Por Marie Bénilde, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Na próxima corrida às eleições presidenciais francesas, a imprensa escrita e sua ferramenta industrial correm o risco de dar trabalho às equipes de conselho políticas. Teria o Estado que acompanhar financeiramente a reestruturação dos jornais? Ao mesmo tempo que a direção do Le Figaro optou, em junho, por ceder o controle de sua gráfica de Tremblay-en-France ao grupo Riccobono, a do Le Monde anunciava a paralisação de duas rotativas ainda em funcionamento na gráfica de Ivry-sur-Seine. Louis Dreyfus, presidente do diretório do Le Monde, tem a intenção de deixar à imprensa cotidiana regional o cuidado de encontrar “uma solução para a impressão nas regiões”, a fim de assegurar as vendas à tarde no interior, em uma tentativa de conter uma perda anual de 3 milhões de euros.
No total, segundo a The Economist [1], Xavier Niel, um dos acionistas do Le Monde, considerava demitir 220 dos 260 trabalhadores. O hebdomadário britânico compara esse bilionário da web a Rupert Murdoch, que rompeu a resistência do sindicato dos tipógrafos ingleses nos anos 80. Mas estima também que a imprensa cotidiana nacional é a ponta do iceberg de um grave conflito, pois é a força política do sindicato do livro que está sendo posta à prova, já que um quarto dos membros estaria ameaçado pela reestruturação do Le Monde.
Apesar das vendas sustentadas por um cenário dinâmico de notícias desde o início do ano, os cotidianos parisienses estão renunciando à sua ferramenta industrial de produção em proveito da valorização de sua “marca” e da internet. A aposta pode se revelar aleatória. Em junho, a presidente do cotidiano econômico La Tribune anunciava a decisão de “suspender a publicação” da edição impressa entre os dias 8 e 19 de agosto, período de férias na França, para baixar os custos. A decisão foi infeliz, se levarmos em conta que essas “semanas mais fracas do ano”, como as definia Valérie Decamp, foram marcadas por turbulências da maior importância nas bolsas…
Se, por um lado, ela tende a pôr um fim à aventura industrial, por outro lado, a imprensa cotidiana parisiense reforça seus vínculos com outras indústrias, graças a uma troca de favores. O Le Figaro, cujo diretor de redação, Etienne Mougeotte, faz parte dos conselheiros de Nicolas Sarkozy [2], empenha-se em diminuir as chances dos rivais do presidente, como François Hollande, associado ao caso Strauss-Kahn, em manchete (“Affaire Banon: Hollande va être entendu”, Caso Banon: Hollande deverá dar depoimento) de 19 de julho.
Em troca, o proprietário do cotidiano, Serge Dassault, de quem o Estado francês continua sendo o único cliente (aviões Rafale), obtinha, ao mesmo tempo, apoio ativo no governo sob a forma de um contrato de construção de veículos aéreos não tripulados para o exército francês – decisão tomada mesmo com a opinião contrária do chefe das Forças Armadas e do diretor-geral do armamento. Em paralelo, Dassault, senador da União por um Movimento Popular (UMP) de Essonne, tem a satisfação de ler cada vez mais frequentemente no Le Figaro ecos de seus posicionamentos na elevada câmara (dia 6 de julho sobre o bônus para os assalariados ou, ainda, dia 8 de julho, sobre a greve da distribuição da imprensa cotidiana).
Ofensiva dos predadores
No jornal, o intervencionismo de Dassault se manifesta por ligações diárias ao diretor de redação, como o próprio Mougeotte reconheceu diante da Associação dos Jornalistas e Mídias, em 12 de outubro de 2010. O industrial gosta de dar opinião sobre os artigos e não teria hesitado em pedir a cabeça de um jornalista, Georges Malbrunot, ex-refém no Iraque, devido a uma reportagem sobre “o negócio secreto de Israel no Golfo Pérsico” (26 de junho de 2010). Falando de um plano de cooperação de segurança entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, a reportagem teria provocado a fúria de Abu Dabi e contrariado os planos de Dassault, que procurava vender o Rafale ao emirado.
Alguns meses mais tarde, Francis Morel, diretor-geral do diário, que tinha se oposto à demissão do jornalista, foi dispensado por “incompatibilidade de gênios” com o acionista [3]. Quatro anos antes, Morel tinha se mostrado mais flexível, aceitando que o Le Figarode 12 de dezembro de 2007 publicasse uma página de publicidade em favor de Muamar Kadafi, de visita à França, e com quem o grupo Dassault estava em negociações avançadas para a venda de catorze Rafales...
E por aí vai a condução dos interesses de um acionista industrial. No dia 2 de março de 2011, por ocasião dos propósitos antissemitas do diretor artístico de sua filial Dior, John Galliano, o grupo Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH) não teve do que se arrepender em relação à compra em 2007 do Echos, primeiro cotidiano econômico francês. Enquanto seu concorrente La Tribune lembrou que as “provocações” de Galliano fizeram de uma “marca obsoleta” a vedete das revistas e das vitrines do mundo inteiro, “para grande satisfação de LVMH, titular de suas licenças”, o Les Echosapenas retomou a Agência France-Presse (AFP), omitindo os vínculos que unem há quinze anos o costureiro a Bernard Arnault, proprietário do jornal. No dia 14 de março, o Les Echosfala novamente da crise da casa Dior, detalhando que sua comunicação “foi inteligentemente conduzida e apreciada como tal pelos mercados”.
Quando detinha o La Tribune, entre 1993 e 2007, Arnault havia confidenciado a seus próximos que era importante possuir um jornal a fim de se prevenir dos ataques da imprensa. Qual jornalista se sente capaz de investigar um industrial que representa, além da quarta fortuna mundial, um dos maiores orçamentos publicitários da imprensa (10% do orçamento do grupo Figaro4)… e um empregador potencial? No Echos, o conflito de interesses pode surgir a qualquer momento, por exemplo, quando se trata de falar dos principais aspectos de uma greve nos hipermercados Carrefour, dos quais Arnault é, junto com os fundos Colony, o principal acionista. Ou como em um dia de julho, em 2008, quando o jornal se autocensurou para evitar a menção de que Arnault tinha sido vaiado durante uma assembleia geral extraordinária do Carrefour.
Um regulamento deontológico, bem como limites de ação do acionista, foram estabelecidos no momento da compra do Echos, em 2007. Mas isso não impediu Arnault de delegar a defesa de seus interesses a Nicolas Beytout, presidente-diretor geral do grupo de imprensa – e convidado ao famoso jantar no restaurante Fouquet’s na noite da eleição de Sarkozy em 2007. Em março de 2008, Beytout modificou a capa do veículo para que a vitória da esquerda nas eleições municipais não parecesse uma derrota de Sarkozy.
E na sua batalha recente pelo controle da Hermès, da qual obteve 17% em outubro de 2010, sem declarar a manobra previamente à Autoridade dos Mercados Financeiros, desprezando as regras financeiras, o Les Echosacompanha ainda a ofensiva do predador: “Hermès: as dissensões familiares aparecem à luz do dia”, publica o diário em 14 de março de 2011. Dois dias antes, o título tinha mais a ver com “Premissas de desunião no interior da Hermès em relação à LVMH”. Nenhuma menção, contudo, à derrapada de Patrick Thomas durante a apresentação de seus resultados de 2010: “Se você quer seduzir uma bela mulher, você não começa por violentá-la por trás” [5]. O Le Figaro, por sua vez,se refere ao incidente como um “pequeno tropeço ao estilo ‘sutil, discreto e elegante’ da casa”(4 de março de 2011).
Para defender seus interesses, os industriais podem contar com seus jornais, cujo orçamento está assegurado todo final de mês. Proprietário do diário gratuito Direct Matin, Vincent Bolloré não é exceção. Após obtenção da concessão do porto de Abidjan para sua sociedade de transporte e logística, o grupo se envolveu – via Euro RSCG, filial da Havas – na campanha de Laurent Gbagbo, ex-chefe de Estado da Costa do Marfim, que se recusou a deixar o poder após perder as eleições de novembro de 2010. Em 5 de janeiro, o Direct Matinpublica em sua capa: “Ouattara6 rejeita o aperto de mão de Gbagbo”.
Às vezes, não é nem necessário se esforçar para agradar ao acionista. Este busca na imprensa uma simples alavanca de influência sobre os políticos suscetíveis de favorecer seus negócios. Não é acaso o grupo Lagardère, que vendeu toda a sua imprensa internacional no início do ano, conservar ainda as mídias francesas mais influentes (Europe 1, Journal de Dimanche, Elle). Ele, aliás, atribuiu a Denis Olivennes, um próximo de Dominique Strauss-Kahn, estimado por Sarkozy, a responsabilidade de pilotar esse conjunto altamente estratégico.
“Ainda bem que existe um grupo como Lagardère, ainda bem que temos um Bernard Arnault, ainda bem que temos um Edouard de Rothschild [no Libération]! Onde estaria a imprensa escrita hoje se não tivessemos acionistas como esses?”, exclamava Arnaud Lagardère no Grand Jury RTL-Le Figaro-LCI, em 9 de dezembro de 2007. No entanto, a chegada dos capitães da indústria não trouxe até agora nenhum benefício aos jornais franceses. Apesar dos lucros sem precedentes de seus acionistas, os editores de imprensa não puderam pôr em prática nenhum plano audacioso de retomada, e suas redações não foram poupadas pela economia drástica devido à diminuição das vendas e dos balanços.
Temos aí um paradoxo: reputados experts em matéria de gestão e economia, os donos de grandes grupos se revelam incapazes de iniciar um processo de salvamento industrial da imprensa. Eles preferem nomear homens confiáveis, como Mougeotte (Le Figaro) ou Beytout (Les Echos), na direção de suas publicações, em vez de contratar jornalistas animados pela preocupação de renovação editorial. E cortar empregados: o Sindicato Nacional dos Jornalistas e a Confederação Geral do Trabalho (SNJ-CGT) contabilizaram 3 mil postos de trabalho a menos em 2010.
“Alegrem-se”, diz Sarkozy
Novos ares virão com novos investidores, como Pierre Bergé, Matthieu Pigasse ou Niel, empresários que tomaram as rédeas do Le Monde? Há um regulamento específico de independência que rege as relações entre a redação e os novos proprietários, mas essa aliança com homens de negócios multiplica as possibilidades de conflito de interesses. Como tratar de Free – controlado por Niel –, dos múltiplos interesses do Banco Lazard, dirigido na França por Pigasse, ou do Téléthon, com o qual Bergé teve um conflito como presidente do Sidaction?
Este último mostrou, aliás, que não se contentaria com uma posição de “acionista estático”. No dia 11 de maio de 2011, enviou um correio eletrônico ao diretor do Le Monde para expressar seu “profundo desacordo com o tratamento reservado a Mitterrand”, depois de ler críticas ao ex-presidente em um artigo livre do historiador François Cusset, qualificado de “artigo imundo, digno de um panfleto de extrema-direita” [7]. A censura é pouco provável, levando em conta os poderes ainda detidos pela Sociedade dos Redatores do jornal, mas a autocensura não é impossível de acontecer.
Após os industriais, a nova década que começa terá figuras do mundo financeiro debruçadas na cabeceira do leito da imprensa? Por iniciativa de seu autoritário presidente, Michel Lucas, o Crédit Mutuel controla agora a maior parte dos diários regionais do leste da França, do Dauphiné Libéréao L’Est Républicain. Os agrupamentos jornalísticos realizados por meio de reportagens comuns e o envolvimento com os interesses comerciais desse banco fazem temer um atentado ao pluralismo e à independência da imprensa.
Não faz muito tempo, um repórter do Journal de Saône-et-Loirefoi enviado para cobrir... uma operação humanitária do Crédit Mutuel no Haiti para o conjunto dos veículos do grupo. E que os jornalistas não ousem entrar em greve: a do Républicain Lorrain, realizada para reivindicar aumento dos salários, acabou com a venda do jornal. “Eu disse [à equipe]: Vocês não me interessam mais como indivíduos, pois o acordo humano que havia entre nós, vocês o romperam”, afirmou Lucas para a AFP.
Em fevereiro, o La Voix du Nord, por sua vez, fez entrar no seu capital, à altura de 25%, o Crédit Agricole du Nord, com a perspectiva declarada de buscar uma “otimização da relação”. É difícil encontrar nessa iniciativa o espírito de resistência que deu origem ao jornal que militava por uma imprensa livre “do poder do dinheiro”. Para o novo acionista, trata-se de garimpar, entre os leitores do diário, clientes potenciais para sua oferta de serviços bancários. “Alegrem-se que industriais estejam investindo na imprensa, em vez de o dinheiro estar indo para fundos de pensão anglo-saxões”, dizia Sarkozy ao Nouvel Observateur, em 13 de dezembro de 2007. Capitães da indústria ou fundos de pensão, estaria o destino da imprensa francesa condenado a essas duas opções?
* Marie Bénilde é jornalista, autora de On achète bien les cerveaux: la publicité et les médias, Paris, Raisons d'Agir, 2007.
Notas
1- “The revolution at Le Monde” [A revolução no Le Monde], The Economist, Londres, 30 jul. 2011.
2- “Le ‘groupe Fourtou’ œuvre en secret à la réélection de Nicolas Sarkozy” [O grupo Fourtou trabalha em segredo para a reeleição de Nicolas Sarkozy], Le Monde, 15 ago. 2011.
3- “Francis Morel évincé du Figaro pour incompatibilité d’humeurs” [Francis Morel afastado do Figaro por incompatibilidade de gênios], LeMonde.fr, 25 jan. 2011.
4- Le Canard enchaîné, Paris, 27 abr. 2011. Jean-Pierre Tailleur, “Journalistes économiques sous influence”(Jornalistas econômicos sob influência),Le Monde diplomatique, set. 1999.
5- Le Canard enchaîné, 9 de março de 2011.
6- Cf. Colin Brunel, “La presse de Bolloré soigne l’ami Gbagbo” [A imprensa de Boloré cuida do amigo Gbagbo], www.acrimed.org, 13 mar. 2011; Thomas Deltombe, “Les guerres africaines de Vincent Bolloré” [As guerras africanas de Vincent Bolloré], Le Monde diplomatique, abr. 2009.
7- www.electronlibre.info, 24 maio 2011.
Na próxima corrida às eleições presidenciais francesas, a imprensa escrita e sua ferramenta industrial correm o risco de dar trabalho às equipes de conselho políticas. Teria o Estado que acompanhar financeiramente a reestruturação dos jornais? Ao mesmo tempo que a direção do Le Figaro optou, em junho, por ceder o controle de sua gráfica de Tremblay-en-France ao grupo Riccobono, a do Le Monde anunciava a paralisação de duas rotativas ainda em funcionamento na gráfica de Ivry-sur-Seine. Louis Dreyfus, presidente do diretório do Le Monde, tem a intenção de deixar à imprensa cotidiana regional o cuidado de encontrar “uma solução para a impressão nas regiões”, a fim de assegurar as vendas à tarde no interior, em uma tentativa de conter uma perda anual de 3 milhões de euros.
No total, segundo a The Economist [1], Xavier Niel, um dos acionistas do Le Monde, considerava demitir 220 dos 260 trabalhadores. O hebdomadário britânico compara esse bilionário da web a Rupert Murdoch, que rompeu a resistência do sindicato dos tipógrafos ingleses nos anos 80. Mas estima também que a imprensa cotidiana nacional é a ponta do iceberg de um grave conflito, pois é a força política do sindicato do livro que está sendo posta à prova, já que um quarto dos membros estaria ameaçado pela reestruturação do Le Monde.
Apesar das vendas sustentadas por um cenário dinâmico de notícias desde o início do ano, os cotidianos parisienses estão renunciando à sua ferramenta industrial de produção em proveito da valorização de sua “marca” e da internet. A aposta pode se revelar aleatória. Em junho, a presidente do cotidiano econômico La Tribune anunciava a decisão de “suspender a publicação” da edição impressa entre os dias 8 e 19 de agosto, período de férias na França, para baixar os custos. A decisão foi infeliz, se levarmos em conta que essas “semanas mais fracas do ano”, como as definia Valérie Decamp, foram marcadas por turbulências da maior importância nas bolsas…
Se, por um lado, ela tende a pôr um fim à aventura industrial, por outro lado, a imprensa cotidiana parisiense reforça seus vínculos com outras indústrias, graças a uma troca de favores. O Le Figaro, cujo diretor de redação, Etienne Mougeotte, faz parte dos conselheiros de Nicolas Sarkozy [2], empenha-se em diminuir as chances dos rivais do presidente, como François Hollande, associado ao caso Strauss-Kahn, em manchete (“Affaire Banon: Hollande va être entendu”, Caso Banon: Hollande deverá dar depoimento) de 19 de julho.
Em troca, o proprietário do cotidiano, Serge Dassault, de quem o Estado francês continua sendo o único cliente (aviões Rafale), obtinha, ao mesmo tempo, apoio ativo no governo sob a forma de um contrato de construção de veículos aéreos não tripulados para o exército francês – decisão tomada mesmo com a opinião contrária do chefe das Forças Armadas e do diretor-geral do armamento. Em paralelo, Dassault, senador da União por um Movimento Popular (UMP) de Essonne, tem a satisfação de ler cada vez mais frequentemente no Le Figaro ecos de seus posicionamentos na elevada câmara (dia 6 de julho sobre o bônus para os assalariados ou, ainda, dia 8 de julho, sobre a greve da distribuição da imprensa cotidiana).
Ofensiva dos predadores
No jornal, o intervencionismo de Dassault se manifesta por ligações diárias ao diretor de redação, como o próprio Mougeotte reconheceu diante da Associação dos Jornalistas e Mídias, em 12 de outubro de 2010. O industrial gosta de dar opinião sobre os artigos e não teria hesitado em pedir a cabeça de um jornalista, Georges Malbrunot, ex-refém no Iraque, devido a uma reportagem sobre “o negócio secreto de Israel no Golfo Pérsico” (26 de junho de 2010). Falando de um plano de cooperação de segurança entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, a reportagem teria provocado a fúria de Abu Dabi e contrariado os planos de Dassault, que procurava vender o Rafale ao emirado.
Alguns meses mais tarde, Francis Morel, diretor-geral do diário, que tinha se oposto à demissão do jornalista, foi dispensado por “incompatibilidade de gênios” com o acionista [3]. Quatro anos antes, Morel tinha se mostrado mais flexível, aceitando que o Le Figarode 12 de dezembro de 2007 publicasse uma página de publicidade em favor de Muamar Kadafi, de visita à França, e com quem o grupo Dassault estava em negociações avançadas para a venda de catorze Rafales...
E por aí vai a condução dos interesses de um acionista industrial. No dia 2 de março de 2011, por ocasião dos propósitos antissemitas do diretor artístico de sua filial Dior, John Galliano, o grupo Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH) não teve do que se arrepender em relação à compra em 2007 do Echos, primeiro cotidiano econômico francês. Enquanto seu concorrente La Tribune lembrou que as “provocações” de Galliano fizeram de uma “marca obsoleta” a vedete das revistas e das vitrines do mundo inteiro, “para grande satisfação de LVMH, titular de suas licenças”, o Les Echosapenas retomou a Agência France-Presse (AFP), omitindo os vínculos que unem há quinze anos o costureiro a Bernard Arnault, proprietário do jornal. No dia 14 de março, o Les Echosfala novamente da crise da casa Dior, detalhando que sua comunicação “foi inteligentemente conduzida e apreciada como tal pelos mercados”.
Quando detinha o La Tribune, entre 1993 e 2007, Arnault havia confidenciado a seus próximos que era importante possuir um jornal a fim de se prevenir dos ataques da imprensa. Qual jornalista se sente capaz de investigar um industrial que representa, além da quarta fortuna mundial, um dos maiores orçamentos publicitários da imprensa (10% do orçamento do grupo Figaro4)… e um empregador potencial? No Echos, o conflito de interesses pode surgir a qualquer momento, por exemplo, quando se trata de falar dos principais aspectos de uma greve nos hipermercados Carrefour, dos quais Arnault é, junto com os fundos Colony, o principal acionista. Ou como em um dia de julho, em 2008, quando o jornal se autocensurou para evitar a menção de que Arnault tinha sido vaiado durante uma assembleia geral extraordinária do Carrefour.
Um regulamento deontológico, bem como limites de ação do acionista, foram estabelecidos no momento da compra do Echos, em 2007. Mas isso não impediu Arnault de delegar a defesa de seus interesses a Nicolas Beytout, presidente-diretor geral do grupo de imprensa – e convidado ao famoso jantar no restaurante Fouquet’s na noite da eleição de Sarkozy em 2007. Em março de 2008, Beytout modificou a capa do veículo para que a vitória da esquerda nas eleições municipais não parecesse uma derrota de Sarkozy.
E na sua batalha recente pelo controle da Hermès, da qual obteve 17% em outubro de 2010, sem declarar a manobra previamente à Autoridade dos Mercados Financeiros, desprezando as regras financeiras, o Les Echosacompanha ainda a ofensiva do predador: “Hermès: as dissensões familiares aparecem à luz do dia”, publica o diário em 14 de março de 2011. Dois dias antes, o título tinha mais a ver com “Premissas de desunião no interior da Hermès em relação à LVMH”. Nenhuma menção, contudo, à derrapada de Patrick Thomas durante a apresentação de seus resultados de 2010: “Se você quer seduzir uma bela mulher, você não começa por violentá-la por trás” [5]. O Le Figaro, por sua vez,se refere ao incidente como um “pequeno tropeço ao estilo ‘sutil, discreto e elegante’ da casa”(4 de março de 2011).
Para defender seus interesses, os industriais podem contar com seus jornais, cujo orçamento está assegurado todo final de mês. Proprietário do diário gratuito Direct Matin, Vincent Bolloré não é exceção. Após obtenção da concessão do porto de Abidjan para sua sociedade de transporte e logística, o grupo se envolveu – via Euro RSCG, filial da Havas – na campanha de Laurent Gbagbo, ex-chefe de Estado da Costa do Marfim, que se recusou a deixar o poder após perder as eleições de novembro de 2010. Em 5 de janeiro, o Direct Matinpublica em sua capa: “Ouattara6 rejeita o aperto de mão de Gbagbo”.
Às vezes, não é nem necessário se esforçar para agradar ao acionista. Este busca na imprensa uma simples alavanca de influência sobre os políticos suscetíveis de favorecer seus negócios. Não é acaso o grupo Lagardère, que vendeu toda a sua imprensa internacional no início do ano, conservar ainda as mídias francesas mais influentes (Europe 1, Journal de Dimanche, Elle). Ele, aliás, atribuiu a Denis Olivennes, um próximo de Dominique Strauss-Kahn, estimado por Sarkozy, a responsabilidade de pilotar esse conjunto altamente estratégico.
“Ainda bem que existe um grupo como Lagardère, ainda bem que temos um Bernard Arnault, ainda bem que temos um Edouard de Rothschild [no Libération]! Onde estaria a imprensa escrita hoje se não tivessemos acionistas como esses?”, exclamava Arnaud Lagardère no Grand Jury RTL-Le Figaro-LCI, em 9 de dezembro de 2007. No entanto, a chegada dos capitães da indústria não trouxe até agora nenhum benefício aos jornais franceses. Apesar dos lucros sem precedentes de seus acionistas, os editores de imprensa não puderam pôr em prática nenhum plano audacioso de retomada, e suas redações não foram poupadas pela economia drástica devido à diminuição das vendas e dos balanços.
Temos aí um paradoxo: reputados experts em matéria de gestão e economia, os donos de grandes grupos se revelam incapazes de iniciar um processo de salvamento industrial da imprensa. Eles preferem nomear homens confiáveis, como Mougeotte (Le Figaro) ou Beytout (Les Echos), na direção de suas publicações, em vez de contratar jornalistas animados pela preocupação de renovação editorial. E cortar empregados: o Sindicato Nacional dos Jornalistas e a Confederação Geral do Trabalho (SNJ-CGT) contabilizaram 3 mil postos de trabalho a menos em 2010.
“Alegrem-se”, diz Sarkozy
Novos ares virão com novos investidores, como Pierre Bergé, Matthieu Pigasse ou Niel, empresários que tomaram as rédeas do Le Monde? Há um regulamento específico de independência que rege as relações entre a redação e os novos proprietários, mas essa aliança com homens de negócios multiplica as possibilidades de conflito de interesses. Como tratar de Free – controlado por Niel –, dos múltiplos interesses do Banco Lazard, dirigido na França por Pigasse, ou do Téléthon, com o qual Bergé teve um conflito como presidente do Sidaction?
Este último mostrou, aliás, que não se contentaria com uma posição de “acionista estático”. No dia 11 de maio de 2011, enviou um correio eletrônico ao diretor do Le Monde para expressar seu “profundo desacordo com o tratamento reservado a Mitterrand”, depois de ler críticas ao ex-presidente em um artigo livre do historiador François Cusset, qualificado de “artigo imundo, digno de um panfleto de extrema-direita” [7]. A censura é pouco provável, levando em conta os poderes ainda detidos pela Sociedade dos Redatores do jornal, mas a autocensura não é impossível de acontecer.
Após os industriais, a nova década que começa terá figuras do mundo financeiro debruçadas na cabeceira do leito da imprensa? Por iniciativa de seu autoritário presidente, Michel Lucas, o Crédit Mutuel controla agora a maior parte dos diários regionais do leste da França, do Dauphiné Libéréao L’Est Républicain. Os agrupamentos jornalísticos realizados por meio de reportagens comuns e o envolvimento com os interesses comerciais desse banco fazem temer um atentado ao pluralismo e à independência da imprensa.
Não faz muito tempo, um repórter do Journal de Saône-et-Loirefoi enviado para cobrir... uma operação humanitária do Crédit Mutuel no Haiti para o conjunto dos veículos do grupo. E que os jornalistas não ousem entrar em greve: a do Républicain Lorrain, realizada para reivindicar aumento dos salários, acabou com a venda do jornal. “Eu disse [à equipe]: Vocês não me interessam mais como indivíduos, pois o acordo humano que havia entre nós, vocês o romperam”, afirmou Lucas para a AFP.
Em fevereiro, o La Voix du Nord, por sua vez, fez entrar no seu capital, à altura de 25%, o Crédit Agricole du Nord, com a perspectiva declarada de buscar uma “otimização da relação”. É difícil encontrar nessa iniciativa o espírito de resistência que deu origem ao jornal que militava por uma imprensa livre “do poder do dinheiro”. Para o novo acionista, trata-se de garimpar, entre os leitores do diário, clientes potenciais para sua oferta de serviços bancários. “Alegrem-se que industriais estejam investindo na imprensa, em vez de o dinheiro estar indo para fundos de pensão anglo-saxões”, dizia Sarkozy ao Nouvel Observateur, em 13 de dezembro de 2007. Capitães da indústria ou fundos de pensão, estaria o destino da imprensa francesa condenado a essas duas opções?
* Marie Bénilde é jornalista, autora de On achète bien les cerveaux: la publicité et les médias, Paris, Raisons d'Agir, 2007.
Notas
1- “The revolution at Le Monde” [A revolução no Le Monde], The Economist, Londres, 30 jul. 2011.
2- “Le ‘groupe Fourtou’ œuvre en secret à la réélection de Nicolas Sarkozy” [O grupo Fourtou trabalha em segredo para a reeleição de Nicolas Sarkozy], Le Monde, 15 ago. 2011.
3- “Francis Morel évincé du Figaro pour incompatibilité d’humeurs” [Francis Morel afastado do Figaro por incompatibilidade de gênios], LeMonde.fr, 25 jan. 2011.
4- Le Canard enchaîné, Paris, 27 abr. 2011. Jean-Pierre Tailleur, “Journalistes économiques sous influence”(Jornalistas econômicos sob influência),Le Monde diplomatique, set. 1999.
5- Le Canard enchaîné, 9 de março de 2011.
6- Cf. Colin Brunel, “La presse de Bolloré soigne l’ami Gbagbo” [A imprensa de Boloré cuida do amigo Gbagbo], www.acrimed.org, 13 mar. 2011; Thomas Deltombe, “Les guerres africaines de Vincent Bolloré” [As guerras africanas de Vincent Bolloré], Le Monde diplomatique, abr. 2009.
7- www.electronlibre.info, 24 maio 2011.
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