Reproduzo artigo publicado no sítio português Resistir em maio de 2002:
A notícia chegou a 26 de outubro de 2001, em meio a indiferença geral, num despacho lacônico da agência Associated Press: a família Bin Laden retirava seus 2,02 milhões de dólares de investimentos da sociedade Carlyle Group. O anúncio seguia-se a um artigo de página inteira, publicado a 27 de setembro de 2001 no Wall Street Journal, referente a uma participação financeira da família Bin Laden neste grupo. Mas nenhum outro veículo da mídia interessou-se realmente por esta informação.
O que é o Carlyle Group?
Trata-se de uma companhia de investidores privados, pouco conhecida do grande público, que gere cerca de 13 mil milhões de dólares de investimentos em diferentes sociedades de armamento, de telecomunicações e de laboratórios farmacêuticos. Um complexo financeiro tentacular. Dentre as quatro sociedades mais importantes detidas por este grupo nebuloso, constam:
— Empi, Inc (atividade principal: medicamentos e produtos médicos. Faturamento em 2000: US$ 73 milhões);
— Medpointe, Inc (atividade principal: medicamentos e preservativos. Faturamento estimado em 2001: US$ 223 milhões);
— United Defense Industries, Inc (atividade principal: fabricação de tanques e de veículos blindados para o exército americano ou para exportação. Faturamento em 2000: US$ 1,18 mil milhões);
— United States Marine Repair, a maior companhia americana de navios de guerra não nucleares (faturamento em 2000: US$ 400 mil milhões) [1].
O conjunto destas atividades ligadas ao armamento ou à defesa torna o Carlyle Group um dos mais importantes fornecedores do Pentágono. Grande parte destas encomendas dependem entretanto da boa vontade da administração. Mas esta sociedade discreta não se limita apenas a atuar no armamento americano. Em 14 anos de existência ela estendeu seu poder financeiro a todo o mundo, onde os investimentos fossem lucrativos.
Hoje, o conglomerado Carlyle controla mais de 160 sociedades, em 55 países, e possui um escritório em França, localizado na Av. Kléber, 112, em Paris. Sua filial francesa salientou-se em Junho de 2000 ao tomar partes da holding financeira do Figaro, sob as barbas de Serge Dassault, que cobiçava o título para si próprio. Do outro lado do Atlântico, o patrão mor do Carlyle Group não é senão Franck Carlucci, antigo secretário de Estado da Defesa sob Ronald Reagan, entre 1987 e 1989 e embaixador em Lisboa em 1974-75, durante a Revolução Portuguesa. Mas esta familiaridade política não é o mais espantoso.
A firma também emprega, a tempo inteiro ou para operações temporárias de relações públicas, Georges Bush (antigo presidente dos EUA e pai do actual racha-talibans), John Major (ex-primeiro ministro da Grã Bretanha), Karl Otto Pohl (ex-presidente do Bundesbank), Fidel Ramos (ex-presidente das Filipinas), Arthur Levitt (ex-presidente da Security Exchange Commission), e James Baker (antigo secretário de Estado de Bush senior) [2]. Em suma, a nata mundial dos grandes decisores... E até 26 de outubro de 2001 a família do homem mais procurado do planeta também fazia parte deste alegre conjunto!
É evidente que não se poderia acusar todos os membros da família de financiar o terrorismo islâmico. Mas em contrapartida é certo que nem todos os membros cortaram os laços com Osama. Pode-se apostar que se o Carlyle Group emprega todas estas figuras de proa da geopolítica mundial (cujos salários são evidentemente mantidos secretos) é para aproveitar das suas vastas agendas de endereços, e assegurar os contactos internacionais necessários aos seus domínios de actividade a fim de alcançar uma bela facturação. Com o pretexto de esta ser uma época tormentosa, o exército americano acaba, por exemplo, de pedir ao Congresso uns 500 milhões de dólares a fim de encomendar o seu novo brinquedo: o tanque Crusader, de que tem necessidade para futuras operações terrestres.
E quem fabrica os tanques Crusader?
Adivinhou: a empresa United Defense Industries, Inc, e portanto o Carlyle Group! O Congresso americano está em vias de debater a oportunidade deste investimento pesado (pago pelos contribuintes) e as conversações estão em curso... Assim, graças a investimentos diversificados e muito sumarentos, os accionistas do Carlyle beneficiam de um retorno sobre o investimento de 34% ao ano. Algo nunca visto neste tipo de actividade.
Com uma tal rentabilidade, mantida desde a criação do grupo, esperar-se-ia ver todos os analistas financeiros do planeta aconselharem a compra de títulos Carlyle. Mas isso não acontece, e por uma razão muito simples: o Carlyle Group não está cotado em bolsa. Uma opção espantosa para uma entidade deste porte...
Mas só à primeira vista. Está fora de causa, para os grandes trutas do Carlyle, deixar o accionista médio aproveitar de um tal maná. Outra vantagem, que não é das menores: colocando-se fora do circuito bolseiro, o grupo não é obrigado a divulgar à Security Exchange Comission (a comissão americana encarregada de verificar a regularidade das operações bolsistas) o nome dos seus associados (e particularmente dos accionistas incómodos, como o clã Bin Laden) nem as suas fatias respectivas.
Esta atitude é também o melhor meio de dissimular o pormenor das atividades, que poderiam ofuscar muita gente. Com efeito, cada vez que Bush Junior passa a encomenda de um tanque ou de um navio a uma sociedade do grupo Carlyle, em nome da defesa americana, é Bush Senior que passa pela caixa, para receber outro punhado de dólares, bem como os Bin Laden, que durante todos esses anos embolsaram os seus 34% de dividendos anuais.
O Carlyle Group prosperava tranquilamente na sombra, até que dois organismos governamentais, o Judicial Watch e o Center for Public Integrity, insurgiram-se contra a situação. Estas duas associações, que vasculham as milhares de páginas entregues pelo Congresso todos os anos, bem como os documentos desclassificados da CIA ou do FBI, denunciaram o estado de coisas [3] relatado pelo Wall Street Journal e pela BBC. É claro que uma tal notícia fez o Carlyle sair do seu mutismo. A família Bin Laden (excepto o maldoso Ussama, naturalmente) é constituída por pessoas respeitáveis informaram com a mão no coração os dirigentes do Carlyle Group e também Arabella Burton, secretária particular de John Major, quando a notícia se tornou conhecida.
Então por que é que eles retiraram os seus investimentos no Carlyle? Georges Bush pai viajou pelo menos duas vezes, em outubro de 1998 e em 2000, a Jeddah, a sede familiar dos Bin Laden, na Arábia Saudita. Será que lhes pediu notícias de Osama, ou simplesmente um cheque? Após as revelações do Wall Street Journal , Jean Becker, porta-voz de Bush Senior, declarou primeiro que Bush Sr. havia encontrado a família Bin Laden uma vez, e a seguir, no dia seguinte: "Depois de ter visto as notas do ex-presidente" ... "O ex-presidente Bush não tem relação com a família Bin Laden. Ele encontrou-se com eles duas vezes". Somente duas? Segundo o Figaro de 31 de outubro de 2001, Osama Bin Laden foi internado no hospital americano de Dubai a 14 de Julho de 2001 para uma operação dos rins e recebeu a visita de um responsável da CIA e de vários membros da sua família (para a qual, recorde-se, ele é a ovelha negra e com a qual é suposto ter cortado todos os laços).
Estes membros da família seriam daqueles que possuíam fatias do Carlyle Group? Mistério, tão complexa é a família Bin Laden. Finalmente, a 7 de novembro de 2001, The Guardian revelava que certos responsáveis do FBI queixavam-se de que "por razões políticas, todas as suas investigações sobre a família Bin Laden haviam sido paralisadas, sobretudo desde que Georges W. Bush tornara-se presidente".
Estas investigações referiam-se a dois irmãos de Osama Bin Laden, Omar e Abdullah, devido à sua relação com a Assembleia Mundial da Juventude Muçulmana, que faz parte das associações suspeitas de financiar o terrorismo. Estariam eles entre os 24 membros da família Bin Laden residentes nos Estados Unidos, que desapareceram (sob a supervisão do FBI!) do aeroporto de Washington a 14 de setembro de 2001, três dias depois dos atentados [4]? Mistério, a lisa completa dos passageiros não foi publicada.
É preciso dizer que as ligações entre a família Bush e o Médio Oriente são antigas, profundas e lucrativas. Não foi a sociedade de Georges Bush Jr, Harken, que obteve a exploração exclusiva do gás e do petróleo do emirato do Bahrein por 35 anos, apesar de não ter nenhuma experiência em perfurações off-shore? Algumas grandes petroleiras (inclusive a Amocco, que estava na competição) perceberam então que Bush Senior, então presidente, não estava ali à toa.
A 22 de junho de 1990, algumas semanas antes que o papá Bush desencadeasse a Tempestade do Deserto, Bush Jr. liquidava sua participação na Harken por US$ 850 mil. Uma semana depois a Harken anunciava perdas recordes de US$ 23 milhões. A partir da invasão, o título caiu a pique... "Pura sorte", comentou Júnior [5], esquecendo-se a propósito de declarar à SEC esta cessão. Interrogado pela mesma SEC oito meses depois acerca do esquecimento ele precisa que a SEC havia certamente perdido a folha de declaração [6].
Dentre os associados de Georges Bush Júnior figurava um personagem enxofrado chamado Khalid Bin Mafhouz. Seu nome está associado ao escândalo do BCCI (bancarrota em que 12 mil milhões de dólares desapareceram como fumaça), do qual ele possuía 20% do capital. Ele foi reconhecido culpável de dissimulação fiscal e teve de pagar uma multa de US$ 225 milhões, além de uma interdição por toda a vida de exercer uma profissão bancária nos Estados Unidos.
Durante o inquérito efetuado para este processo, verificou-se que a CIA havia utilizado este banco para financiar certas operações obscuras, misturando droga e tráfico de armas, tudo evidentemente coberto pelo segredo de Estado. Em 1987, Khalid Bin Mahfouz adquiria 11,5% da Harken, a sociedade presidida por Georges Bush Jr. através do seu homem de negócios nos Estados Unidos, Abdullah Taha Bakksh [7].
No Conselho de Administração do Carlyle encontrava-se até ao ano passado Sami Baarma, director da Prime Commercial Bank do Paquistão, do qual Bin Mahfouz é o patrão. Melhor ainda, James Bath, amigo do mesmo regimento de Georges W. Bush Júnior e filho de uma grande família petroleira texana, foi um dos primeiros investidores no negócios petroleiro de Bush Júnior, uma vez que detinha 5% das suas duas primeiras sociedades, Arbusto 79 e Arbusto 80.
Ora, desde 1976 James Bath era o representante nos EUA de Salem Bin Laden, o irmão mais velho de Osama, que morrerá num acidente de avião tal como o seu pai, o fundador da dinastia! Processado por um antigo sócio, ele testemunhou sob juramento em 1992 e confirmou estes factos. O FINCEN (Financial Crime Enforcement Network) investigava então a sociedade de Bath, Ventures Corp, Inc e supeitava que ela facilitasse tomadas de controlo de companhias a fim de influenciar a política externa americana [8].
Depois de negar tê-lo conhecido, Georges W. Bush finalmente reconheceu que ambos haviam efetuado vagos negócios conjuntos. Isto foi divulgado durante as primárias republicanas para a eleição presidencial que Bush ganhou na Florida nas condições que se sabe [9]. Quanto a Khalid Bin Mafhouz, foi preso em 3 de agosto de 2000, a pedido da Administração Clinton, e colocado sob mandato de prisão no hospital militar de Taef, na Arábia Saudita. Desde então, ninguém sabe o que se passou. Bin Mahfouz, é preciso dizer, faz parte das pessoas procuradas por apoio à organização Al Qaeda, através de organizações humanitárias islâmicas.
O que resulta de tudo isto? Na operação liberdade imutável, quem são os bons e quem são os maus? Os mariners americanos que desembarcam no Afeganistão saberão quais os interesses porque arriscam a sua pele? Têm os governos europeus conhecimento destas informações? Por que Bush Jr, como exigem com insistência o Judicial Watch e o Center for Public Integrity, não pede ao seu pai para acabar com todos os contactos com a Carlyle? Khalid Bin Mahfouz já estará no fundo do Mar Vermelho? Por que George W. Bush esperou quinze dias para levantar a lista das organizações suspeitas cujos haveres deveriam ser congelados nos Estados Unidos e alhures? Na era das transações bancárias e anónimas instantâneas, estes quinze dias são uma eternidade.
Grosso modo, por uma única razão: neste nível de imbricação de interesses privados e pessoais, Bush nada pode fazer ou dizer. Ele não pode senão pregar uma cruzada do mundo livre contra os infames integristas barbudos, que impedem os grupos petroleiros de contruir o oleoduto vital que encaminharia o petróleo das imensas reservas do Cáspio para o Mar Vermelho. Basta olhar um mapa da região para ficar convencido.
E para o caso altamente improvável de se capturar Bin Laden vivo, George W. Bush acaba de inventar um tribunal militar de excepção, ao abrigo da imprensa e dos curiosos, evidentemente por razões de segurança nacional. Osama poderia mostrar fotos do churrasco de carneiro familiar, com Bush Sénior sentado no tapete. Que fazer? Que fazer para que o mais influente país do mundo deixe de ser dirigido por pessoas cuja carteira de acções engorda cada vez que arrebenta uma guerra no planeta?
Até o 11 de setembro, tudo era perfeito. A guerra desenrolava-se em casa dos outros, aos quais bastava armar, direta ou indiretamente, embolsando pelo caminho as comissões das vendas de armas. A partir do 11 de setembro, pela primeira vez desde 1865, o conflito pode desenrolar-se também no solo dos EUA. O povo americano, particularmente as famílias das vítimas dos atentados, tem o direito de perguntar o porque ao seu presidente.
Notas
[1] Ver Hoover's Online.
[2] The Guardian.
[3] Voir Judicial Watch et Center for Public Integrity.
[4] Scoop, agencia de imprensa da Nova Zelândia, com sede em Wellington.
[5] US News and World Report, 1992.
[6] The Nation, 26 avril 1999.
[7] Intelligence News Letter, 2 mars 2000.
[8] Houston Chronicle, 4 juin 1992.
[9] Time Magazine.
mas quem é o autor do texto?
ResponderExcluirnao consigo achar de jeito nenhum, nem em outros links...