sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O retrocesso na reforma agrária

Por Vinicius Mansur, no jornal Brasil de Fato:

O projeto de lei que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2012 (PLN 28/2011), enviado pelo Palácio do Planalto e que deve ser votado pelo Congresso Nacional até o final deste ano, traz más notícias para a reforma agrária.

Um levantamento feito pela assessoria técnica da liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados aponta que o orçamento para o setor retrocederá, chegando aos patamares do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) em alguns casos.



De acordo com o levantamento, o orçamento 2012 prevê R$ 4,6 bilhões para a função Organização Agrária – que inclui, por exemplo, gastos com concessão de crédito-instalação às famílias assentadas e implantação de infraestrutura básica em projetos de assentamentos – o que representará 0,22% das despesas totais da União. Ou seja, aquilo que não representa sequer meio por cento dos gastos do governo federal ainda retrocederá aos anos anteriores a 2005.

Para a função agricultura – que inclui, por exemplo, gastos com formação de estoques públicos e equalização de juros do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – estão previstos R$ 17,2 bilhões, o que representará 0,81% das despesas totais da União, mais um retrocesso em comparação aos anos anteriores, excetuando 2003 e 2004.

Já os recursos para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) apresentam uma redução nominal de 15,8% em relação a 2010 e de 1,7% em relação a 2011. Atualizando os valores dos orçamentos autorizados ao MDA para os anos anteriores, verificamos que os valores reais de 2012 serão 8,5% menores do que os de 2002.

Por sua vez, o orçamento de 2012 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) apresenta uma redução de 7,5% em relação a 2011 e de 12,2% em relação a 2010.Com a atualização dos valores, temos em 2012 um aumento de apenas 4,2% em comparação com o orçamento de 2002.

Redução em ações chave

Tão preocupantes quanto os números do Orçamento 2012, no que diz respeito às funções e aos órgãos relacionados à reforma agrária, são as previsões orçamentárias das ações relativas a essa área. Com relação às ações de obtenção de terras, por exemplo, temos uma redução de 28% em relação a 2011 e de 31,2% em relação a 2010. Comparando-se com 2007, a redução é de 52%.

Em relação às principais ações destinadas à consolidação de assentamentos, as quedas são generalizadas. Ainda que a agroindustrialização e o crédito para instalação tenham registrado aumento frente a 2011 (114% e 5%, respectivamente), os valores representam uma queda respectiva de 12% e 33% se comparados a 2009. Já a assistência técnica foi reduzida em 30% frente a 2010, a implantação de infraestrutura perdeu 8% em relação a 2011 e a educação perdeu quase R$ 55 milhões em comparação com 2009 (redução de 63%).

Em relação à agricultura familiar, as verbas sobem para a assistência técnica (51%), para a aquisição de alimentos (64%) e para os projetos de agregação de valor (18%). Porém, os recursos para o Desenvolvimento Territorial caem 42%.

Interpretação

Para o doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador destacado da questão agrária, Sérgio Sauer, “há claramente uma redução dos recursos destinados à reforma agrária, confirmando a tendência do governo Dilma de retirar peso ou importância das políticas estruturantes”. De acordo com o especialista, “o governo segue uma lógica mais desenvolvimentista’; as ênfases – inclusive com um aumento dos recursos – ficam para as áreas produtivistas”.

Assim, o governo caminha para incentivar o desenvolvimento daqueles pequenos agricultores já relativamente mais bem estabelecidos – vide os incrementos substantivos para as ações de assistência técnica, aquisição de alimentos e projetos de agregação de valor da agricultura familiar – em detrimento dos recursos para obtenção de terras e consolidação de assentamentos.

Órgãos de governo rebatem

Questionado pela reportagem, o MDA afirmou que seu orçamento total não é composto apenas pelos R$ 4,3 bilhões. De acordo com sua assessoria, desde 2004, aos recursos sob supervisão do ministério são somadas outras unidades orçamentárias, para além daquela específica da pasta.

Dessa forma, o órgão aponta que sua verba para 2012 alcançará R$ 5,58 bilhões. Entretanto, Uelton Fernandes, assessor técnico da liderança do PT na Câmara, responsável pelo levantamento que subsidia a reportagem, considera a resposta do MDA uma forma de inflar os números. “Eles consideram até recursos sob supervisão do Ministério da Fazenda. Tecnicamente, o orçamento do MDA é de R$ 4,3 bi”.

Refutando o retrocesso aos tempos de FHC, a assessoria do MDA afirmou que é preciso considerar que o crédito do Pronaf passou de R$ 2,4 bilhões, em 2002, para R$ 16 bilhões em 2012, um crescimento de 238% em valores reais. E ainda destacou que a Política de Garantia de

Preços Mínimos da Agricultura Familiar (PGPM-AF), que não existia em 2002, será de R$ 314 milhões em 2012.

Para Fernandes, a evolução do Pronaf é um dado inegável, mas não serve por si só para refutar a tese de que o governo não vem priorizando a reforma agrária, uma vez que não toca na distribuição de terras e não diz respeito apenas ao orçamento da União, “já que os recursos são um empréstimo aos agricultores”.

Ele ainda destaca outros problemas: a liberação dos recursos de forma atrasada em relação à época das safras, a dificuldade do governo em emprestar todo o valor anunciado – uma vez que muitos agricultores endividados por empréstimos anteriores não podem adquirir novos créditos – e a consequente queda ano a ano do número de contratos – o que significa uma centralização do Pronaf.

O Incra, por sua vez, considerou que seu orçamento “mantém uma tendência de acréscimo [se desconsiderados o acréscimo aprovado de R$ 400 milhões somados ao orçamento 2011], não sendo ainda o ideal, embora significativo, dado o cenário de recessão internacional e previsão de desaquecimento das principais economias”.

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