Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
As edições dos jornais paulistas de segunda-feira (9/1) descrevem a cena patética de policiais tangendo centenas de farrapos humanos pelas ruas do centro de São Paulo. Como gado, os grupos de homens e mulheres são empurrados de lá para cá, eventualmente com o uso de bombas de gás e tiros com balas de borracha, numa operação destinada a impedir que se concentrem em qualquer lugar.
Como na famosa propaganda do uísque, eles têm que continuar andando. A intenção é mantê-los permanentemente incomodados, evitar que sejam alcançados pelos traficantes, e, assim, pela dor e o sofrimento da abstinência, fazer com que alguns aceitem ser submetidos a tratamento de desintoxicação.
“Dor e sofrimento”, aliás, é o nome que a imprensa dá à operação, que foi iniciada no primeiro dia útil do ano e é composta por três ações simultâneas. A primeira, a da ocupação policial, começou logo após as festas de fim de ano; a segunda consiste em identificar e prender os traficantes; e a terceira, encaminhar para tratamento os que aceitarem ajuda.
Ação antecipada
A polícia pretende continuar espicaçando os mais renitentes até dissolver definitivamente a grande aglomeração de viciados que vinha se formando na chamada “boca do lixo” desde os anos 1990.
O projeto tem uma denominação oficial: “Plano de Ação Integrada Centro Legal” e não tem prazo previsto para ser encerrado. Representantes do governo estadual e da prefeitura dizem a jornalistas que a ação só vai acabar quando não houver mais razão para aquela região ser chamada de “cracolândia”.
Inicialmente, a imprensa pareceu vacilar diante da necessidade de qualificar a operação. A revista Época que começou a circular na sexta-feira (6/1) chegou a elogiar as autoridades, afirmando que “por enquanto, é louvável que alguém pelo menos tenha se mexido para sanar os problemas da região”. Mas no mesmo dia repórteres flagraram traficantes fornecendo drogas aos viciados no meio do cerco, e constatou-se que vários grupos que haviam sido dispersados voltavam a se reunir em outros locais, levando o problema para o entorno do centro da cidade.
Já no sábado (7), as primeiras críticas levaram o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o governador do estado, Geraldo Alckmin, e o comandante da Polícia Militar a declararem que não sabiam da operação.
Diante da vacilação das principais autoridades com os questionamentos da imprensa, foi o comandante do policiamento no Centro da cidade, coronel Pedro Borges, quem assumiu a responsabilidade, afirmando que decidira antecipar a operação para aproveitar o início de janeiro, quando caem as taxas de crimes, o trânsito melhora e as chances de sucesso aumentam.
Os “resorts” do crack
No domingo (8), a Folha de S.Paulo surpreendeu seus leitores com uma reportagem instigante sobre o outro lado da epidemia de crack, revelando que viciados de classe média contam com verdadeiros spas para consumir a droga, em locais que lembram as antigas casas de ópio da China. Com isso, o jornal oferece ao público uma visão mais ampla do problema causado por uma droga cujo vício tem raras possibilidades de cura e que se espalhou por todo o Brasil nos últimos anos.
Enquanto as autoridades se concentram na região conhecida como “cracolândia”, o jornal descobriu que traficantes alugam apartamentos e casas em bairros de classe média como Vila Mariana, Paraíso e Bela Vista e fornecem a droga para quem queira se hospedar ali.
A reportagem é resultado de um trabalho de seis meses de investigação, acontecimento raro no jornalismo brasileiro hoje em dia, e revela a sofisticação de um negócio criminoso que cresce e se consolida sob o nariz das autoridades.
A operação no centro da capital paulista vai continuar até que pelo menos 20% dos viciados consintam em ser levados a tratamento. As prioridades são menores de dezoito anos, mulheres grávidas e pessoas que tenham perdido completamente o discernimento e aqueles cujas famílias se responsabilizem por retirá-los da rua.
A envergadura da operação e a repercussão que produziu não permitem recuo. As carreiras políticas do governador e do prefeito provavelmente não sobreviveriam a um fracasso. Por essa razão, cabe à imprensa seguir acompanhando os acontecimentos na cracolândia até que não haja mais motivo para aquela região ser conhecida por esse nome.
Mas os jornais também devem seguir a pista levantada pela Folha, deixando de lado o despeito corporativo, e denunciar o surgimento de novos focos da droga em outras partes da cidade.
Sem uma política antidrogas eficiente, as autoridades continuarão ainda por muito tempo correndo atrás de traficantes, enquanto os financiadores se antecipam em suas estratégias de negócio. Eles lavam o lucro das drogas nos mesmos canais por onde passa o dinheiro da corrupção e dos crimes de colarinho branco. A faxina na “cracolândia” é apenas um pequeno contratempo para eles.
As edições dos jornais paulistas de segunda-feira (9/1) descrevem a cena patética de policiais tangendo centenas de farrapos humanos pelas ruas do centro de São Paulo. Como gado, os grupos de homens e mulheres são empurrados de lá para cá, eventualmente com o uso de bombas de gás e tiros com balas de borracha, numa operação destinada a impedir que se concentrem em qualquer lugar.
Como na famosa propaganda do uísque, eles têm que continuar andando. A intenção é mantê-los permanentemente incomodados, evitar que sejam alcançados pelos traficantes, e, assim, pela dor e o sofrimento da abstinência, fazer com que alguns aceitem ser submetidos a tratamento de desintoxicação.
“Dor e sofrimento”, aliás, é o nome que a imprensa dá à operação, que foi iniciada no primeiro dia útil do ano e é composta por três ações simultâneas. A primeira, a da ocupação policial, começou logo após as festas de fim de ano; a segunda consiste em identificar e prender os traficantes; e a terceira, encaminhar para tratamento os que aceitarem ajuda.
Ação antecipada
A polícia pretende continuar espicaçando os mais renitentes até dissolver definitivamente a grande aglomeração de viciados que vinha se formando na chamada “boca do lixo” desde os anos 1990.
O projeto tem uma denominação oficial: “Plano de Ação Integrada Centro Legal” e não tem prazo previsto para ser encerrado. Representantes do governo estadual e da prefeitura dizem a jornalistas que a ação só vai acabar quando não houver mais razão para aquela região ser chamada de “cracolândia”.
Inicialmente, a imprensa pareceu vacilar diante da necessidade de qualificar a operação. A revista Época que começou a circular na sexta-feira (6/1) chegou a elogiar as autoridades, afirmando que “por enquanto, é louvável que alguém pelo menos tenha se mexido para sanar os problemas da região”. Mas no mesmo dia repórteres flagraram traficantes fornecendo drogas aos viciados no meio do cerco, e constatou-se que vários grupos que haviam sido dispersados voltavam a se reunir em outros locais, levando o problema para o entorno do centro da cidade.
Já no sábado (7), as primeiras críticas levaram o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o governador do estado, Geraldo Alckmin, e o comandante da Polícia Militar a declararem que não sabiam da operação.
Diante da vacilação das principais autoridades com os questionamentos da imprensa, foi o comandante do policiamento no Centro da cidade, coronel Pedro Borges, quem assumiu a responsabilidade, afirmando que decidira antecipar a operação para aproveitar o início de janeiro, quando caem as taxas de crimes, o trânsito melhora e as chances de sucesso aumentam.
Os “resorts” do crack
No domingo (8), a Folha de S.Paulo surpreendeu seus leitores com uma reportagem instigante sobre o outro lado da epidemia de crack, revelando que viciados de classe média contam com verdadeiros spas para consumir a droga, em locais que lembram as antigas casas de ópio da China. Com isso, o jornal oferece ao público uma visão mais ampla do problema causado por uma droga cujo vício tem raras possibilidades de cura e que se espalhou por todo o Brasil nos últimos anos.
Enquanto as autoridades se concentram na região conhecida como “cracolândia”, o jornal descobriu que traficantes alugam apartamentos e casas em bairros de classe média como Vila Mariana, Paraíso e Bela Vista e fornecem a droga para quem queira se hospedar ali.
A reportagem é resultado de um trabalho de seis meses de investigação, acontecimento raro no jornalismo brasileiro hoje em dia, e revela a sofisticação de um negócio criminoso que cresce e se consolida sob o nariz das autoridades.
A operação no centro da capital paulista vai continuar até que pelo menos 20% dos viciados consintam em ser levados a tratamento. As prioridades são menores de dezoito anos, mulheres grávidas e pessoas que tenham perdido completamente o discernimento e aqueles cujas famílias se responsabilizem por retirá-los da rua.
A envergadura da operação e a repercussão que produziu não permitem recuo. As carreiras políticas do governador e do prefeito provavelmente não sobreviveriam a um fracasso. Por essa razão, cabe à imprensa seguir acompanhando os acontecimentos na cracolândia até que não haja mais motivo para aquela região ser conhecida por esse nome.
Mas os jornais também devem seguir a pista levantada pela Folha, deixando de lado o despeito corporativo, e denunciar o surgimento de novos focos da droga em outras partes da cidade.
Sem uma política antidrogas eficiente, as autoridades continuarão ainda por muito tempo correndo atrás de traficantes, enquanto os financiadores se antecipam em suas estratégias de negócio. Eles lavam o lucro das drogas nos mesmos canais por onde passa o dinheiro da corrupção e dos crimes de colarinho branco. A faxina na “cracolândia” é apenas um pequeno contratempo para eles.
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