quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Quem está censurando quem?

Por Marlos Mello, no Observatório da Imprensa:

“O tabu que eu falo aqui, da comunicação e do debate, é um tabu carregado de estigmas, porque conselho de comunicação virou sinônimo de controle da mídia, virou sinônimo de censura, que é o absurdo dos absurdos porque censuram a nossa liberdade de discutir comunicação” (Robinson Almeida, secretário de Comunicação do Estado da Bahia, durante o seminário “Comunicação em Pauta”, realizado em Porto Alegre, RS, 8 de dezembro de 2011)

A discussão da relação comunicação e censura talvez ainda seja o grande “tabu” presente na democracia brasileira. No entanto, esse é um dos temas mais significativos para a compreensão dos novos cenários políticos e econômicos que compõem a sociedade. É inegável que nessas mais de duas décadas de redemocratização da política brasileira aconteceram avanços e conquistas em vários espaços sociais e em várias áreas de atuação.

Avanços importantes em segmentos antes fadados e tachados como inadequados, o que é o caso da participação das mulheres na política, por exemplo. Hoje temos a primeira mulher presidenta do Brasil e houve a ascensão de setores das esferas mais exploradas da sociedade que passaram a ocupar espaços de poder. Segmentos sociais também discriminados estão tendo a oportunidade de ocupar espaços importantes na política brasileira.

Mas se, por um lado, o Brasil avançou, por outro ainda é um país imerso em proibições, estigmas e interdições. Dentre essas, uma com um grande valor de importância é o tema dos conselhos de comunicação que, segundo o secretário Robinson Almeida, é o ponto estratégico que precisa ser enfrentado pela sociedade brasileira.

Cenário de polêmicas

A comunicação no Brasil, no sentido econômico, tem funcionado como mero valor de troca comercial, empresarial e político. É um capital relevante para o processo produtivo, transforma-se em consumo imediato e é temporário e descartável porque a última tecnologia é a que tem valor. A comunicação, no sentido neoliberal, não é agente de transformação, mas apenas um dos elementos que agregam valor à mão-de-obra e um dos garantidores de que o produto final terá consumidores.

No entanto, o que faz o tema da comunicação ser tão polêmico é a forma como vem sendo abordado pelas autoridades ao longo de muitos anos. Ao contrário do que acontece na educação, na saúde e na assistência social – serviços vitais e básicos que têm, além do conselho nacional, conselhos estaduais e municipais que possuem a finalidade principal de servir como instrumento para garantir a participação popular na construção das políticas e dos serviços públicos –, a comunicação parece não possuir esse direito.

Técnica versus sociedade democrática

Durante sua fala no Seminário “Comunicação em Pauta”, o secretário Robinson Almeida fez o seguinte comentário:

“A sociedade que nós temos que ter como sociedade democrática é uma decisão dos homens e das mulheres para que o modelo possa convergir e não uma imposição da técnica sobre a vontade humana. Então, não é a economia que deve presidir a política, não é a comunicação que deve presidir a política, é a política no sentido amplo, do desejo coletivo, pactuado na sociedade, não to falando na política no sentido pequeno dela do espaço de poder. Então, essa compreensão que nos levou a pensar uma estratégia de elevar a comunicação a um status de política pública” Robinson Almeida, secretário de Comunicação do Estado da Bahia, durante o seminário “Comunicação em Pauta” realizado em Porto Alegre, RS, 8 de dezembro de 2011.

Na minha interpretação, o que o secretário Robinson quer dizer é o seguinte: a criação de conselhos de comunicação passa pela vontade das pessoas, homens e mulheres, que devem decidir sobre o assunto. E mais: essa vontade não pode ser representada apenas pela técnica, ou então pela argumentação ideologizada, mas sim, pelo debate amplo “na” e “da” sociedade. Na Bahia, por exemplo, já foram promovidas duas conferências estaduais de comunicação com o objetivo de evidenciar os problemas e as soluções para a política de comunicação no estado e essas conferências auxiliaram no processo de criação do Conselho de Comunicação do Estado da Bahia (ver aqui).

Contudo, considerando-se através de um panorama geral brasileiro, é possível perceber que embora haja debates sobre comunicação por todo o Brasil, os debates “legitimados”, ou seja, os que valem mesmo, sobre a comunicação, estão localizados especificamente em dois espaços da sociedade: a) nas universidades e b) nos órgãos de imprensa. São esses dois organismos da sociedade, principalmente o “b”, que pautam o tema da comunicação no cenário político brasileiro.

Uma sugestão final

De maneira geral, parece não haver dúvidas de que, assim como a saúde, a educação e a assistência social, a comunicação é um tema de grande importância que deveria ser tratado com total transparência. No entanto, mesmo fazendo parte dos temas “quentes” e abrigando grandes contradições, a comunicação não é levada a sério quando se fala em controle social. Para mim, a comunicação no Brasil encontra-se numa “névoa”, num espaço onde não podem ocorrer debates, ou melhor, onde se debate de tudo menos comunicação. Nesse espaço, só alguns possuem o conhecimento necessário e podem ter o direito de falar sobre comunicação. E mais: só alguns podem regulamentar o famoso tema da “autorregulamentação”.

Sobre o que foi destacado acima, Vera Spolidoro, secretária de comunicação do Estado do Rio Grande do Sul, tem a seguinte opinião:

“Se o estado mostrar-se submisso à agenda da mídia estará dependente de uma agenda de classe em disputa. Os sistemas de comunicação comercial no Brasil quase sempre constituem a principal fonte de informação para a maioria da população e sob monopólio exercem determinações sobre a cultura, política e sobre a economia. Cabe, portanto, entender os limites dessa interdependência na execução de uma política pública de comunicação” (Vera Spolidoro, secretária de Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul durante o seminário “Comunicação em Pauta” realizado em Porto Alegre, RS, 8 de dezembro de 2011).

Assim, é necessário o abandono dessa “névoa”, desse “estigma”, dessa “censura”, como afirmou o secretário Robinson Almeida, que não permite o debate da comunicação no Brasil. Os conselhos de comunicação representam uma das possibilidades de se fazerem debates democráticos, amplos e abertos sobre quaisquer temas propostos, inclusive a democratização dos meios de comunicação e a regulamentação dos artigos da Constituição. Romper com essa lógica perversa de que a comunicação não é importante ao interesse público é papel de todos.

Uma sugestão final aos leitores deste artigo. Comecem observando e pensem se os órgãos de comunicação da sua cidade são os ideais, se correspondem à proposta de uma cobertura democrática e ampla dos acontecimentos cotidianos. Questionem os espaços de participação nos meios de comunicação, especialmente rádio e televisão, que são concessões públicas e têm de garantir o direito à comunicação.

Metas e objetivos no RS

Abaixo as metas e objetivos principais da Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do Estado do Rio Grande do Sul citados durante o seminário “Comunicação em Pauta”.

Metas e objetivos principais da Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do Estado do Rio Grande do Sul:

1 – Desenvolver debates e ações para inclusão digital. Ampliação da banda-larga e acesso as novas mídias. Trata-se de estabelecer parcerias com entidades e instituições governamentais e não-governamentais que operem tais propósitos.

2 – implementar redes de produção e difusão de informações que ampliem a visibilidade do governo através de sistemas e novas tecnologias.

3 – reverter a política de investimento de recursos publicitários assegurando condições isonômicas na destinação das verbas oficiais aos veículos públicos e comunitários, blogs, sites, rádios e televisões comunitárias como forma de incentivar o desenvolvimento de mídias com maior expressão da pluralidade de pensamento.

4 – propor que um percentual das verbas oficiais de publicidade constituam um fundo para o desenvolvimento da mídia pública e comunitária. As formas de acesso aos recursos e a gestão do fundo serão objeto de lei específica a ser encaminhada à Assembleia Legislativa.

5 – garantir a adoção de critérios na produção gráfica e eletrônica do governo que promovam a inclusão de diferentes setores sociais e que não deixem margem ao discurso discriminatório de raça, gênero, orientação sexual, geracional ou econômica. Incluir na rede estadual o debate sobre conteúdos que resgatem o caráter dialógico da comunicação com programas que contemplem a leitura crítica da mídia, formação de um quadro docente para tal através da universidade estadual em articulação com faculdades de comunicação. Estabelecer parceiras entre a fundação Piratini – que é a nossa fundação de televisão pública – TV e rádio e a EBC – empresa brasileira de comunicação, buscando a ampliação do investimento, atualização técnica, qualificação profissional de programação. Debater a migração da fundação Piratini do sistema estatal para o sistema público e, por fim, colocar em pauta no conselhão – conselho de desenvolvimento econômico e social – a criação de um conselho estadual de comunicação integrado pela sociedade, de caráter público, autônomo e deliberativo com objetivo de debater os debates relacionados ao setor no formato de comunicação social escrito na constituição brasileira e, para tanto, deverá ser instituído no conselhão, na câmara temática relacionada a comunicação.

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