Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais brasileiros dão alguma repercussão ao episódio em que o rei de Espanha, “dom” Juan Carlos I, cujo nome completo é Juan Carlos Alfonso Víctor Maria de Borbón y Borbón-Dos Sicílias, sofreu fratura no fêmur ao participar de uma caçada de elefantes em Botsuana, na África.
Não é tanto barulho como o que faz a imprensa europeia, e em especial os jornais espanhóis chamados populares. Mas há informação suficiente para produzir alguma reflexão.
Quem estava na Espanha em meados dos anos 1970, durante a transição do regime franquista para a democracia parlamentarista, pôde conhecer como se construiu cuidadosamente a imagem desse monarca em cujo desempenho as antigas casas reais europeias depositaram grandes esperanças de sobreviver à modernidade.
Avalista da transição
Juan Carlos I era um jovem alto, atlético, bem educado e devidamente treinado para evitar controvérsias prejudiciais ao projeto político conservador – de aceitar as mudanças exigidas pelas ruas sem mudar na essência o sistema de poder.
A bomba que havia feito o carro do almirante Luis Carrero Blanco voar cinco pavimentos acima, num estacionamento de Madri, em 1973, assinalava os limites de tolerância das forças políticas de oposição que emergiam.
O então presidente do governo, que havia recebido o cargo com a missão de estruturar a sucessão do poder em razão da progressiva debilitação do ditador Francisco Franco, mal teve tempo de organizar um gabinete de transição. Sua morte deu início ao processo de abertura conduzido por Carlos Arias Navarro, e apenas dois anos depois se consolidava o Pacto de Moncloa, berço da Espanha moderna.
Desde aqueles tempos, a imprensa espanhola se renovou, com o surgimento de jornais como El País e a revista Cambio 16, porta-vozes de uma esquerda moderada que pretendia representar a sociedade emergente, ansiosa por abandonar o regime medievalista de Franco e das associações católicas tradicionais e merecer a acolhida entre os Estados europeus.
Na Convergência Socialista, os grupos mais à esquerda tentavam fazer avançar uma agenda mais exigente, no mesmo período em que a criação do Tribunal Russel, comandado pelo senador italiano Lelio Basso, abria uma frente de combate às ditaduras latino-americanas.
Esse foi o contexto político em que se consolidou a figura de Juan Carlos I como representante de um poder moderador para a transição.
Assombrados com as manifestações de rua que exigiam o enterro do regime antigo, os empresários espanhóis se associaram a lideranças socialdemocratas para consolidar uma mudança que preservasse as três condições impostas pelo franquismo: exclusão total do comunismo e de tudo que se referisse à liberdade sindical, manutenção da unidade nacional sem concessões a projetos de autonomia provincial, e reconhecimento da monarquia como regime de Estado.
Juan Carlos se tornou, então, o avalista da transição imposto pelas forças conservadoras, enquanto a imprensa internacional – a brasileira entre as mais entusiasmadas – saudava a solução pacífica.
Um tiro na monarquia
Desde então, ele vem sendo preservado como uma figura que simboliza os ritos da História. Embora a instituição da monarquia projete uma sombra de anacronismo sobre a Espanha do século 21, seu comportamento discreto assegurava a preservação daquele papel moderador, apesar de já totalmente inócuo.
Até este momento.
O rei provavelmente foi à caça de elefantes como parte de uma estratégia para fugir do assédio da imprensa, que exigia o esclarecimento de denúncias de corrupção que envolvem seu genro. Teve o azar de sofrer a queda, porque seu ingresso no hospital para uma cirurgia delicada não haveria de passar em branco.
Assim como não vai passar em branco a condição hipócrita de se dar o duvidoso prazer de matar elefantes enquanto goza a reputação como presidente honorário da WWF, o fundo mundial para a preservação da vida selvagem.
A sucessão de acontecimentos deveria estar promovendo na imprensa alguma reflexão sobre a permanência de determinados símbolos políticos no Estado contemporâneo. Monarquias, ainda que decorativas, são um entulho histórico que já não faz muito sentido, a não ser como fator de entretenimento para leitores das revistas de celebridades. Com exceção da Grã-Bretanha, onde ainda simbolizam a nacionalidade, reis, rainhas, príncipes e princesas já não cabem em protocolos de Estado.
O advento das mídias digitais, que consolidam o protagonismo do cidadão, coloca em xeque até mesmo a democracia representativa, na qual se insere um poder moderador já sem sentido.
O tiro do rei de Espanha no elefante africano pode abater a própria monarquia espanhola.
Não é tanto barulho como o que faz a imprensa europeia, e em especial os jornais espanhóis chamados populares. Mas há informação suficiente para produzir alguma reflexão.
Quem estava na Espanha em meados dos anos 1970, durante a transição do regime franquista para a democracia parlamentarista, pôde conhecer como se construiu cuidadosamente a imagem desse monarca em cujo desempenho as antigas casas reais europeias depositaram grandes esperanças de sobreviver à modernidade.
Avalista da transição
Juan Carlos I era um jovem alto, atlético, bem educado e devidamente treinado para evitar controvérsias prejudiciais ao projeto político conservador – de aceitar as mudanças exigidas pelas ruas sem mudar na essência o sistema de poder.
A bomba que havia feito o carro do almirante Luis Carrero Blanco voar cinco pavimentos acima, num estacionamento de Madri, em 1973, assinalava os limites de tolerância das forças políticas de oposição que emergiam.
O então presidente do governo, que havia recebido o cargo com a missão de estruturar a sucessão do poder em razão da progressiva debilitação do ditador Francisco Franco, mal teve tempo de organizar um gabinete de transição. Sua morte deu início ao processo de abertura conduzido por Carlos Arias Navarro, e apenas dois anos depois se consolidava o Pacto de Moncloa, berço da Espanha moderna.
Desde aqueles tempos, a imprensa espanhola se renovou, com o surgimento de jornais como El País e a revista Cambio 16, porta-vozes de uma esquerda moderada que pretendia representar a sociedade emergente, ansiosa por abandonar o regime medievalista de Franco e das associações católicas tradicionais e merecer a acolhida entre os Estados europeus.
Na Convergência Socialista, os grupos mais à esquerda tentavam fazer avançar uma agenda mais exigente, no mesmo período em que a criação do Tribunal Russel, comandado pelo senador italiano Lelio Basso, abria uma frente de combate às ditaduras latino-americanas.
Esse foi o contexto político em que se consolidou a figura de Juan Carlos I como representante de um poder moderador para a transição.
Assombrados com as manifestações de rua que exigiam o enterro do regime antigo, os empresários espanhóis se associaram a lideranças socialdemocratas para consolidar uma mudança que preservasse as três condições impostas pelo franquismo: exclusão total do comunismo e de tudo que se referisse à liberdade sindical, manutenção da unidade nacional sem concessões a projetos de autonomia provincial, e reconhecimento da monarquia como regime de Estado.
Juan Carlos se tornou, então, o avalista da transição imposto pelas forças conservadoras, enquanto a imprensa internacional – a brasileira entre as mais entusiasmadas – saudava a solução pacífica.
Um tiro na monarquia
Desde então, ele vem sendo preservado como uma figura que simboliza os ritos da História. Embora a instituição da monarquia projete uma sombra de anacronismo sobre a Espanha do século 21, seu comportamento discreto assegurava a preservação daquele papel moderador, apesar de já totalmente inócuo.
Até este momento.
O rei provavelmente foi à caça de elefantes como parte de uma estratégia para fugir do assédio da imprensa, que exigia o esclarecimento de denúncias de corrupção que envolvem seu genro. Teve o azar de sofrer a queda, porque seu ingresso no hospital para uma cirurgia delicada não haveria de passar em branco.
Assim como não vai passar em branco a condição hipócrita de se dar o duvidoso prazer de matar elefantes enquanto goza a reputação como presidente honorário da WWF, o fundo mundial para a preservação da vida selvagem.
A sucessão de acontecimentos deveria estar promovendo na imprensa alguma reflexão sobre a permanência de determinados símbolos políticos no Estado contemporâneo. Monarquias, ainda que decorativas, são um entulho histórico que já não faz muito sentido, a não ser como fator de entretenimento para leitores das revistas de celebridades. Com exceção da Grã-Bretanha, onde ainda simbolizam a nacionalidade, reis, rainhas, príncipes e princesas já não cabem em protocolos de Estado.
O advento das mídias digitais, que consolidam o protagonismo do cidadão, coloca em xeque até mesmo a democracia representativa, na qual se insere um poder moderador já sem sentido.
O tiro do rei de Espanha no elefante africano pode abater a própria monarquia espanhola.
Absurdo este texto . A Monarquia é maior que seus monarcas, e as repúblicas estão longe de ser solução para alguma coisa .
ResponderExcluirÉ perfeitamente compatível a Coroa com a Democracia, e forma de governo não tem a ver com distribuição de renda, haja vista a monarquia sueca.
Anacronismo é o "mensalçao" republicano!
Saboia