Por Pedro Carrano, no jornal Brasil de Fato:
O movimento piqueteiro na Argentina, que ganhou força na primeira década do século 21, conta com um meio de divulgação de suas demandas e de disputa de hegemonia no campo das comunicações, a Barricada TV. Desde o ano passado, o movimento transmite programas na internet e no canal 5, junto com os trabalhadores da fábrica ocupada IMPA. Confira a entrevista com Natalia Vinelli, da Barricada TV.
Em que contexto surge a Barricada TV? Essa aliança entre o movimento operário e a TV popular ocorre em outras fábricas na Argentina?
A Barricada TV surge no contexto do movimento piqueteiro, primeiro com as transmissões experimentais de televisão por ar em bairros da grande Buenos Aires, como Florencio Varela, Ezpeleta y Solano (2002/05), e logo com as oficinas de formação audiovisual que deram forma ao grupo inicial em 2008, com o que começamos a explorar o formato de noticiário popular. Na realidade, o contexto pode ampliar-se: é a pós-rebelião de 19 e 20 de dezembro de 2001 que motivou numerosos debates entre nós sobre a construção da ferramenta política e também sobre o papel que devia cumprir a comunicação no marco da construção do poder popular; quer dizer, entendida como espaço arrebatado à hegemonia.
Nesta lógica é que apontamos à criação de um canal de televisão que se proporia alcançar certo nível de alcance de massas. Assim chegamos à metalúrgica IMPA, que é a primeira fábrica recuperada pelos seus trabalhadores em Argentina. Faz mais de um ano que estamos indo ao ar pelo canal 5 e por internet (http://barricadatv.blogspot.com), junto aos trabalhadores da IMPA realizamos em conjunto o programa “Não passarão”, sobre fábricas recuperadas, e contribuímos com a criação da Universidade dos Trabalhadores, que para a IMPA é muito importante no que toca à formação em problemas do trabalho autogestionado.
Claro que há outras experiências de comunicação popular, por exemplo a rádio dos trabalhadores de FASINPAT (ex Zanón), a rádio de Gráfica Patrícios etc, entre as recuperadas, e a larga lista historicamente: sobretudo na experiência mais destacada do Semanário da Central Geral de los Trabajadores (CGT) dos Argentinos realizado pelo militante revolucionário montonero e escritor desaparecido Rodolfo Walsh, entre outros, em fins dos anos de 1960.
Há possibilidades legais para TVs populares na Argentina?
Isso porque no Brasil as TVs comunitárias estão controladas por grupos políticos locais. A nova lei de serviços de comunicação audiovisual abre uma possibilidade de reconhecimento legal, mas isto não virá presenteado ou sem esforço, mas sim estará vinculado com a capacidade de mobilização dos setores populares ao redor deste tema. Vamos ter que seguir brigando. Desde que começou o debate sobre a lei a gente vem sustentando a importância de uma intervenção coletiva dos meios e organizações do campo popular, quer dizer, uma intervenção de tipo reivindicativo que permita demandar e lutar por nossos próprios interesses.
Por exemplo, tudo o que faz o financiamento e a migração para (tecnologia) digital, que deixa descoberta a desigualdade de condições de onde a televisão alternativa e popular parte. Por isso, pensamos que há que intervir aí: o cenário aberto com a nova lei nos permite aprofundar uma ação que tenda a disputar as massas. Está claro, para nós, que a construção de meios em mãos dos trabalhadores e o povo não pode esperar o dia depois da revolução. Que cumprem um papel fundamental na batalha ideológica, a construção de consenso para a transformação radical da sociedade, para a contrainformação e para a mobilização e organização popular. Com isso, queremos colocar que não é o mesmo contar com frequências que não contar com elas.
É certo que em um cenário de agudização da luta de classes o financiamento virá associado ao surgimento de alternativas. Mas conquistar frequências no contexto atual não é a nada desprezível, e vamos ter que nos mobilizar constantemente para isso. (…) Obviamente, a lei de serviços de comunicação audiovisual é uma lei burguesa e como tal não propõe a socialização do espectro radioelétrico. (…) Creio que toda nossa potencialidade, falo de todas as experiências, ainda não termina de impor-se frente ao Estado e contra os empresários de meios. Faz falta ‘tirar mais a cabeça’, disputando o sentido na rua. E claro que isso o lograremos não em tendo tantos meios, mas sim em projetos políticos que, em todo caso, se dão numa política coerente em relação com os meios e a comunicação.
Como veem a importância desse trabalho conjunto entre comunicadores e o movimento de fábricas recuperadas, algo que podemos dizer uma exceção hoje em dia? E como se vê essa experiência também desde o ponto de vista do movimento operário?
Justamente o fato de armar o canal de televisão no IMPA é para nós um aspecto central, porque expressa uma concepção de mundo baseada nos interesses e necessidades dos trabalhadores e o povo. Junto com isso aprofundamos a sintonia entre a autogestão do trabalho a partir de relações sociais solidárias e de cooperação e a criação de um meio de comunicação popular afirmado também em relações sociais e lógicas de funcionamento novas. A experiência da IMPA é neste sentido um farol para Barricada TV, um espelho para aprender e reconhecer-nos na sociedade que imaginamos para o futuro, mas que começamos a construir desde hoje.
Com respeito à relação do movimento operário com Barricada TV, creio que ainda é apressado fazer uma avaliação. A TV é recente, vem logrando visibilidade, mas fazem falta alguns anos para que o processo comece a render seus melhores frutos. Por ora vamos avançando pouco a pouco a passo seguro, construindo relações de ida e volta que nos permitem recorrer às fábricas recuperadas como parte desse movimento e não como alguém de fora. Isso para mim é muito importante. E dificuldades, claro, há milhares. Desde que os companheiros e companheiras entendam a urgência de construir ferramentas comunicacionais próprias, até animar-se a pegar a câmera ou a realizar programas.
Preencher uma programação com conteúdo de esquerda é um desafio para um meio popular, segundo muitos relatos. Como veem vocês a partir da sua experiência?
Efetivamente é um desafio. Mas um desafio que nos anima a seguir avançando. Porque se os meios hegemônicos têm como lógica de funcionamento a competição, as condições das televisões alternativas e populares são radicalmente diferentes. Me refiro a que é impossível construir a programação (e a sustentação do canal) se não há articulação e colaboração com outros espaços de televisão popular, de vídeo militante, de correspondentes populares. Neste sentido, Barricada TV tem uma relação muito com Cine Insurgente, a associação de documentaristas DOCA, Resumo Latinoamericano TV, Cartago TV, Canal 4 Darío y Maxi, Faro TV. Ademais, claro, das organizações políticas e sociais que nos enviam seus materiais como forma de correspondências. Cremos que Barricadas TV é um espaço amplo e nesse sentido todas as organizações do campo popular, num sentido aberto, têm um lugar de expressão no canal. Essa é a função dessa ferramenta.
A luta política que se deu na Argentina desde 2001 trouxe também aportes e surgimento de meios populares? Em caso afirmativo, como estão essas experiências hoje?
A rebelião do 19 e 20 de dezembro nos permitiu trabalhar em cima da urgência. Os que vínhamos de uma militância anterior tivemos a oportunidade de provar na rua as ferramentas que vínhamos construindo. Também surgiram quantidades de experiências novas. Claro que muitas não superaram o passo do tempo, mas outras cresceram em qualidade e quantidade. Como dizia ao princípio, Barricada TV é filha desse processo.
O movimento piqueteiro na Argentina, que ganhou força na primeira década do século 21, conta com um meio de divulgação de suas demandas e de disputa de hegemonia no campo das comunicações, a Barricada TV. Desde o ano passado, o movimento transmite programas na internet e no canal 5, junto com os trabalhadores da fábrica ocupada IMPA. Confira a entrevista com Natalia Vinelli, da Barricada TV.
Em que contexto surge a Barricada TV? Essa aliança entre o movimento operário e a TV popular ocorre em outras fábricas na Argentina?
A Barricada TV surge no contexto do movimento piqueteiro, primeiro com as transmissões experimentais de televisão por ar em bairros da grande Buenos Aires, como Florencio Varela, Ezpeleta y Solano (2002/05), e logo com as oficinas de formação audiovisual que deram forma ao grupo inicial em 2008, com o que começamos a explorar o formato de noticiário popular. Na realidade, o contexto pode ampliar-se: é a pós-rebelião de 19 e 20 de dezembro de 2001 que motivou numerosos debates entre nós sobre a construção da ferramenta política e também sobre o papel que devia cumprir a comunicação no marco da construção do poder popular; quer dizer, entendida como espaço arrebatado à hegemonia.
Nesta lógica é que apontamos à criação de um canal de televisão que se proporia alcançar certo nível de alcance de massas. Assim chegamos à metalúrgica IMPA, que é a primeira fábrica recuperada pelos seus trabalhadores em Argentina. Faz mais de um ano que estamos indo ao ar pelo canal 5 e por internet (http://barricadatv.blogspot.com), junto aos trabalhadores da IMPA realizamos em conjunto o programa “Não passarão”, sobre fábricas recuperadas, e contribuímos com a criação da Universidade dos Trabalhadores, que para a IMPA é muito importante no que toca à formação em problemas do trabalho autogestionado.
Claro que há outras experiências de comunicação popular, por exemplo a rádio dos trabalhadores de FASINPAT (ex Zanón), a rádio de Gráfica Patrícios etc, entre as recuperadas, e a larga lista historicamente: sobretudo na experiência mais destacada do Semanário da Central Geral de los Trabajadores (CGT) dos Argentinos realizado pelo militante revolucionário montonero e escritor desaparecido Rodolfo Walsh, entre outros, em fins dos anos de 1960.
Há possibilidades legais para TVs populares na Argentina?
Isso porque no Brasil as TVs comunitárias estão controladas por grupos políticos locais. A nova lei de serviços de comunicação audiovisual abre uma possibilidade de reconhecimento legal, mas isto não virá presenteado ou sem esforço, mas sim estará vinculado com a capacidade de mobilização dos setores populares ao redor deste tema. Vamos ter que seguir brigando. Desde que começou o debate sobre a lei a gente vem sustentando a importância de uma intervenção coletiva dos meios e organizações do campo popular, quer dizer, uma intervenção de tipo reivindicativo que permita demandar e lutar por nossos próprios interesses.
Por exemplo, tudo o que faz o financiamento e a migração para (tecnologia) digital, que deixa descoberta a desigualdade de condições de onde a televisão alternativa e popular parte. Por isso, pensamos que há que intervir aí: o cenário aberto com a nova lei nos permite aprofundar uma ação que tenda a disputar as massas. Está claro, para nós, que a construção de meios em mãos dos trabalhadores e o povo não pode esperar o dia depois da revolução. Que cumprem um papel fundamental na batalha ideológica, a construção de consenso para a transformação radical da sociedade, para a contrainformação e para a mobilização e organização popular. Com isso, queremos colocar que não é o mesmo contar com frequências que não contar com elas.
É certo que em um cenário de agudização da luta de classes o financiamento virá associado ao surgimento de alternativas. Mas conquistar frequências no contexto atual não é a nada desprezível, e vamos ter que nos mobilizar constantemente para isso. (…) Obviamente, a lei de serviços de comunicação audiovisual é uma lei burguesa e como tal não propõe a socialização do espectro radioelétrico. (…) Creio que toda nossa potencialidade, falo de todas as experiências, ainda não termina de impor-se frente ao Estado e contra os empresários de meios. Faz falta ‘tirar mais a cabeça’, disputando o sentido na rua. E claro que isso o lograremos não em tendo tantos meios, mas sim em projetos políticos que, em todo caso, se dão numa política coerente em relação com os meios e a comunicação.
Como veem a importância desse trabalho conjunto entre comunicadores e o movimento de fábricas recuperadas, algo que podemos dizer uma exceção hoje em dia? E como se vê essa experiência também desde o ponto de vista do movimento operário?
Justamente o fato de armar o canal de televisão no IMPA é para nós um aspecto central, porque expressa uma concepção de mundo baseada nos interesses e necessidades dos trabalhadores e o povo. Junto com isso aprofundamos a sintonia entre a autogestão do trabalho a partir de relações sociais solidárias e de cooperação e a criação de um meio de comunicação popular afirmado também em relações sociais e lógicas de funcionamento novas. A experiência da IMPA é neste sentido um farol para Barricada TV, um espelho para aprender e reconhecer-nos na sociedade que imaginamos para o futuro, mas que começamos a construir desde hoje.
Com respeito à relação do movimento operário com Barricada TV, creio que ainda é apressado fazer uma avaliação. A TV é recente, vem logrando visibilidade, mas fazem falta alguns anos para que o processo comece a render seus melhores frutos. Por ora vamos avançando pouco a pouco a passo seguro, construindo relações de ida e volta que nos permitem recorrer às fábricas recuperadas como parte desse movimento e não como alguém de fora. Isso para mim é muito importante. E dificuldades, claro, há milhares. Desde que os companheiros e companheiras entendam a urgência de construir ferramentas comunicacionais próprias, até animar-se a pegar a câmera ou a realizar programas.
Preencher uma programação com conteúdo de esquerda é um desafio para um meio popular, segundo muitos relatos. Como veem vocês a partir da sua experiência?
Efetivamente é um desafio. Mas um desafio que nos anima a seguir avançando. Porque se os meios hegemônicos têm como lógica de funcionamento a competição, as condições das televisões alternativas e populares são radicalmente diferentes. Me refiro a que é impossível construir a programação (e a sustentação do canal) se não há articulação e colaboração com outros espaços de televisão popular, de vídeo militante, de correspondentes populares. Neste sentido, Barricada TV tem uma relação muito com Cine Insurgente, a associação de documentaristas DOCA, Resumo Latinoamericano TV, Cartago TV, Canal 4 Darío y Maxi, Faro TV. Ademais, claro, das organizações políticas e sociais que nos enviam seus materiais como forma de correspondências. Cremos que Barricadas TV é um espaço amplo e nesse sentido todas as organizações do campo popular, num sentido aberto, têm um lugar de expressão no canal. Essa é a função dessa ferramenta.
A luta política que se deu na Argentina desde 2001 trouxe também aportes e surgimento de meios populares? Em caso afirmativo, como estão essas experiências hoje?
A rebelião do 19 e 20 de dezembro nos permitiu trabalhar em cima da urgência. Os que vínhamos de uma militância anterior tivemos a oportunidade de provar na rua as ferramentas que vínhamos construindo. Também surgiram quantidades de experiências novas. Claro que muitas não superaram o passo do tempo, mas outras cresceram em qualidade e quantidade. Como dizia ao princípio, Barricada TV é filha desse processo.
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