segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

TV paga sob nova direção

Por Lucas Callegari, na CartaCapital:

O mercado de tv por assinatura aguarda com ansiedade a entrada em vigor do novo marco regulatório que promete mudar a cara do setor. Aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2011, a Lei nº 12.485 unificou as regras para todas as tecnologias da TV paga, cabo óptico, satélite ou radiofrequência. Entre as principais novidades estão a abertura do mercado para as operadoras de telefonia, o fim das restrições à participação do capital estrangeiro e a criação de uma cota de três horas e meia de programação nacional por semana, inclusive para os canais estrangeiros, com 50% para produtoras brasileiras independentes.
Segundo os especialistas, além de estimular a produção audiovisual, a legislação deverá atrair mais investimentos, com maior concorrência em um segmento marcado pela concentração. Com mais opções, supõe-se que os preços caiam e cresça o número de assinantes, com a ampliação da rede de TVs por assinatura no País.

Do ponto de vista do negócio, o momento é positivo. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (-Anatel), a base de assinantes subiu 30% em 2011, indo a 12,7 milhões de pontos de acesso, ou 42 milhões de espectadores estimados, dos quais 18% são classificados como da classe C. O ritmo de crescimento da base é o principal responsável por outro dado positivo. Estima-se que o faturamento publicitário da TV paga (que representa até 15% da receita total) cresceu 20% no ano passado, atingindo 1,2 bilhão de reais. Um aumento significativo, comparado à expansão de 7% do bolo publicitário do País no mesmo período.

Outro ponto fundamental da lei, também elogiado pelos especialistas, foi separar as atividades da cadeia do setor. Ficaram definidas as atividades relacionadas a conteúdo (produção, programação, empacotamento) e as relacionadas à distribuição. E decidiu-se que as produtoras de conteúdo não poderão ter negócios na distribuição. As empresas distribuidoras, por sua vez, não investirão em conteúdo.

A legislação impede ainda que empresas de telecomunicação invistam em conteúdo. E não permite que companhias de radiodifusão atuem como operadoras de TV por assinatura. Dessa forma, Globo ou Bandeirantes, por exemplo, atuando como programadoras e produtoras de conteúdo, teriam de sair da distribuição. Assim, no caso das Organizações Globo, o grupo teria de diminuir substancialmente a sua participação na distribuidora NET, abrindo mão de todos os poderes de controladora. Somente assim a outra empresa do grupo, a Globosat, poderia ser classificada como produtora independente. Outro ponto positivo da legislação é o incentivo à produção nacional audiovisual.

Ficou estabelecido que a Anatel e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), como agências reguladoras do mercado de TV por assinatura, regulamentarão o setor. As duas agências já apresentaram suas propostas para consulta pública, e a Anatel promete pôr fim à tarefa no começo de março. A Ancine, por sua vez, ainda realizará duas audiências públicas em fevereiro, e prevê uma definição até o início de abril. É aí que mora o perigo. Segundo os especialistas, há boa chance de que as propostas de regulamentação desconstruam os avanços da legislação aprovada. Um ponto importante seria o que estabelece os critérios de fiscalização dos controles e coligações entre as empresas a serem submetidas às novas regras.

Para João Brant, da ONG Intervozes, dedicada à comunicação social, a proposta apresentada pela Ancine abre brechas para se evitar um dos objetivos da lei: acabar com os casos de verticalização de empresas do setor, que atuam na produção de conteúdo e na sua distribuição. “O objetivo de desverticalizar é gerar maior diversidade na oferta, baixar os preços e estimular a competição. E ainda evitar que alguém seja o porteiro da TV por assinatura, definindo o que a distribuidora vai oferecer ao consumidor.”

Segundo Brant, a proposta da Ancine tornaria mais flexível a fiscalização das empresas a serem credenciadas junto à agência. Grupos com negócios na distribuição e na produção de conteúdos seriam os beneficiados. Segundo Brant o melhor exemplo é a Globo, que recentemente pediu autorização à Anatel para realizar uma troca de comando da Net Serviços. Pelo pedido, a Globo reduziria sua participação nas ações ordinárias da NET para 33%, e de 12,6%, no caso do volume total de ações. A Globo teria, porém, de diminuir ainda mais a sua participação, para menos de 10% do capital total, conforme a proposta original. A lei estabelece o limite de 12 de setembro de 2012 para que os grupos desfaçam de seus negócios ao longo da cadeia.

Para Murilo Ramos, professor e coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília, a lei foi aprovada em 2011 devido a um esforço do governo Lula, no ano anterior. Ramos lembra que os interesses de grupos econômicos quase inviabilizaram o projeto de lei. “Houve um momento em que analistas, observadores e o próprio mercado avaliavam que não seria aprovada nunca. Só aconteceu quando o governo entrou com seu poder de convencimento da base e resolveu aprová-la.”

Segundo Ramos, o apoio crescente do governo à Ancine foi fundamental para o formato final da Lei, conforme aprovado no Congresso. “Apesar de, no limite, ter beneficiado as teles, só quando a agência teve o apoio da Casa Civil é que a coisa andou.”

Apesar dos temores, representantes da Ancine e da Anatel disseram a CartaCapital que as duas agências pretendem seguir o espírito da lei na hora de regulamentar. “Não estamos abrindo brechas. Estamos em sintonia com a Lei 12.485. A Ancine atuou para a modernização do marco regulatório do setor e foi um dos atores mais importantes”, diz Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine.“O que estamos é fazendo um parâmetro da Lei das S.A., em sintonia com a lei aprovada. O único erro será o de extrapolar aquilo que a lei definiu. Se eu fizer isso, estarei enfraquecendo a aplicação da lei.”

Como tudo em Brasília, convém acompanhar com atenção o final dessa história.

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