Por Wladimir Pomar, no Correio da Cidadania:
Há alguns anos atrás, quando petistas, comunistas, socialistas e democratas progressistas se encontravam na oposição ao governo ditatorial em fim de era e, depois, aos governos burgueses liberais e neoliberais, a equação era relativamente simples. Trabalhar na base da sociedade, estimular a luta de classes, empreender uma ferrenha oposição às políticas antipopulares e antidemocráticas, e desfraldar a bandeira socialista, apesar das dúvidas já existentes sobre o significado do socialismo e seus caminhos.
No início dos anos 1980, havia certo senso comum nessas correntes de esquerda de que o único caminho para resolver os problemas estruturais da sociedade brasileira consistia em realizar uma revolução política e social. Sem esta não seria possível eliminar a excessiva concentração da terra e das riquezas; resolver o caos da urbanização explosiva, com grandes populações desempregadas, favelizadas e miseráveis; extinguir a miséria disseminada na maior parte da população rural; elevar os baixos salários industriais, comerciais e nos serviços; superar a educação sofrível; resolver os graves problemas de saúde por falta de saneamento; romper o oligopólio estrangeiro sobre os principais ramos industriais e o oligopólio privado nacional sobre alguns outros ramos econômicos; adensar as cadeias produtivas incompletas; reduzir os desequilíbrios regionais; dar um salto do desenvolvimento científico e tecnológico insuficiente; transformar a democratização lenta e estreita numa democracia participativa; reformar profundamente a justiça corporativa e ineficiente etc. etc.
Escaldados com as derrotas da luta armada contra o regime militar, muitos gostavam de frisar que tal revolução deveria ser por meios democráticos, aqui mais no sentido de ser por meios pacíficos. Embora não se conheça na história qualquer revolução que não tenha contado com a participação democrática da maior parte do povo, a idéia comum era de que, de uma forma ou outra, tal revolução teria que ocorrer.
Naquela época, pensar na possibilidade de que as correntes de esquerda poderiam, algum dia, tornar-se governo central no contexto da democracia liberal burguesa era quase uma heresia. A participação na institucionalidade burguesa, como nos parlamentos e mesmo nas prefeituras, era tida como aproveitamento das brechas para marcar posição. Mas essa visão começou a ser questionada pelos resultados práticos das eleições para a Constituinte, em 1986, para a prefeitura de São Paulo, em 1988, e para a presidência da República, em 1989. No caso da eleição presidencial, porém, a suposição de que se poderia ir além da marcação de posição, e vencer a disputa, ainda foi alvo de chacota por algum tempo.
A derrota eleitoral de 1989, paradoxalmente uma vitória política, causou uma tormenta interna nos partidos de esquerda. Algo até então impensável – tornar-se governo do país no contexto das regras impostas pela burguesia - se tornou palpável. Alguns chegaram até a afobar-se.
Sem extrair todas as lições de 1989, pensaram que tal possibilidade já seria viável em 1994.
Mas o pior no embaralhamento dos pensamentos foi que, com a abertura dessa possibilidade, não foram poucos os que embarcaram nas reformas neoliberais, como se elas fossem reformas estruturais democráticas e populares, e abandonaram a perspectiva socialista. Não mais consideravam essa perspectiva a garantia de que as reformas estruturais seguissem um rumo que tivesse a maioria do povo brasileiro como beneficiário. Com isso, perderam o norte estratégico. E o trabalho na base da sociedade começou a ser abandonado e substituído quase completamente pelo trabalho de conquistas institucionais.
Por outro lado, também paradoxalmente, algumas correntes que não distinguem os diversos conteúdos contraditórios da democracia, enxergaram a chegada da esquerda ao governo central como possibilidade de resolver todos os problemas estruturais da sociedade brasileira numa penada. Na velha mania voluntarista que marca a história da esquerda brasileira, achavam que bastaria vontade política para um governo de esquerda passar a limpo o Brasil.
Bem vistas as coisas, quando Lula foi eleito em 2002, os partidos de esquerda ainda se digladiavam internamente em torno do que deveria ser feito numa situação que não constava do manual da revolução brasileira, nem de qualquer outra. Não havia unidade em torno de um programa democrático e popular que, no contexto do domínio econômico e da hegemonia ideológica e política capitalista, estrangeira e nacional, pudesse ser implementado não só para administrar o desenvolvimento capitalista, mas também para aumentar a força social das classes populares e introduzir reformas que apontassem no rumo de uma mudança estrutural mais profunda na sociedade brasileira.
Os oito anos de governo Lula e um ano de governo Dilma já acumularam uma razoável experiência sobre o que deve constar nesse programa democrático e popular. Porém, a falta de uma sistematização mais coerente em torno dos pontos principais desse programa, por parte dos partidos de esquerda, não tem contribuído positivamente nem para as diretrizes do governo de coalizão, nem para a ação política e ideológica da própria militância de esquerda. O que explica, em certa medida, por que uma parte dessa militância está meio à parte do recente ressurgimento da luta das classes populares no Brasil, e outra parcela está simplesmente contra os projetos de desenvolvimento econômico do governo, seja por motivos ecológicos, seja porque tais projetos seriam de interesse dos grandes capitalistas.
Paralelamente, tomam corpo duas idéias relativamente convergentes sobre a luta de classes no processo de aplicação de um programa democrático-popular no quadro da democracia-liberal. Uma diz que tal programa não leva, necessariamente, a uma elevação da luta de classes no Brasil. Outra diz que tal programa simplesmente impede a luta de classes. Nessas condições, não é difícil encontrar militantes para quem seria melhor que a situação estivesse pior. Assim, os trabalhadores e o povo se sentiriam estimulados a lutar.
Como, apesar das melhorias, a situação da maior parte de nosso povo ainda é angustiante, não se pode descartar que a direita política entre por essa brecha para utilizar parte da esquerda como ponta de lança no desencadeamento de lutas selvagens em grupos descontentes pelo descompasso entre a ascensão dos miseráveis e certa paralisia na melhoria das condições de vida da classe média baixa.
Portanto, por outro lado, se há quem pense que estamos no melhor dos mundos, será preciso cair na real e realizar um esforço mais consistente para resolver os problemas teóricos e práticos colocados pela situação inusitada de ser governo e, ao mesmo tempo, ter que participar na luta de classes da sociedade brasileira.
Há alguns anos atrás, quando petistas, comunistas, socialistas e democratas progressistas se encontravam na oposição ao governo ditatorial em fim de era e, depois, aos governos burgueses liberais e neoliberais, a equação era relativamente simples. Trabalhar na base da sociedade, estimular a luta de classes, empreender uma ferrenha oposição às políticas antipopulares e antidemocráticas, e desfraldar a bandeira socialista, apesar das dúvidas já existentes sobre o significado do socialismo e seus caminhos.
No início dos anos 1980, havia certo senso comum nessas correntes de esquerda de que o único caminho para resolver os problemas estruturais da sociedade brasileira consistia em realizar uma revolução política e social. Sem esta não seria possível eliminar a excessiva concentração da terra e das riquezas; resolver o caos da urbanização explosiva, com grandes populações desempregadas, favelizadas e miseráveis; extinguir a miséria disseminada na maior parte da população rural; elevar os baixos salários industriais, comerciais e nos serviços; superar a educação sofrível; resolver os graves problemas de saúde por falta de saneamento; romper o oligopólio estrangeiro sobre os principais ramos industriais e o oligopólio privado nacional sobre alguns outros ramos econômicos; adensar as cadeias produtivas incompletas; reduzir os desequilíbrios regionais; dar um salto do desenvolvimento científico e tecnológico insuficiente; transformar a democratização lenta e estreita numa democracia participativa; reformar profundamente a justiça corporativa e ineficiente etc. etc.
Escaldados com as derrotas da luta armada contra o regime militar, muitos gostavam de frisar que tal revolução deveria ser por meios democráticos, aqui mais no sentido de ser por meios pacíficos. Embora não se conheça na história qualquer revolução que não tenha contado com a participação democrática da maior parte do povo, a idéia comum era de que, de uma forma ou outra, tal revolução teria que ocorrer.
Naquela época, pensar na possibilidade de que as correntes de esquerda poderiam, algum dia, tornar-se governo central no contexto da democracia liberal burguesa era quase uma heresia. A participação na institucionalidade burguesa, como nos parlamentos e mesmo nas prefeituras, era tida como aproveitamento das brechas para marcar posição. Mas essa visão começou a ser questionada pelos resultados práticos das eleições para a Constituinte, em 1986, para a prefeitura de São Paulo, em 1988, e para a presidência da República, em 1989. No caso da eleição presidencial, porém, a suposição de que se poderia ir além da marcação de posição, e vencer a disputa, ainda foi alvo de chacota por algum tempo.
A derrota eleitoral de 1989, paradoxalmente uma vitória política, causou uma tormenta interna nos partidos de esquerda. Algo até então impensável – tornar-se governo do país no contexto das regras impostas pela burguesia - se tornou palpável. Alguns chegaram até a afobar-se.
Sem extrair todas as lições de 1989, pensaram que tal possibilidade já seria viável em 1994.
Mas o pior no embaralhamento dos pensamentos foi que, com a abertura dessa possibilidade, não foram poucos os que embarcaram nas reformas neoliberais, como se elas fossem reformas estruturais democráticas e populares, e abandonaram a perspectiva socialista. Não mais consideravam essa perspectiva a garantia de que as reformas estruturais seguissem um rumo que tivesse a maioria do povo brasileiro como beneficiário. Com isso, perderam o norte estratégico. E o trabalho na base da sociedade começou a ser abandonado e substituído quase completamente pelo trabalho de conquistas institucionais.
Por outro lado, também paradoxalmente, algumas correntes que não distinguem os diversos conteúdos contraditórios da democracia, enxergaram a chegada da esquerda ao governo central como possibilidade de resolver todos os problemas estruturais da sociedade brasileira numa penada. Na velha mania voluntarista que marca a história da esquerda brasileira, achavam que bastaria vontade política para um governo de esquerda passar a limpo o Brasil.
Bem vistas as coisas, quando Lula foi eleito em 2002, os partidos de esquerda ainda se digladiavam internamente em torno do que deveria ser feito numa situação que não constava do manual da revolução brasileira, nem de qualquer outra. Não havia unidade em torno de um programa democrático e popular que, no contexto do domínio econômico e da hegemonia ideológica e política capitalista, estrangeira e nacional, pudesse ser implementado não só para administrar o desenvolvimento capitalista, mas também para aumentar a força social das classes populares e introduzir reformas que apontassem no rumo de uma mudança estrutural mais profunda na sociedade brasileira.
Os oito anos de governo Lula e um ano de governo Dilma já acumularam uma razoável experiência sobre o que deve constar nesse programa democrático e popular. Porém, a falta de uma sistematização mais coerente em torno dos pontos principais desse programa, por parte dos partidos de esquerda, não tem contribuído positivamente nem para as diretrizes do governo de coalizão, nem para a ação política e ideológica da própria militância de esquerda. O que explica, em certa medida, por que uma parte dessa militância está meio à parte do recente ressurgimento da luta das classes populares no Brasil, e outra parcela está simplesmente contra os projetos de desenvolvimento econômico do governo, seja por motivos ecológicos, seja porque tais projetos seriam de interesse dos grandes capitalistas.
Paralelamente, tomam corpo duas idéias relativamente convergentes sobre a luta de classes no processo de aplicação de um programa democrático-popular no quadro da democracia-liberal. Uma diz que tal programa não leva, necessariamente, a uma elevação da luta de classes no Brasil. Outra diz que tal programa simplesmente impede a luta de classes. Nessas condições, não é difícil encontrar militantes para quem seria melhor que a situação estivesse pior. Assim, os trabalhadores e o povo se sentiriam estimulados a lutar.
Como, apesar das melhorias, a situação da maior parte de nosso povo ainda é angustiante, não se pode descartar que a direita política entre por essa brecha para utilizar parte da esquerda como ponta de lança no desencadeamento de lutas selvagens em grupos descontentes pelo descompasso entre a ascensão dos miseráveis e certa paralisia na melhoria das condições de vida da classe média baixa.
Portanto, por outro lado, se há quem pense que estamos no melhor dos mundos, será preciso cair na real e realizar um esforço mais consistente para resolver os problemas teóricos e práticos colocados pela situação inusitada de ser governo e, ao mesmo tempo, ter que participar na luta de classes da sociedade brasileira.
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