Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog Cinema & Outras Artes:
No Brasil, o inaceitável comportamento de grande parte da mídia corporativa durante os anos Lula fez com que ela, em meio a uma crise econômica de razões tecnológicas – traduzida na grande oferta de conteúdo gratuito via internet – sofresse também a maior perda de credibilidade de sua história.
“Velha mídia”, “Mídia gorda” e, sobretudo, o pregnante “PIG” (Partido da Imprensa Golpista) são exemplos de denominações derrogatórias utilizadas de forma recorrente, no período, para se referir ao jornalismo político brasileiro.
Um dos papeis mais relevantes prestados pela blogosfera “suja” nos últimos anos foi justamente denunciar o baixíssimo nível a que a mídia brasileira chegara, com seu antilulismo cego que a levou a relativizar a ditadura, a publicar ficha falsa de candidata na primeira página, a dar voz a um desequilibrado mental para acusar o presidente de estuprador, a armações ridículas como o grampo no STF e a tentativa de utilizar Lina Vieira para inviabilizar a candidatura Dilma (caso este cujas entranhas fui o primeiro jornalista a trazer integralmente à luz, no Observatório da Imprensa).
Acenos à mídia
No entanto, desde que a atual presidenta subiu ao poder ela já deu mostras mais do que suficientes de que pretende estabelecer outro tipo de relação com a mídia: foi à festa da Folha, fez um omelete em programa matinal global, tricotou um papo mineiro com a madrinha da TV Hebe Camargo.
Se o estabelecimento dessa política de boa vizinhança terá um custo que supere os gestos simbólicos, na forma de sacrifício da prometida Lei dos Meios ou de redirecionamento das verbas federais publicitárias (que Lula pulverizara em pequenos e médios jornais e estações de rádio), é algo que só o futuro poderá responder. (A história da imprensa no Brasil, no entanto, desautoriza grandes esperanças em contrário.)
O que é palpável e recorrente é a mudança de posição da mídia em relação a Dilma: até veículos e colunistas ferrenhamente anti-lulistas, como a revista Veja e a inacreditável Eliane Cantanhêde têm se desmanchado em elogios. A exaltação da “capacidade gerencial” da presidenta, de sua “seriedade” e “firmeza” tornaram-se lugares-comuns da análise política em pouco mais de três meses. O PIG, agressivo porco-do-mato, ora está mais para um terno gatinho, enredado nos novelos de Dilma Rousseff, a quem FHC agora considera "bonachona".
Bode expiatório
Mas quem acompanha as redes sociais tem a impressão de que nada mudou na relação da mídia com o governo federal. Desacostumados às críticas e às mínimas restrições, mesmo se os jornais alertam contra ameaças reais como o perigo inflacionário ou o beco sem saída para setores da indústria nacional representado pelo dólar demasiadamente baixo, os internautas que apoiam o governo não dão ouvidos e reagem apontando o mesmo culpado de sempre: o PIG.
O que torna o jogo ainda mais cínico é que quando a mídia elogia, aí, para essas mesmas turbas, ela deixa de ser PIG: “Desemprego cai no primeiro bimestre, diz O Globo", "Veja reconhece avanços na agricultura”, exultam os militantes e simpatizantes nas redes sociais ante notícias publicadas pelos mesmos veículos que vivem a atacar e a classificar como indignos de crédito.
Destarte, a centro-esquerda lulista mimetiza cada vez mais um tipo de comportamento que sempre foi mais associado aos setores de direita, evitando o debate franco e pontual através da utilização reiterada de um arsenal limitado de respostas-padrão e da atribuição de responsabilidade a um fator externo.
Discursos limitados
Coincidentemente, no último final de semana o blogueiro Leonardo Sakamoto publicou um post justamente sobre tal estratégia discursiva da direita, no qual ele demonstra sagacidade para coletar frases-padrão e conseguir montar um retrato sardônico dos cacoetes escapistas dos setores conservadores quando defrontados com alguns dos grandes dilemas sociais do país.
Ao ler o post, no entanto, embora me divertisse e concordasse, não pôde deixar de me ocorrer, não sem uma dose de mordacidade, que tarefa ainda mais fácil seria a de montar lista do mesmo tipo concernente à centro-esquerda ora no poder e sua militância. Bastaria, para tanto, responder a todas as perguntas embaraçosas - os cortes no MEC, o anacronismo do MinC, o dólar falindo empresas, a inflação de fato, que todos sentem no bolso - com as frases “Isso é invenção do PIG”, “O governo mal começou”, "Querem usar a Dilma para atacar o Lula" e o mesmo “Não é hora de mexer nesse assunto" elencado por Sakamoto em relação à abertura dos arquivos da ditadura.
Mimesis
Não é de se estranhar: uma centroesquerda cada vez mais voltada a, mais do que um projeto político, um projeto de poder; avessa a críticas e autocriticas; e que trasfere automaticamente ao setor comunicacional privado - o qual se esforça ao máximo para agradar - parte dos ônus de suas próprias escolhas se parece cada vez mais com a direita.
A mídia no Brasil é extremamente concentrada e tem objetivos políticos os quais, a princípio, não coincidem com os da aliança que apóia Dilma Rousseff. Será, portanto, preciso sempre vigiá-los, mídia e governo. Porém continuar utilizando o PIG como um escudo preventivo contra toda e qualquer crítica é tão falacioso quanto contraproducente, pois mais cedo ou mais tarde o eleitor vai perceber a nova dinâmica da relação mídia-governo e o truque de botar a culpa de quase tudo na mídia pode se virar contra os feiticeiros.
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