial de seu setor financeiro. Por que Serra nada disse a respeito?
Paralelamente a isso, o tucano-pefelismo introduziu alterações constitucionais que impediam o Estado de ser o principal indutor da economia e o transformavam num simples regulador. Supostamente, ao mercado caberia o papel de inserir o Brasil, de forma competitiva, no mercado internacional. Na verdade, à medida que as corporações transnacionais assumiram o controle dos setores estratégicos da economia brasileira, como energia, telecomunicações, mineração e finanças, elas dominaram o mercado nacional. Nessas condições, o país se tornou subordinado e refém delas, num mercado mundial em que elas também predominavam. Por que o tucano Serra se calou diante disso?
As reações a esse processo passaram a ser qualificadas como coisas de "bobos" e "reacionários". Ao mesmo tempo, os tucano-pefelistas envidaram esforços para criminalizar os movimentos sociais e as forças políticas que se opunham ao desmonte econômico do parque produtivo nacional e ao desmonte do Estado. Também aqui não se tem notícia de qualquer manifestação democrática do demo-democrata Serra.
Apesar de tudo, os resultados reais do desastre a que o país estava sendo levado começaram a ficar evidentes durante a crise econômica e financeira de 1997 a 1999. Em 1998, para reeleger-se e continuar seu caminho por mais quatro anos, o tucanato teve que contar com a ajuda do empréstimo ponte do FMI, que evitou uma moratória desmoralizante em plena campanha eleitoral. Serra não piou nem chiou.
No início dos anos 2000 já se tornara evidente para a maior parte da população brasileira que o governo tucano-pefelista fora um engodo mais danoso do que o de Collor. Deu-se conta de que o Brasil perdera as possibilidades de crescimento dos anos 1990. As reformas de FHC criaram um país economicamente devastado, com sua infra-estrutura sucateada e seu comércio internacional deficitário. Por que Serra, ao invés de dissociar-se do desastre e expor suas pretensas opiniões desenvolvimentistas, manteve-se fiel ao figurino neoliberal?
Apesar de todo esse histórico, Serra procura impingir a idéia de que o sucesso do governo Lula na política econômica se deve às ações do governo FHC. E virou crítico das lacunas da infra-estrutura, dos juros altos, dos atrasos na saúde, dos problemas na segurança pública e do atual processo de crescimento. Está pelo menos 12 anos atrasado. Deveria ter feito isso, na pior das hipóteses, a partir de 1998.
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O slogan principal de campanha do candidato Serra é "O Brasil pode mais". Ele aponta, portanto, para a possibilidade de dar continuidade ao governo Lula. Ultimamente, porém, ele elevou o tom de suas críticas ao governo que supostamente diz querer dar continuidade. Por outro lado, como fez em 2002, ele procura se distanciar do governo FHC, ao mesmo tempo em que reafirma que o sucesso do governo Lula se deveu às reformas implantadas durante os oito anos de governo tucano-pefelista.
A que se devem essas contradições do candidato? Para explicá-las, talvez seja necessário voltar um pouco mais no tempo. É preciso relembrar que os anos 1980 foram a década perdida na economia de muitos países. Foi uma década particularmente danosa para a América Latina e o Brasil, onde a economia ficou estagnada, a recessão e o desemprego aumentaram e a miséria alastrou-se.
No final dessa década, a China e os países asiáticos demonstravam que era possível aproveitar a globalização para desenvolver-se econômica e socialmente. Porém, no Brasil e países da América Latina foram adotadas as recomendações do FMI, Banco Mundial e outros organismos financeiros, controlados pelos Estados Unidos e potências européias, segundo as quais era necessário implantar reformas neoliberais para que as economias voltassem a crescer.
Essas reformas incluíam disciplina fiscal e sistema tributário rígidos, taxas de juros elevadas, taxas de câmbio flutuantes, total abertura comercial, abertura completa ao investimento direto estrangeiro, privatização das empresas estatais, desregulamentação econômica e trabalhista e inviolabilidade do direito de propriedade. O Estado deveria ser retirado das atividades produtivas e o mercado deveria ter liberdade total para demonstrar suas potencialidades.
O PSDB, que surgira de um racha do PMDB, aparentemente pela esquerda, sucumbiu a esses argumentos já durante a implantação das reformas neoliberais do governo Collor. E foi o sustentáculo principal de sua continuidade durante o governo Itamar e, em aliança com o antigo PFL, hoje DEM, aplicou-as tenazmente durante os oito anos do governo FHC, iniciados em 1994.
Desse modo, o PSDB tornou-se o partido orgânico do neoliberalismo no Brasil e responsável pela inserção subordinada do país no mercado internacional. Essa função, inicialmente apenas ideológica e política, tornou-se muito rapidamente também uma função social e econômica, através do entrelaçamento profundo entre os principais quadros do tucanato e os interesses dos diferentes grupos financeiros em ação no Brasil e no exterior. Onde estava Serra que não se opôs a isso?
O governo FHC abriu, sem qualquer controle, o mercado nacional à ação predatória das corporações transnacionais. Os investimentos externos voltaram-se exclusivamente para a especulação nas bolsas e para a aquisição de plantas industriais já existentes, muitas das quais foram simplesmente fechadas. A quebra do parque industrial brasileiro, em virtude dessa "abertura", poderia ser considerada crime contra a soberania nacional, se fosse devidamente investigada. Por que Serra não se insurgiu contra isso e mostrou seu pretenso viés nacionalista e desenvolvimentista?
As privatizações do governo tucano-pefelista só não zeraram a participação do Estado na economia porque houve resistência e não houve tempo suficiente para privatizar todas as empresas estatais, ainda sobrando a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Se o tucano-pefelismo houvesse permanecido mais alguns anos no governo, o Estado brasileiro não teria hoje qualquer instrumento econômico para estimular o crescimento e enfrentar as crises sistêmicas do capitalismo. Que se saiba, Serra jamais disse nada contra isso.
O ajuste fiscal tucano-pefelista foi realizado às custas das grandes massas do povo e do crescimento econômico nacional. Sob o argumento neoliberal de que crescimento causa inflação, a estagnação econômica dos anos 1980 prolongou-se durante os anos 1990, com profundas repercussões no alastramento da miséria e nas condições de vida da maior parte da população. Desemprego e precarização do trabalho foram realidades perniciosas causadas pelas políticas econômicas e sociais da era FHC. Jamais se viu Serra insurgindo-se contra elas.
Embora o tucanato tenha assumido o governo pretensamente para impor um caminho que retomasse o crescimento e distribuísse renda, na prática fez o contrário. Procurou reorganizar o capitalismo brasileiro através da desorganização do tripé que havia permitido seu crescimento histórico. Buscou liquidar seu esteio estatal, enfraquecer seu esteio privado nacional e estimular o total predomínio do esteio privado estrangeiro, em especial de seu setor financeiro. Por que Serra nada disse a respeito?
Paralelamente a isso, o tucano-pefelismo introduziu alterações constitucionais que impediam o Estado de ser o principal indutor da economia e o transformavam num simples regulador. Supostamente, ao mercado caberia o papel de inserir o Brasil, de forma competitiva, no mercado internacional. Na verdade, à medida que as corporações transnacionais assumiram o controle dos setores estratégicos da economia brasileira, como energia, telecomunicações, mineração e finanças, elas dominaram o mercado nacional. Nessas condições, o país se tornou subordinado e refém delas, num mercado mundial em que elas também predominavam. Por que o tucano Serra se calou diante disso?
As reações a esse processo passaram a ser qualificadas como coisas de "bobos" e "reacionários". Ao mesmo tempo, os tucano-pefelistas envidaram esforços para criminalizar os movimentos sociais e as forças políticas que se opunham ao desmonte econômico do parque produtivo nacional e ao desmonte do Estado. Também aqui não se tem notícia de qualquer manifestação democrática do demo-democrata Serra.
Apesar de tudo, os resultados reais do desastre a que o país estava sendo levado começaram a ficar evidentes durante a crise econômica e financeira de 1997 a 1999. Em 1998, para reeleger-se e continuar seu caminho por mais quatro anos, o tucanato teve que contar com a ajuda do empréstimo ponte do FMI, que evitou uma moratória desmoralizante em plena campanha eleitoral. Serra não piou nem chiou.
No início dos anos 2000 já se tornara evidente para a maior parte da população brasileira que o governo tucano-pefelista fora um engodo mais danoso do que o de Collor. Deu-se conta de que o Brasil perdera as possibilidades de crescimento dos anos 1990. As reformas de FHC criaram um país economicamente devastado, com sua infra-estrutura sucateada e seu comércio internacional deficitário. Por que Serra, ao invés de dissociar-se do desastre e expor suas pretensas opiniões desenvolvimentistas, manteve-se fiel ao figurino neoliberal?
Apesar de todo esse histórico, Serra procura impingir a idéia de que o sucesso do governo Lula na política econômica se deve às ações do governo FHC. E virou crítico das lacunas da infra-estrutura, dos juros altos, dos atrasos na saúde, dos problemas na segurança pública e do atual processo de crescimento. Está pelo menos 12 anos atrasado. Deveria ter feito isso, na pior das hipóteses, a partir de 1998.
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Venezuela responde ao editorial do Estadão
Reproduzo a carta do embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Arvelaiz, ao jornal O Estado de S.Paulo:
Sr. Ruy Mesquita — diretor de Opinião
Sr. Antonio Carlos Pereira — editor responsável de Opinião
Sr. Ricardo Gandour — editor de Conteúdo
Senhores,
É com grande preocupação e mal-estar que a República Bolivariana da Venezuela, por meio de seu Embaixador no Brasil, dirige-se a esse jornal, de reconhecidas qualidade e tradição entre os veículos da imprensa brasileira. E a razão não é outra senão nossa surpresa e indignação com os termos e o tom de que sua edição de hoje (20/07/10) lança mão para atacar o presidente de um país com o qual o Brasil e os brasileiros mantêm relações do mais alto nível e qualidade.
O respeito à plena liberdade de imprensa e de expressão é cláusula pétrea de nossa Constituição e valor orientador do governo de nosso país. A estas diretrizes, no entanto, cremos que devam sempre estar associadas ao respeito na referência a autoridades constituídas ¬– democraticamente eleitas — e a plena divulgação de todos os fatos associados a uma cobertura jornalística.
Cremos descabido que um jornal como “O Estado de S.Paulo” se refira ao presidente Hugo Chávez, eleito e reeleito pelo voto livre da maioria dos venezuelanos, com o uso de termos e expressões como ”lúgubre circo de Chávez”, “autocrata”, “protoditador”, “circo chavista”, “caudilho”, “lúgubre picadeiro”, “costumeira ferocidade”, “rugiu”, “toque verdadeiramente circense da ofensiva chavista – no gênero grand guignol”.
Mais graves ainda são a distorção e ocultação de informações que maculam os textos hoje publicados.
O presidente Hugo Chávez nunca “atropelou” a Constituição Bolivariana, instituída por Assembleia Nacional e referendada em plebiscito. Ao contrário, submeteu-se, inclusive, a referendo revogatório de seu próprio mandato, prática democrática avançada que pouquíssimos países do mundo têm o orgulho de praticar.
O editorial omite que o cardeal Jorge Savino já foi convocado pela Assembleia Nacional para apresentar provas de sua campanha difamatória frente aos deputados — também democraticamente eleitos –, mas o mesmo rechaçou a convocação. Prefere manter suas acusações deletérias a apresentar aos venezuelanos e à opinião pública internacional os fatos que lastreariam suas seguidas diatribes.
Outros trechos do texto só podem ser lidos como clara campanha de acobertamento de um terrorista, como o é, comprovadamente, Alejandro Peña Esclusa: “O advogado de Esclusa assegura que o material foi plantado pelos policiais que invadiram a casa de seu cliente –- considerando o retrospecto, uma acusação mais do que plausível” (grifo nosso).
Esclusa foi preso em sua residência em posse de explosivos, detonadores e munição, após ter sido denunciado, em depoimento à polícia, pelo terrorista confesso Francisco Chávez Abarca –- este criminoso, classificado com o alerta vermelho da Interpol, foi preso em solo venezuelano quando dirigia operação de terror, visando desestabilizar o processo eleitoral de setembro deste ano.
A prisão de Esclusa ocorreu de forma pacífica, com colaboração de sua família, e segue os ritos jurídicos normais: ele tem advogado constituído, direito a ampla defesa e será julgado culpado ou inocente de acordo com o entendimento da Justiça, poder independente de influência governamental ou partidária, assim como no Brasil.
Inadmissível seria o governo da Venezuela ter permitido que um terrorista ceifasse vidas e pusesse em risco a democracia, que nos esforçamos arduamente para defender, ampliar e aprimorar em nosso país, assim como o fazem, no Brasil, os brasileiros.
O “Estado de S.Paulo” tem pleno conhecimento desses fatos, tendo inclusive recebido, em 14/07/10 a Nota de Esclarecimento desta Embaixada, a respeito do desbaratamento da operação terrorista internacional que estava em curso. O responsável pela editoria Internacional, Roberto Lameirinhas, inclusive confirmou seu recebimento à nossa assessoria de comunicação.
Daí manifestarmos nossa estranheza com a reiterada negativa do jornal em dar tais informações a seus leitores. E ainda tomando como verdade declarações do advogado do referido terrorista.
Temos certeza que os senhores não desconhecem, até pela história recente do Brasil, o quão frágil pode ser a liberdade diante do autoritarismo tirano da intolerância e do uso do terror como método de ação política.
Reafirmamos que não nos cabe emitir qualquer juízo de valor sobre as opiniões político-ideológicas do jornal dirigido por V. Sas., por mais que delas discordemos. O que nos leva a enviar-lhes esta correspondência é, tão somente, a solicitação de que se mantenha a veracidade jornalística e o respeito que se deve sempre às pessoas, sejam ou não autoridades constituídas, mesmo quando o jornal as considere, de moto próprio, como seus inimigos ou desafetos.
Esta Embaixada permanece à disposição do jornal e de seus leitores, para esclarecimentos adicionais sobre quaisquer dos assuntos supracitados, bem como de novos temas julgados pertinentes e reivindica, formalmente, a publicação da presente carta, com o mesmo destaque dado ao editorial de hoje, intitulado “O lúgubre circo de Chávez”, publicado à página A3.
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Sr. Ruy Mesquita — diretor de Opinião
Sr. Antonio Carlos Pereira — editor responsável de Opinião
Sr. Ricardo Gandour — editor de Conteúdo
Senhores,
É com grande preocupação e mal-estar que a República Bolivariana da Venezuela, por meio de seu Embaixador no Brasil, dirige-se a esse jornal, de reconhecidas qualidade e tradição entre os veículos da imprensa brasileira. E a razão não é outra senão nossa surpresa e indignação com os termos e o tom de que sua edição de hoje (20/07/10) lança mão para atacar o presidente de um país com o qual o Brasil e os brasileiros mantêm relações do mais alto nível e qualidade.
O respeito à plena liberdade de imprensa e de expressão é cláusula pétrea de nossa Constituição e valor orientador do governo de nosso país. A estas diretrizes, no entanto, cremos que devam sempre estar associadas ao respeito na referência a autoridades constituídas ¬– democraticamente eleitas — e a plena divulgação de todos os fatos associados a uma cobertura jornalística.
Cremos descabido que um jornal como “O Estado de S.Paulo” se refira ao presidente Hugo Chávez, eleito e reeleito pelo voto livre da maioria dos venezuelanos, com o uso de termos e expressões como ”lúgubre circo de Chávez”, “autocrata”, “protoditador”, “circo chavista”, “caudilho”, “lúgubre picadeiro”, “costumeira ferocidade”, “rugiu”, “toque verdadeiramente circense da ofensiva chavista – no gênero grand guignol”.
Mais graves ainda são a distorção e ocultação de informações que maculam os textos hoje publicados.
O presidente Hugo Chávez nunca “atropelou” a Constituição Bolivariana, instituída por Assembleia Nacional e referendada em plebiscito. Ao contrário, submeteu-se, inclusive, a referendo revogatório de seu próprio mandato, prática democrática avançada que pouquíssimos países do mundo têm o orgulho de praticar.
O editorial omite que o cardeal Jorge Savino já foi convocado pela Assembleia Nacional para apresentar provas de sua campanha difamatória frente aos deputados — também democraticamente eleitos –, mas o mesmo rechaçou a convocação. Prefere manter suas acusações deletérias a apresentar aos venezuelanos e à opinião pública internacional os fatos que lastreariam suas seguidas diatribes.
Outros trechos do texto só podem ser lidos como clara campanha de acobertamento de um terrorista, como o é, comprovadamente, Alejandro Peña Esclusa: “O advogado de Esclusa assegura que o material foi plantado pelos policiais que invadiram a casa de seu cliente –- considerando o retrospecto, uma acusação mais do que plausível” (grifo nosso).
Esclusa foi preso em sua residência em posse de explosivos, detonadores e munição, após ter sido denunciado, em depoimento à polícia, pelo terrorista confesso Francisco Chávez Abarca –- este criminoso, classificado com o alerta vermelho da Interpol, foi preso em solo venezuelano quando dirigia operação de terror, visando desestabilizar o processo eleitoral de setembro deste ano.
A prisão de Esclusa ocorreu de forma pacífica, com colaboração de sua família, e segue os ritos jurídicos normais: ele tem advogado constituído, direito a ampla defesa e será julgado culpado ou inocente de acordo com o entendimento da Justiça, poder independente de influência governamental ou partidária, assim como no Brasil.
Inadmissível seria o governo da Venezuela ter permitido que um terrorista ceifasse vidas e pusesse em risco a democracia, que nos esforçamos arduamente para defender, ampliar e aprimorar em nosso país, assim como o fazem, no Brasil, os brasileiros.
O “Estado de S.Paulo” tem pleno conhecimento desses fatos, tendo inclusive recebido, em 14/07/10 a Nota de Esclarecimento desta Embaixada, a respeito do desbaratamento da operação terrorista internacional que estava em curso. O responsável pela editoria Internacional, Roberto Lameirinhas, inclusive confirmou seu recebimento à nossa assessoria de comunicação.
Daí manifestarmos nossa estranheza com a reiterada negativa do jornal em dar tais informações a seus leitores. E ainda tomando como verdade declarações do advogado do referido terrorista.
Temos certeza que os senhores não desconhecem, até pela história recente do Brasil, o quão frágil pode ser a liberdade diante do autoritarismo tirano da intolerância e do uso do terror como método de ação política.
Reafirmamos que não nos cabe emitir qualquer juízo de valor sobre as opiniões político-ideológicas do jornal dirigido por V. Sas., por mais que delas discordemos. O que nos leva a enviar-lhes esta correspondência é, tão somente, a solicitação de que se mantenha a veracidade jornalística e o respeito que se deve sempre às pessoas, sejam ou não autoridades constituídas, mesmo quando o jornal as considere, de moto próprio, como seus inimigos ou desafetos.
Esta Embaixada permanece à disposição do jornal e de seus leitores, para esclarecimentos adicionais sobre quaisquer dos assuntos supracitados, bem como de novos temas julgados pertinentes e reivindica, formalmente, a publicação da presente carta, com o mesmo destaque dado ao editorial de hoje, intitulado “O lúgubre circo de Chávez”, publicado à página A3.
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Juros-câmbio e a especialização regressiva
Reproduzo artigo de Renaut Michel e Gabriel Coelho Squeff, economistas do Ipea, publicado no jornal Valor Econômico:
A balança comercial brasileira tem recebido especial atenção dos analistas no período recente. Isso decorre, sobretudo, do fato que, depois de atingir o maior saldo positivo desde o início da série histórica, de US$ 46,4 bilhões em 2006, o superávit comercial vem se reduzindo em função de um maior crescimento das importações vis-à-vis as vendas externas.
Diversos argumentos têm sido apontados como justificativa para esse comportamento, notadamente o binômio juros-câmbio. Em linhas gerais, os juros elevados atraem capitais externos que valorizam a taxa de câmbio que, por sua vez, desestimula as exportações e barateia as importações, resultando num saldo comercial menor. Adicionalmente, como desdobramento dessa relação, aparece a hipótese da primarização da pauta de exportações brasileira, qual seja, que o país vem se especializando na produção e exportação de produtos de baixo valor agregado.
No presente artigo destacaremos algumas especificidades da composição do saldo comercial brasileiro no período recente no sentido de mostrar que, embora seja difícil sustentar que esteja em curso um processo de desindustrialização, existem indícios de concentração da pauta exportadora em produtos de baixo valor agregado.
A categoria de uso de bens de capital, por exemplo, depois dos saldos comerciais positivos entre 2003 e 2007, passou a apresentar déficits nos dois anos seguintes e a participação desses itens no total exportado caiu de 13% em 2004 para 9% no ano passado. A variação dos preços dos bens de capital foi de pequena relevância para explicar esses saldos comerciais. Todavia, a variação na quantidade exportada foi determinante: enquanto no período 2003-2006 o quantum exportado de bens de capital foi superior à variação do quantum importado (101% contra 66%), entre 2007-2009 o déficit comercial decorreu de um processo diametralmente oposto (- 40% contra 19%).
Já a leitura dos indicadores de comércio exterior por setores da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) também apontam para uma especialização na produção de bens de baixo valor agregado. Dos cinco setores mais "exportadores" (que respondem em conjunto por mais de 50% das vendas externas) somente "veículos automotores, reboques e carrocerias" são itens tipicamente industriais. Por sua vez, os cinco setores mais "importadores" apresentam maior conteúdo tecnológico: produtos químicos, máquinas e equipamentos, extração de petróleo, material eletrônico e de comunicações e, novamente, veículos automotores, reboques e carrocerias.
Merece destaque que, enquanto os setores exportadores têm apresentado um robusto superávit comercial, os importadores apresentam uma forte deterioração em seus respectivos saldos, já historicamente deficitários. A fragilidade desse modelo fica mais evidente quando se considera o efeito dos preços nos resultados comerciais dos produtos exportadores, haja vista que a variação do índice de preço foi bem superior à variação do índice de quantum.
O reflexo dessa dinâmica também pode ser verificado quando se observa com detalhes a (concentrada) pauta exportadora brasileira. Em 2000, os cinco principais itens exportados pelo Brasil respondiam por 21,3% do total de vendas externas, entre as quais dois produtos eram manufaturados (aviões e automóveis de passageiros). No ano passado, os cinco principais itens das exportações responderam por 29,2% do total exportado e nenhum desses produtos era manufaturado.
Por fim, vale destacar o comportamento das exportações e importações segundo o conteúdo tecnológico. Apesar de reconhecermos que entre 2003 e 2006 houve um crescimento elevado tanto das exportações de produtos "não industriais" (107%) quanto de produtos de intensidade tecnológica "alta" (86%), a avaliação da composição das exportações mostra resultados inquietantes. Comparando-se o ano de 2000 com o ano de 2008 verifica-se que os produtos "não industriais" aumentaram sua participação no total exportado, de 20 para 28%. Já os produtos de "média-alta" e "alta" tecnologia reduziram suas respectivas participações de 24% para 22% e de 6% para 5%, respectivamente.
Analogamente, enquanto o superávit comercial dos "não industriais" aumentou 3,8 vezes no período analisado, o déficit comercial dos produtos de "alta" intensidade tecnológica se deteriorou em 4,9 vezes e dos produtos de "média-alta" em 6,4 vezes.
Muito embora reconheçamos que alguns desses indicadores não apontam definitivamente para um processo de primarização da economia brasileira, entendemos que está em curso um processo de fragilização do setor exportador industrial. Nesse sentido, é necessária uma avaliação pormenorizada acerca da composição e tendência da balança comercial brasileira no período recente a fim de assegurar que a dimensão tecnológica desta não comprometa a trajetória de longo prazo do processo de desenvolvimento econômico do Brasil.
Não por acaso, o Ministério da Fazenda lançou no dia 05/05/10 um pacote de medidas de incentivo à competitividade do setor industrial, com destaque para a criação da Agência de Crédito à Exportação (EXIMBrasil). Como se sabe, é pouco crível um modelo de desenvolvimento econômico cuja pauta de exportações seja caracterizada pelo baixo dinamismo tecnológico. Ademais, como mostra nosso passado recente, no que concerne ao setor externo todo cuidado é pouco.
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A balança comercial brasileira tem recebido especial atenção dos analistas no período recente. Isso decorre, sobretudo, do fato que, depois de atingir o maior saldo positivo desde o início da série histórica, de US$ 46,4 bilhões em 2006, o superávit comercial vem se reduzindo em função de um maior crescimento das importações vis-à-vis as vendas externas.
Diversos argumentos têm sido apontados como justificativa para esse comportamento, notadamente o binômio juros-câmbio. Em linhas gerais, os juros elevados atraem capitais externos que valorizam a taxa de câmbio que, por sua vez, desestimula as exportações e barateia as importações, resultando num saldo comercial menor. Adicionalmente, como desdobramento dessa relação, aparece a hipótese da primarização da pauta de exportações brasileira, qual seja, que o país vem se especializando na produção e exportação de produtos de baixo valor agregado.
No presente artigo destacaremos algumas especificidades da composição do saldo comercial brasileiro no período recente no sentido de mostrar que, embora seja difícil sustentar que esteja em curso um processo de desindustrialização, existem indícios de concentração da pauta exportadora em produtos de baixo valor agregado.
A categoria de uso de bens de capital, por exemplo, depois dos saldos comerciais positivos entre 2003 e 2007, passou a apresentar déficits nos dois anos seguintes e a participação desses itens no total exportado caiu de 13% em 2004 para 9% no ano passado. A variação dos preços dos bens de capital foi de pequena relevância para explicar esses saldos comerciais. Todavia, a variação na quantidade exportada foi determinante: enquanto no período 2003-2006 o quantum exportado de bens de capital foi superior à variação do quantum importado (101% contra 66%), entre 2007-2009 o déficit comercial decorreu de um processo diametralmente oposto (- 40% contra 19%).
Já a leitura dos indicadores de comércio exterior por setores da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) também apontam para uma especialização na produção de bens de baixo valor agregado. Dos cinco setores mais "exportadores" (que respondem em conjunto por mais de 50% das vendas externas) somente "veículos automotores, reboques e carrocerias" são itens tipicamente industriais. Por sua vez, os cinco setores mais "importadores" apresentam maior conteúdo tecnológico: produtos químicos, máquinas e equipamentos, extração de petróleo, material eletrônico e de comunicações e, novamente, veículos automotores, reboques e carrocerias.
Merece destaque que, enquanto os setores exportadores têm apresentado um robusto superávit comercial, os importadores apresentam uma forte deterioração em seus respectivos saldos, já historicamente deficitários. A fragilidade desse modelo fica mais evidente quando se considera o efeito dos preços nos resultados comerciais dos produtos exportadores, haja vista que a variação do índice de preço foi bem superior à variação do índice de quantum.
O reflexo dessa dinâmica também pode ser verificado quando se observa com detalhes a (concentrada) pauta exportadora brasileira. Em 2000, os cinco principais itens exportados pelo Brasil respondiam por 21,3% do total de vendas externas, entre as quais dois produtos eram manufaturados (aviões e automóveis de passageiros). No ano passado, os cinco principais itens das exportações responderam por 29,2% do total exportado e nenhum desses produtos era manufaturado.
Por fim, vale destacar o comportamento das exportações e importações segundo o conteúdo tecnológico. Apesar de reconhecermos que entre 2003 e 2006 houve um crescimento elevado tanto das exportações de produtos "não industriais" (107%) quanto de produtos de intensidade tecnológica "alta" (86%), a avaliação da composição das exportações mostra resultados inquietantes. Comparando-se o ano de 2000 com o ano de 2008 verifica-se que os produtos "não industriais" aumentaram sua participação no total exportado, de 20 para 28%. Já os produtos de "média-alta" e "alta" tecnologia reduziram suas respectivas participações de 24% para 22% e de 6% para 5%, respectivamente.
Analogamente, enquanto o superávit comercial dos "não industriais" aumentou 3,8 vezes no período analisado, o déficit comercial dos produtos de "alta" intensidade tecnológica se deteriorou em 4,9 vezes e dos produtos de "média-alta" em 6,4 vezes.
Muito embora reconheçamos que alguns desses indicadores não apontam definitivamente para um processo de primarização da economia brasileira, entendemos que está em curso um processo de fragilização do setor exportador industrial. Nesse sentido, é necessária uma avaliação pormenorizada acerca da composição e tendência da balança comercial brasileira no período recente a fim de assegurar que a dimensão tecnológica desta não comprometa a trajetória de longo prazo do processo de desenvolvimento econômico do Brasil.
Não por acaso, o Ministério da Fazenda lançou no dia 05/05/10 um pacote de medidas de incentivo à competitividade do setor industrial, com destaque para a criação da Agência de Crédito à Exportação (EXIMBrasil). Como se sabe, é pouco crível um modelo de desenvolvimento econômico cuja pauta de exportações seja caracterizada pelo baixo dinamismo tecnológico. Ademais, como mostra nosso passado recente, no que concerne ao setor externo todo cuidado é pouco.
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