Por Leo Panitch, no blog Viomundo:
A primeira coisa que se deve anotar, é que Murdoch é homem da direita. O fato de ter apoiado o Partido Trabalhista [inglês] nada altera. É conhecido na Grã-Bretanha e na Austrália como “o Cavador”, por suas raízes australianas. Chegou em 1969 e comprou o Sun, que era então um clássico jornal da classe trabalhadora. Como disse Dennis Potter, o grande dramaturgo britânico, autor de roteiros para televisão, autor de The Singing Detective, em entrevista, não há ninguém na Grã-Bretanha mais responsável que Murdoch por poluir ainda mais, uma imprensa que já era muito poluída.
Mas não se deve raciocinar como se o que estamos vendo tivesse sido, digamos, obra exclusivamente de Murdoch. Quando tomou o Sun, Murdoch de fato ocupou aquele jornal dos trabalhadores, cuja história remonta aos anos 50 – antes, o jornal chamara-se The Labour Herald [Voz do Trabalho], trocara de nome e fora também jornal do Partido Trabalhista. Murdoch imediatamente converteu o jornal em panfleto da direita, que atacava a esquerda.
Murdoch tornou-se dono de grande parte da imprensa. Comprou o Times, do canadense Lord Thomson of Fleet, quando Thomson desinteressou-se de jornais, porque conseguiu uma licença para um canal de televisão na Escócia (que ele chamava de “autorização para imprimir dinheiro”).
Murdoch, como se sabe, entrou nesse mesmo jogo, também com a televisão BSkyB, com a rede Fox News, com todo o império Fox. É dono do Sunday Times também, que é jornal dominical dirigido aos ricos, e também foi acusado nesse escândalo de escutas clandestinas e invasão de telefones celulares, até de ter invadido o telefone de [Gordon] Brown, ex-líder do Partido Trabalhista.
Tudo isso para dizer que não se trata só do jornal News of the World que, diferente do Sun, tem história que chega a meados do século 19. De qualquer modo, o News of the World e o Daily Sun – que já mostra uma mulher seminua na página 3 – não são os únicos jornais que fazem dinheiro com a repressão sexual dos britânicos e, portanto, com o frenesi social que qualquer escândalo sexual desperta, para desempenhar papel terrível na política britânica, papel que já se conhece, por exemplo, do canal Fox. Mas a coisa piorou, quando o mesmo papel começou a aparecer também nos diários. E feito de tal modo que passou a ser claro assassinato de reputações.
Você talvez já tenha ouvido a palavra “Bennismo”, hoje usada como ofensa, o pior dos palavrões. Origina-se do nome “Benn”, de Tony Benn, que foi ministro do Gabinete nos anos 1960 e depois passou para a esquerda, quando percebeu o pequeno espaço que tinha no governo britânico [foi ministro do governo trabalhista de Harold Wilson]. Abraçou a esquerda e propôs várias reformas radicais que iam além da simples ‘regulação’ do estado de bem-estar e implicavam regular o próprio capital.
Hoje, quando se diz “Bennismo”, a palavra significa palavrão, designa o pior dos homens, a “esquerda lunática”. Mas Benn foi um dos políticos mais efetivos, mais inteligentes e mais corajosos da Grã-Bretanha. Hoje, é lembrado como se fosse louco, ou imbecil. De fato, as coisas nunca são assim tão simples. Fato é que Benn, ao longo dos anos 1970 tornou-se muito popular entre os trabalhadores.
[Entrevistador]: Lembro que o Sun publicou matéria com um laudo de um psiquiatra norte-americano bastante conhecido, que declarava que Tony Benn era mesmo louco. A matéria analisava longamente o laudo psiquiátrico. Depois, se descobriu que tudo fora forjado: o psiquiatra jamais assinara o tal laudo.
Panitch: E assim continuaram, lixo diário, publicado diariamente. Várias vezes em que estive com Tony [Blair], ele me disse que seu telefone estava grampeado. Não sabia se era a segurança, a imprensa, mas o telefone estava grampeado, Ouvia-se um clique e o som de uma fita rodando, quando se pegava o telefone. O que quero dizer é que nada, do que vemos hoje, é novidade.
[Entrevistador]: Vejamos então o contexto político, para compreender a importância de destruir a reputação de Benn e como isso levou ao surgimento de Tony Blair.
Panitch: Os políticos do Partido Trabalhista que se opunham a Benn – que não queriam que o Partido Trabalhista voltasse a ser partido socialista –, assustavam-se quando abriam os jornais no café da manhã, e liam mais uma declaração atribuída a Benn, posta em manchete de primeira página do Times ou do Sun – ou, às vezes, sabe-se lá, também no Guardian, porque nem o Guardian estava imune àquilo –, que feria a reputação de todos os membros do Partido Trabalhista, a reputação pessoal, os deputados apresentados como Maria-vai-com-as-outras, como iguais aos políticos da direita, apoiadores do império norte-americano, traidores. A verdade era que, naquele momento, Benn trabalhava a favor da nacionalização dos cinco principais bancos britânicos.
Mas os trabalhistas viviam apavorados com o que liam nos jornais de Murdoch. E, então, decidiram usar o Sun. Não foram só vítimas nem foram as únicas vítimas do Sun ou do News of the World nem do Sunday Times. Os trabalhistas decidiram usar o Sun: vazavam comentários para o Sun. Criavam ‘relatórios’ absurdos, ‘dossiês’ imundos, que os jornais amplificavam o mais que podiam, e tudo isso para desacreditar a esquerda trabalhista.
Os beneficiados foram a direita e o centro do Partido Trabalhista. Serviram-se do que a imprensa fazia, para atender interesses seus. Até que conseguiram livrar-se de Benn e elegeram Neil Kinnock para a liderança do Partido, quando Benn seria o líder óbvio, pode-se dizer, natural.
Nem assim Murdoch aliviou a mão. Os que haviam conseguido livrar-se do ‘risco Benn’, logo viram que Murdoch já estava apresentando Kinnock como “desequilibrado”, “despreparado para o cargo”, “incompetente”, “corrupto”, “pouco ético” etc., etc.
Foi quando, afinal, políticos extremamente pragmáticos, oportunistas, como Tony Blair, fizeram um acordo com o diabo. Disseram ‘ok. Dancemos conforme a música’. Passaram a dizer o que Murdoch queria que dissessem.
E Blair, depois que Kinnock foi derrotado em 1992 – em larga medida por efeito da campanha imunda de demonização que sofreu, sobretudo no Sun, que é jornal, como eu disse, popular – nas eleições de 1992 (…), Blair abriu caminho para a liderança do Partido Trabalhista, por acordo que fez com Brown.
Blair, imediatamente, partiu para a Austrália, para o encontro anual do grupo News International, e lá ficou amigo de Murdoch. E Murdoch passou a apoiá-lo. Todos os jornais de Murdoch apoiaram Blair, mas, mais que todos, o Sun, que praticamente o elegeu nas eleições de 1997. Blair tinha um acordo com Murdoch.
Mas não se pode esquecer que, com isso, Blair envolveu-se no mesmo tipo de política que se vê no Canal Fox, dos EUA. Todos assistimos ao papel que Blair desempenhou na guerra do Iraque, mas, sobretudo, todos assistimos ao modo como Blair, enquanto sorria para as televisões, decidiu que a desigualdade na Grã-Bretanha seria irremediável, que não se poderia impedir que continuasse a aumentar, e, em resumo, conseguiu levar o Partido Trabalhista de volta ao poder… ao preço de adotar o Thatcherismo. Por isso os jornais de Murdoch sempre o promoveram. Mas não promoveram todos os políticos do Partido Trabalhista.
Jornalismo, para Murdoch é escândalo. Vivem a ‘denunciar’ escândalos, às vezes, também entre os Conservadores, mas sempre e sempre mais entre os Trabalhistas.
Dado que os jornais de Murdoch não sabiam exatamente para que lado velejaria Gordon Brown, que sucedeu Blair, com certeza dedicaram-se a cavoucar em busca de detalhes da privacidade de Brown.
Mas tudo isso, do ponto de vista de Murdoch, são negócios, são questões comerciais. É o modo pelo qual Murdoch defende o capitalismo e seu patrimônio de $50 bilhões em todo o planeta. Mas também são negócios, são questões comerciais, no sentido de que tratam a notícia como um produto cuja matéria-prima é o escândalo. Os britânicos não sabem como reagir a seja o que for que tenha conotação sexual.
[Entrevistador]: Do modo como se fala do ‘affair’ Murdoch, sobretudo nos EUA, é como se Murdoch fosse uma espécie de maçã podre, quase uma anomalia. A verdade é que nada há de excepcional no conluio entre os barões da grande mídia e os políticos. Todos os barões da grande mídia têm acesso facilitado aos políticos. Alguém, que participava das reuniões do Gabinete no governo Blair em Londres, escreveu recentemente que, naquelas reuniões, só três pessoas tinham poder de decidir: Blair, Brown e Murdoch, que era como sombra imaterial que pairava naquelas reuniões. Esse tipo de ‘convivência íntima’ entre os barões da imprensa e os políticos não acontece sempre? Não é sempre assim, em todo o mundo?
Panitch: Claro que é. Todos sabemos que a liberdade de imprensa é liberdade para quem tenha empresa jornalística. “Liberdade de imprensa, só para quem tem imprensa” – como se diz. É engraçado que esses personagens venham tão frequentemente da Austrália e do Canadá. Lord Beaverbrook era canadense. Lord Thomson era canadense. Agora, o ‘cavador’ Rupert Murdoch, é australiano. E conseguiu, vale lembrar, a cidadania norte-americana, sem a qual não poderia comprar o The New York Post. Como todos sabemos, é difícil ver cidadão não norte-americano proprietário de empresa de mídia nos EUA. Murdoch de fato, comprou a cidadania norte-americana.
[Entrevistador]: Interessante também que, depois da experiência com Blair, Murdoch tenha apoiado Obama, contra Clinton, desde as primárias do Partido Democrata.
Panitch: Acho que houve algum ‘acerto’ semelhante ao que Blair fez. Você sabe: desde os anos 90s há uma relação incestuosa entre os Democratas dos EUA e o Partido Trabalhista inglês, um aprendendo com o outro. Esse incesto continua.
Mas o que queria dizer é que, por menos que se deva enfatizar o papel do indivíduo na história, há uma diferença entre o que Murdoch faz hoje e o que fizeram, antes deles, Lord Beaverbrook ou, mesmo, Lord Thomson, embora fosse homem muito mais rude que Beaverbrook, que foi, de pleno direito, um intelectual.
Murdoch sempre foi pior que os outros, pelo mercantilismo, pelo uso que dá à imprensa para objetivos pessoais seus, essencialmente capitalistas. Vê-se no Canal Fox News. Vê-se, de fato, nos seus jornais britânicos, acho. E acho que tudo que se possa dizer sobre a péssima qualidade da imprensa nesses países e em todos os países de língua inglesa pode ser atribuído ao ‘espírito’ de Murdoch, ao tipo de poder político que esse tipo de jornalismo dá a alguém ou a grupos, poder para modelar as políticas nacionais. Se o proprietário é homem sem escrúpulos, se é fascista… não vejo que tipo de benefício a liberdade de imprensa traria a alguém. Para começar, a liberdade de imprensa garantida a homens e grupos que não têm nenhum interesse em qualquer tipo de democracia legítima, destrói o sentido do próprio jornalismo.
* Panitch é professor emérito de Ciências Políticas da UNY).
* Tradução do Coletivo da Vila Vudu.
A primeira coisa que se deve anotar, é que Murdoch é homem da direita. O fato de ter apoiado o Partido Trabalhista [inglês] nada altera. É conhecido na Grã-Bretanha e na Austrália como “o Cavador”, por suas raízes australianas. Chegou em 1969 e comprou o Sun, que era então um clássico jornal da classe trabalhadora. Como disse Dennis Potter, o grande dramaturgo britânico, autor de roteiros para televisão, autor de The Singing Detective, em entrevista, não há ninguém na Grã-Bretanha mais responsável que Murdoch por poluir ainda mais, uma imprensa que já era muito poluída.
Mas não se deve raciocinar como se o que estamos vendo tivesse sido, digamos, obra exclusivamente de Murdoch. Quando tomou o Sun, Murdoch de fato ocupou aquele jornal dos trabalhadores, cuja história remonta aos anos 50 – antes, o jornal chamara-se The Labour Herald [Voz do Trabalho], trocara de nome e fora também jornal do Partido Trabalhista. Murdoch imediatamente converteu o jornal em panfleto da direita, que atacava a esquerda.
Murdoch tornou-se dono de grande parte da imprensa. Comprou o Times, do canadense Lord Thomson of Fleet, quando Thomson desinteressou-se de jornais, porque conseguiu uma licença para um canal de televisão na Escócia (que ele chamava de “autorização para imprimir dinheiro”).
Murdoch, como se sabe, entrou nesse mesmo jogo, também com a televisão BSkyB, com a rede Fox News, com todo o império Fox. É dono do Sunday Times também, que é jornal dominical dirigido aos ricos, e também foi acusado nesse escândalo de escutas clandestinas e invasão de telefones celulares, até de ter invadido o telefone de [Gordon] Brown, ex-líder do Partido Trabalhista.
Tudo isso para dizer que não se trata só do jornal News of the World que, diferente do Sun, tem história que chega a meados do século 19. De qualquer modo, o News of the World e o Daily Sun – que já mostra uma mulher seminua na página 3 – não são os únicos jornais que fazem dinheiro com a repressão sexual dos britânicos e, portanto, com o frenesi social que qualquer escândalo sexual desperta, para desempenhar papel terrível na política britânica, papel que já se conhece, por exemplo, do canal Fox. Mas a coisa piorou, quando o mesmo papel começou a aparecer também nos diários. E feito de tal modo que passou a ser claro assassinato de reputações.
Você talvez já tenha ouvido a palavra “Bennismo”, hoje usada como ofensa, o pior dos palavrões. Origina-se do nome “Benn”, de Tony Benn, que foi ministro do Gabinete nos anos 1960 e depois passou para a esquerda, quando percebeu o pequeno espaço que tinha no governo britânico [foi ministro do governo trabalhista de Harold Wilson]. Abraçou a esquerda e propôs várias reformas radicais que iam além da simples ‘regulação’ do estado de bem-estar e implicavam regular o próprio capital.
Hoje, quando se diz “Bennismo”, a palavra significa palavrão, designa o pior dos homens, a “esquerda lunática”. Mas Benn foi um dos políticos mais efetivos, mais inteligentes e mais corajosos da Grã-Bretanha. Hoje, é lembrado como se fosse louco, ou imbecil. De fato, as coisas nunca são assim tão simples. Fato é que Benn, ao longo dos anos 1970 tornou-se muito popular entre os trabalhadores.
[Entrevistador]: Lembro que o Sun publicou matéria com um laudo de um psiquiatra norte-americano bastante conhecido, que declarava que Tony Benn era mesmo louco. A matéria analisava longamente o laudo psiquiátrico. Depois, se descobriu que tudo fora forjado: o psiquiatra jamais assinara o tal laudo.
Panitch: E assim continuaram, lixo diário, publicado diariamente. Várias vezes em que estive com Tony [Blair], ele me disse que seu telefone estava grampeado. Não sabia se era a segurança, a imprensa, mas o telefone estava grampeado, Ouvia-se um clique e o som de uma fita rodando, quando se pegava o telefone. O que quero dizer é que nada, do que vemos hoje, é novidade.
[Entrevistador]: Vejamos então o contexto político, para compreender a importância de destruir a reputação de Benn e como isso levou ao surgimento de Tony Blair.
Panitch: Os políticos do Partido Trabalhista que se opunham a Benn – que não queriam que o Partido Trabalhista voltasse a ser partido socialista –, assustavam-se quando abriam os jornais no café da manhã, e liam mais uma declaração atribuída a Benn, posta em manchete de primeira página do Times ou do Sun – ou, às vezes, sabe-se lá, também no Guardian, porque nem o Guardian estava imune àquilo –, que feria a reputação de todos os membros do Partido Trabalhista, a reputação pessoal, os deputados apresentados como Maria-vai-com-as-outras, como iguais aos políticos da direita, apoiadores do império norte-americano, traidores. A verdade era que, naquele momento, Benn trabalhava a favor da nacionalização dos cinco principais bancos britânicos.
Mas os trabalhistas viviam apavorados com o que liam nos jornais de Murdoch. E, então, decidiram usar o Sun. Não foram só vítimas nem foram as únicas vítimas do Sun ou do News of the World nem do Sunday Times. Os trabalhistas decidiram usar o Sun: vazavam comentários para o Sun. Criavam ‘relatórios’ absurdos, ‘dossiês’ imundos, que os jornais amplificavam o mais que podiam, e tudo isso para desacreditar a esquerda trabalhista.
Os beneficiados foram a direita e o centro do Partido Trabalhista. Serviram-se do que a imprensa fazia, para atender interesses seus. Até que conseguiram livrar-se de Benn e elegeram Neil Kinnock para a liderança do Partido, quando Benn seria o líder óbvio, pode-se dizer, natural.
Nem assim Murdoch aliviou a mão. Os que haviam conseguido livrar-se do ‘risco Benn’, logo viram que Murdoch já estava apresentando Kinnock como “desequilibrado”, “despreparado para o cargo”, “incompetente”, “corrupto”, “pouco ético” etc., etc.
Foi quando, afinal, políticos extremamente pragmáticos, oportunistas, como Tony Blair, fizeram um acordo com o diabo. Disseram ‘ok. Dancemos conforme a música’. Passaram a dizer o que Murdoch queria que dissessem.
E Blair, depois que Kinnock foi derrotado em 1992 – em larga medida por efeito da campanha imunda de demonização que sofreu, sobretudo no Sun, que é jornal, como eu disse, popular – nas eleições de 1992 (…), Blair abriu caminho para a liderança do Partido Trabalhista, por acordo que fez com Brown.
Blair, imediatamente, partiu para a Austrália, para o encontro anual do grupo News International, e lá ficou amigo de Murdoch. E Murdoch passou a apoiá-lo. Todos os jornais de Murdoch apoiaram Blair, mas, mais que todos, o Sun, que praticamente o elegeu nas eleições de 1997. Blair tinha um acordo com Murdoch.
Mas não se pode esquecer que, com isso, Blair envolveu-se no mesmo tipo de política que se vê no Canal Fox, dos EUA. Todos assistimos ao papel que Blair desempenhou na guerra do Iraque, mas, sobretudo, todos assistimos ao modo como Blair, enquanto sorria para as televisões, decidiu que a desigualdade na Grã-Bretanha seria irremediável, que não se poderia impedir que continuasse a aumentar, e, em resumo, conseguiu levar o Partido Trabalhista de volta ao poder… ao preço de adotar o Thatcherismo. Por isso os jornais de Murdoch sempre o promoveram. Mas não promoveram todos os políticos do Partido Trabalhista.
Jornalismo, para Murdoch é escândalo. Vivem a ‘denunciar’ escândalos, às vezes, também entre os Conservadores, mas sempre e sempre mais entre os Trabalhistas.
Dado que os jornais de Murdoch não sabiam exatamente para que lado velejaria Gordon Brown, que sucedeu Blair, com certeza dedicaram-se a cavoucar em busca de detalhes da privacidade de Brown.
Mas tudo isso, do ponto de vista de Murdoch, são negócios, são questões comerciais. É o modo pelo qual Murdoch defende o capitalismo e seu patrimônio de $50 bilhões em todo o planeta. Mas também são negócios, são questões comerciais, no sentido de que tratam a notícia como um produto cuja matéria-prima é o escândalo. Os britânicos não sabem como reagir a seja o que for que tenha conotação sexual.
[Entrevistador]: Do modo como se fala do ‘affair’ Murdoch, sobretudo nos EUA, é como se Murdoch fosse uma espécie de maçã podre, quase uma anomalia. A verdade é que nada há de excepcional no conluio entre os barões da grande mídia e os políticos. Todos os barões da grande mídia têm acesso facilitado aos políticos. Alguém, que participava das reuniões do Gabinete no governo Blair em Londres, escreveu recentemente que, naquelas reuniões, só três pessoas tinham poder de decidir: Blair, Brown e Murdoch, que era como sombra imaterial que pairava naquelas reuniões. Esse tipo de ‘convivência íntima’ entre os barões da imprensa e os políticos não acontece sempre? Não é sempre assim, em todo o mundo?
Panitch: Claro que é. Todos sabemos que a liberdade de imprensa é liberdade para quem tenha empresa jornalística. “Liberdade de imprensa, só para quem tem imprensa” – como se diz. É engraçado que esses personagens venham tão frequentemente da Austrália e do Canadá. Lord Beaverbrook era canadense. Lord Thomson era canadense. Agora, o ‘cavador’ Rupert Murdoch, é australiano. E conseguiu, vale lembrar, a cidadania norte-americana, sem a qual não poderia comprar o The New York Post. Como todos sabemos, é difícil ver cidadão não norte-americano proprietário de empresa de mídia nos EUA. Murdoch de fato, comprou a cidadania norte-americana.
[Entrevistador]: Interessante também que, depois da experiência com Blair, Murdoch tenha apoiado Obama, contra Clinton, desde as primárias do Partido Democrata.
Panitch: Acho que houve algum ‘acerto’ semelhante ao que Blair fez. Você sabe: desde os anos 90s há uma relação incestuosa entre os Democratas dos EUA e o Partido Trabalhista inglês, um aprendendo com o outro. Esse incesto continua.
Mas o que queria dizer é que, por menos que se deva enfatizar o papel do indivíduo na história, há uma diferença entre o que Murdoch faz hoje e o que fizeram, antes deles, Lord Beaverbrook ou, mesmo, Lord Thomson, embora fosse homem muito mais rude que Beaverbrook, que foi, de pleno direito, um intelectual.
Murdoch sempre foi pior que os outros, pelo mercantilismo, pelo uso que dá à imprensa para objetivos pessoais seus, essencialmente capitalistas. Vê-se no Canal Fox News. Vê-se, de fato, nos seus jornais britânicos, acho. E acho que tudo que se possa dizer sobre a péssima qualidade da imprensa nesses países e em todos os países de língua inglesa pode ser atribuído ao ‘espírito’ de Murdoch, ao tipo de poder político que esse tipo de jornalismo dá a alguém ou a grupos, poder para modelar as políticas nacionais. Se o proprietário é homem sem escrúpulos, se é fascista… não vejo que tipo de benefício a liberdade de imprensa traria a alguém. Para começar, a liberdade de imprensa garantida a homens e grupos que não têm nenhum interesse em qualquer tipo de democracia legítima, destrói o sentido do próprio jornalismo.
* Panitch é professor emérito de Ciências Políticas da UNY).
* Tradução do Coletivo da Vila Vudu.
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