sábado, 25 de fevereiro de 2012

A integração da América do Sul

Por Roberto Amaral, na CartaCapital:

Nenhum país em nosso continente terá futuro se antes não construirmos coletivamente a integração regional, econômica, política e cultural. O México jamais poderá pensar em projeto nacional e soberania, vista sua irremovível tragédia geográfica. E é por isso, principalmente, que, ao falar em integração, reporto-me exclusivamente à America do Sul, (sub)continente que, para os juízos que se seguem, começa na Patagônia (com as Malvinas) e termina na fronteira da Colômbia com o Panamá, onde viceja o processo de “balcanização” (expressão de nossos dias) regional imposto pelos EUA. Essa história se aviva a partir do século passado, via cizânia, mobilização dos conflitos domésticos e intervenções militares diretas.

Lembre-se, a propósito, que o imperialismo simplesmente repete o colonialismo europeu e sua comum política de dividir para melhor dominar. Produtos desse colonialismo e da “balcanização”, a América hispânica, a America Central, as Antilhas, o Caribe e o agora nosso Haiti, formam um cordel de economias e Estados inviáveis.

A dominação moderna surgiu como uma face da disputa entre o império nascente e as antigas potências coloniais. O bordão “A América para os americanos”, que a nossas elites soava como hino à Independência, era, na verdade, a América para os EUA. Do rio Grande para baixo, havia um senhor a respeitar, e ele trazia no ombro o big stick theodorerooseveltiano que jamais relutou em acionar.

Esse “americanismo” é explicativo do horror da geopolítica norte-americana a qualquer intento americanista não norte-americanista, bolivariano ou não, no que ele remeta a nuestra América – conceito hoje reduzido à integração regional, com todos os ingredientes detestados pela detestável classe dominante brasileira: nacionalismo, desenvolvimento autônomo e defesa, inclusive em sua acepção militar.

A política externa do governo Lula buscou a autonomia nacional pela via regional, e avançou sobre dois momentos anteriores, a OPA de JK, nos anos 50, e, mais recentemente, o Mercosul (Tratado de Assunção, 1991). A primeira experiência foi ridicularizada pela elite brasileira e seus porta-vozes, no Congresso (UDN) e na imprensa (ora, ora, o Brasil falando em política continental…), sendo posteriormente desmantelada por Kennedy e sua ‘Aliança para o Progresso’ – projeto do Pentágono para conter os movimentos populares e a emergência das massas, especialmente no Nordeste de Arraes, no início dos anos 60, e nos demais “nordestes” despertados no continente pela revolução cubana.

O Mercosul mal sobrevive, reduzido a um acordo aduaneiro permanentemente atacado pelas assimetrias intra-regionais e pelas políticas nacionais dos parceiros. Mesmo assim, seu fortalecimento, que se daria com o ingresso de Venezuela, Equador e Bolívia, é obstaculizado pela direita parlamentar, atendendo à pauta da direita impressa que ainda sonha com algo como a Alca, a renúncia definitiva do continente à soberania.

Temos tudo para festejar as conquistas brasileiras nos nove anos do governo de centro-esquerda inaugurado por Lula. Todos os indicadores melhoraram, sejam econômicos, sejam sociais, cívicos (como a descoberta da cidadania pelas grandes massas), sejam psicossociais (como a auto-identificação de nossa gente com seu país e sua história). Mas é preciso ter em mente que estamos apenas no início de um longo e ainda difícil processo de construção nacional.

Os ganhos do imediatismo não podem esconder que, de certa forma, estamos, a médio e longo prazos, subjugados ao jogo do imperialismo, o qual, apesar da crise no mundo capitalista, impõe a divisão internacional da economia, na qual nos foi, a nós os ainda periféricos embora “emergentes”, designado o papel de fornecedores de commodities: produtos agrícolas, alimentos em geral, carne, grãos in natura, minério de ferro e minérios estratégicos. Em breve, além de fornecedores de produtos primários, deveremos ser exportadores de petróleo, talvez de petróleo cru, com quotas e preços determinados pelo mercado internacional.

No plano industrial, priorizamos setores mais atrasados ou conservadores, que não mais interessam às grandes metrópoles, por não serem grandes consumidores de capital e tecnologia, mas de trabalho, mal-remunerado ou mesmo sobrexplorado. Falo das montadoras de automóveis, voltadas para o consumo interno, mas igualmente para suas matrizes (após mais de 50 anos de implantação da “indústria automobilística nacional” não temos uma só marca própria de veículos); das fábricas de tênis; das “fábricas” de eletrônicos que aqui montam aparelhos com chips e insumos importados. A tecnologia – a medida do progresso e da soberania—ou é produzida nas matrizes das multinacionais ou importadas pela industria nacional, avessa à inovação.

Ou seja, tanto na agricultura de exportação, mecanizada, quanto na indústria robotizada, um mínimo de mão-de-obra e um nada de tecnologia e inovação nacionais. Isso quando, ninguém o ignora, a soberania do terceiro milênio será medida não pelas exportações de grãos ou carne, mas pelo índice de desenvolvimento científico e tecnológico de cada país. Nesse campo, superados pela China, estamos sendo ultrapassados pela Coréia do Sul (de quem importamos até carros) e da Índia (de quem importamos até fármacos).

O desafio, pois, é grande – e muito mais profundo do que supõe a vã filosofia dos simplórios, pois passa pela concepção de projetos nacionais vinculados a uma geopolítica regional. É difícil, mas possível, ainda, realizá-lo, porque é, acima de tudo, oportuno. Oportuno porque o império, acicatado por conflitos, precisando cada de mais de fazer a guerra, e corroído por dentro pela crise do capitalismo, está hoje (viva nossa sorte!) mais preocupado com o que ocorre no centro hegemônico.

Em outras palavras, nós os do ‘quintal’ temos nestes anos, como tivemos nos anos 30 do século passado (quando os EUA se voltaram para sua crise econômica), como tivemos quando das duas grandes guerras mundiais (quando a potência emergente teve de voltar-se para a Europa), a oportunidade de cuidarmos nós de nós mesmos, sem (muita) interferência do “grande irmão do Norte”. Este sonho é realizável hoje, enquanto o EUA e a UE viverem sua crise, e os EUA (com Otan ou sem ela) tiverem de lidar com as guerras que promoveram e promoverão no Oriente ou onde quer que julguem necessárias aos seus interesses. E enquanto estiverem preocupados com a China.

Para sorte nossa, parece que ficarão preocupados com o grande Império do Meio por ainda muitos anos.

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