Reproduzo entrevista de Sérgio Amadeu, concecida ao blog de José Dirceu:
A defesa de uma Internet livre e combativa é um dos principais pontos da entrevista de Sérgio Amadeu da Silveira, um dos grandes nomes na luta nacional pela inclusão digital e software livre no país, e para quem "Internet é um direito humano à comunicação".
Amadeu expõe temas na ordem do dia do universo digital como o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), a pressão do mercado e das operadoras de Telecom e a lei de copyright - esta última, o estopim que colocou o Ministério da Cultura (MinC) recentemente no centro de grandes polêmicas.
Defensor de leis que garantam a liberdade e a democracia no ciberespaço, o sociólogo explica seu posicionamento contra a retirada da licença Creative Commons do portal do MinC, na sua visão, uma medida nefasta e adotada em prol dos interesses da indústria de copyright. Segundo Amadeu, vivemos uma nova era, marcada pela substituição da economia da escassez (material) pela do conhecimento (imaterial), com base na troca de informações, no compartilhamento e nos relacionamentos.
Ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Amadeu acumula vasta experiência com telecentros e gestão pública. O sociólogo explica que a Internet é uma rede de controle e aponta os principais desafios em termos de privacidade e abuso desta em jogo na rede. Também alerta para a importância do software livre e a urgente necessidade de investimentos no setor para darmos um verdadeiro salto tecnológico no país.
Qual sua avaliação sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) do governo federal?
Na minha avaliação, o PNBL está completamente atrasado. Nós temos uma mudança na economia mundial em que as questões mais relevantes estão em torno de bens simbólicos, serviços, atividades imateriais. As questões chave hoje são informacionais. Precisamos ter a infraestrutura dessa economia informacional - e ela não é estrada de rodagem, mas estradas de bits, de dados. A cobertura de Banda Larga é fundamental para que possamos ter várias atividades nesta área. Não ter isso no ritmo que estamos vendo no mundo, é muito grave.
O PNBL no final da gestão do presidente Lula tinha pressupostos muito importantes reconhecidos pelo governo. O primeiro deles é que o mercado fracassou em construir essa infraestrutura. Ninguém impediu a Telefônica de levar banda larga para o Piauí, Roraima ou periferia de São Paulo, mas ela não foi levada. Por quê? Porque o modelo de negócios que nasce da privatização é voraz demais. Esses grupos que chegaram no Brasil não têm interesse em investir, mas em obter remuneração rapidamente. Não sei quais os fatores preponderantes, mas o retrato da realidade é que a banda larga é concentrada em alguns segmentos. Ainda há milhares de cidades em que ela não chega.
Na eleição do ano que vem haverá candidatos a prefeito dizendo “olha, eu darei empregos para a cidade”. Empregos industriais? Não vão trazer, porque o empresário não vai instalar uma fábrica numa cidade longe de logística e de matéria prima. Mas o que esse prefeito pode levar? Se houver um nível de ensino bom no município e se ele tiver as vias de alta velocidade chegando, poderá construir call centers em cidades que nunca os tiveram, por exemplo.
Além disso, você pode ter uma empresa de programação em qualquer lugar do planeta. Ela não precisa mais estar fisicamente do seu lado para passar instruções, há videoconferências etc. O que precisa é de uma rede que passa muitos dados num único segundo. Essa é a ideia da Banda Larga. No Brasil temos banda estreita sobrando, mas precisamos de banda larga.
Por que não temos ainda?
Qual é a jogada? A banda larga precisa enfrentar o mercado com regulação, não só via Anatel. Vários países do mundo montam empresas para competir com as privadas. O PNBL tem um efeito inicial muito positivo neste sentido, mas eu não o vi escrito em lugar nenhum. E não estou falando de um plano trivial.
Além disso, o mundo inteiro está trabalhando com velocidades superiores a 2 Mb. Isso não é um capricho. Cada vez mais as aplicações da internet são pensadas para vídeo, som e imagem. Uma página hoje tem muito mais do que 100kb. Se você tiver uma transferência de dados por segundo pequena, a página da internet demora para abrir. E você começa a ter várias coisas para 2 Mb. Há um bloco de países, que inclui Portugal, com 40 Mb. E um outro bloco - e nem vamos querer nos equiparar - que inclui Finlândia, Coréia e Noruega que chega a 100 Mb por segundo. O plano de banda larga no Brasil, na minha opinião, é para atender os interesses das operadoras. Em que sentido? Nossa velocidade mínima é 2 Mb. Daqui a dois anos, podemos chegar à conclusão que construímos estradas de duas pistas e precisávamos de oito... Isso é preocupante.
O governo tem um argumento que sinceramente não me convence. Eles dizem assim: “nós queremos 512kb, metade de um mega, puro ou de verdade”. Na verdade, no Brasil, a situação é a seguinte: você assina um contrato com a operadora para receber 2Mb. Mas, é como se você fosse a um supermercado comprar uma garrafa de Coca-Cola e recebesse apenas 10% ou 20% da bebida. Só que no caso desta garrafa, você vai no Procom e denuncia a treta. No caso das operadoras não. Eles dizem “tecnicamente nós estamos certos”.
A O2, empresa do Grupo Telefônica na Inglaterra, vende 20 Mb ao equivalente a R$ 20,00. Aqui no Brasil, a banda popular era de ¼ de 1 Mb a R$ 29,90 sem impostos. Caríssimo. Eu queria entender o que esses caras fazem. Nós não podemos titubear agora. Se o PNBL empacar, nós temos pouco tempo. Aqui funciona assim porque a Anatel não cumpre o seu papel. O Judiciário precisa ser informado para dar decisões contra as operadoras. Se eu pago 1 Mb, eu tenho que receber 1 Mb a qualquer hora do dia.
Fui uma vez à hidrelétrica de Itaipu. O técnico me explicou que uma das piores coisas para eles são os períodos de Copa do Mundo. Após acabar os jogos, as pessoas vão tomar banho e o pico de consumo sobe muito. Eles, portanto, precisam regular a distribuição de energia, estar lá de plantão ou a rede cai. Mas a luz não oscila toda hora, ela é estável, por mais que nós a utilizemos a mais durante alguns períodos do dia. Já o técnico da operadora de banda larga diz: “acima de hora tal não pode baixar vídeo”. Ele fala exatamente o que as operadoras querem, mas isso é um absurdo. Eu não posso pagar uma das bandas largas ou uma das conexões mais caras do mundo e a operadora ainda me dizer em que hora eu posso acessar a rede, ou o que vou acessar.
Para viabilizar esse PNBL, o governo precisa contar com a sociedade civil, com as entidades que estão descobrindo que ela é uma infraestrutura essencial até para a defesa dos seus direitos. Acesso à Internet é um direito humano à comunicação, consolidado em vários lugares do mundo. Se o governo está ciente disso deve saber que o setor de Telecom é um dos mais criticados pela sociedade. As empresas não dão conta do recado. O governo tem que aproveitar esta situação e investir nisso. Vai gastar dinheiro no PAC nas estradas e não vamos gastar na infraestrutura da banda larga?
Qual será o papel da Telebrás no PNBL?
No Brasil não tem um documento que eu baixe com tudo consolidado. Se tem, não é público, mas a Telebrás deveria fazer a competição com essas operadoras que cobram caro. Priorizá-la, inclusive.
Que era a ideia original...
Espero que seja, era a ideia inicial e correta do presidente da Telebrás Rogério Santana, fazer competição. Começa nas áreas em que a banda larga não chega, mas depois, eu quero alguém fustigando, também, lá em Perdizes (bairro paulistano). Se eu pago caro e minha Internet rápida tem instabilidade, eles estão se intrometendo na minha banda. O ideal é ter uma empresa pública ou qualquer outra que faça um preço menor, com uma qualidade maior. Isso é competição.
Qual a reação das operadoras em relação ao PNBL?
Elas estão entrando na Justiça contra o Plano, pedindo redução de impostos. O problema é que mesmo que você dê impostos zero para essas operadoras, elas continuam com a tarifa mais cara do mundo. Retire para você ver. Aliás, da telefonia não vou nem comentar essa retirada de impostos...
Outra coisa que as operadoras divulgam como grande sucesso é o celular. Mas tomem cuidado com essa coisa fácil. Vá ver como o povo usa o celular: pré-pago, R$ 5,00! 80% ou mais gastam R$ 5,00 por mês porque é muito caro. Isso explica porque aqui o SMS não é tão popular como em outros países. Ele é um dos mais caros do mundo, supera a Venezuela e Argentina. O que está acontecendo no Brasil? Juro que não sei. É um modelo de negócio? Porque isso não decorre de condições tecnológicas. O Brasi é um país tecnologicamente apto. O fato é que as operadoras têm poder e força. No Congresso, ainda têm menos que a bancada dos ruralistas - ainda bem - mas daqui a pouco farão como esses setores fizeram, terão um grande número de deputados lá e aí o governo não mandará mais nada no setor.
A banda larga está crescendo quanto?
Não tenho o número preciso, mas deve ser quase 30% em uma base pequena. Está crescendo porque todos estão interessados e sabem que a rede é vital para tudo hoje. É aquilo que o teórico Manuel Castells dizia: estarão na rede países que não teriam nenhum interesse em estar nela. Mas, para a elite econômica em geral não dá mais para fazer nada sem estar na rede. E eu diria, não só a elite econômica. Há coisas imprescindíveis pelas quais somos todos obrigados a estar conectados.
Quais as medidas necessárias para ampliar a inclusão digital no Brasil?
O crucial é o PNBL com uma tarifa de fato barata, que não chegue a R$10,00; e estabilidade na rede, que a operadora dê uma quantidade de bits por segundo.
Para isso precisamos de investimentos na infraestrutura.
Sim, públicos e privados. Banda larga é vital e temos que acelerar o PNBL. Se abrir uma competição feroz nessa área, a gente força a mudança dessa estrutura. Sem competição, as operadoras não vão mudar. Temos que estabelecer uma competição com esses oligopólios aqui no Brasil, porque pelo modelo particular da privatização, esses grupos acham que nosso país é o festival do caqui. Consideram que não precisam investir, dar qualidade, nem estabilidade. Eles dizem que em 2014, nós teremos banda larga em 80% das cidades. OK, mais quais são as cidades? Primeiro, eu quero ver no papel. Enquanto for percentual, eu sinceramente não acredito.
Segundo, nós precisamos apoiar o fenômeno das lan houses que são de pequenos empresários. Eles precisam de recursos e financiamento. É como boteco na periferia. Isso deve ser feito muito fortemente. Há ações em relação às lan houses, mas elas patinam muito e são pouco efetivas. Terceiro, o setor público nas áreas mais deprimidas economicamente precisa cumprir seu papel e abrir telecentros com Internet gratuita.
E, uma quarta questão é incentivar as cidades a abrir o sinal ou a distribuí-lo, mesmo que gratuitamente. A cidade de Quissamâ (RJ) tinha 90 computadores. Aí o prefeito abriu o sinal gratuito para munícipes que pagam IPTU. Resultado: o número saltou para 1.080 computadores no ano. Hoje você compra computador com mais facilidade. O que é caro é ter uma máquina de escrever não conectada. Os cidadãos precisam estar conectados com o mundo. A conexão é tudo. As cidades precisam ser incentivadas a dar sinal gratuito e os prefeitos a distribuí-los. Isso pode ser feito se a Telebrás lhes der um ponto de banda larga e eles receberem uma quantidade de bits que possam distribuir.
Quanto mais usuários estiverem na rede, mais você diminui a largura da banda, porque fica todo mundo lá. Se o prefeito recebe e abre o sinal, ele estimula empresas que atuam na região a venderem sinal de maior velocidade e com maior estabilidade. Ele pode criar um padrão: "essa banda básica eu dou. Quer melhor, compre". Assim, nós teremos seriedade na estrutura.
E o software livre, Sérgio, tem avançado? Qual a porcentagem hoje?
Tem se consolidado cada vez mais na infraestrutura - softwares embarcados e softwares utilizados por outros setores que não são propriamente ditos de TI (tecnologia da informação). Tem avançado, também, no universo das redes. Na web, cresceu muito e vai crescer mais.
Tem que arrumar gente boa para ser administradora de rede Linux porque hoje faltam profissionais no mercado. Se este profissional sabe bem Linux, tem emprego. Já, se ele sabe bem Windows é diferente, há limitações no controle da própria rede. O profissional de Linux precisa de um conhecimento de TI em um grau maior, porque ele tem que dominar aquele software. Então, nesses segmentos avançou muito.
No segmento de desktop, também. O Brasil é um dos poucos países em que os planos de inclusão digital públicos - quase 70% - são com software livre e por causa das ações do governo. Há grande uso de desktop em aplicativos. No sistema operacional, ele avançou menos, porque é onde tem mais amarração e mais dificuldade de migração. Por outro lado, as tecnologias da informação de acesso a Internet estão indo para o caminho da mobilidade – dos celulares, outros...
Já temos softwares como o Android que é livre. Mas, há um recorte complicado: cada vez mais essas empresas de aparelhos móveis querem fidelizar completamente o seu cliente. Chamou-me muito a atenção quando a Petrobras fez o lançamento da oferta pública de ações que a transformou na 4ª maior empresa do planeta. Fui ver quem estava acima e a 2ª maior era a Apple. Acima da Petrobras! É brincadeira? A Apple deu um salto e passou todo mundo na curva da tecnologia da mobilidade. É uma empresa super proprietária.
Gostaria também de chamar atenção para um outro fato. Quando o Julian Assange, fundador do Wikileaks, começou a ter problemas, e ainda nem tinha sido julgado, as contas dele e do site foram simplesmente deletadas, anuladas no Visa, Mastercard, América Express, PayPal. Eu te pergunto: como isso foi possível? Ele ainda estava sendo acusado. Isso não é visto em nenhum Estado de Direito! Até em caso de traficante, lavagem de dinheiro, a polícia congela os recursos, mas não anula a conta. E cancelaram as contas do Julian! No Facebook, cancelaram o perfil de pessoas que o ajudavam no Wikileaks. Isso foi possível porque partiu de empresas sediadas nos EUA sob a legislação americana e sujeitas às pressões dos agentes de Estado americano, que todos sabemos, não são leves.
A moçada do grupo Anonymus protestou em favor de Julian e armou um ataque que tirou por duas tardes, as compras eletrônicas desses cartões. Como? Usaram o expediente de fazer várias requisições de serviços impossíveis de serem atendidos. Fizeram em apoio à causa do Wikileaks. Não invadiram computador nenhum, mas fizeram o chamado DDoS, uma negação de serviço em que você faz muita requisição, aumenta as solicitações sobre um computador, ele não agüenta e cai.
Em consequência, o então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG, relator de leis na área de informática), defendeu: “por causa disso temos que ter a Lei”. E eu retruquei, "é exatamente por causa disso que sou contra a Lei". No século XIX o direito de greve era considerado violência, não era legal, porque onde já se viu um peão parar... “E o meu direito de lucrar?” Mas vejam o que aconteceu com o Assange, os caras anularam as contas, a dele e a do seu site!!! Como dizem os advogados, “ao arrepio da lei”.
O que é o software livre? Seu autor permite você copiar, estudar, distribuir as alterações, desde que o trabalho continue coletivo e aberto. Você não pode fechar o conhecimento ou pegar um trabalho coletivo, como fez o Steve Jobs, e fechá-lo com uma interface proprietária. Não pode fazer isso com o Linux, porque a nossa licença nos permitiria processar quem quisesse fechar um conhecimento que precisa continuar aberto. Nós temos que defender aquela ideia de que a liberdade não dá em árvore.
Como está a expansão do software livre no mundo?
Avança no mundo inteiro, mas temos poucas pesquisas e poucos dados. Uma pena, mas isso vai mudar. Temos pesquisas em curso e é preciso que o Comitê (do governo) Gestor da Internet, junto com seu órgão de assessoramento e pesquisas, faça levantamentos sobre código aberto, código fonte, a importância de padrões abertos. Sou conselheiro do Comitê Gestor representando a sociedade civil e vou defender isso. Acho possível obter apoio dos demais conselheiros, inclusive do governo, a esta proposta.
Os dados impressionam, temos 260 mil códigos fontes e um deles é do Linux. São 2,5 milhões de desenvolvedores. Não é um coisa pequena. Esses códigos - texto que um programador escreveu e o outro sabe e pode ler para desenvolvê-lo - estão abertos.
Na realidade, há um confronto hoje na sociedade da informação entre os que acham que o conhecimento gera mais valor social e econômico se estiver distribuído e os que defendem o contrário. A Wikipédia, por exemplo, queimou capital. O que é isso? O trabalho colaborativo permitiu o surgimento de uma Enciclopédia que empresa alguma poderá fazer. O pessoal vai e colabora. Só colaborador ativo nos EUA tem 35 mil; no Brasil, 1.800. Você soma todos os colaboradores do mundo e dá uma empresa gigantesca. A maioria é gente que colabora anonimamente. Vá montar uma Enciclopédia mundial generalista em várias línguas. Você não vai conseguir. Nesse sentido é que queima capital.
Em outros lugares, o software livre é incorporado por grandes empresas. Houve uma licitação da Caixa Econômica Federal (CEF) e a IBM entrou na competição. Uma competição que não era brincadeira, todo mundo olhando e a missão era estabilizar uma máquina de alto processamento. Pois bem, a IBM caiu fora na primeira rodada e os meninos ganharam usando software livre. Claro que a IBM é gigantesca, mas as condições de se trabalhar com o conhecimento se alteram no modelo aberto. É isso o que muitos do PT, comunistas e socialistas espanhóis e históricos não entendem. Eles são a favor da socialização dos meios de produção, mas não querem a socialização do conhecimento, o que eu acho muito engraçado.
Como você analisa a retirada da licença do Creative Commons (CC) do Ministério da Cultura?
É preciso destacar a importância da licença. Se eu pegar uma foto do teu blog e não tiver uma licença, estou violando copyright. Mas, pela lei brasileira, isso não é claro. Posso usar a foto? Posso cortar? Eu preciso de uma segurança jurídica. O CC é um movimento mundial de flexibilização das duras leis de copyright em função dos interesses da indústria de intermediação, afetada pela expansão da Internet.
Aquilo que a ministra Ana de Hollanda disse de que “não há distribuição de cultura sem direito” é uma bobagem. Esta ideia foi importante para montar uma indústria cultural. Mas o que Walt Disney fez? Ele pegou os contos populares da literatura dos irmãos Grimm e os adocicou. Ninguém gostaria da Branca de Neve dos irmãos Grimm. O próprio Mickey Mouse imitando cantor de jazz é uma cópia do filme “O cantor de jazz”. Ele remixou.
A base da cultura é o domínio público. O que ele fez foi importante, mas hoje tudo isso é proibido pela lei. Não bastasse isso, o Ministério da Cultura ampliou a proteção da obra. Proteção de quê? O que eles chamam de “proteção”, eu chamo de cerceamento. Ampliaram o cerceamento de 70 anos para 95, após a morte do autor. Por quê? O Mickey Mouse iria cair em domínio público e todos poderiam usá-lo ou remixá-lo. Então, os estúdio Disney, seguindo na contramão do mestre Walt - que já morreu - ampliaram o tempo de "proteção" à obra.
No Brasil nós cerceamos 70 anos. Gostaria de saber qual autor a ministra Ana de Hollanda quer incentivar já que ele morreu há 70 anos! Talvez seja a lógica de divulgar o defunto-autor, uma nova linha machadiana... Toda essa legislação de copyright que ela defende não tem sustentação. Ela acaba defendendo só as corporações. Não é à toa que a ministra tira o símbolo do CC e diz “tirei apenas o símbolo de uma licença americana”. É uma ofensa à nossa inteligência. Ana de Hollanda devia entrar no site da Al Jazeera – que não me parece ter nada a ver com os EUA – e ver o que está escrito ali. Eles licenciaram seus conteúdos em CC.
Neste aspecto, a política da ministra Ana de Hollanda é nefasta. Não conheço a ministra, ela pode ser legal, gente boa, mas neste aspecto é nefasto. Não a ministra, mas a política dela. Os argumentos que ela traz são do ECAD. Eu os conheço, fui a vários debates deles. A mesma escolinha: dizem que o CC é entidade americana e tal... Na realidade, esse tipo de argumento quer manter o copyright duro e até expandido por mais tempo. E a lei do copyright precisa de uma reforma em outros pontos. Mas, o que a ministra faz? Diz “vou convocar especialistas”. Nega, assim, todo o trabalho que a gente fez, aberto, com todo mundo em todas áreas. Ela quer trazer os especialistas dela. É um desrespeito dela para com a sociedade civil organizada que trabalhou nessa reforma.
Mas, tudo bem. Ela não quer encaminhar ao Congresso o projeto de reformas da lei copyright. E aí, ela é aplaudida por quem? Associação Internacional de Propriedade Intelectual! Composta pelos sete grandes da indústria de intermediação norte-americana. Eles fazem um elogio claro à ministra. Quer dizer, quem é nacionalista nessa história da reforma? Ela está com a indústria de Hollywood que persegue meninos... 28 mil jovens estão sendo processados por partilharem arquivos digitais. Aqui no Brasil, não avançaram para cima dessa meninada porque o governo do presidente Lula foi contra. Agora, mudou nessa área. E isso me preocupa muito.
Quando alguém faz um vídeo e coloca CC, este selo diz exatamente o que é permitido fazer, se pode vender ou não, aliás, há vários tipos de CC. E eu posso fazer de tudo desde que respeite a licença. Acho que ela está sendo apoiada por segmentos que são contra o compartilhamento. O PT precisa tomar uma decisão. Na questão do PNBL, no ano passado, quando houve um certo atrito com o ministro Hélio Costa, o presidente Lula tomou uma decisão. Foi para o lado da Telebrás e enquadrou as teles. Não teve embate porque o ministro (Hélio Costa) era aliado a esta política. Aliás, o presidente Lula lançou o blog do Planalto com CC.
A pergunta é: a presidente Dilma vai fazer o quê? Não tem nenhum embate, ninguém está perguntando agora, mas vai gerar um problema, porque a ministra pode mudar a política, revertê-la. Há quem diga que “é um exagero, a ministra (Ana de Hollanda) mal chegou”. Não é. A ministra chegou dando um sinal claro: vai reverter a política de compartilhamento, porque para ela domínio público não é importante. O importante é a proteção do autor. Esse é o discurso dela. E nós sabemos que ela está falando da indústria do copyright. Infelizmente, escolheram uma ministra que vem na contramão do que havíamos feito no governo Lula. As pessoas dizem que nada disso é importante. Como não é importante? É a política que consolidou o Brasil no plano cultural mundial como um país avançado.
Você pode dizer “o MinC está defendendo os artistas, os criadores...” Não, está defendendo a indústria de intermediação. Espero que esse retrocesso sirva pra gente afirmar a política avançada de compartilhamento de conhecimento. Eu não gosto da postura da ministra em relação ao mundo digital. Não sei qual é a política dela porque, por enquanto, ela só desmontou.
Qual a sua visão ou sugestão para uma Lei de Direitos Autorais na Internet?
Nós temos que abrir espaço para uma ideia muito importante. A maioria da humanidade nunca viveu de propriedade, mas de relacionamento. A Internet permite o relacionamento. Quando o escritor Paulo Coelho libera todo o conteúdo dele na rede, ele diz: “eu quero que todo mundo pegue porque eu vivo de relacionamento. O meu dinheiro vem da minha relação." Então, nós temos que abrir espaços para vários modelos de negócios, incentivar várias tentativas, coisas diferentes que estejam tipicamente naquilo que é compreensível no bem material.
Estou falando de uma economia de troca que não tem escassez. É uma outra economia. É preciso encontrar outras formas de universalizar esta nova economia digital. Esse pessoal não quer reconhecer isso. É o pessoal do lampião de gás que quer impedir o avanço da energia elétrica. Por que o MinC não abre um edital para os músicos fazerem um grande portal de música com licenças permissivas de uso? E que este portal seja tão grande que todos possam ir lá toda hora? Audiência grande dá dinheiro, todos sabem. Na rede, dinheiro é relação. Por que não outros modos de preservar o direito autoral?
Até parece que a maior parte do nosso faturamento na área é como nos EUA, onde as receitas vêm de copyright e patente. Claro que não é. Pega os escritores, o pessoal que vive de copyright não chega a 100... Na verdade, é pouco mais de meia dúzia. Os grandes Mário de Andrade, Carlos Drummond, Machado de Assis não viviam de direito autoral, eram todos funcionários públicos. Esta é a realidade. Estão falando de um negócio que não existe. Nossos modelos podem ser encontrados se você entender que a cultura sempre foi maior do que o mercado; e que a maior parte das pessoas, mesmo os artistas, não vive de propriedade, mas de relacionamento - do artista com quem o admira. O que as redes permitem? Mais relacionamento. O que a ministra quer fazer? Reduzir o relacionamento.
Existe algum tipo de controle da Internet que atinja a privacidade das pessoas? Corremos algum risco de censura?
O senso comum acha que a Internet é uma selva, um antro da perdição. A Internet é uma rede cibernética de controle de comunicação. Se você pegar a antena da TV Globo analógica, você não sabe se tem um ou cem mil assistindo a determinado programa. Para saber, eles contratam o IBOPE que tem um esquema de amostragem domiciliar. Na Internet, não funciona assim. Ela é uma rede de controle exatamente porque nela não se navega em hipótese alguma sem o número de IP. Toda vez que eu abro um site, seja do PT ou de um outro que eu nunca vi, da Turquia, eu faço uma requisição para este site. Coloco o endereço dele e peço um pedido de informação que vai até a máquina que hospeda o site e traz a informação para que eu possa acessá-lo. Então, para devolver essa informação, ela tem que te localizar, ou você não abre o que pediu. A Internet já é uma rede de controle, e quanto mais distribuída, mais tecnicamente controlada.
Aí, os espertos dizem: “não, eu quero identificação das pessoas”, ou seja, vincular o IP ao nome de uma pessoa. Na hora em que você faz o cadastro e vincula a pessoa ao número de IP, essa pessoa está registrada em várias máquinas pelo caminho. Agora, não se navega sem deixar um rastro digital. Transformar este controle técnico em controle político é muito simples. Hoje, a Internet tem um antídoto: o anonimato. E não estou dizendo anonimato de expressão, mas de navegação. É como andar na rua. Você anda na rua sem obrigatoriedade de identificação. O Ministério da Saúde, por exemplo, pode contratar uma empresa para saber todo mundo que está divulgando um remédio X, dizendo que ele é legal, quando na realidade é ilegal.
Então, é uma rede de extremo controle. Se não cuidarmos da defesa das liberdades, do funcionamento que a rede teve até então baseada no anonimato civil, estaremos criando uma sociedade de hipercontrole que não é correto. Há, também, outra polêmica econômica envolvida nisso. Nos EUA, a Comcast, empresa de TV a cabo que oferece conexão de Internet, ganhou o direito de precificar diferentemente os pacotes de informação que passam na Internet. Ela violou o principio de neutralidade na rede.
Na Internet, a informação não navega em estado puro. Há pacotes de informações, como se fossem contêiners de um navio. Esses pacotes ou datagramas (como são chamados) navegam com um IP de origem que indica de onde veio, para onde vai e qual a aplicação (se é texto, e-mail, imagem etc). A informação, portanto, é transferida no sinal que passa pela rede de uma operadora. Mas o que está acontecendo? A operadora diz: “como eu controlo o cabo em que passa esse sinal elétrico, o vídeo come muito a minha banda, então, quem quiser usar vídeo terá que pagar mais caro”.
Eles querem transformar a Internet em uma grande rede de TV a cabo, na qual você tem pacotes. Para usar o Youtube paga X, baixar música Y... Só que isso fere a seguinte ideia: quem controla a infraestrutura tem que ser neutro em relação às outras camadas lógicas da Internet. O caso é grave. Durante a eleição do presidente Barack Obama, o Pearl Jeam mudou a música do Pink Floyd dizendo para o Bush "deixe o mundo em paz", mas a rede da AT&T cortou o som durante a transmissão do show. Eles têm como cortar. Agora, se é o Estado que corta chamam de censura. Mas, quando é uma rede privada transnacional chama o quê?
É preciso dizer o que pode e o que não pode na Internet. Censura a gente fala de uma situação política e todos sabem que o corte do cabo foi censura, mas eles dizem que não é. Então, por motivos econômicos, políticos e culturais, as empresas querem quebrar a neutralidade na rede, arvorar-se do direito de dizer o que você pode ou não pode fazer. Veja que loucura! A rede é transnacional, os cabos perpassam os países, como controlar isso ? São redes de empresas privadas que fazem o que querem.
Por que estamos brigando? Estamos brigando para que cada país aprove leis e garanta o princípio da neutralidade, o que é uma tarefa hercúlea. No Brasil, no ano passado, foi feito um projeto de lei extremamente inovador, que contou com a contribuição de todos pela rede. O Ministério da Justiça fez um processo inovador, esperamos agora que o atual ministro José Eduardo Martins Cardozo mande o projeto do Marco Civil da Internet (a regulamentação da Internet no Brasil) para o Congresso Nacional.
O projeto vem com força da sociedade civil e nós vamos debatê-lo, inclusive, com as operadoras que vão querer a garantia do princípio de mercado na Internet. Elas dizem “a Internet é um mercado”. Não é! A Internet não se guia por critérios de mercado. Quem se guia por eles são as operadoras, os negócios que têm dentro da Internet. No ciberespaço não existia discriminação de pacotes, todos os pacotes e todos datagramas eram iguais perante a lei. Não é mais, porque o controlador da infraestrutura descobriu que pode controlar o fluxo. Então, por fatores econômicos e políticos, estamos num momento muito grave da vida/história da Internet.
Quais os desafios que a tecnologia coloca para o nosso país hoje e para onde caminham os avanços?
Do ponto de vista tecnológico, nós precisamos incentivar os criadores e remixadores de tecnologia. Não faremos isso sem estimular as comunidades de código aberto. Precisamos dar muita força a elas. Aquilo que o Gilberto Gil fez no MinC com os pontos de cultura, nós precisamos fazer agora com a tecnologia. O velho economista, da velha guarda do mundo industrial, não concebe que a tecnologia seja feita fora da firma. Mas, isso não existe mais. Eles ainda pensam na tecnologia dentro da firma ou com os sinais do mercado.
É preciso trazer a ebulição tecnológica e científica para essa meninada que está criando. Para o Brasil dar o salto tecnológico, temos que pegar a próxima curva e não vamos criar isso do além. Ciência se cria em cima de ciência. Tecnologia em cima de tecnologia. Hoje, o nosso grande desafio é transformar o Brasil em um país inventor e criador de tecnologia, principalmente da informação, que está em todas as áreas - medicina, biologia, nanotecnologia.
A defesa de uma Internet livre e combativa é um dos principais pontos da entrevista de Sérgio Amadeu da Silveira, um dos grandes nomes na luta nacional pela inclusão digital e software livre no país, e para quem "Internet é um direito humano à comunicação".
Amadeu expõe temas na ordem do dia do universo digital como o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), a pressão do mercado e das operadoras de Telecom e a lei de copyright - esta última, o estopim que colocou o Ministério da Cultura (MinC) recentemente no centro de grandes polêmicas.
Defensor de leis que garantam a liberdade e a democracia no ciberespaço, o sociólogo explica seu posicionamento contra a retirada da licença Creative Commons do portal do MinC, na sua visão, uma medida nefasta e adotada em prol dos interesses da indústria de copyright. Segundo Amadeu, vivemos uma nova era, marcada pela substituição da economia da escassez (material) pela do conhecimento (imaterial), com base na troca de informações, no compartilhamento e nos relacionamentos.
Ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Amadeu acumula vasta experiência com telecentros e gestão pública. O sociólogo explica que a Internet é uma rede de controle e aponta os principais desafios em termos de privacidade e abuso desta em jogo na rede. Também alerta para a importância do software livre e a urgente necessidade de investimentos no setor para darmos um verdadeiro salto tecnológico no país.
Qual sua avaliação sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) do governo federal?
Na minha avaliação, o PNBL está completamente atrasado. Nós temos uma mudança na economia mundial em que as questões mais relevantes estão em torno de bens simbólicos, serviços, atividades imateriais. As questões chave hoje são informacionais. Precisamos ter a infraestrutura dessa economia informacional - e ela não é estrada de rodagem, mas estradas de bits, de dados. A cobertura de Banda Larga é fundamental para que possamos ter várias atividades nesta área. Não ter isso no ritmo que estamos vendo no mundo, é muito grave.
O PNBL no final da gestão do presidente Lula tinha pressupostos muito importantes reconhecidos pelo governo. O primeiro deles é que o mercado fracassou em construir essa infraestrutura. Ninguém impediu a Telefônica de levar banda larga para o Piauí, Roraima ou periferia de São Paulo, mas ela não foi levada. Por quê? Porque o modelo de negócios que nasce da privatização é voraz demais. Esses grupos que chegaram no Brasil não têm interesse em investir, mas em obter remuneração rapidamente. Não sei quais os fatores preponderantes, mas o retrato da realidade é que a banda larga é concentrada em alguns segmentos. Ainda há milhares de cidades em que ela não chega.
Na eleição do ano que vem haverá candidatos a prefeito dizendo “olha, eu darei empregos para a cidade”. Empregos industriais? Não vão trazer, porque o empresário não vai instalar uma fábrica numa cidade longe de logística e de matéria prima. Mas o que esse prefeito pode levar? Se houver um nível de ensino bom no município e se ele tiver as vias de alta velocidade chegando, poderá construir call centers em cidades que nunca os tiveram, por exemplo.
Além disso, você pode ter uma empresa de programação em qualquer lugar do planeta. Ela não precisa mais estar fisicamente do seu lado para passar instruções, há videoconferências etc. O que precisa é de uma rede que passa muitos dados num único segundo. Essa é a ideia da Banda Larga. No Brasil temos banda estreita sobrando, mas precisamos de banda larga.
Por que não temos ainda?
Qual é a jogada? A banda larga precisa enfrentar o mercado com regulação, não só via Anatel. Vários países do mundo montam empresas para competir com as privadas. O PNBL tem um efeito inicial muito positivo neste sentido, mas eu não o vi escrito em lugar nenhum. E não estou falando de um plano trivial.
Além disso, o mundo inteiro está trabalhando com velocidades superiores a 2 Mb. Isso não é um capricho. Cada vez mais as aplicações da internet são pensadas para vídeo, som e imagem. Uma página hoje tem muito mais do que 100kb. Se você tiver uma transferência de dados por segundo pequena, a página da internet demora para abrir. E você começa a ter várias coisas para 2 Mb. Há um bloco de países, que inclui Portugal, com 40 Mb. E um outro bloco - e nem vamos querer nos equiparar - que inclui Finlândia, Coréia e Noruega que chega a 100 Mb por segundo. O plano de banda larga no Brasil, na minha opinião, é para atender os interesses das operadoras. Em que sentido? Nossa velocidade mínima é 2 Mb. Daqui a dois anos, podemos chegar à conclusão que construímos estradas de duas pistas e precisávamos de oito... Isso é preocupante.
O governo tem um argumento que sinceramente não me convence. Eles dizem assim: “nós queremos 512kb, metade de um mega, puro ou de verdade”. Na verdade, no Brasil, a situação é a seguinte: você assina um contrato com a operadora para receber 2Mb. Mas, é como se você fosse a um supermercado comprar uma garrafa de Coca-Cola e recebesse apenas 10% ou 20% da bebida. Só que no caso desta garrafa, você vai no Procom e denuncia a treta. No caso das operadoras não. Eles dizem “tecnicamente nós estamos certos”.
A O2, empresa do Grupo Telefônica na Inglaterra, vende 20 Mb ao equivalente a R$ 20,00. Aqui no Brasil, a banda popular era de ¼ de 1 Mb a R$ 29,90 sem impostos. Caríssimo. Eu queria entender o que esses caras fazem. Nós não podemos titubear agora. Se o PNBL empacar, nós temos pouco tempo. Aqui funciona assim porque a Anatel não cumpre o seu papel. O Judiciário precisa ser informado para dar decisões contra as operadoras. Se eu pago 1 Mb, eu tenho que receber 1 Mb a qualquer hora do dia.
Fui uma vez à hidrelétrica de Itaipu. O técnico me explicou que uma das piores coisas para eles são os períodos de Copa do Mundo. Após acabar os jogos, as pessoas vão tomar banho e o pico de consumo sobe muito. Eles, portanto, precisam regular a distribuição de energia, estar lá de plantão ou a rede cai. Mas a luz não oscila toda hora, ela é estável, por mais que nós a utilizemos a mais durante alguns períodos do dia. Já o técnico da operadora de banda larga diz: “acima de hora tal não pode baixar vídeo”. Ele fala exatamente o que as operadoras querem, mas isso é um absurdo. Eu não posso pagar uma das bandas largas ou uma das conexões mais caras do mundo e a operadora ainda me dizer em que hora eu posso acessar a rede, ou o que vou acessar.
Para viabilizar esse PNBL, o governo precisa contar com a sociedade civil, com as entidades que estão descobrindo que ela é uma infraestrutura essencial até para a defesa dos seus direitos. Acesso à Internet é um direito humano à comunicação, consolidado em vários lugares do mundo. Se o governo está ciente disso deve saber que o setor de Telecom é um dos mais criticados pela sociedade. As empresas não dão conta do recado. O governo tem que aproveitar esta situação e investir nisso. Vai gastar dinheiro no PAC nas estradas e não vamos gastar na infraestrutura da banda larga?
Qual será o papel da Telebrás no PNBL?
No Brasil não tem um documento que eu baixe com tudo consolidado. Se tem, não é público, mas a Telebrás deveria fazer a competição com essas operadoras que cobram caro. Priorizá-la, inclusive.
Que era a ideia original...
Espero que seja, era a ideia inicial e correta do presidente da Telebrás Rogério Santana, fazer competição. Começa nas áreas em que a banda larga não chega, mas depois, eu quero alguém fustigando, também, lá em Perdizes (bairro paulistano). Se eu pago caro e minha Internet rápida tem instabilidade, eles estão se intrometendo na minha banda. O ideal é ter uma empresa pública ou qualquer outra que faça um preço menor, com uma qualidade maior. Isso é competição.
Qual a reação das operadoras em relação ao PNBL?
Elas estão entrando na Justiça contra o Plano, pedindo redução de impostos. O problema é que mesmo que você dê impostos zero para essas operadoras, elas continuam com a tarifa mais cara do mundo. Retire para você ver. Aliás, da telefonia não vou nem comentar essa retirada de impostos...
Outra coisa que as operadoras divulgam como grande sucesso é o celular. Mas tomem cuidado com essa coisa fácil. Vá ver como o povo usa o celular: pré-pago, R$ 5,00! 80% ou mais gastam R$ 5,00 por mês porque é muito caro. Isso explica porque aqui o SMS não é tão popular como em outros países. Ele é um dos mais caros do mundo, supera a Venezuela e Argentina. O que está acontecendo no Brasil? Juro que não sei. É um modelo de negócio? Porque isso não decorre de condições tecnológicas. O Brasi é um país tecnologicamente apto. O fato é que as operadoras têm poder e força. No Congresso, ainda têm menos que a bancada dos ruralistas - ainda bem - mas daqui a pouco farão como esses setores fizeram, terão um grande número de deputados lá e aí o governo não mandará mais nada no setor.
A banda larga está crescendo quanto?
Não tenho o número preciso, mas deve ser quase 30% em uma base pequena. Está crescendo porque todos estão interessados e sabem que a rede é vital para tudo hoje. É aquilo que o teórico Manuel Castells dizia: estarão na rede países que não teriam nenhum interesse em estar nela. Mas, para a elite econômica em geral não dá mais para fazer nada sem estar na rede. E eu diria, não só a elite econômica. Há coisas imprescindíveis pelas quais somos todos obrigados a estar conectados.
Quais as medidas necessárias para ampliar a inclusão digital no Brasil?
O crucial é o PNBL com uma tarifa de fato barata, que não chegue a R$10,00; e estabilidade na rede, que a operadora dê uma quantidade de bits por segundo.
Para isso precisamos de investimentos na infraestrutura.
Sim, públicos e privados. Banda larga é vital e temos que acelerar o PNBL. Se abrir uma competição feroz nessa área, a gente força a mudança dessa estrutura. Sem competição, as operadoras não vão mudar. Temos que estabelecer uma competição com esses oligopólios aqui no Brasil, porque pelo modelo particular da privatização, esses grupos acham que nosso país é o festival do caqui. Consideram que não precisam investir, dar qualidade, nem estabilidade. Eles dizem que em 2014, nós teremos banda larga em 80% das cidades. OK, mais quais são as cidades? Primeiro, eu quero ver no papel. Enquanto for percentual, eu sinceramente não acredito.
Segundo, nós precisamos apoiar o fenômeno das lan houses que são de pequenos empresários. Eles precisam de recursos e financiamento. É como boteco na periferia. Isso deve ser feito muito fortemente. Há ações em relação às lan houses, mas elas patinam muito e são pouco efetivas. Terceiro, o setor público nas áreas mais deprimidas economicamente precisa cumprir seu papel e abrir telecentros com Internet gratuita.
E, uma quarta questão é incentivar as cidades a abrir o sinal ou a distribuí-lo, mesmo que gratuitamente. A cidade de Quissamâ (RJ) tinha 90 computadores. Aí o prefeito abriu o sinal gratuito para munícipes que pagam IPTU. Resultado: o número saltou para 1.080 computadores no ano. Hoje você compra computador com mais facilidade. O que é caro é ter uma máquina de escrever não conectada. Os cidadãos precisam estar conectados com o mundo. A conexão é tudo. As cidades precisam ser incentivadas a dar sinal gratuito e os prefeitos a distribuí-los. Isso pode ser feito se a Telebrás lhes der um ponto de banda larga e eles receberem uma quantidade de bits que possam distribuir.
Quanto mais usuários estiverem na rede, mais você diminui a largura da banda, porque fica todo mundo lá. Se o prefeito recebe e abre o sinal, ele estimula empresas que atuam na região a venderem sinal de maior velocidade e com maior estabilidade. Ele pode criar um padrão: "essa banda básica eu dou. Quer melhor, compre". Assim, nós teremos seriedade na estrutura.
E o software livre, Sérgio, tem avançado? Qual a porcentagem hoje?
Tem se consolidado cada vez mais na infraestrutura - softwares embarcados e softwares utilizados por outros setores que não são propriamente ditos de TI (tecnologia da informação). Tem avançado, também, no universo das redes. Na web, cresceu muito e vai crescer mais.
Tem que arrumar gente boa para ser administradora de rede Linux porque hoje faltam profissionais no mercado. Se este profissional sabe bem Linux, tem emprego. Já, se ele sabe bem Windows é diferente, há limitações no controle da própria rede. O profissional de Linux precisa de um conhecimento de TI em um grau maior, porque ele tem que dominar aquele software. Então, nesses segmentos avançou muito.
No segmento de desktop, também. O Brasil é um dos poucos países em que os planos de inclusão digital públicos - quase 70% - são com software livre e por causa das ações do governo. Há grande uso de desktop em aplicativos. No sistema operacional, ele avançou menos, porque é onde tem mais amarração e mais dificuldade de migração. Por outro lado, as tecnologias da informação de acesso a Internet estão indo para o caminho da mobilidade – dos celulares, outros...
Já temos softwares como o Android que é livre. Mas, há um recorte complicado: cada vez mais essas empresas de aparelhos móveis querem fidelizar completamente o seu cliente. Chamou-me muito a atenção quando a Petrobras fez o lançamento da oferta pública de ações que a transformou na 4ª maior empresa do planeta. Fui ver quem estava acima e a 2ª maior era a Apple. Acima da Petrobras! É brincadeira? A Apple deu um salto e passou todo mundo na curva da tecnologia da mobilidade. É uma empresa super proprietária.
Gostaria também de chamar atenção para um outro fato. Quando o Julian Assange, fundador do Wikileaks, começou a ter problemas, e ainda nem tinha sido julgado, as contas dele e do site foram simplesmente deletadas, anuladas no Visa, Mastercard, América Express, PayPal. Eu te pergunto: como isso foi possível? Ele ainda estava sendo acusado. Isso não é visto em nenhum Estado de Direito! Até em caso de traficante, lavagem de dinheiro, a polícia congela os recursos, mas não anula a conta. E cancelaram as contas do Julian! No Facebook, cancelaram o perfil de pessoas que o ajudavam no Wikileaks. Isso foi possível porque partiu de empresas sediadas nos EUA sob a legislação americana e sujeitas às pressões dos agentes de Estado americano, que todos sabemos, não são leves.
A moçada do grupo Anonymus protestou em favor de Julian e armou um ataque que tirou por duas tardes, as compras eletrônicas desses cartões. Como? Usaram o expediente de fazer várias requisições de serviços impossíveis de serem atendidos. Fizeram em apoio à causa do Wikileaks. Não invadiram computador nenhum, mas fizeram o chamado DDoS, uma negação de serviço em que você faz muita requisição, aumenta as solicitações sobre um computador, ele não agüenta e cai.
Em consequência, o então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG, relator de leis na área de informática), defendeu: “por causa disso temos que ter a Lei”. E eu retruquei, "é exatamente por causa disso que sou contra a Lei". No século XIX o direito de greve era considerado violência, não era legal, porque onde já se viu um peão parar... “E o meu direito de lucrar?” Mas vejam o que aconteceu com o Assange, os caras anularam as contas, a dele e a do seu site!!! Como dizem os advogados, “ao arrepio da lei”.
O que é o software livre? Seu autor permite você copiar, estudar, distribuir as alterações, desde que o trabalho continue coletivo e aberto. Você não pode fechar o conhecimento ou pegar um trabalho coletivo, como fez o Steve Jobs, e fechá-lo com uma interface proprietária. Não pode fazer isso com o Linux, porque a nossa licença nos permitiria processar quem quisesse fechar um conhecimento que precisa continuar aberto. Nós temos que defender aquela ideia de que a liberdade não dá em árvore.
Como está a expansão do software livre no mundo?
Avança no mundo inteiro, mas temos poucas pesquisas e poucos dados. Uma pena, mas isso vai mudar. Temos pesquisas em curso e é preciso que o Comitê (do governo) Gestor da Internet, junto com seu órgão de assessoramento e pesquisas, faça levantamentos sobre código aberto, código fonte, a importância de padrões abertos. Sou conselheiro do Comitê Gestor representando a sociedade civil e vou defender isso. Acho possível obter apoio dos demais conselheiros, inclusive do governo, a esta proposta.
Os dados impressionam, temos 260 mil códigos fontes e um deles é do Linux. São 2,5 milhões de desenvolvedores. Não é um coisa pequena. Esses códigos - texto que um programador escreveu e o outro sabe e pode ler para desenvolvê-lo - estão abertos.
Na realidade, há um confronto hoje na sociedade da informação entre os que acham que o conhecimento gera mais valor social e econômico se estiver distribuído e os que defendem o contrário. A Wikipédia, por exemplo, queimou capital. O que é isso? O trabalho colaborativo permitiu o surgimento de uma Enciclopédia que empresa alguma poderá fazer. O pessoal vai e colabora. Só colaborador ativo nos EUA tem 35 mil; no Brasil, 1.800. Você soma todos os colaboradores do mundo e dá uma empresa gigantesca. A maioria é gente que colabora anonimamente. Vá montar uma Enciclopédia mundial generalista em várias línguas. Você não vai conseguir. Nesse sentido é que queima capital.
Em outros lugares, o software livre é incorporado por grandes empresas. Houve uma licitação da Caixa Econômica Federal (CEF) e a IBM entrou na competição. Uma competição que não era brincadeira, todo mundo olhando e a missão era estabilizar uma máquina de alto processamento. Pois bem, a IBM caiu fora na primeira rodada e os meninos ganharam usando software livre. Claro que a IBM é gigantesca, mas as condições de se trabalhar com o conhecimento se alteram no modelo aberto. É isso o que muitos do PT, comunistas e socialistas espanhóis e históricos não entendem. Eles são a favor da socialização dos meios de produção, mas não querem a socialização do conhecimento, o que eu acho muito engraçado.
Como você analisa a retirada da licença do Creative Commons (CC) do Ministério da Cultura?
É preciso destacar a importância da licença. Se eu pegar uma foto do teu blog e não tiver uma licença, estou violando copyright. Mas, pela lei brasileira, isso não é claro. Posso usar a foto? Posso cortar? Eu preciso de uma segurança jurídica. O CC é um movimento mundial de flexibilização das duras leis de copyright em função dos interesses da indústria de intermediação, afetada pela expansão da Internet.
Aquilo que a ministra Ana de Hollanda disse de que “não há distribuição de cultura sem direito” é uma bobagem. Esta ideia foi importante para montar uma indústria cultural. Mas o que Walt Disney fez? Ele pegou os contos populares da literatura dos irmãos Grimm e os adocicou. Ninguém gostaria da Branca de Neve dos irmãos Grimm. O próprio Mickey Mouse imitando cantor de jazz é uma cópia do filme “O cantor de jazz”. Ele remixou.
A base da cultura é o domínio público. O que ele fez foi importante, mas hoje tudo isso é proibido pela lei. Não bastasse isso, o Ministério da Cultura ampliou a proteção da obra. Proteção de quê? O que eles chamam de “proteção”, eu chamo de cerceamento. Ampliaram o cerceamento de 70 anos para 95, após a morte do autor. Por quê? O Mickey Mouse iria cair em domínio público e todos poderiam usá-lo ou remixá-lo. Então, os estúdio Disney, seguindo na contramão do mestre Walt - que já morreu - ampliaram o tempo de "proteção" à obra.
No Brasil nós cerceamos 70 anos. Gostaria de saber qual autor a ministra Ana de Hollanda quer incentivar já que ele morreu há 70 anos! Talvez seja a lógica de divulgar o defunto-autor, uma nova linha machadiana... Toda essa legislação de copyright que ela defende não tem sustentação. Ela acaba defendendo só as corporações. Não é à toa que a ministra tira o símbolo do CC e diz “tirei apenas o símbolo de uma licença americana”. É uma ofensa à nossa inteligência. Ana de Hollanda devia entrar no site da Al Jazeera – que não me parece ter nada a ver com os EUA – e ver o que está escrito ali. Eles licenciaram seus conteúdos em CC.
Neste aspecto, a política da ministra Ana de Hollanda é nefasta. Não conheço a ministra, ela pode ser legal, gente boa, mas neste aspecto é nefasto. Não a ministra, mas a política dela. Os argumentos que ela traz são do ECAD. Eu os conheço, fui a vários debates deles. A mesma escolinha: dizem que o CC é entidade americana e tal... Na realidade, esse tipo de argumento quer manter o copyright duro e até expandido por mais tempo. E a lei do copyright precisa de uma reforma em outros pontos. Mas, o que a ministra faz? Diz “vou convocar especialistas”. Nega, assim, todo o trabalho que a gente fez, aberto, com todo mundo em todas áreas. Ela quer trazer os especialistas dela. É um desrespeito dela para com a sociedade civil organizada que trabalhou nessa reforma.
Mas, tudo bem. Ela não quer encaminhar ao Congresso o projeto de reformas da lei copyright. E aí, ela é aplaudida por quem? Associação Internacional de Propriedade Intelectual! Composta pelos sete grandes da indústria de intermediação norte-americana. Eles fazem um elogio claro à ministra. Quer dizer, quem é nacionalista nessa história da reforma? Ela está com a indústria de Hollywood que persegue meninos... 28 mil jovens estão sendo processados por partilharem arquivos digitais. Aqui no Brasil, não avançaram para cima dessa meninada porque o governo do presidente Lula foi contra. Agora, mudou nessa área. E isso me preocupa muito.
Quando alguém faz um vídeo e coloca CC, este selo diz exatamente o que é permitido fazer, se pode vender ou não, aliás, há vários tipos de CC. E eu posso fazer de tudo desde que respeite a licença. Acho que ela está sendo apoiada por segmentos que são contra o compartilhamento. O PT precisa tomar uma decisão. Na questão do PNBL, no ano passado, quando houve um certo atrito com o ministro Hélio Costa, o presidente Lula tomou uma decisão. Foi para o lado da Telebrás e enquadrou as teles. Não teve embate porque o ministro (Hélio Costa) era aliado a esta política. Aliás, o presidente Lula lançou o blog do Planalto com CC.
A pergunta é: a presidente Dilma vai fazer o quê? Não tem nenhum embate, ninguém está perguntando agora, mas vai gerar um problema, porque a ministra pode mudar a política, revertê-la. Há quem diga que “é um exagero, a ministra (Ana de Hollanda) mal chegou”. Não é. A ministra chegou dando um sinal claro: vai reverter a política de compartilhamento, porque para ela domínio público não é importante. O importante é a proteção do autor. Esse é o discurso dela. E nós sabemos que ela está falando da indústria do copyright. Infelizmente, escolheram uma ministra que vem na contramão do que havíamos feito no governo Lula. As pessoas dizem que nada disso é importante. Como não é importante? É a política que consolidou o Brasil no plano cultural mundial como um país avançado.
Você pode dizer “o MinC está defendendo os artistas, os criadores...” Não, está defendendo a indústria de intermediação. Espero que esse retrocesso sirva pra gente afirmar a política avançada de compartilhamento de conhecimento. Eu não gosto da postura da ministra em relação ao mundo digital. Não sei qual é a política dela porque, por enquanto, ela só desmontou.
Qual a sua visão ou sugestão para uma Lei de Direitos Autorais na Internet?
Nós temos que abrir espaço para uma ideia muito importante. A maioria da humanidade nunca viveu de propriedade, mas de relacionamento. A Internet permite o relacionamento. Quando o escritor Paulo Coelho libera todo o conteúdo dele na rede, ele diz: “eu quero que todo mundo pegue porque eu vivo de relacionamento. O meu dinheiro vem da minha relação." Então, nós temos que abrir espaços para vários modelos de negócios, incentivar várias tentativas, coisas diferentes que estejam tipicamente naquilo que é compreensível no bem material.
Estou falando de uma economia de troca que não tem escassez. É uma outra economia. É preciso encontrar outras formas de universalizar esta nova economia digital. Esse pessoal não quer reconhecer isso. É o pessoal do lampião de gás que quer impedir o avanço da energia elétrica. Por que o MinC não abre um edital para os músicos fazerem um grande portal de música com licenças permissivas de uso? E que este portal seja tão grande que todos possam ir lá toda hora? Audiência grande dá dinheiro, todos sabem. Na rede, dinheiro é relação. Por que não outros modos de preservar o direito autoral?
Até parece que a maior parte do nosso faturamento na área é como nos EUA, onde as receitas vêm de copyright e patente. Claro que não é. Pega os escritores, o pessoal que vive de copyright não chega a 100... Na verdade, é pouco mais de meia dúzia. Os grandes Mário de Andrade, Carlos Drummond, Machado de Assis não viviam de direito autoral, eram todos funcionários públicos. Esta é a realidade. Estão falando de um negócio que não existe. Nossos modelos podem ser encontrados se você entender que a cultura sempre foi maior do que o mercado; e que a maior parte das pessoas, mesmo os artistas, não vive de propriedade, mas de relacionamento - do artista com quem o admira. O que as redes permitem? Mais relacionamento. O que a ministra quer fazer? Reduzir o relacionamento.
Existe algum tipo de controle da Internet que atinja a privacidade das pessoas? Corremos algum risco de censura?
O senso comum acha que a Internet é uma selva, um antro da perdição. A Internet é uma rede cibernética de controle de comunicação. Se você pegar a antena da TV Globo analógica, você não sabe se tem um ou cem mil assistindo a determinado programa. Para saber, eles contratam o IBOPE que tem um esquema de amostragem domiciliar. Na Internet, não funciona assim. Ela é uma rede de controle exatamente porque nela não se navega em hipótese alguma sem o número de IP. Toda vez que eu abro um site, seja do PT ou de um outro que eu nunca vi, da Turquia, eu faço uma requisição para este site. Coloco o endereço dele e peço um pedido de informação que vai até a máquina que hospeda o site e traz a informação para que eu possa acessá-lo. Então, para devolver essa informação, ela tem que te localizar, ou você não abre o que pediu. A Internet já é uma rede de controle, e quanto mais distribuída, mais tecnicamente controlada.
Aí, os espertos dizem: “não, eu quero identificação das pessoas”, ou seja, vincular o IP ao nome de uma pessoa. Na hora em que você faz o cadastro e vincula a pessoa ao número de IP, essa pessoa está registrada em várias máquinas pelo caminho. Agora, não se navega sem deixar um rastro digital. Transformar este controle técnico em controle político é muito simples. Hoje, a Internet tem um antídoto: o anonimato. E não estou dizendo anonimato de expressão, mas de navegação. É como andar na rua. Você anda na rua sem obrigatoriedade de identificação. O Ministério da Saúde, por exemplo, pode contratar uma empresa para saber todo mundo que está divulgando um remédio X, dizendo que ele é legal, quando na realidade é ilegal.
Então, é uma rede de extremo controle. Se não cuidarmos da defesa das liberdades, do funcionamento que a rede teve até então baseada no anonimato civil, estaremos criando uma sociedade de hipercontrole que não é correto. Há, também, outra polêmica econômica envolvida nisso. Nos EUA, a Comcast, empresa de TV a cabo que oferece conexão de Internet, ganhou o direito de precificar diferentemente os pacotes de informação que passam na Internet. Ela violou o principio de neutralidade na rede.
Na Internet, a informação não navega em estado puro. Há pacotes de informações, como se fossem contêiners de um navio. Esses pacotes ou datagramas (como são chamados) navegam com um IP de origem que indica de onde veio, para onde vai e qual a aplicação (se é texto, e-mail, imagem etc). A informação, portanto, é transferida no sinal que passa pela rede de uma operadora. Mas o que está acontecendo? A operadora diz: “como eu controlo o cabo em que passa esse sinal elétrico, o vídeo come muito a minha banda, então, quem quiser usar vídeo terá que pagar mais caro”.
Eles querem transformar a Internet em uma grande rede de TV a cabo, na qual você tem pacotes. Para usar o Youtube paga X, baixar música Y... Só que isso fere a seguinte ideia: quem controla a infraestrutura tem que ser neutro em relação às outras camadas lógicas da Internet. O caso é grave. Durante a eleição do presidente Barack Obama, o Pearl Jeam mudou a música do Pink Floyd dizendo para o Bush "deixe o mundo em paz", mas a rede da AT&T cortou o som durante a transmissão do show. Eles têm como cortar. Agora, se é o Estado que corta chamam de censura. Mas, quando é uma rede privada transnacional chama o quê?
É preciso dizer o que pode e o que não pode na Internet. Censura a gente fala de uma situação política e todos sabem que o corte do cabo foi censura, mas eles dizem que não é. Então, por motivos econômicos, políticos e culturais, as empresas querem quebrar a neutralidade na rede, arvorar-se do direito de dizer o que você pode ou não pode fazer. Veja que loucura! A rede é transnacional, os cabos perpassam os países, como controlar isso ? São redes de empresas privadas que fazem o que querem.
Por que estamos brigando? Estamos brigando para que cada país aprove leis e garanta o princípio da neutralidade, o que é uma tarefa hercúlea. No Brasil, no ano passado, foi feito um projeto de lei extremamente inovador, que contou com a contribuição de todos pela rede. O Ministério da Justiça fez um processo inovador, esperamos agora que o atual ministro José Eduardo Martins Cardozo mande o projeto do Marco Civil da Internet (a regulamentação da Internet no Brasil) para o Congresso Nacional.
O projeto vem com força da sociedade civil e nós vamos debatê-lo, inclusive, com as operadoras que vão querer a garantia do princípio de mercado na Internet. Elas dizem “a Internet é um mercado”. Não é! A Internet não se guia por critérios de mercado. Quem se guia por eles são as operadoras, os negócios que têm dentro da Internet. No ciberespaço não existia discriminação de pacotes, todos os pacotes e todos datagramas eram iguais perante a lei. Não é mais, porque o controlador da infraestrutura descobriu que pode controlar o fluxo. Então, por fatores econômicos e políticos, estamos num momento muito grave da vida/história da Internet.
Quais os desafios que a tecnologia coloca para o nosso país hoje e para onde caminham os avanços?
Do ponto de vista tecnológico, nós precisamos incentivar os criadores e remixadores de tecnologia. Não faremos isso sem estimular as comunidades de código aberto. Precisamos dar muita força a elas. Aquilo que o Gilberto Gil fez no MinC com os pontos de cultura, nós precisamos fazer agora com a tecnologia. O velho economista, da velha guarda do mundo industrial, não concebe que a tecnologia seja feita fora da firma. Mas, isso não existe mais. Eles ainda pensam na tecnologia dentro da firma ou com os sinais do mercado.
É preciso trazer a ebulição tecnológica e científica para essa meninada que está criando. Para o Brasil dar o salto tecnológico, temos que pegar a próxima curva e não vamos criar isso do além. Ciência se cria em cima de ciência. Tecnologia em cima de tecnologia. Hoje, o nosso grande desafio é transformar o Brasil em um país inventor e criador de tecnologia, principalmente da informação, que está em todas as áreas - medicina, biologia, nanotecnologia.
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