Por João Novaes, no sítio Opera Mundi:
Em dezembro de 2012, quando os venezuelanos optarem pela continuação ou o fim da Revolução Bolivariana, o governo do presidente Hugo Chávez e a oposição terão travado mais uma batalha que irá muito além dos comícios e manifestações de rua típicas de uma corrida presidencial. As disputas de opinião, mais uma vez, terão os meios de comunicação como um dos palcos principais.
Entre os mais influentes atores que já começaram a se articular para essa batalha midiática está o ex-militar e ativista político Jesse Chacón, que por anos foi o encarregado de lidar com um dos setores mais delicados e criticados da era Hugo Chávez: as comunicações e a relação do governo com a imprensa. Chacón esteve no olho do furacão do conflito midiático que culminou com a não-renovação de concessão da RCTV, até então principal e mais tradicional rede de TV venezuelana – no entanto, quase nunca é lembrado por ter renovado a concessão de suas principais concorrentes, igualmente opositoras ao governo.
Nessa entrevista exclusiva ao Opera Mundi, ele defende com unhas e dentes a democracia de seu país e o compromisso do governo com a liberdade de imprensa e de expressão. “Não posso encontrar um cenário mais favorável à liberdade de imprensa como esse”, disse.
Após deixar o governo, Chacón passou a se dedicar ao GISXXI, um instituto de pesquisas independente, que realiza levantamentos sobre temas como segurança e também pesquisas eleitorais. A última realizada, em setembro, mostrou que Chávez seria reeleito com 58% dos votos. Além disso, Chacón e seu instituto passaram a mostrar especial interesse pelo poder e a influência das novas mídias sociais. Atualmente, a Venezuela é o quinto país do mundo em usuários do Twitter proporcionalmente à sua população, de acordo com pesquisa divulgada pela ComScore em abril (atrás de Holanda, Japão, Brasil e Indonesia).
Seu interesse e seus textos produzidos a respeito do tema o trouxeram ao Brasil para participar do 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz do Iguaçu, no último final de semana. Nesta segunda-feira, em um café da manhã realizado na Embaixada da Venezuela em Brasília, Chacón falou sobre a luta do governo venezuelano para provar continuamente o livre exercício do jornalismo em seu país – camuflado, segundo ele, por uma antiga disputa pelo poder envolvendo empresários e os grandes grupos da mídia.
Por que os meios de comunicação fazem uma oposição tão ferrenha a Chávez e aos conceitos da Revolução Bolivariana?
Isso ocorre porque o país passou por momentos críticos de uma guerra que envolveu o Estado e os veículos tradicionais de comunicação. Quando Chávez chegou ao poder e começou a implantar suas reformas, contrariou todo o setor empresarial, foi organizado um grupo sob forte influência da embaixada norte-americana, um órgão que crê ter o poder de tomar o controle de um país por uma via distinta à da eleição.
A partir de dezembro de 2000 a janeiro de 2001, juntam-se a ela a oposição política, parte da Igreja Católica e toda a estrutura dos grandes meios de comunicação – redes de televisão, jornais e a imprensa escrita – com a finalidade de acelerar a saída de poder do presidente. Em abril de 2002, a mídia promoveu e organizou um golpe de Estado. E há provas de que ele foi premeditado. No dia 11 de abril, todos transmitiram o discurso de um general [Nelson Gonsalez Gonsalez] declarando em rede nacional que o presidente iria deixar o governo. Mas acontece esse discurso foi preparado e gravado dois dias antes, na casa de um empresário do ramo jornalístico e transmitido naquela hora como se fosse ao vivo.
E ao mesmo tempo houve a greve dos petroleiros.
Sim. O presidente retornou ao poder e imediatamente chamou a todos para um grande diálogo nacional. Ele poderia ter simplesmente fechado os canais, naquele momento ele tinha todas as condições para fazê-lo. Mas os mesmos grupos de comunicação organizaram uma greve no setor petroleiro no final de 2002, que levou a produção da Venezuela em dezembro daquele a zero barris! Essa greve só terminou em março de 2003, e todos os indicadores negativos da economia naquele período foram produto dela. Em plena greve, os donos das mídias fizeram uma coletiva de imprensa anunciando que se se uniriam a ela, paralisando suas atividades. Tivemos dois meses sem televisão. É como se aqui a Globo não transmitisse mais novelas, futebol, mais nada. Tudo o que aparecia eram anúncios convocando a população à greve.
O resultado desse golpe de Estado foi um distanciamento muito forte. Porque uma coisa é que um meio se oponha ao governo. Outra é que ele planifique e execute a saída desse governo eleito democraticamente. São duas coisas totalmente diferentes. Aqui é mais difícil de entender essa situação. Não conheço a realidade brasileira, mas, se a mídia é em sua maioria, de oposição, não chegam a planejar um golpe de Estado.
A partir de então, alguns meios começam a deixar essa linha agressiva de tentar derrubar o presidente fora da via do voto e a situação normalizou-se. Agora o que fazem é empurrar uma visão distinta da sociedade e um candidato diferente de Chávez. Se ele ganhar a eleição, ok. Mas tudo concentrado no aspecto eleitoral e não na desestabilização institucional, como tentaram entre 2000 e 2004.
Existe liberdade de imprensa nos 12 anos de República Bolivariana da Venezuela?
Há total liberdade. Avançou-se muito nos últimos tempos, só que agora há espaço para todos, não apenas grupos hegemônicos. As grandes rádios e os jornais, por exemplo, são, em grande maioria, contra o governo.
Mas depois de 2004, elas fazem uma oposição mais moderada?
Podemos dizer que chegamos a um estágio que, em sua maioria, não há conflitos com os meios. Televen tem sua programação e seus programas de opinião não têm nada de favorável ao governo. Venevisón é uma TV regional privada e também é outro exemplo. Na imprensa escrita há três grandes jornais de circulação nacional: o El Nacional e El Universal e o Últimas Noticias. Há maior equilíbrio no Últimas Notícias, mas nos dois primeiros, faça um levantamento das manchetes, durante o período de uma semana, um mês, verá que, no mínimo, 90% são contra enquanto, com sorte, encontrará a chance de encontrar 10% favoráveis. Não posso encontrar um cenário mais favorável à liberdade de imprensa como esse.
Houve porém, outro episódio polêmico. Em 2007, Chávez não renovou a concessão da RCTV, um canal que lhe fazia fortíssima oposição.
É diferente. Quando o Estado não renovou com a RCTV, tinha uma justificativa jurídica. Essa concessão foi entregue para 25 anos, e a lei dá a prerrogativa ao Estado para não renová-la. Pode-se estar ou não de acordo com as razões para renovar ou não renovar, discutir do ponto de vista político. Mas é uma prerrogativa do Estado. E dentro dela, qual é a razão que alega o Estado juridicamente? Que a Constituição o obriga a criar um canal de serviço público. Quando o prazo dessa concessão venceu, a RCTV ocupava o melhor espaço radioelétrico de propagação de sinal. E é mais importante para o Estado criar um canal de serviço público do que renovar uma concessão privada. Este foi o princípio. O canal hoje que está no lugar da RCTV é o TVes (Televisora Venezuelana Social), o maior transmissor de esportes e de espaços culturais na Venezuela. Ela abre também o canal para produtores nacionais independentes de audiovisual.
Esta decisão de não renovar a concessão, por mais clara que esteja seu amparo frente à lei, não abre um precedente perigoso para que outras emissoras opositoras sejam descontinuadas?
Para começar, todas as redes de alcance nacional já foram renovadas.
Só ocorreu com a RCTV?
Sim, pela justificativa da qualidade de sinal. Agora, o que o Estado não pode fazer é aplicar a mesma justificativa para as demais. Na época do fim da concessão da RCTV, o mesmo se passava com a Venevisión e VTV (concessões renovadas em maio de 2007 por cinco anos. No mesmo dia foram renovadas concessões das redes regionais Televisora Andina de Mérida e Amavisión de Puerto Ayacucho; e cinco emissoras de rádio).
A Televen renovou pelo mesmo período um ano mais tarde. (na época, Chacón, então ministro de Telecomunicações e Informática afirmava que não haveria concessão com prazo superior a cinco anos). Naquela situação, o Estado teria que renovar com duas e eliminar uma. Novos prazos de concessões vão vencer no futuro. O Estado segue com a prerrogativa da decisão, a renovação não é automática, mas criteriosa. Ela terá uma avaliação do Estado para renová-la.
Não se debate na Venezuela alguma renovação ou modernização da Lei Resorte (Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão) de 2006?
Não há problema nas leis, o desafio é materializá-las. O objetivo da Lei Resorte era romper com os monopólios. Criou-se uma figura que se chama produtor nacional independente. Do total da grade de uma emissora de rádio ou televisão, há uma porcentagem que tem que ser ocupada por produções nacionais independentes. Ou seja, embora uma pessoa fosse dona de uma concessão, uma parte da programação desse meio – estamos falando de audiovisual –seria utilizada por alguém que não fosse controlado por ele. O grande problema para tudo isso é a dificuldade de se produzir esse conteúdo para a televisão.
Criou-se um fundo para apoiar esses produtores, correspondente a 0,5% bruto dos impostos de todo o setor. Mas esse espaço ainda é incipiente e não produz o suficiente para alcançar o espaço previsto na lei. Se conseguirmos consolidar essa produção independente, isso ajudará para propagar mensagens muito mais diversas nos meios. E isso é mais importante do que tentar uma modificação na lei.
Também criamos as rádios e televisões alternativas e comunitárias, sem enfoque no lucro, muito diferentes do conceito das estações comerciais. Na Argentina, historicamente, há uma briga muito grande porque a lei argentina obrigava que a única maneira de ter uma rádio e televisão era que ela tivesse fins comerciais. Organizações sociais ou fundações não podiam. Por exemplo, um grupo afro-descendente da Venezuela monta sua estação, sem fins lucrativos, é considerado alternativo. Mas a figura legal que a maneja é uma fundação da comunidade, que a cada dois anos é renovada por eleição. É um conceito nada fácil de implementar. Temos nesse momento 36 experiências de televisão comunitária. Em rádio, temos cerca de 300 habilitadas e, em processo de habilitação cerca de outras 600. Logo teremos mil. O que tem menos controle por parte do governo são essas rádios. Fizemos escola na maneira de se evitar os monopólios na comunicação, sobretudo em rádios.
E como ficou a relação da sociedade venezuelana com a grande imprensa?
O Golpe do Estado e a greve petroleira nos afetaram muito economicamente. Creio que os venezuelanos, como sociedade, passaram a ter uma educação mais crítica em relação aos meios de comunicação. A grande maioria dos que creem ou dos que não creem no que leem, a favor ou contra o governo, sempre buscam uma segunda opinião. Conseguimos, graças ao Golpe de Estado promovido pela mídia, que os venezuelanos não acreditem em tudo o que sai na telinha. E isso é um avanço.
Essa possibilidade de procurar outros pontos de vista foi facilitado com o crescimento da internet e o surgimento das redes sociais?
Sem dúvida. A internet se converteu em uma ferramenta de debate político muito ricana Venezuela. Primeiro graças ao surgimento de páginas novas. Surgiram desse movimento o Aporrea, o La Patilla, tantos outros.
E o fenômeno do Twitter?
Sim, porque na Venezuela ele é mais forte do que o Facebook, que é uma ferramenta mais multimídia, mais orientado a difundir. Já o Twitter é mais horizontal. E, na Venezuela, temos grandes debates via Twitter. Antes, dizia-se que, na Venezuela, “todo mundo tinha um celular”. Agora, “quase todo venezuelano tem uma conta Twitter”. Somos a quinta população no mundo em percentagem da população, segundo lugar na América Latina em números de contas.
E é importante lembrar que ele não alcança somente as camadas mais ricas da população. Ao contrário, ele se popularizou e converteu-se em uma ferramenta massiva de intercâmbio e opinião. Isso é algo que outros países ainda não conseguiram. É muito rico, digno de ser estudado.
Em dezembro de 2012, quando os venezuelanos optarem pela continuação ou o fim da Revolução Bolivariana, o governo do presidente Hugo Chávez e a oposição terão travado mais uma batalha que irá muito além dos comícios e manifestações de rua típicas de uma corrida presidencial. As disputas de opinião, mais uma vez, terão os meios de comunicação como um dos palcos principais.
Entre os mais influentes atores que já começaram a se articular para essa batalha midiática está o ex-militar e ativista político Jesse Chacón, que por anos foi o encarregado de lidar com um dos setores mais delicados e criticados da era Hugo Chávez: as comunicações e a relação do governo com a imprensa. Chacón esteve no olho do furacão do conflito midiático que culminou com a não-renovação de concessão da RCTV, até então principal e mais tradicional rede de TV venezuelana – no entanto, quase nunca é lembrado por ter renovado a concessão de suas principais concorrentes, igualmente opositoras ao governo.
Nessa entrevista exclusiva ao Opera Mundi, ele defende com unhas e dentes a democracia de seu país e o compromisso do governo com a liberdade de imprensa e de expressão. “Não posso encontrar um cenário mais favorável à liberdade de imprensa como esse”, disse.
Após deixar o governo, Chacón passou a se dedicar ao GISXXI, um instituto de pesquisas independente, que realiza levantamentos sobre temas como segurança e também pesquisas eleitorais. A última realizada, em setembro, mostrou que Chávez seria reeleito com 58% dos votos. Além disso, Chacón e seu instituto passaram a mostrar especial interesse pelo poder e a influência das novas mídias sociais. Atualmente, a Venezuela é o quinto país do mundo em usuários do Twitter proporcionalmente à sua população, de acordo com pesquisa divulgada pela ComScore em abril (atrás de Holanda, Japão, Brasil e Indonesia).
Seu interesse e seus textos produzidos a respeito do tema o trouxeram ao Brasil para participar do 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz do Iguaçu, no último final de semana. Nesta segunda-feira, em um café da manhã realizado na Embaixada da Venezuela em Brasília, Chacón falou sobre a luta do governo venezuelano para provar continuamente o livre exercício do jornalismo em seu país – camuflado, segundo ele, por uma antiga disputa pelo poder envolvendo empresários e os grandes grupos da mídia.
Por que os meios de comunicação fazem uma oposição tão ferrenha a Chávez e aos conceitos da Revolução Bolivariana?
Isso ocorre porque o país passou por momentos críticos de uma guerra que envolveu o Estado e os veículos tradicionais de comunicação. Quando Chávez chegou ao poder e começou a implantar suas reformas, contrariou todo o setor empresarial, foi organizado um grupo sob forte influência da embaixada norte-americana, um órgão que crê ter o poder de tomar o controle de um país por uma via distinta à da eleição.
A partir de dezembro de 2000 a janeiro de 2001, juntam-se a ela a oposição política, parte da Igreja Católica e toda a estrutura dos grandes meios de comunicação – redes de televisão, jornais e a imprensa escrita – com a finalidade de acelerar a saída de poder do presidente. Em abril de 2002, a mídia promoveu e organizou um golpe de Estado. E há provas de que ele foi premeditado. No dia 11 de abril, todos transmitiram o discurso de um general [Nelson Gonsalez Gonsalez] declarando em rede nacional que o presidente iria deixar o governo. Mas acontece esse discurso foi preparado e gravado dois dias antes, na casa de um empresário do ramo jornalístico e transmitido naquela hora como se fosse ao vivo.
E ao mesmo tempo houve a greve dos petroleiros.
Sim. O presidente retornou ao poder e imediatamente chamou a todos para um grande diálogo nacional. Ele poderia ter simplesmente fechado os canais, naquele momento ele tinha todas as condições para fazê-lo. Mas os mesmos grupos de comunicação organizaram uma greve no setor petroleiro no final de 2002, que levou a produção da Venezuela em dezembro daquele a zero barris! Essa greve só terminou em março de 2003, e todos os indicadores negativos da economia naquele período foram produto dela. Em plena greve, os donos das mídias fizeram uma coletiva de imprensa anunciando que se se uniriam a ela, paralisando suas atividades. Tivemos dois meses sem televisão. É como se aqui a Globo não transmitisse mais novelas, futebol, mais nada. Tudo o que aparecia eram anúncios convocando a população à greve.
O resultado desse golpe de Estado foi um distanciamento muito forte. Porque uma coisa é que um meio se oponha ao governo. Outra é que ele planifique e execute a saída desse governo eleito democraticamente. São duas coisas totalmente diferentes. Aqui é mais difícil de entender essa situação. Não conheço a realidade brasileira, mas, se a mídia é em sua maioria, de oposição, não chegam a planejar um golpe de Estado.
A partir de então, alguns meios começam a deixar essa linha agressiva de tentar derrubar o presidente fora da via do voto e a situação normalizou-se. Agora o que fazem é empurrar uma visão distinta da sociedade e um candidato diferente de Chávez. Se ele ganhar a eleição, ok. Mas tudo concentrado no aspecto eleitoral e não na desestabilização institucional, como tentaram entre 2000 e 2004.
Existe liberdade de imprensa nos 12 anos de República Bolivariana da Venezuela?
Há total liberdade. Avançou-se muito nos últimos tempos, só que agora há espaço para todos, não apenas grupos hegemônicos. As grandes rádios e os jornais, por exemplo, são, em grande maioria, contra o governo.
Mas depois de 2004, elas fazem uma oposição mais moderada?
Podemos dizer que chegamos a um estágio que, em sua maioria, não há conflitos com os meios. Televen tem sua programação e seus programas de opinião não têm nada de favorável ao governo. Venevisón é uma TV regional privada e também é outro exemplo. Na imprensa escrita há três grandes jornais de circulação nacional: o El Nacional e El Universal e o Últimas Noticias. Há maior equilíbrio no Últimas Notícias, mas nos dois primeiros, faça um levantamento das manchetes, durante o período de uma semana, um mês, verá que, no mínimo, 90% são contra enquanto, com sorte, encontrará a chance de encontrar 10% favoráveis. Não posso encontrar um cenário mais favorável à liberdade de imprensa como esse.
Houve porém, outro episódio polêmico. Em 2007, Chávez não renovou a concessão da RCTV, um canal que lhe fazia fortíssima oposição.
É diferente. Quando o Estado não renovou com a RCTV, tinha uma justificativa jurídica. Essa concessão foi entregue para 25 anos, e a lei dá a prerrogativa ao Estado para não renová-la. Pode-se estar ou não de acordo com as razões para renovar ou não renovar, discutir do ponto de vista político. Mas é uma prerrogativa do Estado. E dentro dela, qual é a razão que alega o Estado juridicamente? Que a Constituição o obriga a criar um canal de serviço público. Quando o prazo dessa concessão venceu, a RCTV ocupava o melhor espaço radioelétrico de propagação de sinal. E é mais importante para o Estado criar um canal de serviço público do que renovar uma concessão privada. Este foi o princípio. O canal hoje que está no lugar da RCTV é o TVes (Televisora Venezuelana Social), o maior transmissor de esportes e de espaços culturais na Venezuela. Ela abre também o canal para produtores nacionais independentes de audiovisual.
Esta decisão de não renovar a concessão, por mais clara que esteja seu amparo frente à lei, não abre um precedente perigoso para que outras emissoras opositoras sejam descontinuadas?
Para começar, todas as redes de alcance nacional já foram renovadas.
Só ocorreu com a RCTV?
Sim, pela justificativa da qualidade de sinal. Agora, o que o Estado não pode fazer é aplicar a mesma justificativa para as demais. Na época do fim da concessão da RCTV, o mesmo se passava com a Venevisión e VTV (concessões renovadas em maio de 2007 por cinco anos. No mesmo dia foram renovadas concessões das redes regionais Televisora Andina de Mérida e Amavisión de Puerto Ayacucho; e cinco emissoras de rádio).
A Televen renovou pelo mesmo período um ano mais tarde. (na época, Chacón, então ministro de Telecomunicações e Informática afirmava que não haveria concessão com prazo superior a cinco anos). Naquela situação, o Estado teria que renovar com duas e eliminar uma. Novos prazos de concessões vão vencer no futuro. O Estado segue com a prerrogativa da decisão, a renovação não é automática, mas criteriosa. Ela terá uma avaliação do Estado para renová-la.
Não se debate na Venezuela alguma renovação ou modernização da Lei Resorte (Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão) de 2006?
Não há problema nas leis, o desafio é materializá-las. O objetivo da Lei Resorte era romper com os monopólios. Criou-se uma figura que se chama produtor nacional independente. Do total da grade de uma emissora de rádio ou televisão, há uma porcentagem que tem que ser ocupada por produções nacionais independentes. Ou seja, embora uma pessoa fosse dona de uma concessão, uma parte da programação desse meio – estamos falando de audiovisual –seria utilizada por alguém que não fosse controlado por ele. O grande problema para tudo isso é a dificuldade de se produzir esse conteúdo para a televisão.
Criou-se um fundo para apoiar esses produtores, correspondente a 0,5% bruto dos impostos de todo o setor. Mas esse espaço ainda é incipiente e não produz o suficiente para alcançar o espaço previsto na lei. Se conseguirmos consolidar essa produção independente, isso ajudará para propagar mensagens muito mais diversas nos meios. E isso é mais importante do que tentar uma modificação na lei.
Também criamos as rádios e televisões alternativas e comunitárias, sem enfoque no lucro, muito diferentes do conceito das estações comerciais. Na Argentina, historicamente, há uma briga muito grande porque a lei argentina obrigava que a única maneira de ter uma rádio e televisão era que ela tivesse fins comerciais. Organizações sociais ou fundações não podiam. Por exemplo, um grupo afro-descendente da Venezuela monta sua estação, sem fins lucrativos, é considerado alternativo. Mas a figura legal que a maneja é uma fundação da comunidade, que a cada dois anos é renovada por eleição. É um conceito nada fácil de implementar. Temos nesse momento 36 experiências de televisão comunitária. Em rádio, temos cerca de 300 habilitadas e, em processo de habilitação cerca de outras 600. Logo teremos mil. O que tem menos controle por parte do governo são essas rádios. Fizemos escola na maneira de se evitar os monopólios na comunicação, sobretudo em rádios.
E como ficou a relação da sociedade venezuelana com a grande imprensa?
O Golpe do Estado e a greve petroleira nos afetaram muito economicamente. Creio que os venezuelanos, como sociedade, passaram a ter uma educação mais crítica em relação aos meios de comunicação. A grande maioria dos que creem ou dos que não creem no que leem, a favor ou contra o governo, sempre buscam uma segunda opinião. Conseguimos, graças ao Golpe de Estado promovido pela mídia, que os venezuelanos não acreditem em tudo o que sai na telinha. E isso é um avanço.
Essa possibilidade de procurar outros pontos de vista foi facilitado com o crescimento da internet e o surgimento das redes sociais?
Sem dúvida. A internet se converteu em uma ferramenta de debate político muito ricana Venezuela. Primeiro graças ao surgimento de páginas novas. Surgiram desse movimento o Aporrea, o La Patilla, tantos outros.
E o fenômeno do Twitter?
Sim, porque na Venezuela ele é mais forte do que o Facebook, que é uma ferramenta mais multimídia, mais orientado a difundir. Já o Twitter é mais horizontal. E, na Venezuela, temos grandes debates via Twitter. Antes, dizia-se que, na Venezuela, “todo mundo tinha um celular”. Agora, “quase todo venezuelano tem uma conta Twitter”. Somos a quinta população no mundo em percentagem da população, segundo lugar na América Latina em números de contas.
E é importante lembrar que ele não alcança somente as camadas mais ricas da população. Ao contrário, ele se popularizou e converteu-se em uma ferramenta massiva de intercâmbio e opinião. Isso é algo que outros países ainda não conseguiram. É muito rico, digno de ser estudado.
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