Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:
Os grupos privados que controlam a radiodifusão no país – diretamente ou por intermédio de seus representantes – conseguiram, ao longo do Congresso Constituinte de 1987-88, incluir no capítulo sobre a Comunicação Social da Constituição (Capítulo V do Título VIII) as regras básicas relativas às concessões desse serviço público: quem decide sobre elas (poderes Executivo e Legislativo); os prazos de vigência dos contratos (10 anos para rádio e 15 anos para televisão); a condição para não renovação (aprovação de dois quintos dos membros do Congresso Nacional, em votação nominal) e a condição para cancelamento (decisão judicial). Está tudo lá no artigo 223.
São regras totalmente assimétricas em relação a qualquer outro tipo de serviço público. Elas transformaram os concessionários de radiodifusão em privilegiados. Às vezes mais poderosos do que o próprio poder que concede o serviço, isto é, a União. E, claro, essas regras, só podem ser alteradas por emenda constitucional.
Laranjas
Em março de 2011, duas reportagens – resultado de longo e minucioso trabalho da jornalista Elvira Lobato – foram publicados na Folha de S.Paulo. Elas comprovaram que licitações promovidas pelo Ministério das Comunicações para exploração do serviço público de radiodifusão estavam sendo vencidas por “laranjas” que, de fato, não eram, nem poderiam ser, os verdadeiros operadores dos canais de rádio e televisão.
Naquela ocasião comentei em artigo na própria Folha que “a reportagem da jornalista Elvira Lobato revela o total fracasso das licitações para radiodifusão: não há qualquer controle do Estado em relação a quem de fato se candidata, vence ou coloca em operação uma emissora de rádio e televisão. E mais: o MiniCom não se considera responsável pela fiscalização do caos existente. De 91 empresas analisadas, 44, isto é, quase a metade, não funciona nos endereços informados. Entre os proprietários estão trabalhadores que exercem profissões e declaram renda, obviamente incompatíveis com os valores dos negócios realizados. Alguns, inclusive, reconhecem explicitamente que são “laranjas” por convicções religiosas. A reportagem levanta três hipóteses para explicar a situação: “lavagem” de dinheiro; evitar acusações de exploração política e burlar a regra que impede igrejas de serem concessionárias. Qualquer delas constitui ilícito e deveria ser objeto de investigação. Ou não?”.
O decreto nº 7.670/2012
Dez meses após as matérias terem sido publicadas na Folha, a presidente Dilma Rousseff assinou o decreto nº 7.670, de 16/1/2012, que altera dispositivos do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (decreto nº 52.795/1963) e torna mais rígidas as normas para as licitações de radiodifusão.
O decreto, ao contrário de algumas interpretações apressadas, não altera – e nem poderia – nenhuma das normas básicas relativas às concessões. Apenas “endurece” em relação a critérios já existentes, dificulta a transferência (venda) de concessões e faz adaptações a leis recentes, como a lei nº 12.485/2011.
A partir de agora, por exemplo, o pagamento da outorga terá que ser feito à vista; as empresas terão que apresentar balanço patrimonial e demonstrações contábeis mais detalhadas; serão necessários pareceres de dois auditores independentes que comprovem a capacidade econômico-financeira da empresa; o projeto de investimento terá que demonstrar a origem dos recursos a serem aplicados e a proposta técnica deverá contemplar normas que constam do artigo 221 da Constituição.
Apesar de se passar a exigir certidões negativas civis e criminais tanto de “sócios” quanto de “dirigentes” das empresas que participem das licitações, continua prevalecendo a interpretação do Ministério das Comunicações de que político no exercício de mandato pode ser sócio de empresas concessionária, “só não pode ser gerente ou diretor; e (sua) família não está impedida”.
O decreto, por óbvio, é bem-vindo. Apesar de não mencionar quais as medidas de fiscalização que serão adotadas para garantir seu cumprimento, representa um passo no sentido de evitar que “laranjas” continuem explorando os serviços de radiodifusão.
E o marco regulatório?
O que chama a atenção, todavia, é o Ministério das Comunicações insistir em trabalhar apenas com “remendos” na superada legislação existente (o regulamento alterado pelo decreto é de 1963!) e continuar se omitindo em relação a uma proposta de marco regulatório para o setor de comunicações.
As regras para concessões do serviço público de radiodifusão estão no centro de uma nova organização legal do setor e, por óbvio, essa questão não se resolve por decreto.
Afinal, o que será que impede o governo da presidente Dilma, mais de um ano após ter assumido o poder, de tornar público e discutir com a sociedade brasileira o projeto de marco regulatório que teria sido elaborado ao final do mandato do presidente Lula e teria sido reelaborado pelo ministro Paulo Bernardo?
Quem souber a resposta, por favor, diga qual é.
Os grupos privados que controlam a radiodifusão no país – diretamente ou por intermédio de seus representantes – conseguiram, ao longo do Congresso Constituinte de 1987-88, incluir no capítulo sobre a Comunicação Social da Constituição (Capítulo V do Título VIII) as regras básicas relativas às concessões desse serviço público: quem decide sobre elas (poderes Executivo e Legislativo); os prazos de vigência dos contratos (10 anos para rádio e 15 anos para televisão); a condição para não renovação (aprovação de dois quintos dos membros do Congresso Nacional, em votação nominal) e a condição para cancelamento (decisão judicial). Está tudo lá no artigo 223.
São regras totalmente assimétricas em relação a qualquer outro tipo de serviço público. Elas transformaram os concessionários de radiodifusão em privilegiados. Às vezes mais poderosos do que o próprio poder que concede o serviço, isto é, a União. E, claro, essas regras, só podem ser alteradas por emenda constitucional.
Laranjas
Em março de 2011, duas reportagens – resultado de longo e minucioso trabalho da jornalista Elvira Lobato – foram publicados na Folha de S.Paulo. Elas comprovaram que licitações promovidas pelo Ministério das Comunicações para exploração do serviço público de radiodifusão estavam sendo vencidas por “laranjas” que, de fato, não eram, nem poderiam ser, os verdadeiros operadores dos canais de rádio e televisão.
Naquela ocasião comentei em artigo na própria Folha que “a reportagem da jornalista Elvira Lobato revela o total fracasso das licitações para radiodifusão: não há qualquer controle do Estado em relação a quem de fato se candidata, vence ou coloca em operação uma emissora de rádio e televisão. E mais: o MiniCom não se considera responsável pela fiscalização do caos existente. De 91 empresas analisadas, 44, isto é, quase a metade, não funciona nos endereços informados. Entre os proprietários estão trabalhadores que exercem profissões e declaram renda, obviamente incompatíveis com os valores dos negócios realizados. Alguns, inclusive, reconhecem explicitamente que são “laranjas” por convicções religiosas. A reportagem levanta três hipóteses para explicar a situação: “lavagem” de dinheiro; evitar acusações de exploração política e burlar a regra que impede igrejas de serem concessionárias. Qualquer delas constitui ilícito e deveria ser objeto de investigação. Ou não?”.
O decreto nº 7.670/2012
Dez meses após as matérias terem sido publicadas na Folha, a presidente Dilma Rousseff assinou o decreto nº 7.670, de 16/1/2012, que altera dispositivos do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (decreto nº 52.795/1963) e torna mais rígidas as normas para as licitações de radiodifusão.
O decreto, ao contrário de algumas interpretações apressadas, não altera – e nem poderia – nenhuma das normas básicas relativas às concessões. Apenas “endurece” em relação a critérios já existentes, dificulta a transferência (venda) de concessões e faz adaptações a leis recentes, como a lei nº 12.485/2011.
A partir de agora, por exemplo, o pagamento da outorga terá que ser feito à vista; as empresas terão que apresentar balanço patrimonial e demonstrações contábeis mais detalhadas; serão necessários pareceres de dois auditores independentes que comprovem a capacidade econômico-financeira da empresa; o projeto de investimento terá que demonstrar a origem dos recursos a serem aplicados e a proposta técnica deverá contemplar normas que constam do artigo 221 da Constituição.
Apesar de se passar a exigir certidões negativas civis e criminais tanto de “sócios” quanto de “dirigentes” das empresas que participem das licitações, continua prevalecendo a interpretação do Ministério das Comunicações de que político no exercício de mandato pode ser sócio de empresas concessionária, “só não pode ser gerente ou diretor; e (sua) família não está impedida”.
O decreto, por óbvio, é bem-vindo. Apesar de não mencionar quais as medidas de fiscalização que serão adotadas para garantir seu cumprimento, representa um passo no sentido de evitar que “laranjas” continuem explorando os serviços de radiodifusão.
E o marco regulatório?
O que chama a atenção, todavia, é o Ministério das Comunicações insistir em trabalhar apenas com “remendos” na superada legislação existente (o regulamento alterado pelo decreto é de 1963!) e continuar se omitindo em relação a uma proposta de marco regulatório para o setor de comunicações.
As regras para concessões do serviço público de radiodifusão estão no centro de uma nova organização legal do setor e, por óbvio, essa questão não se resolve por decreto.
Afinal, o que será que impede o governo da presidente Dilma, mais de um ano após ter assumido o poder, de tornar público e discutir com a sociedade brasileira o projeto de marco regulatório que teria sido elaborado ao final do mandato do presidente Lula e teria sido reelaborado pelo ministro Paulo Bernardo?
Quem souber a resposta, por favor, diga qual é.
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