quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Papa e as ameaças à humanidade

Por Jean Wyllys, na CartaCapital:

O papa Bento XVI disse que o casamento homossexual “ameaça o futuro da humanidade”.

Eu pensava que o que o ameaçava eram as guerras (muitas delas étnicas ou religiosas), a fome, a miséria econômica, a desigualdade e as injustiças sociais, a violência, o tráfico de drogas e de armas, a corrupção, o crime organizado, as ditaduras de todo tipo, a supressão das liberdades em diferentes países, os genocídios, a poluição ambiental, a destruição das florestas, as epidemias… Porém o papa, mesmo ciente de todos esses males e consciente de que sua instituição – a Igreja Católica Apostólica Romana – contribuiu com muitos deles ao longo da história ocidental, disse que a humanidade é ameaçada pelo fato de dois homens ou duas mulheres se amarem e, por isso, decidirem construir um projeto de vida comum e obter o reconhecimento legal dessa união para gozar de direitos já garantidos aos heterossexuais.



O amor e a felicidade como ameaças contra a humanidade: foi o que afirmou Bento XVI.

O amor, uma ameaça?!

Dentre todos os desatinos do papa, este foi o que mais me chocou. Talvez porque sua afirmação estapafúrdia e anacrônica tenha violado diretamente a minha dignidade humana de homossexual assumido e orgulhoso de minha orientação sexual e de minha formação científica (sim, porque a afirmação de Bento XVI parte da crença absurda de que o casamento civil igualitário vai transformar todos os homens e mulheres em homossexuais e vai impedir que todas as mulheres da Terra recorram às técnicas de reprodução artificial).

Ora, o amor, como a fé, é inexplicável: sente-se ou não. Não há dicionário que possa defini-lo; só o poeta pode dizer alguma coisa a respeito — fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente — mas para entendê-lo é preciso sentir tudo aquilo que o papa, os cardeais, os bispos e os padres, pelas regras do trabalho que escolheram desde jovens, são proibidos de sentir – seja por outro homem, seja por uma mulher.

Talvez por isso eles não entendem.

Mas o amor nunca poderia ser uma ameaça para a humanidade; antes, sim, uma salvação para os seus piores males, um antídoto contra os venenos que a intoxicam, uma vacina contra as doenças que a afligem. O papa está errado de cabo a rabo. Ele não entendeu nada mesmo.

Contudo, mesmo não entendendo, ele deveria ter um pouco de responsabilidade. Suas palavras têm poder, influência, entram na cabeça e no coração de milhões de pessoas no mundo inteiro. Ele poderia usá-las para fazer o bem. Em vez de dedicar tanto tempo e esforço a injuriar os homossexuais — eu confesso que não consigo entender o porquê dessa obsessão que ele tem com a gente — o papa poderia se colocar na luta contra os verdadeiros males que ameaçam, sim, a humanidade. Esses que matam milhões, que arruínam vidas, que condenam povos inteiros.

Bento XVI não pode continuar difundindo o ódio e o preconceito contra os gays. Ele não pode dizer que nós, só por amarmos, só por reclamarmos que o nosso amor seja respeitado e reconhecido, somos “uma ameaça”. Aliás, porque esse tipo de frases têm uma história. “Os judeus são a nossa desgraça!” (“Die Juden sind unser Unglück!”), disse o historiador Heinrich von Treitschke, e essa desgraçada expressão, publicada na revista alemã Der Sturmer e logo usada como lema pelos nazistas, deu no que deu. Nós, homossexuais, também sabemos disso: o nosso destino na Alemanha nazista, onde Bento XVI passou sua juventude, era o mesmo dos judeus, só que em vez da estrela de Davi, o que nos identificava noscampos de concentração era o triângulo rosa.

A tragédia do nazismo deveria ter servido para aprender que o outro, o diferente, não é uma ameaça, nem uma desgraça, nem o inimigo. E nós, homossexuais, não ameaçamos ninguém. O nosso amor é tão belo e saudável como o de qualquer um. E merecemos o mesmo respeito e os mesmos direitos que qualquer um.

Da mesma maneira que acontece agora com o “casamento gay”, o casamento entre negros e brancos — chamado, na época, “casamento inter-racial” — já foi considerado “antinatural e contrário à lei de Deus” e uma ameaça contra a civilização. Numa sentença de 1966, um tribunal de Virgínia que convalidou sua proibição usou estas palavras: “Deus todo-poderoso criou as raças branca, negra, amarela, malaia e vermelha e as colocou em continentes separados. O fato de Ele tê-las separado demonstra que Ele não tinha a intenção de que as raças se misturassem”. O casamento entre alemães “da raça ária” e judeus também foi proibido por Hitler. Até os evangélicos tiveram o direito ao casamento negado em muitos países durante muito tempo, porque eram, também, uma ameaça para a Igreja católica. Parece que alguns pastores não se lembram, mas foi assim.

Na Argentina, que em 2010 aprovou o casamento igualitário, a primeira grande reforma ao Código Civil, no século XIX, foi impulsionada pela demanda dos protestantes, que reclamavam o direito a se casar. Vários casais não católicos se apresentaram na Justiça, como agora fazem os homossexuais. Quando o país aprovou a lei de criação do Registro Civil e, depois, o matrimônio civil, em 1888, houve graves enfrentamentos entre o governo argentino e a Igreja Católica, que incluíram a quebra das relações diplomáticas com o Vaticano. No Senado, um dos opositores ao matrimônio civil disse que, a partir de sua aprovação, perdida a “santidade” do matrimônio, a família deixaria de existir. A lei foi chamada de “obra-mestra da sabedoria satânica” por monsenhor Mamerto Esquiú, quem disse sobre os governantes argentinos da época que “amamentam-se dos peitos da grande prostituta, a Revolução Francesa”. Todas a predições apocalípticas que foram feitas contra a lei de matrimônio civil, no entanto, não se cumpriram. Anunciaram, garantiram que o mundo ia se acabar… mas o mundo não se acabou.

Passou-se mais de um século, mas as discussões são as mesmas. Os argumentos são os mesmos. E o papa Bento XVI continua sem entender. Não entende, tampouco, que o casamento civil e o casamento religioso são duas instituições diferentes. O casamento civil está regulamentado pelo Código Civil, que pode ser modificado pelo Congresso, já o casamento religioso depende das leis de cada igreja: por exemplo, o casamento católico é diferente do casamento judeu.

O casamento religioso é feito na igreja, templo, mesquita ou terreiro; o civil, no cartório. Para celebrar o casamento religioso na Igreja católica, os noivos devem ser batizados ou fazer um juramento supletório do batismo e devem realizar um curso prévio na igreja – o que não é necessário para o casamento civil, que pode ser celebrado por pessoas de qualquer religião ou por ateus. O casamento religioso, na maioria das igrejas cristãs, é indissolúvel – já o civil admite o divórcio.

Em conseqüência, uma pessoa pode se casar na Igreja apenas uma vez na vida, mas pode casar quantas vezes quiser no cartório, desde que seja divorciada. O casamento religioso, para que produza efeitos jurídicos, deve ser registrado no cartório – os efeitos jurídicos do casamento civil são imediatos. E essas são apenas algumas das muitas diferenças que existem entre o casamento civil e o religioso…
O que nós, homossexuais, reclamamos é o direito ao casamento civil. O projeto de emenda constitucional (PEC) que estou impulsionando no Congresso não mexe em nada com casamento religioso, cujos efeitos jurídicos são reconhecidos no art. 226 § 2 da Constituição, que se manterá inalterado. Meu projeto legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas nada diz sobre o casamento religioso. Da mesma maneira que o Estado não deve interferir na liberdade religiosa, as religiões não devem interferir no direito civil. Este último é uma instituição laica, que deve atender por igual as necessidades daqueles e daquelas que acreditam em Deus — em qualquer Deus ou em vários Deuses — e também daqueles e daquelas que não acreditam.

Chegará o dia no qual uma criança irá à biblioteca da escola para procurar, nos livros de história, alguma explicação sobre um fato surpreendente que o professor comentou em sala de aula: “Até o início do século 21, o casamento entre dois homens ou duas mulheres não era permitido”. Para o nosso pequeno cidadão, essa antiga proibição resultará tão absurda como hoje nos resulta a proibição do casamento entre negros e brancos, ou do voto feminino. E se ele descobrir, na biblioteca, que houve um dia em que um papa disse que o casamento gay ameaçava a humanidade, provavelmente sentirá a mesma repulsa que nós sentimos ao lermos a desgraçada frase de von Treitschke.

Bento XVI deveria pensar se ele quer passar à história dessa maneira. Ainda está em tempo.

Tomara que algum dia ele seja capaz de entender e aceitar o amor — qualquer maneira de amor e de amar — e fazer aquilo que Jesus Cristo pregava: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”.

9 comentários:

  1. É muito curioso esse artigo e ela reproduz uma visão de Cristianismo paz e amor, como se Jesus fosse um ser que ama sem repreender, sem mostrar os pecados do mundo, enfim, um Cristo Paz e amor.É verdade, que muitos sites de notícias e blogs tenham entendidos de economia, de esporte, educação, de política, de saúde, de segurança, mas quando se trata de cristianismo sempre há os tais não entendidos ou os pseudo-entendidos.É compreensível que o discurso do Papa tenha gerado indignação de todos, afinal ninguém consegue agradar a todos, nem Jesus conseguiu.Alias, se Jesus só pregou o amor, segundo diz o seu texto, porque será, ora pois, ele foi crucificado?Não foi por causa da inveja?Porque ele incomodava, ele era sinal de contradição.Contradição essa que uma parcela da sociedade não entende e nunca irá entender, enquanto tiver ódio pela Verdade e amor a Pseudo-compreensão de Cristianismo.

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  2. Maravilhososo texto de Jean Willis,não me surpreendeu em nada sua explanação como também não me surpreende a posição do Papa.

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  3. Baseado na resposta do Blog Católico e em outras tantas experiências pessoais, posso dizer que se amanhã metade dos ditos cristãos deixassem de falsidade e hipocrisia o mundo viraria de ponta cabeça. Só metade.

    Blog Católico, Jesus, simplesmente, pregou o amor sim. O que as pessoas precisariam ler é somente a passagem do Sermão do Monte. Só isso, aquilo sim é cristianismo. O resto da bíblia, com todo seu preconceito e intolerância, poderia ser esquecida, sem remorso.

    Foi exatamente esse amor pregado por Jesus que fez ele ser crucificado, ou não, depende do que cada um acredita. O Sermão do Monte tá lá, e não custa nada ser seguido.

    E digo mais. Se as pessoas fossem cristãs mesmo, pode ter absoluta certeza, que não haveria incentivo pra criar igrejas e nem liberdade religiosa.

    Não acredito na história da virgem, nem que ele tenha andando sobre as águas e outras coisas. Mas eu acredito nesse amor subversivo que ele pregou!!!

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  4. O homosexualismo, é uma das formas de se obter o prazer sexual. Outras formas são o incesto, o sadomasoquismo, o grupal, a zoofilia, e a tão odiada, por enquanto, pedofilia. É claro que a sociedade sempre conviveu com todas as mazelas citadas no texto, e tambem conviveu e convive com os prazeres proporcionados pelos diversos atos sexuais. Agora pretender que eles venham a ser legalmente reconhecidos exigiria pelo menos um plebicito. Eu já me contentaria com uma simples poligamia.

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  5. Incrível como Jean Willis trata deste assunto. Ótima explanação. Parabéns mesmo pra ele!

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  6. Sr Leniéverson, e...???!!!

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  7. A Igreja e o Papa são pedófilos e nazistas, inquisidores, genocidas. Uma grande empulhação, atraso da humanidade. Aliás como qualquer outra religião hegemônica, racista e preconceituosa. O carinha tem razão, Igreja é igual a ódio, repressão, repressão sexual, morbicismo e roubalheira.

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  8. Belíssimo texto do Papa, merece ser refletido pelo homem moderno edonista. Que bom que esse blog esta divulgando essas lindas palavras, é claro com um ponto de vista diferente.

    Abraços!

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  9. De um caminho torto, o BBB, emergiu uma pessoa generosa, culta e corajosa como o Jean Wyllys. Que aqui coloca de forma sincera e honesta como devemos nos portar diante do amor e da fé, inspirados no amor de Jesus Cristo e outros sábios.

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