Reproduzo artigo de José Henrique Lopes, publicado no portal R7:
Há exatamente 15 anos, uma marcha de trabalhadores rurais que ia para Belém, capital do Pará, terminou em um dos mais sangrentos episódios de violência no campo da história recente do país. Por seu simbolismo, o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996, tornou-se um marco na luta pela terra no Brasil e no mundo.
Ao todo, 19 sem-terra foram mortos quando a Polícia Militar do Estado recorreu à força para desobstruir um trecho da rodovia PA 150, conhecido como “curva do S”, no município de Eldorado dos Carajás, a cerca de 750 quilômetros de Belém. Outras duas vítimas faleceram depois, por não resistirem aos ferimentos causados pela repressão.
Para marcar a data, em 2002 foi instituído o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária, celebrado em 17 de abril. A iniciativa partiu da então senadora Marina Silva e foi convertida em decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Foi também o massacre ocorrido no sudeste do Pará que originou o chamado “Abril Vermelho”, jornada nacional de mobilizações organizada todos os anos pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para cobrar a realização da reforma agrária.
Neste ano, desde o início do mês, segundo balanço divulgado pela entidade na última sexta-feira (15), mais de 70 propriedades haviam sido ocupadas. As ações, promovidas em 17 Estados, incluem também audiências, debates, fechamento de estradas, protestos em sedes de secretarias estaduais e escritórios regionais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Mais de 18 mil famílias estão mobilizadas.
Na pauta do movimento estão o assentamento urgente de 100 mil famílias que vivem em acampamentos no país e políticas de apoio a quem foi assentado, com investimento em moradias rurais, linhas de crédito, programas de capacitação e educação. O governo já se reuniu com representantes do MST para ouvir suas demandas.
Em Eldorado dos Carajás, onde foi criado o assentamento 17 de abril em parte da área que era reivindicada pelos trabalhadores mortos em 1996, uma semana de atividades foi programada. Segundo Eurival Martins Cardoso, um dos coordenadores do MST na região, vivem hoje no assentamento 6.000 pessoas. A área, que foi desapropriada, é de 18 mil hectares, dividida em 690 lotes da reforma agrária. Cada quota de terra, de 25 hectares, foi entregue a uma família.
Dimas Rodrigues, um dos coordenadores do assentamento, diz que o aniversário de 15 anos do massacre tem um duplo significado para quem continua em Eldorado dos Carajás. Além de marcar a renovação da luta, a data traz de volta a difícil missão de lidar com a herança daquele trágico episódio.
- É um momento muito importante para nós. Muitas vezes, quando a gente fala até se emociona, porque é uma data de 15 anos que estamos completando, são 15 anos de impunidade pelo acontecimento. É uma data comemorativa e ao mesmo tempo muito triste para nós.
Rodrigues era um dos cerca de 1.500 trabalhadores que, na tarde do dia 17 de abril de 1996, participavam da manifestação na PA 150.
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- Um grito de ordem que tem aqui diz que, enquanto houver um latifúndio, nós vamos lutar até o fim, não vamos nos aquietar. Não é porque aconteceu esse tipo de coisa que a gente vai se acovardar, de maneira alguma. Vamos lutar até o último momento para que cada um tenha seu pedaço de terra para ter uma vida digna.
Massacre
Era início de tarde quando os trabalhadores aguardavam a chegada dos ônibus que os levariam para Belém. Os veículos haviam sido prometidos pelas autoridades locais para que os manifestantes fossem à capital negociar a expropriação do complexo de fazendas Macaxeira. Para cumprir o acordo, os sem-terra haviam desobstruído a via. Os ônibus, no entanto, não apareceram. Em seu lugar, chegou um batalhão de cerca de 150 policiais, o que levou os trabalhadores a fechar novamente a rodovia.
Além dos 19 mortos, 69 pessoas ficaram gravemente feridas. E muitas outras carregam, ainda hoje, marcas físicas e psicológicas da tragédia. Há trabalhadores com balas alojadas no corpo, sobreviventes que ficaram mutilados, gente que perdeu os movimentos dos membros e a visão.
De 144 policiais levados ao banco dos réus, 142 foram absolvidos. Houve apenas duas condenações: do coronel Mário Colares Pantoja e do major José Maria Pereira Oliveira, apontados como comandantes da operação.
Ambos, porém, recorreram da sentença, que é de 2002, e aguardam o desfecho do caso em liberdade. Passados 15 anos do episódio, ninguém está na cadeia.
Para o MST, além da violência, a impunidade é o outro traço principal que caracteriza o massacre. O movimento cobra não apenas a responsabilização dos acusados pela repressão, mas também se queixa do descaso das autoridades.
Poucas são as vítimas que conseguiram ser indenizadas. Alguns sobreviventes também recebem uma pensão mensal. Mas, de acordo com a diretora do programa para o Brasil do Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), Beatriz Affonso, a maioria das pessoas não teve os direitos atendidos.
- Temos hoje um grupo bem razoável de pessoas com sequelas físicas e psicológicas bastante profundas e que nunca receberam nenhuma indenização do Estado. São aproximadamente 50 pessoas.
Para buscar uma solução, ao lado do MST, o Cejil levou o caso de Eldorado dos Carajás à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). Neste momento, explica ela, representantes dos sem-terra tentam conseguir um acordo – chamado “solução amistosa” – para o pagamento de indenizações e a implementação de políticas de combate à violência no ambiente rural.
Se nada for resolvido, o processo irá para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que recentemente condenou o Brasil por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). Na opinião de Beatriz, um novo revés no tribunal causaria grandes danos à imagem do Brasil no exterior.
- A gente não está pedindo nada além do que seria o mínimo que o Estado deveria fazer. Esse caso tem um apelo internacional enorme. O custo político disso no futuro vai ser muito grande, porque mostra que o Estado não está com vontade de tocar em algumas feridas importantes, como a questão do conflito agrário.
Uma década e meia após o massacre, a violência no campo continua a ser um grave problema no Brasil. Em 2009, segundo balanço da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ocorreram 1.184 conflitos rurais, com 25 assassinatos.
Há exatamente 15 anos, uma marcha de trabalhadores rurais que ia para Belém, capital do Pará, terminou em um dos mais sangrentos episódios de violência no campo da história recente do país. Por seu simbolismo, o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996, tornou-se um marco na luta pela terra no Brasil e no mundo.
Ao todo, 19 sem-terra foram mortos quando a Polícia Militar do Estado recorreu à força para desobstruir um trecho da rodovia PA 150, conhecido como “curva do S”, no município de Eldorado dos Carajás, a cerca de 750 quilômetros de Belém. Outras duas vítimas faleceram depois, por não resistirem aos ferimentos causados pela repressão.
Para marcar a data, em 2002 foi instituído o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária, celebrado em 17 de abril. A iniciativa partiu da então senadora Marina Silva e foi convertida em decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Foi também o massacre ocorrido no sudeste do Pará que originou o chamado “Abril Vermelho”, jornada nacional de mobilizações organizada todos os anos pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para cobrar a realização da reforma agrária.
Neste ano, desde o início do mês, segundo balanço divulgado pela entidade na última sexta-feira (15), mais de 70 propriedades haviam sido ocupadas. As ações, promovidas em 17 Estados, incluem também audiências, debates, fechamento de estradas, protestos em sedes de secretarias estaduais e escritórios regionais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Mais de 18 mil famílias estão mobilizadas.
Na pauta do movimento estão o assentamento urgente de 100 mil famílias que vivem em acampamentos no país e políticas de apoio a quem foi assentado, com investimento em moradias rurais, linhas de crédito, programas de capacitação e educação. O governo já se reuniu com representantes do MST para ouvir suas demandas.
Em Eldorado dos Carajás, onde foi criado o assentamento 17 de abril em parte da área que era reivindicada pelos trabalhadores mortos em 1996, uma semana de atividades foi programada. Segundo Eurival Martins Cardoso, um dos coordenadores do MST na região, vivem hoje no assentamento 6.000 pessoas. A área, que foi desapropriada, é de 18 mil hectares, dividida em 690 lotes da reforma agrária. Cada quota de terra, de 25 hectares, foi entregue a uma família.
Dimas Rodrigues, um dos coordenadores do assentamento, diz que o aniversário de 15 anos do massacre tem um duplo significado para quem continua em Eldorado dos Carajás. Além de marcar a renovação da luta, a data traz de volta a difícil missão de lidar com a herança daquele trágico episódio.
- É um momento muito importante para nós. Muitas vezes, quando a gente fala até se emociona, porque é uma data de 15 anos que estamos completando, são 15 anos de impunidade pelo acontecimento. É uma data comemorativa e ao mesmo tempo muito triste para nós.
Rodrigues era um dos cerca de 1.500 trabalhadores que, na tarde do dia 17 de abril de 1996, participavam da manifestação na PA 150.
Confira também
- Um grito de ordem que tem aqui diz que, enquanto houver um latifúndio, nós vamos lutar até o fim, não vamos nos aquietar. Não é porque aconteceu esse tipo de coisa que a gente vai se acovardar, de maneira alguma. Vamos lutar até o último momento para que cada um tenha seu pedaço de terra para ter uma vida digna.
Massacre
Era início de tarde quando os trabalhadores aguardavam a chegada dos ônibus que os levariam para Belém. Os veículos haviam sido prometidos pelas autoridades locais para que os manifestantes fossem à capital negociar a expropriação do complexo de fazendas Macaxeira. Para cumprir o acordo, os sem-terra haviam desobstruído a via. Os ônibus, no entanto, não apareceram. Em seu lugar, chegou um batalhão de cerca de 150 policiais, o que levou os trabalhadores a fechar novamente a rodovia.
Além dos 19 mortos, 69 pessoas ficaram gravemente feridas. E muitas outras carregam, ainda hoje, marcas físicas e psicológicas da tragédia. Há trabalhadores com balas alojadas no corpo, sobreviventes que ficaram mutilados, gente que perdeu os movimentos dos membros e a visão.
De 144 policiais levados ao banco dos réus, 142 foram absolvidos. Houve apenas duas condenações: do coronel Mário Colares Pantoja e do major José Maria Pereira Oliveira, apontados como comandantes da operação.
Ambos, porém, recorreram da sentença, que é de 2002, e aguardam o desfecho do caso em liberdade. Passados 15 anos do episódio, ninguém está na cadeia.
Para o MST, além da violência, a impunidade é o outro traço principal que caracteriza o massacre. O movimento cobra não apenas a responsabilização dos acusados pela repressão, mas também se queixa do descaso das autoridades.
Poucas são as vítimas que conseguiram ser indenizadas. Alguns sobreviventes também recebem uma pensão mensal. Mas, de acordo com a diretora do programa para o Brasil do Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), Beatriz Affonso, a maioria das pessoas não teve os direitos atendidos.
- Temos hoje um grupo bem razoável de pessoas com sequelas físicas e psicológicas bastante profundas e que nunca receberam nenhuma indenização do Estado. São aproximadamente 50 pessoas.
Para buscar uma solução, ao lado do MST, o Cejil levou o caso de Eldorado dos Carajás à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). Neste momento, explica ela, representantes dos sem-terra tentam conseguir um acordo – chamado “solução amistosa” – para o pagamento de indenizações e a implementação de políticas de combate à violência no ambiente rural.
Se nada for resolvido, o processo irá para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que recentemente condenou o Brasil por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). Na opinião de Beatriz, um novo revés no tribunal causaria grandes danos à imagem do Brasil no exterior.
- A gente não está pedindo nada além do que seria o mínimo que o Estado deveria fazer. Esse caso tem um apelo internacional enorme. O custo político disso no futuro vai ser muito grande, porque mostra que o Estado não está com vontade de tocar em algumas feridas importantes, como a questão do conflito agrário.
Uma década e meia após o massacre, a violência no campo continua a ser um grave problema no Brasil. Em 2009, segundo balanço da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ocorreram 1.184 conflitos rurais, com 25 assassinatos.
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