Reproduzo artigo de André Cintra, publicado no sítio Vermelho:
Devoto de Jesus Cristo, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tem muito a agradecer aos céus. Sob a liderança da deputada María Corina Machado, a oposição venezuelana adotou como conselheiro o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso — cujos brados não se fazem mais ouvir nem sequer entre tucanos mais ilustres. É um abraço de históricos derrotados.
O insucesso de FHC se traduz na rejeição cada vez mais cristalizada a seu governo (1995-2002) e na resistência do alto tucanato a evocar seu legado. Já o infortúnio da oposição a Chávez tem uma expressão mais nítida: desde 1998, a direita venezuelana acumula 15 derrotas em disputas eleitorais, referendos e plebiscitos. Em comum, ambos não escondem uma natureza elitista, antipopular — talvez a maior barreira para os conservadores voltarem ao poder nos dois países.
No artigo “O papel da oposição”, divulgado há duas semanas, FHC estertorou que o PSDB deve abrir mão tanto dos movimentos sociais quanto do “povão”. Segundo ele, “enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os ‘movimentos sociais’ ou o ‘povão’, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos”. A repercussão foi tão negativa que desconcertou Fernando Henrique. “Passei a ser cautelosíssimo. Pensei que ninguém fosse ler”, admitiu.
Já Corina Machado, em entrevista à Folha de S.Paulo, igualmente subestima os laços formados entre o “povão” venezuelano e o governo Chávez. “Os pobres foram usados e manipulados. Claro que o governo gosta de pobres, mas para mantê-los pobres. O governo precisa que eles fiquem dependentes do Estado e não quer uma sociedade autônoma que gere emprego por suas próprias fontes”, esbraveja a deputada.
O encontro entre o malfadado ideólogo da oposição brasileira e expoentes do conservadorismo da Venezuela ocorreu nesta terça-feira (26), em São Paulo, durante o debate “A América Latina em um mundo em transformação”, realizado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso. Não ficou claro o que o ex-presidente tem a dizer a opositores do país vizinho.
Depois de três derrotas consecutivas do consórcio PSDB-DEM em eleições presidenciais — duas delas para o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva —, quais lições teria FHC a ofertar? Por sinal, num momento em que se especula a fusão entre tucanos e “demos” para aplacar a ruína da oposição à presidente Dilma Rousseff, ao menos FHC teve a humildade de reconhecer que os venezuelanos é que, por ora, dão o “exemplo” da unidade.
“Se quisermos ter um objetivo maior, como têm os venezuelanos hoje, que é de voltar a ter uma situação em que o PSDB exerça um papel construtivo no Brasil, na República, nós temos de estar unidos", discursou o ex-presidente. A referência era à debandada de lideranças do PSDB — ou “revoada no ninho tucano”, para usar uma expressão que vai ganhando contornos de lugar-comum.
Esvaziamento
Nas eleições 2008, o PSDB fez a maior bancada da Câmara Municipal de São Paulo, com 14 vereadores eleitos. O campeão de votos, Gabriel Chalita, deixou a legenda já em 2009. Há duas semanas, mais seis vereadores, dos 13 remanescentes, também abandonaram a legenda, assim como Walter Feldmann, fundador do PSDB e atual secretário do governo Kassab.
Na onda de “destucanização”, ainda em curso, podem surfar mais dois ou três vereadores, além de Ricardo Montoro, filho do ex-governador Franco Montoro. Correligionários de Alckmin já insinuam — a começar pelo “Painel” da Folha de S.Paulo — que Serra está por trás do esvaziamento do PSDB, num suposto revide a Alckmin.
FHC não poderia ter contexto mais adverso para dar ensinamentos de oposição. Em meio ao “fogo amigo” nas altas e baixas rodas do tucanato, sobram ao ex-presidente poucos temas a explorar numa plateia onde há ansiosos direitistas loucos para derrubar Chávez e a Revolução Bolivariana.
Por onde sair, então? O ex-presidente brasileiro pede que a presidente Dilma Rousseff e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, sejam sensíveis no trato com a Venezuela. “O Brasil tem interesses comuns com a Venezuela — e nós não podemos, de repente, ter uma atitude que possa ser compreendida como contrária à Venezuela", esclarece FHC. Mas, afinal, foi o partido dele ou o da Dilma que lutou contra a adesão venezuelana no Mercosul?
“Como distinguir a defesa dos direitos humanos com a participação da Venezuela na América Latina, no Mercosul, de acordo com os nossos interesses? Espero que o governo, sobretudo com o novo chanceler, tenha sensibilidade suficiente para ao mesmo tempo atender aos interesses do Brasil e da Venezuela”, diz FHC. Que não fique o dito pelo não-dito: o ex-presidente acredita mesmo que o Itamaraty teve mais “sensibilidade” sob sua gestão — aquela que tirava até os sapatos para os Estados Unidos — do que o Itamaraty de Lula e Celso Amorim.
E, como a unidade da oposição é um fato apenas na Venezuela, a conclusão da atividade no Instituto FHC não surpreende: esperemos não tanto por conselhos e artigos de Fernando Henrique sobre o “papel da oposição” — mas pelo desfecho do processo da fusão entre PSDB e DEM.
O povo e as mudanças
Enquanto isso, Corina Machado sonha com o fim da era Chávez na Venezuela bolivariana e da ascensão da esquerda no continente. Sua aposta: “A mudança de modelo, não somente de governo, terá efeito direto em toda a região. Vai contribuir para fortalecer instituições e avançar rumo à democratização e crescimento real. Com a saída de Chávez, a América Latina vai emergir como novo polo de desenvolvimento e atração de investimento, crescimento e inclusão social."
A Venezuela realiza eleições presidenciais em 2012, dois anos antes do Brasil. Conquanto o sentimento conservador possa crescer na sociedade até lá, sobressai a saudável certeza de que a direita, lá e cá, ainda é incapaz de entender que o povo latino-americano ousou mudar — e aprovou as mudanças.
Devoto de Jesus Cristo, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tem muito a agradecer aos céus. Sob a liderança da deputada María Corina Machado, a oposição venezuelana adotou como conselheiro o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso — cujos brados não se fazem mais ouvir nem sequer entre tucanos mais ilustres. É um abraço de históricos derrotados.
O insucesso de FHC se traduz na rejeição cada vez mais cristalizada a seu governo (1995-2002) e na resistência do alto tucanato a evocar seu legado. Já o infortúnio da oposição a Chávez tem uma expressão mais nítida: desde 1998, a direita venezuelana acumula 15 derrotas em disputas eleitorais, referendos e plebiscitos. Em comum, ambos não escondem uma natureza elitista, antipopular — talvez a maior barreira para os conservadores voltarem ao poder nos dois países.
No artigo “O papel da oposição”, divulgado há duas semanas, FHC estertorou que o PSDB deve abrir mão tanto dos movimentos sociais quanto do “povão”. Segundo ele, “enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os ‘movimentos sociais’ ou o ‘povão’, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos”. A repercussão foi tão negativa que desconcertou Fernando Henrique. “Passei a ser cautelosíssimo. Pensei que ninguém fosse ler”, admitiu.
Já Corina Machado, em entrevista à Folha de S.Paulo, igualmente subestima os laços formados entre o “povão” venezuelano e o governo Chávez. “Os pobres foram usados e manipulados. Claro que o governo gosta de pobres, mas para mantê-los pobres. O governo precisa que eles fiquem dependentes do Estado e não quer uma sociedade autônoma que gere emprego por suas próprias fontes”, esbraveja a deputada.
O encontro entre o malfadado ideólogo da oposição brasileira e expoentes do conservadorismo da Venezuela ocorreu nesta terça-feira (26), em São Paulo, durante o debate “A América Latina em um mundo em transformação”, realizado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso. Não ficou claro o que o ex-presidente tem a dizer a opositores do país vizinho.
Depois de três derrotas consecutivas do consórcio PSDB-DEM em eleições presidenciais — duas delas para o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva —, quais lições teria FHC a ofertar? Por sinal, num momento em que se especula a fusão entre tucanos e “demos” para aplacar a ruína da oposição à presidente Dilma Rousseff, ao menos FHC teve a humildade de reconhecer que os venezuelanos é que, por ora, dão o “exemplo” da unidade.
“Se quisermos ter um objetivo maior, como têm os venezuelanos hoje, que é de voltar a ter uma situação em que o PSDB exerça um papel construtivo no Brasil, na República, nós temos de estar unidos", discursou o ex-presidente. A referência era à debandada de lideranças do PSDB — ou “revoada no ninho tucano”, para usar uma expressão que vai ganhando contornos de lugar-comum.
Esvaziamento
Nas eleições 2008, o PSDB fez a maior bancada da Câmara Municipal de São Paulo, com 14 vereadores eleitos. O campeão de votos, Gabriel Chalita, deixou a legenda já em 2009. Há duas semanas, mais seis vereadores, dos 13 remanescentes, também abandonaram a legenda, assim como Walter Feldmann, fundador do PSDB e atual secretário do governo Kassab.
Na onda de “destucanização”, ainda em curso, podem surfar mais dois ou três vereadores, além de Ricardo Montoro, filho do ex-governador Franco Montoro. Correligionários de Alckmin já insinuam — a começar pelo “Painel” da Folha de S.Paulo — que Serra está por trás do esvaziamento do PSDB, num suposto revide a Alckmin.
FHC não poderia ter contexto mais adverso para dar ensinamentos de oposição. Em meio ao “fogo amigo” nas altas e baixas rodas do tucanato, sobram ao ex-presidente poucos temas a explorar numa plateia onde há ansiosos direitistas loucos para derrubar Chávez e a Revolução Bolivariana.
Por onde sair, então? O ex-presidente brasileiro pede que a presidente Dilma Rousseff e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, sejam sensíveis no trato com a Venezuela. “O Brasil tem interesses comuns com a Venezuela — e nós não podemos, de repente, ter uma atitude que possa ser compreendida como contrária à Venezuela", esclarece FHC. Mas, afinal, foi o partido dele ou o da Dilma que lutou contra a adesão venezuelana no Mercosul?
“Como distinguir a defesa dos direitos humanos com a participação da Venezuela na América Latina, no Mercosul, de acordo com os nossos interesses? Espero que o governo, sobretudo com o novo chanceler, tenha sensibilidade suficiente para ao mesmo tempo atender aos interesses do Brasil e da Venezuela”, diz FHC. Que não fique o dito pelo não-dito: o ex-presidente acredita mesmo que o Itamaraty teve mais “sensibilidade” sob sua gestão — aquela que tirava até os sapatos para os Estados Unidos — do que o Itamaraty de Lula e Celso Amorim.
E, como a unidade da oposição é um fato apenas na Venezuela, a conclusão da atividade no Instituto FHC não surpreende: esperemos não tanto por conselhos e artigos de Fernando Henrique sobre o “papel da oposição” — mas pelo desfecho do processo da fusão entre PSDB e DEM.
O povo e as mudanças
Enquanto isso, Corina Machado sonha com o fim da era Chávez na Venezuela bolivariana e da ascensão da esquerda no continente. Sua aposta: “A mudança de modelo, não somente de governo, terá efeito direto em toda a região. Vai contribuir para fortalecer instituições e avançar rumo à democratização e crescimento real. Com a saída de Chávez, a América Latina vai emergir como novo polo de desenvolvimento e atração de investimento, crescimento e inclusão social."
A Venezuela realiza eleições presidenciais em 2012, dois anos antes do Brasil. Conquanto o sentimento conservador possa crescer na sociedade até lá, sobressai a saudável certeza de que a direita, lá e cá, ainda é incapaz de entender que o povo latino-americano ousou mudar — e aprovou as mudanças.
Amen
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