Reproduzo entrevista concedida ao jornalista Rodrigo Martins, publicada na revista CartaCapital:
“A Justiça foi feita”. A frase marcou os discursos do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, após o anúncio da morte do líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden, no domingo 1º. À luz do direito internacional, no entanto, a declaração é falaciosa, alerta o colunista Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, de combate ao crime organizado. “Obama deu continuidade à doutrina Bush, de dar licença para matar, em vez de capturar e julgar os acusados de envolvimento com o terrorismo.”
Na avaliação de Maierovitch, que foi secretário nacional Antidrogas e professor visitante da Universidade de Georgetown (EUA), a morte de Bin Laden pode ser comparada ao ato de cortar a cabeça de uma serpente do cabelo da Medusa na mitologia grega. “No lugar de uma serpente morta, nascem mil outras. A rede terrorista Al Qaeda continua ativa e com sede de vingança.” Confira, abaixo, a entrevista:
Qual é o significado da morte de Bin Laden?
Essa execução representa a queda de um símbolo do terrorismo internacional. Mas isso é como cortar a cabeça de uma das serpentes do cabelo de Medusa. No lugar de uma serpente morta, nascem mil outras. A rede terrorista Al Qaeda continua ativa e com sede de vingança.
Mesmo com o isolamento dos líderes e o cerco montado aos principais financiadores da rede terrorista?
Permanece ativa toda uma rede apoiada no cyberterrorismo. A cada ano, aparecem novos 900 sites com vínculo alqaedista. Hoje, tendo em vista toda essa perseguição à cúpula da Al Qaeda, eles usam a internet como meio de propaganda. Recentemente, o número 2 da rede terrorista, o médico egípcio Ayman Al Zawahri, recomendou que cada militante pratique atentados por meios próprios, sem necessidade de consultar ou buscar recursos junto aos líderes. É a política do ‘faça você mesmo’. E esse anúncio foi feito depois que as forças leais aos Estados Unidos conseguiram isolar as lideranças, atrasar o seus contatos com as bases e restringir as fontes de financiamento, sobretudo dos radicais islâmicos sauditas.
A CIA já dá como certa a possibilidade de retaliação.
Seguramente, haverá muitos atos de retaliação. E também já está caracterizado o alvo principal, o presidente Obama, que apresentou a cabeça de Bin Laden e mobilizou a CIA para executá-lo. É certo que ele será alvo de atentados, só não se sabe o que está sendo planejado e quando isso pode ocorrer. Aliás, convém lembrar que Bush conseguiu a reeleição com base no discurso do terror, graças ao temor do povo americano de sofrer novos atentados.
Com a morte de Bin Laden, o presidente Obama passa a ter apoio popular nesse momento de euforia. Daqui para frente, no entanto, a população americana pode voltar a ser alvo de ataques. Não serão atentados tão engenhosos como os de 11 de Setembro de 2001, mas podem ocorrer explosões menores em locais com grande concentração de pessoas, como estações de metrô ou aeroportos, a exemplo do que ocorreu em Madrid, em março de 2004, e em Londres, em julho do ano seguinte. Se isso ocorrer, não se sabe o efeito que terá na popularidade de Obama.
Mas ele vingou a morte das 3 mil vítimas de 11 de Setembro.
Vingou, mas não fez justiça, como Hillary e Obama disseram em seus discursos. Obama deu continuidade à doutrina Bush, de dar licença para matar, em vez de capturar e julgar os acusados de envolvimento com o terrorismo Obama aplicou a doutrina Bush. Isso não tem respaldo no direito internacional, embora os Estados Unidos estejam fora da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, assim como Israel, Egito, Rússia e Índia. Trata-se de um ataque, e não de defesa. A luz do direito internacional, a morte de Bin Laden não pode ser considerada legítima defesa, porque ele poderia ser capturado e acabou executado. Aliás, essa não é a atitude que se espera de um Nobel da Paz. Obama mostrou que ainda não tem uma linha própria de atuação.
Por quê?
Ele deixou de cumprir várias promessas e não se diferenciou de Bush. Anunciou que pretendia transferir o julgamento dos supostos terroristas das cortes militares para a justiça comum, mas depois voltou atrás ao perceber que eles seriam absolvidos em massa, uma vez que a justiça comum não aceita provas obtidas sob tortura. Também alardeou a retirada completa das tropas americanas do Iraque, mas deixou apenas os centros urbanos. Sem falar da manutenção da prisão de Guantánamo, a despeito da promessa de fechá-la. Ao matar Bin Laden, em vez de capturá-lo, Obama segue a doutrina Bush.
O mesmo pode ser dito em relação à ofensiva na Líbia?
Sim. Na semana passada, em discurso no Congresso americano, o senador republicano Lidsey Graham falou sobre a necessidade de “cortar a cabeça da serpente na Líbia”, referindo-se a Kaddafi. Transformar o ditador líbio em alvo é uma violação da resolução 1973, que preserva os direitos humanos. Embora a Otan negue que o alvo é Kaddafi, é evidente a intenção de eliminar o líder inimigo. A Rússia chegou a protestar contra os bombardeios ao complexo de Bab al-Aziziyah e na casa de Saif al-Arab, filho de Kaddafi. É a repetição da doutrina Bush, ou seja, de dar licença às tropas aliadas para matar o oponente.
Por que só foi possível matar o líder da Al Qaeda agora, quase dez anos após o início da chamada “Guerra ao Terror”, encampada pelo governo americano após 11 de Setembro?
Bin Laden viveu muito tempo sob proteção tribal. Especulava-se até que ele já havia morrido, porque sumiu, desapareceu do noticiário. Diante da emergência do cyberterrorismo, Bin Laden deixa a proteção tribal para monitorar a internet de um centro urbano em tempo real. Passou a morar num bunker. Só que o prêmio pela cabeça de Osama era altíssimo e, numa zona urbana, está mais exposto às delações. Esse provavelmente foi o calcanhar de Aquiles do líder terrorista.
O senhor acha possível que outros grupos terroristas possam aderir à rede Al Qaeda, criando aquele grande califado islâmico sonhado por Bin Laden?
O terrorismo de Bin Laden é de matriz salafita e sunita. Salafita pelo radicalismo, sunita pela orientação religiosa. Existem centenas de organizações de origem xiita, como o Hamas e o Hezbollah. Bin Laden se ofereceu diversas vezes para uma união, capaz de reestabeler o poder islâmico e formar um califado, no qual o líder natural seria ele. Evidentemente, nem o Hamas nem o Hezbollah aceitaram se submeter a ele.
“A Justiça foi feita”. A frase marcou os discursos do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, após o anúncio da morte do líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden, no domingo 1º. À luz do direito internacional, no entanto, a declaração é falaciosa, alerta o colunista Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, de combate ao crime organizado. “Obama deu continuidade à doutrina Bush, de dar licença para matar, em vez de capturar e julgar os acusados de envolvimento com o terrorismo.”
Na avaliação de Maierovitch, que foi secretário nacional Antidrogas e professor visitante da Universidade de Georgetown (EUA), a morte de Bin Laden pode ser comparada ao ato de cortar a cabeça de uma serpente do cabelo da Medusa na mitologia grega. “No lugar de uma serpente morta, nascem mil outras. A rede terrorista Al Qaeda continua ativa e com sede de vingança.” Confira, abaixo, a entrevista:
Qual é o significado da morte de Bin Laden?
Essa execução representa a queda de um símbolo do terrorismo internacional. Mas isso é como cortar a cabeça de uma das serpentes do cabelo de Medusa. No lugar de uma serpente morta, nascem mil outras. A rede terrorista Al Qaeda continua ativa e com sede de vingança.
Mesmo com o isolamento dos líderes e o cerco montado aos principais financiadores da rede terrorista?
Permanece ativa toda uma rede apoiada no cyberterrorismo. A cada ano, aparecem novos 900 sites com vínculo alqaedista. Hoje, tendo em vista toda essa perseguição à cúpula da Al Qaeda, eles usam a internet como meio de propaganda. Recentemente, o número 2 da rede terrorista, o médico egípcio Ayman Al Zawahri, recomendou que cada militante pratique atentados por meios próprios, sem necessidade de consultar ou buscar recursos junto aos líderes. É a política do ‘faça você mesmo’. E esse anúncio foi feito depois que as forças leais aos Estados Unidos conseguiram isolar as lideranças, atrasar o seus contatos com as bases e restringir as fontes de financiamento, sobretudo dos radicais islâmicos sauditas.
A CIA já dá como certa a possibilidade de retaliação.
Seguramente, haverá muitos atos de retaliação. E também já está caracterizado o alvo principal, o presidente Obama, que apresentou a cabeça de Bin Laden e mobilizou a CIA para executá-lo. É certo que ele será alvo de atentados, só não se sabe o que está sendo planejado e quando isso pode ocorrer. Aliás, convém lembrar que Bush conseguiu a reeleição com base no discurso do terror, graças ao temor do povo americano de sofrer novos atentados.
Com a morte de Bin Laden, o presidente Obama passa a ter apoio popular nesse momento de euforia. Daqui para frente, no entanto, a população americana pode voltar a ser alvo de ataques. Não serão atentados tão engenhosos como os de 11 de Setembro de 2001, mas podem ocorrer explosões menores em locais com grande concentração de pessoas, como estações de metrô ou aeroportos, a exemplo do que ocorreu em Madrid, em março de 2004, e em Londres, em julho do ano seguinte. Se isso ocorrer, não se sabe o efeito que terá na popularidade de Obama.
Mas ele vingou a morte das 3 mil vítimas de 11 de Setembro.
Vingou, mas não fez justiça, como Hillary e Obama disseram em seus discursos. Obama deu continuidade à doutrina Bush, de dar licença para matar, em vez de capturar e julgar os acusados de envolvimento com o terrorismo Obama aplicou a doutrina Bush. Isso não tem respaldo no direito internacional, embora os Estados Unidos estejam fora da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, assim como Israel, Egito, Rússia e Índia. Trata-se de um ataque, e não de defesa. A luz do direito internacional, a morte de Bin Laden não pode ser considerada legítima defesa, porque ele poderia ser capturado e acabou executado. Aliás, essa não é a atitude que se espera de um Nobel da Paz. Obama mostrou que ainda não tem uma linha própria de atuação.
Por quê?
Ele deixou de cumprir várias promessas e não se diferenciou de Bush. Anunciou que pretendia transferir o julgamento dos supostos terroristas das cortes militares para a justiça comum, mas depois voltou atrás ao perceber que eles seriam absolvidos em massa, uma vez que a justiça comum não aceita provas obtidas sob tortura. Também alardeou a retirada completa das tropas americanas do Iraque, mas deixou apenas os centros urbanos. Sem falar da manutenção da prisão de Guantánamo, a despeito da promessa de fechá-la. Ao matar Bin Laden, em vez de capturá-lo, Obama segue a doutrina Bush.
O mesmo pode ser dito em relação à ofensiva na Líbia?
Sim. Na semana passada, em discurso no Congresso americano, o senador republicano Lidsey Graham falou sobre a necessidade de “cortar a cabeça da serpente na Líbia”, referindo-se a Kaddafi. Transformar o ditador líbio em alvo é uma violação da resolução 1973, que preserva os direitos humanos. Embora a Otan negue que o alvo é Kaddafi, é evidente a intenção de eliminar o líder inimigo. A Rússia chegou a protestar contra os bombardeios ao complexo de Bab al-Aziziyah e na casa de Saif al-Arab, filho de Kaddafi. É a repetição da doutrina Bush, ou seja, de dar licença às tropas aliadas para matar o oponente.
Por que só foi possível matar o líder da Al Qaeda agora, quase dez anos após o início da chamada “Guerra ao Terror”, encampada pelo governo americano após 11 de Setembro?
Bin Laden viveu muito tempo sob proteção tribal. Especulava-se até que ele já havia morrido, porque sumiu, desapareceu do noticiário. Diante da emergência do cyberterrorismo, Bin Laden deixa a proteção tribal para monitorar a internet de um centro urbano em tempo real. Passou a morar num bunker. Só que o prêmio pela cabeça de Osama era altíssimo e, numa zona urbana, está mais exposto às delações. Esse provavelmente foi o calcanhar de Aquiles do líder terrorista.
O senhor acha possível que outros grupos terroristas possam aderir à rede Al Qaeda, criando aquele grande califado islâmico sonhado por Bin Laden?
O terrorismo de Bin Laden é de matriz salafita e sunita. Salafita pelo radicalismo, sunita pela orientação religiosa. Existem centenas de organizações de origem xiita, como o Hamas e o Hezbollah. Bin Laden se ofereceu diversas vezes para uma união, capaz de reestabeler o poder islâmico e formar um califado, no qual o líder natural seria ele. Evidentemente, nem o Hamas nem o Hezbollah aceitaram se submeter a ele.
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