Reproduzo artigo de Márcia Denser, publicado no sítio Congresso em Foco:
Parece que um dos temas em pauta no início de 2011 é a política interna dos Estados Unidos, o que naturalmente interessa ao resto do mundo. A respeito, Jeffrey Sachs (professor de economia na Universidade de Colúmbia, USA) na SinPermiso, usa uma expressão engraçada: os Estados Unidos estão em rota de colisão consigo mesmo. O que significa uma política suicidária que quer favorecer os ricos a qualquer preço, degradando mais e mais o resto do povo americano.
Sachs argumenta que o problema é a política corrupta e a perda de moral cívica dos EUA. O partido Republicano aposta em reduzir os impostos, objetivo que coloca acima de qualquer outro. Os democratas têm um leque mais amplo de interesses, como o apoio ao serviço de saúde, a educação, a formação e a infraestrutura. Mas, assim como os republicanos, os democratas também estão interessados em presentear com cortes de impostos seus grandes contribuintes de campanha, entre os quais predominam os estadunidenses ricos.
Já Paul Krugman, no The New York Times, é mais contundente. No artigo "Quando os mortos-vivos vencem", ele diz: “Os fundamentalistas do mercado erraram sobre tudo — ainda assim eles dominam a cena política mais completamente que nunca. Como isso aconteceu? Todos entendemos a necessidade de fazer acordos com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordo para adiantar seus objetivos; outra é abrir as portas para as idéias dos mortos-vivos. Quando você faz esta concessão, os mortos-vivos acabam comendo o seu cérebro — e possivelmente também a sua economia.”
Segundo ele, quando historiadores olharem de volta o período 2008-10, o que mais vai intrigá-los é o estranho triunfo das idéias falidas. Como, depois que bancos descontrolados colocaram a economia de joelhos, ouvimos Ron Paul dizendo “não penso que precisamos de regulamentação” ao assumir um comitê-chave do Congresso que vigia o Banco Central?
A resposta da direita é que os fracassos econômicos do governo Obama mostram que as políticas de “grande governo” não funcionam. Mas a resposta a eles deveria ser: que política de grande governo? Pois o fato é que o estímulo econômico de Obama — que em si era quase 40% baseado em cortes de impostos — foi muito cauteloso para dar uma guinada na economia. Uma política que reduziu empregos públicos e na qual os gastos do governo em bens e serviços cresceram mais devagar que durante os anos Bush não constitui exatamente um teste de economia keynesiana.
No entanto, tudo o que a direita falou sobre os motivos do fracasso da Obamanomics estava errado. Por dois anos, disseram que os empréstimos do governo fariam disparar os juros; na verdade, as taxas se mantiveram baixas se comparadas a padrões históricos. Durante dois anos, os neocon alertaram que a inflação e até mesmo a hiperinflação voltariam; em vez disso, a deflação continuou, com a inflação básica sendo a menor do último meio século.
Mas tais fracassos não parecem importar. A crise deveria ter nos matado, mas não matou, estamos ainda — talvez mais que nunca — sendo governados pela “economia dos mortos-vivos”. Por quê? Parte da resposta, certamente, é que as pessoas que deveriam ter matado as idéias mortas-vivas, tentaram, em vez disso, fazer acordo com elas, isto é, com o Demônio. E isso é especialmente verdadeiro do presidente Obama.
As pessoas esquecem que Ronald Reagan muitas vezes cedeu em questões políticas de substância — mais notadamente, ele aprovou vários aumentos de impostos. Mas nunca “amoleceu” quando se tratava de idéias (ou ideologia) – nunca recuou de que sua posição ideológica estava certa e a dos adversários, errada.
Mas o presidente Obama, ao contrário, tem insistentemente tentado fazer acordo com o outro lado, dando cobertura aos mitos da direita. Ele felicitou Reagan por restaurar o dinamismo dos Estados Unidos (quando foi a última vez que você ouviu um republicano elogiando Roosevelt?), adotou a retórica da oposição sobre a necessidade do governo de apertar o cinto, mesmo diante da recessão e ofereceu congelamento simbólico de gastos e salários federais.
Nada disso fez com que a direita deixasse de denunciá-lo como socialista. Mas essa postura ajudou a dar poder a idéias ruins, de forma que elas podem causar danos imediatos. Neste momento, Obama está saudando o acordo para corte de impostos [dos ricos] como uma forma de estimular a economia — mas os republicanos já estão falando em cortes de gastos do governo que acabariam com qualquer estímulo resultante do acordo. E como é que ele pode enfrentar os republicanos se ele mesmo abraçou a retórica de apertar o cinto?
Sim, política é a arte do possível. Todos entendemos a necessidade de fazer acordos com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordos para adiantar seus objetivos; outra é abrir as portas para as idéias dos mortos-vivos.
Obama chegou ao poder com promessa de mudanças. Até agora não fez nenhuma. Seu governo está cheio de banqueiros de Wall Street. Seus altos funcionários acabam indo se unir aos bancos, como fez recentemente seu diretor de orçamento, Peter Orszag. Está sempre disposto a atender os interesses dos ricos e poderosos, sem traçar uma linha demarcatória ao “toma lá, dá cá”.
Bem, talvez não tenha sido possível ao presidente Obama conseguir mais diante do ceticismo do Congresso em relação a seu governo. Mas, mesmo que isso fosse verdade, apenas demonstra o contínuo controle de uma doutrina falida sobre a política norte-americana. A propósito, esperemos que no Brasil a presidenta Dilma tome isto como um péssimo exemplo a não ser seguido sob hipótese alguma. Acordos com o demônio costumam ser letais. Para todos.
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