Reproduzo artigo de Cristiano Aguiar Lopes, publicado no Observatório da Imprensa:
O Estado de S.Paulo, em mais um atropelo que faz a notícia chegar antes do fato, divulgou sem qualquer cerimônia, em 8 de janeiro: "Bernardo enterra plano de regulação da mídia". Trata-se de um obituário inédito, no qual é anunciada a morte de alguém que nem nasceu. Até agora, não foi divulgado sequer um anteprojeto, e nada indica que o governo desistiu de enviar uma proposta de nova regulação da mídia ao Congresso Nacional.
Mas, ainda que por vias tortas, o Estadão terminou chamando a atenção para um aspecto importante de um futuro projeto de lei para regular as comunicações: as chances de criação de um natimorto, que jamais será aprovado pelo Congresso Nacional, são gigantescas. Devido à numerosa bancada da radiodifusão; devido ao temor generalizado dos parlamentares de contrariarem os interesses da mídia; devido ao poder de lobby dos meios de comunicação; e devido a uma questão muito mais pragmática, mas que não foi abordada pela matéria: a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, órgão fundamental para a eventual aprovação de uma proposição que estabeleça uma nova regulamentação para a mídia, muito provavelmente será dominada por representantes dos radiodifusores na próxima legislatura.
Um passo à frente, dois passos atrás
A CCTCI viu surgir, nos últimos anos, algumas fortes lideranças capazes de se contraporem à bancada da radiodifusão. Lideranças que tornaram possível, pela primeira vez, a rejeição de processos de outorga e de renovação de outorga de radiodifusão na Comissão. Ou a criação de uma Subcomissão Especial para a investigação desses processos de outorga. Essas mesmas lideranças também aprovaram o Ato Normativo nº 1, de 2007, que aumentou as exigências para outorgas e renovações de outorgas de radiodifusão e tornou esses processos mais transparentes. O trabalho coordenado dessas lideranças na CCTCI seria essencial para uma eventual aprovação de uma nova regulação para a mídia.
Mas o que demorou muitos anos para ser construído foi esfacelado em um piscar de olhos e a maioria dos principais expoentes do grupo antagônico à bancada da mídia estarão longe da Câmara dos Deputados em 2011.
Julio Semeghini (PSDB-SP) é agora secretário de Gestão Pública do governo Geraldo Alckmin; Bilac Pinto (PR-MG) assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Regional e Política Urbana de Minas Gerais; Jorge Bittar (PT-RJ) tornou-se secretário municipal de Habitação do Rio de Janeiro; Walter Pinheiro (PT-BA) e Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) foram eleitos senadores; Gustavo Fruet (PSDB-PR) perdeu a eleição para o Senado e ficará sem mandato. Também sem mandato deverá estar Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), a não ser que consiga uma vaga como suplente.
Futuro nada auspicioso
Esse espaço vazio será, com quase toda a certeza, ocupado por representantes da bancada da radiodifusão, tornando a CCTCI uma máquina de rejeição de projetos contrários aos interesses corporativos das empresas de mídia. Isso fará com que o governo, caso apresente um projeto de lei de regulação das comunicações, tenha de adotar uma estratégia diferente, que possa de certa forma driblar a CCTCI.
Uma opção é um acordo com o futuro presidente da Câmara dos Deputados para a distribuição da matéria a mais de três comissões de mérito. Uma outra é a apresentação de um projeto na forma de código. Ambas as opções forçariam a criação de uma Comissão Especial para a análise do projeto, em substituição às comissões permanentes.
Mas, mesmo assim, pelo menos metade dos membros titulares da comissão especial seria oriunda das comissões permanentes que deveriam apreciar o projeto – portanto lá estaria, ainda que com importância reduzida, a tropa de choque da radiodifusão, que deve controlar com mão de ferro a CCTCI na próxima legislatura.
Logo, o futuro não parece nada auspicioso à aprovação de uma nova regulamentação para a radiodifusão. Se o governo não decidir adotar o projeto como prioridade, nele investindo um volumoso capital político, a manchete apressada do Estadão corre grande risco de deixar de ser exagero para se tornar vaticínio.
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