Reproduzo artigo de Reginaldo Nasser, publicado no sítio Carta Maior:
Os principais jornais e analistas do ocidente têm falado cada vez mais na conveniência de em se adotar um “modelo turco” no Egito, em que militares atuariam de forma a conter o radicalismo islâmico dentro de um modelo constitucional. Tornou-se freqüente nos últimos dias ouvir a avaliação de que os militares têm sido uma força fundamental para manter a calma e a estabilidade nessa crise e espera-se que cumpram um papel crucial na transição que se anuncia.
As forças armadas têm sido a força dominante no Egito desde a queda da Monarquia em 1952: os presidentes Nasser, Sadat e Mubarak são todos eles representantes do estamento militar. Considerados uma das forças mais poderosas do mundo (10º lugar) contam com um contingente de 468.000 militares e 3.4% do PIB do Egito. O setor militar do Egito recebeu nas últimas três décadas cerca de 30 bilhões de dólares em ajuda dos EUA, além de enviar seus oficiais para estudar em colégios militares norte-americanos. A popularidade do exército tornou-se ainda mais crucial, quando o ainda presidente Mubarak, após dissolver seu governo – e lançar as bases para uma possível transição recorreu aos militares, esperando com isso que a sua reputação pudesse encobrir a própria legitimidade perdida.
Os militares egípcios são essencialmente uma criação dos EUA não apenas devido aos bilhões de dólares em armas e equipamentos de segurança, mas, sobretudo, devido à lógica que preside a relação entre eles. Documentos do Departamento de Estado 2009, divulgados pela WikiLeaks, descrevem um encontro entre um general dos EUA e os seus colegas egípcios, tratando de suas relações diplomáticas: “O presidente Mubarak e seus líderes militares vêm o nosso programa de assistência militar como a pedra angular da nossa relação e consideram os bilhões de dólares como compensação intocável para fazer e manter a paz com Israel e em troca os militares dos EUA gozam de prioridade de acesso ao Canal de Suez e do espaço aéreo egípcio”.
Sim, é verdade que os militares querem a estabilidade, mas a desejam, principalmente, porque não querem perder os privilégios que desfrutam devido ao papel único que desempenham na economia egípcia. De acordo com um dos maiores especialistas sobre Egito, Robert Springborg (US Naval Postgraduate School), as atividades econômicas dos militares têm expandido consideravelmente ao longo das décadas. O militar egípcio está presente em praticamente todos os setores econômicos do país, numa lista que vai da montagem de automóveis, construção de rodovias e pontes até a distribuição de gás, comércio de vestuários e utensílios domésticos, e acionistas em grandes empreendimentos turísticos. Ninguém sabe ao certo, mas segundo algumas estimativas os militares chegam a controlar por volta de 30% da economia do país. A carreira militar tornou-se também um meio de promoção social, onde homens de famílias pobres podem ganhar prestígio e se juntar à classe média alta.
Uma dos poucas informações que temos sobre o papel dos militares egípcios na economia apareceu em documentos de 2008 tornados públicos pelo WikiLeaks e pode ajudar-nos a compreender para onde vai o Egito. O autor anônimo discute os vários negócios em que os militares estão envolvidos, e avalia como reagiriam, caso o atual presidente, Hosni Mubarak, fosse deposto. Muito provavelmente, diz o autor, os militares se reuniriam em torno do sucessor, desde que não houvesse interferências em seus negócios, mas, adverte que é difícil prever as ações dos militares em um cenário mais confuso.
O certo é que os militares egípcios não têm interesse em qualquer tipo de projeção de poder, e seus objetivos principais são, principalmente, garantir a sobrevivência do regime e proteger as fronteiras do país. Nos últimos dois anos, a recessão global revelou um novo cenário para o consenso das elites egípcias refletindo no equilíbrio existente dentro do partido do governo entre a “nova guarda” representada pela elite empresarial neoliberal e a velha guarda, composta por setores da burocracia. Muito embora a maioria dos militares compartilhe com a ideologia da velha guarda, sempre se mantiveram fora da luta pelo poder zelando pela estabilidade. No entanto, esses momentos de crise poderiam despertar ambições individuais dentro das Forças Armadas em relação à presidência da república.
Para além das particularidades que poderiam diferenciar os regimes políticos repressivos, e as causas que definem os atuais conflitos nos países que compõem o mundo árabe, todos eles formam, na essência, um conjunto de governos sujeitos à mesma lógica militar que se articula nos níveis regional e internacional (democracias ocidentais). A velha ordem no Oriente Médio está se desintegrando, mas é preciso estar muito atento ao rumo que deverá tomar o Egito.
Assim como a revolução dos oficiais na década de 1950 que derrubou a monarquia árabe apoiada pelas potências coloniais, a revolução de 2011 pode, da mesma forma, retirar tiranos do governo, mantendo intacta a estrutura de poder do Estado sob as vestes de uma nova democracia. Não resta a menor dúvida que o personagem principal dessa tragédia é um grande problema, mas obviamente não é maior do que o caráter do regime que se quer preservar.
Os principais jornais e analistas do ocidente têm falado cada vez mais na conveniência de em se adotar um “modelo turco” no Egito, em que militares atuariam de forma a conter o radicalismo islâmico dentro de um modelo constitucional. Tornou-se freqüente nos últimos dias ouvir a avaliação de que os militares têm sido uma força fundamental para manter a calma e a estabilidade nessa crise e espera-se que cumpram um papel crucial na transição que se anuncia.
As forças armadas têm sido a força dominante no Egito desde a queda da Monarquia em 1952: os presidentes Nasser, Sadat e Mubarak são todos eles representantes do estamento militar. Considerados uma das forças mais poderosas do mundo (10º lugar) contam com um contingente de 468.000 militares e 3.4% do PIB do Egito. O setor militar do Egito recebeu nas últimas três décadas cerca de 30 bilhões de dólares em ajuda dos EUA, além de enviar seus oficiais para estudar em colégios militares norte-americanos. A popularidade do exército tornou-se ainda mais crucial, quando o ainda presidente Mubarak, após dissolver seu governo – e lançar as bases para uma possível transição recorreu aos militares, esperando com isso que a sua reputação pudesse encobrir a própria legitimidade perdida.
Os militares egípcios são essencialmente uma criação dos EUA não apenas devido aos bilhões de dólares em armas e equipamentos de segurança, mas, sobretudo, devido à lógica que preside a relação entre eles. Documentos do Departamento de Estado 2009, divulgados pela WikiLeaks, descrevem um encontro entre um general dos EUA e os seus colegas egípcios, tratando de suas relações diplomáticas: “O presidente Mubarak e seus líderes militares vêm o nosso programa de assistência militar como a pedra angular da nossa relação e consideram os bilhões de dólares como compensação intocável para fazer e manter a paz com Israel e em troca os militares dos EUA gozam de prioridade de acesso ao Canal de Suez e do espaço aéreo egípcio”.
Sim, é verdade que os militares querem a estabilidade, mas a desejam, principalmente, porque não querem perder os privilégios que desfrutam devido ao papel único que desempenham na economia egípcia. De acordo com um dos maiores especialistas sobre Egito, Robert Springborg (US Naval Postgraduate School), as atividades econômicas dos militares têm expandido consideravelmente ao longo das décadas. O militar egípcio está presente em praticamente todos os setores econômicos do país, numa lista que vai da montagem de automóveis, construção de rodovias e pontes até a distribuição de gás, comércio de vestuários e utensílios domésticos, e acionistas em grandes empreendimentos turísticos. Ninguém sabe ao certo, mas segundo algumas estimativas os militares chegam a controlar por volta de 30% da economia do país. A carreira militar tornou-se também um meio de promoção social, onde homens de famílias pobres podem ganhar prestígio e se juntar à classe média alta.
Uma dos poucas informações que temos sobre o papel dos militares egípcios na economia apareceu em documentos de 2008 tornados públicos pelo WikiLeaks e pode ajudar-nos a compreender para onde vai o Egito. O autor anônimo discute os vários negócios em que os militares estão envolvidos, e avalia como reagiriam, caso o atual presidente, Hosni Mubarak, fosse deposto. Muito provavelmente, diz o autor, os militares se reuniriam em torno do sucessor, desde que não houvesse interferências em seus negócios, mas, adverte que é difícil prever as ações dos militares em um cenário mais confuso.
O certo é que os militares egípcios não têm interesse em qualquer tipo de projeção de poder, e seus objetivos principais são, principalmente, garantir a sobrevivência do regime e proteger as fronteiras do país. Nos últimos dois anos, a recessão global revelou um novo cenário para o consenso das elites egípcias refletindo no equilíbrio existente dentro do partido do governo entre a “nova guarda” representada pela elite empresarial neoliberal e a velha guarda, composta por setores da burocracia. Muito embora a maioria dos militares compartilhe com a ideologia da velha guarda, sempre se mantiveram fora da luta pelo poder zelando pela estabilidade. No entanto, esses momentos de crise poderiam despertar ambições individuais dentro das Forças Armadas em relação à presidência da república.
Para além das particularidades que poderiam diferenciar os regimes políticos repressivos, e as causas que definem os atuais conflitos nos países que compõem o mundo árabe, todos eles formam, na essência, um conjunto de governos sujeitos à mesma lógica militar que se articula nos níveis regional e internacional (democracias ocidentais). A velha ordem no Oriente Médio está se desintegrando, mas é preciso estar muito atento ao rumo que deverá tomar o Egito.
Assim como a revolução dos oficiais na década de 1950 que derrubou a monarquia árabe apoiada pelas potências coloniais, a revolução de 2011 pode, da mesma forma, retirar tiranos do governo, mantendo intacta a estrutura de poder do Estado sob as vestes de uma nova democracia. Não resta a menor dúvida que o personagem principal dessa tragédia é um grande problema, mas obviamente não é maior do que o caráter do regime que se quer preservar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: