quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Por que são processados os blogueiros?

Por Renata Mielli, no blog Janela sobre a Palavra:

Pode até não parecer, mas há um quê de filosofia embutida nesta pergunta aparentemente simples. Qual o limite da opinião, qual o futuro da humanidade na era da cibercomunicação, são questões para as quais ainda não se tem respostas – talvez nunca tenham.



Mas, para além da filosofia, há um debate político importante para ser enfrentado sobre o assunto, que foi alvo de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, na tarde de ontem. Para debater a judicialização da censura, a Comissão de Direitos Humanos reuniu o professor Túlio Viana, o deputado federal Emiliano José (PT-BA) e esta blogueira.

O debate foi interessante mas, apenas tangenciou a discussão acerca do tema proposto, já que avançou para outras questões relativas a democratização da comunicação – o que mostra que, mais do que nunca, este é um tema que está na ordem do dia.

Então, aproveito para apresentar algumas considerações sobre a questão: Por que são processados os blogueiros? Filosofias e casos isolados à parte, os blogueiros são processados porque estão no epicentro de uma disputa pelo poder.

Quem é o mediador?

Até bem pouco tempo atrás, os meios de comunicação hegemônicos – rádio, televisão, grandes jornais e revistas – detinham o monopólio da mediação da esfera pública, o que lhes conferiu um alto grau de poder político e econômico. Alguns passaram a chamar a mídia de 4º poder, mas o apelido que pegou nos últimos tempos foi PIG – Partido da Imprensa Golpista.

O fato é que o surgimento das novas tecnologias da comunicação abalou, ainda que não se saiba medir em que grau, esse monopólio. A internet e sua arquitetura aberta, descentralizada e colaborativa permitiu o nascimento de milhares de novos atores sociais com a capacidade de produzir informação e opinião, criando o que até então não havia – o contraponto.

Blogs, microblogs, redes sociais e portais não vinculados à velha mídia deram voz aos que estavam calados e quebrou o monopólio da fala que estava concentrado numa elite política e econômica. E, isto, é disputa de poder.

Essa elite e seus veículos de comunicação não aceitam perder nem um naco do poder que lhes era exclusivo e estão utilizando de todos os expedientes para calar a “concorrência”.

Desqualificar e estrangular

A fórmula que estão usando é simples: desqualificação + estrangulamento econômico. No primeiro caso tentam marcar os blogueiros e ativistas digitais com o carimbo da falta de credibilidade e compromisso com a informação. Um emblema disso foi a campanha do site do Estadão produzindo pela agência Talent. Onde um macaco chamado de Bruno tinha um blog que servia como fonte para o trabalho de um estudante de economia. O comercial deu o que falar na época e foi tirado do ar.

Outro emblema dessa desqualificação foi o sobrenome que Serra deu aos blogueiros durante a campanha presidencial de 2010 – Sujos.

A outra via utilizada para tentar calar os blogueiros é a judicial, uma enxurrada de processos civis e criminais contra blogueiros, com a imposição de multas impagáveis tem pipocado em todo o país. São movidos, na maioria dos casos, por coronéis da política, por jornalistas, empresas de comunicação e pelo setor corporativo. Um dos casos que ganhou mais evidência foi o do blog Falha de S.Paulo, dos irmãos Mário e Lino Bochini.

Esse expediente da judicialização da censura não é exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, em 2007, processos contra blogueiros movimentaram 17,4 milhões de dólares.

Dois pesos e duas medidas

Há os que dizem que, apesar da necessidade de se garantir a liberdade de expressão, não se pode vendar os olhos para o fato de que muitos blogueiros publicam conteúdos discriminatórios (racistas, homofóbicos e nazistas), inventam fatos que comprometem a honra de pessoas e empresas.

Bem, isso pode até ser verdade, mas não é o retrato da realidade da judicialização da censura. A maioria dos blogueiros não tem sido processada por veicular conteúdos criminosos, mas sim por estarem revelando informações que não eram divulgadas pela mídia hegemônica e, principalmente, por emitirem opinião e versão diversa dos pseudo-fatos publicados pela velha mídia.

Muito pelo contrário. Quem tem publicado conteúdos discriminatórios e que comprometem a honra das pessoas é a velha mídia. E o pior, o faz livremente. Emissoras de televisão, jornalões e revistas têm o direito de dizer o que quiser, sem revelar suas fontes, sem que qualquer apuração e fatos que sustentem suas notícias sejam apresentados à sociedade, infringindo a Constituição Federal que diz que o ônus da prova é de quem acusa.

Bem, mas essa velha mídia pode ser processada. Eu diria, poder até pode, mas o estrago que uma manchete de jornal ou uma notícia veiculada no jornal nacional provoca não tem processo que repare.

Um ambiente de direitos e não de proibição

A tentativa de cercear a liberdade de expressão da sociedade para que os velhos impérios midiáticos mantenham sua liberdade de empresa e o monopólio de mediação da esfera pública se dá pela judicialização da censura e pela articulação para que se aprovem leis restritivas para a internet, como no caso do AI 5 digital do senador Azeredo.

O debate sobre a internet não pode se dar a partir do que deve ser proibido e evitado na rede, mas sim dos direitos e liberdades que ela precisa garantir. Por isso é urgente a aprovação do Marco Civil da Internet e a discussão de um novo marco regulatório para as comunicações.

Compreender a fundo as transformações no ambiente da comunicação e na sociedade que a internet e as novas mídias estão produzindo é um desafio. Mas só o seu potencial mobilizador e questionador já são suficientes para incomodar os bastiões do status quo. Por isso, estão sendo processados os blogueiros.

2 comentários:

  1. Os Blogueiros Progressistas ("sujos") agora têm onde recorrer:

    http://blogdosadvogadosprogressistas.blogspot.com/p/denuncie.html

    Saudações Libertárias.

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  2. Há duas filosofias sobre a liberdade de expressão: (1) qualquer opinião é permitida, por mais preconceituosa ou ofensiva que seja, sem pena para o autor; ou (2) opiniões que certos grupos ou pessoas consideram ofensivas dão cadeia e/ou multa e/ou indenização. (Note que estamos falando de *opiniões*, mesmo crenças incorretas, mas não xingamentos, pareceres profissionais, publicidade, ou afirmações "factuais" que o autor sabe que não são verídicas).

    No Brasil, embora a constitução nominalmente garanta (1), a legislação criminal e a prática judiciária tendem a implementar (2). Além de opiniões proibidas (opiniões racistas, apologias de crime, etc.) são efetivamente proibidas opiniões que alguém pode considerar ofensivas contra sua "honra", com penas monetárias muito elevadas. E há campanhas para ampliar a lista de opiniões proibidas (como opiniões homofóbicas).

    Parece que muitos blogueiros "sujos" preferem (2) na suposição que ajuda a combater racismo, homofobia, etc.. Mas essa alternativa é muito perigosa para esses mesmos blogueiros, pois é *a* arma que políticos, empresários, autoridades e grandes jornais podem usar para fechar blogs e "matar" financeiramente os autores. Basta convencer o juiz (como fez a F@lha) de que as opiniões do blogueiro são "ofensivas", e o blog é fechado por liminar mesmo sem ouvir o autor. Mesmo que a acusação seja descabida, o blogueiro raramente terá recursos e energia para questionar a liminar.

    Além disso, uma vez que se admite a possibilidade de existirem opiniões "proibidas", nada impede que a lista seja ampliada ao capricho do Congresso criminalizando, por exemplo, opiniões denigratórias sobre governantes, parlamentares e juízes, sobre as forças armadas e a polícia, sobre a Petrobrás, sobre empresas, ...

    Então, acho que todo blogueiro deveria, por interesse próprio, lutar para que seja adotada a interpretação (1) da liberdade de expressão. Entendo que não é fácil defender o direito de pessoas emitirem opiniões racistas, homófobas, etc.. Mas se cada um defender a liberdade apenas para si, negando-a aos outros, é muito provável que a liberdade venha a ser negada a todos.

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