Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
Na semana que passou, um jornalista da revista Veja foi acusado de ter tentado ingressar sem autorização no apartamento do ex-deputado José Dirceu e a própria revista de ter se utilizado de câmaras no hotel onde estava hospedado para flagrar políticos e autoridades que com ele se reuniam.
O hotel chegou a registrar Boletim de Ocorrência e as redes sociais repercutiram intensamente o episódio, mas o assunto foi praticamente ignorado pela grande imprensa.
Em se tratando dos personagens envolvidos, a prudência recomenda mesmo cautela, pois a denúncia partia justamente de quem se veria, nos dias seguintes, acusado de conspiração pela revista semanal. Já cassado e réu de um processo criminal, Dirceu tem todo o interesse em desacreditar quem lhe critica.
Mas o prolongado silêncio sobre o assunto, que chegou aos Trending Topics, insinua uma certa dose de corporativismo, defeito que é diuturnamente cobrado das autoridades pela própria imprensa.
O colunista Fernando de Barros e Silva, da Folha de S. Paulo, tocou no assunto nesta semana: "Não sei em que condições foi produzida a reportagem sobre a romaria de políticos ao quarto de hotel de José Dirceu, em Brasília, mas as imagens são boas e têm óbvio interesse público".
A questão que me intriga é a seguinte: saber "em que condições foi produzida a reportagem" também não é relevante ou será suficiente que ela tenha "óbvio interesse público"?
Seria razoável supor que na imprensa o conteúdo supere a forma, ou em outras palavras, que os fins justifiquem os meios?
A acusação de Dirceu e dos responsáveis pelo hotel provavelmente suportará investigações - quem trabalha com o direito penal sabe que um Boletim de Ocorrência é, muitas vezes, apenas uma versão unilateral do fato. A última coisa que poderia sugerir é uma condenação sem qualquer defesa ou prova.
Mas independente do resultado das apurações, e diante da circunstância do generalizado desprezo pela integridade dos meios, parece ser o caso de discutir a questão de fundo: o interesse público é o único limite para uma reportagem?
Recentes acusações contra um jornal do magnata Rudolph Murdoch, na Inglaterra, mostraram até onde é possível chegar a busca por uma revelação.
Grampos telefônicos de importantes autoridades conversando sobre temas de economia e política poderiam justificar o "interesse público". Mas quem seria capaz de concordar com tais métodos?
No direito, o tema de provas produzidas de forma ilícita, em nome do mesmo interesse público, suscitou muitas polêmicas. Houve até quem entendesse que os crimes do Estado podiam valer a pena, se fossem para apurar delitos graves.
Cada vez mais, no entanto, vem se firmando uma regra basilar: na democracia, tantos os fins quanto os meios devem ser legítimos.
Nossa Constituição, por exemplo, sepultou as dúvidas frisando que são inadmissíveis no processo as provas produzidas de forma ilícita.
O STF, ao interpretar o dispositivo, reconheceu ainda a teoria dos frutos da árvore envenenada, o que nasceu de forma irregular jamais se transforma em legal.
Não tem qualquer valor para o direito a confissão obtida sob tortura. A interceptação telefônica sem autorização judicial ou a violação de domicílio sem mandado também não servem como provas.
O que está por trás dessa ideia é o sentido ético do processo.
O Estado não pode punir criminosos cometendo outros crimes. Surge daí uma recomendação profilática que molda o tipo de agente que a democracia deve formar.
Se nem para processar um criminoso, de nítido interesse público, meios ilícitos são permitidos, porque o seriam para produzir uma reportagem?
A defesa incondicional da liberdade de expressão e a proibição da censura são combustíveis indispensáveis a qualquer democracia que se preze. Não devemos abrir mão delas sob nenhuma hipótese ou usar a perversão como álibi para reduzi-las.
Mas nem de longe o interesse público pode autorizar a violação de direitos fundamentais, seja na polícia seja na imprensa.
Submeter o direito individual ao interesse da sociedade é o que fazem os regimes totalitários. É o fascismo que sobrepõe a nação aos indivíduos, não as democracias.
Nem a busca da verdade pode nos permitir tudo. Também nas reportagens, os fins não justificam os meios.
Na semana que passou, um jornalista da revista Veja foi acusado de ter tentado ingressar sem autorização no apartamento do ex-deputado José Dirceu e a própria revista de ter se utilizado de câmaras no hotel onde estava hospedado para flagrar políticos e autoridades que com ele se reuniam.
O hotel chegou a registrar Boletim de Ocorrência e as redes sociais repercutiram intensamente o episódio, mas o assunto foi praticamente ignorado pela grande imprensa.
Em se tratando dos personagens envolvidos, a prudência recomenda mesmo cautela, pois a denúncia partia justamente de quem se veria, nos dias seguintes, acusado de conspiração pela revista semanal. Já cassado e réu de um processo criminal, Dirceu tem todo o interesse em desacreditar quem lhe critica.
Mas o prolongado silêncio sobre o assunto, que chegou aos Trending Topics, insinua uma certa dose de corporativismo, defeito que é diuturnamente cobrado das autoridades pela própria imprensa.
O colunista Fernando de Barros e Silva, da Folha de S. Paulo, tocou no assunto nesta semana: "Não sei em que condições foi produzida a reportagem sobre a romaria de políticos ao quarto de hotel de José Dirceu, em Brasília, mas as imagens são boas e têm óbvio interesse público".
A questão que me intriga é a seguinte: saber "em que condições foi produzida a reportagem" também não é relevante ou será suficiente que ela tenha "óbvio interesse público"?
Seria razoável supor que na imprensa o conteúdo supere a forma, ou em outras palavras, que os fins justifiquem os meios?
A acusação de Dirceu e dos responsáveis pelo hotel provavelmente suportará investigações - quem trabalha com o direito penal sabe que um Boletim de Ocorrência é, muitas vezes, apenas uma versão unilateral do fato. A última coisa que poderia sugerir é uma condenação sem qualquer defesa ou prova.
Mas independente do resultado das apurações, e diante da circunstância do generalizado desprezo pela integridade dos meios, parece ser o caso de discutir a questão de fundo: o interesse público é o único limite para uma reportagem?
Recentes acusações contra um jornal do magnata Rudolph Murdoch, na Inglaterra, mostraram até onde é possível chegar a busca por uma revelação.
Grampos telefônicos de importantes autoridades conversando sobre temas de economia e política poderiam justificar o "interesse público". Mas quem seria capaz de concordar com tais métodos?
No direito, o tema de provas produzidas de forma ilícita, em nome do mesmo interesse público, suscitou muitas polêmicas. Houve até quem entendesse que os crimes do Estado podiam valer a pena, se fossem para apurar delitos graves.
Cada vez mais, no entanto, vem se firmando uma regra basilar: na democracia, tantos os fins quanto os meios devem ser legítimos.
Nossa Constituição, por exemplo, sepultou as dúvidas frisando que são inadmissíveis no processo as provas produzidas de forma ilícita.
O STF, ao interpretar o dispositivo, reconheceu ainda a teoria dos frutos da árvore envenenada, o que nasceu de forma irregular jamais se transforma em legal.
Não tem qualquer valor para o direito a confissão obtida sob tortura. A interceptação telefônica sem autorização judicial ou a violação de domicílio sem mandado também não servem como provas.
O que está por trás dessa ideia é o sentido ético do processo.
O Estado não pode punir criminosos cometendo outros crimes. Surge daí uma recomendação profilática que molda o tipo de agente que a democracia deve formar.
Se nem para processar um criminoso, de nítido interesse público, meios ilícitos são permitidos, porque o seriam para produzir uma reportagem?
A defesa incondicional da liberdade de expressão e a proibição da censura são combustíveis indispensáveis a qualquer democracia que se preze. Não devemos abrir mão delas sob nenhuma hipótese ou usar a perversão como álibi para reduzi-las.
Mas nem de longe o interesse público pode autorizar a violação de direitos fundamentais, seja na polícia seja na imprensa.
Submeter o direito individual ao interesse da sociedade é o que fazem os regimes totalitários. É o fascismo que sobrepõe a nação aos indivíduos, não as democracias.
Nem a busca da verdade pode nos permitir tudo. Também nas reportagens, os fins não justificam os meios.
Caro Miro,ando deveras preocupada com o nivel de burrice e alienacao dos jornalistas aqui de Teresina.Repetem igual a papagaios toda sorte de asneiras ditas pela globo e veja.É preocupante!!
ResponderExcluirVc e o PHA nao tem nada na agenda de vcs que contemple o Piaui nao?
PS.Tb,o que se pode esperar de uma classe que todo final de ano se reune num convescote patrocinado pelo heraclito fortes,onde,alem do acepipes os representantes da classe se refestelam com brindes e mimos oferecidos pelo senador?
Marci, reproduzi há pouco em meu blog matéria de autoria de Ricardo Kotscho (Balaio do Kotscho) abordando a passeata contra a corrupção. A certa altura, Kotscho relembra a agressão de um arauto do falido movimento Cansei contra o Piauí.
ResponderExcluirA imprensa piauiense tem, de fato, uma postura míope, 'patronal', e a nossa esperança é que, com a disseminação da blogosfera progressista, tal realidade venha a ser, mesmo que aos poucos, modificada.
Meu blog: http://domacedo.blogspot.com/ .
Um abraço.