Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:
Quando os políticos falam como juízes a democracia se eclipsa; quando os juízes falam pelos políticos, ela se desmoraliza. Nos dois casos o Judiciário deixa de ser o que promete.
Quando os políticos falam como juízes a democracia se eclipsa; quando os juízes falam pelos políticos, ela se desmoraliza. Nos dois casos o Judiciário deixa de ser o que promete.
No Estado de Direito a Justiça figura, teoricamente, como o abrigo dos compromissos e valores compartilhados de um ciclo histórico;a Constituição é a expressão máxima desse período e o Supremo Tribunal Federal sua extensão mediadora nas pendências e conflitos que as demais instâncias da lei e do Direito não puderam solucionar.
O que torna crível esse arranjo é a vigília política incessante da sociedade.
Já se disse da Carta de 1988 que ela promete mais do que o capitalismo brasileiro está disposto a conceder. Que essa tensão seja arbitrada por uma instância de extração naturalmente conservadora ajuda a compreender as contradições e limites que cercam as atribuições do Supremo.
Já se disse da Carta de 1988 que ela promete mais do que o capitalismo brasileiro está disposto a conceder. Que essa tensão seja arbitrada por uma instância de extração naturalmente conservadora ajuda a compreender as contradições e limites que cercam as atribuições do Supremo.
A Democracia não é um atributo histórico do capitalismo. Não cabe à cidadania pedir licença ao capitalismo para exercer a democracia conquistada , assim como não lhe cabe exigir do STF menos do que lhe compete nos seu próprios termos.
O que lhe compete distancia-se do que tem sido a norma no país.
O sobressalto, as paixões inflamadas, a animosidade, os rompantes, o protagonismo exclamativo que se avizinha do exibicionismo bufo, o ódio político explícito, o renitente exclamar de interesses poderosos, a ressonância superlativa e belicosa de conflitos e antagonismos sociais fazem de um Supremo Tribunal Federal brasileiro o avesso do que ele próprio se atribui e a sociedade lhe confere e cobra.
A crueza desse mal-estar tem predominado no discernimento da sociedade, sobretudo após as turbulentas magistraturas de Gilmar Mendes e Cezar Peluso.
Do primeiro, basta a deprimente lembrança do duplo, instantâneo e subserviente habeas-corpus concedido ao banqueiro Daniel Dantas, em flagrante contraste com a morosidade dispensada a pleitos equivalentes de cidadãos não banqueiros. Do segundo, remeta-se aos destampatório registrado em entrevista que selou a hora crepuscular de sua presidência.
O inexcedível testamento de pequenez e despreparo passará aos anais como o produto maturado de um corporativismo medular, uma insuficiência ética que destila ressentimentos cegos em relação a seus pares, excreta a má-digestão dos grandes desafios nacionais e manifesta assustador despreparo diante das delicadas relações entre os poderes de Estado.
Constrangedoramente pequeno, Peluso despediu-se do mesmo modo em que reinou: aquém de um cargo que ostentou mas foi incapaz de preencher.
As arestosas togas de Mendes e Peluso pouco fizeram para sedimentar os atributos de credibilidade e respeito que formam a delicada trama de sustentação da suprema instância da lei no país.
Não se cobra de juristas de carne e osso, repita-se, uma racionalidade hegeliana, dissociada das restrições de seu tempo e dos embates e paixões que ele encerra. Cobra-se respeito ao poder que a sociedade lhes outorga e, sobretudo, a consciência histórica de uma tensão que impõe a revalidação permanente desse poder e dessa legitimidade.
O saldo herdado pelo ministro Ayres Brito, o novo presidente do Supremo, não poderia ser mais delicado. Cabe-lhe, em primeiro lugar, desautorizar a captura do STF por interesses e agendas que buscam ali o abrigo para exercer uma hegemonia que a urna e a história lhes tem negado sistematicamente. O Datafolha deste domingo é a confirmação dessa deriva.
A pressão midiática para o STF apressar o julgamento do chamado mensalão condensa esse estado de coisa.
O calendário da pressa denuncia a sofreguidão política e eleitoral para fazer desse evento um aliado oposicionista no pleito municipal de outubro deste ano.
A improcedência das pressões torna-se ainda mais ostensiva diante dos fatos e indícios revelados a partir da Operação Monte Carlo. Figuras e esquemas de peso e medida apanhados no redil do bicheiro Carlinhos Cachoeira --entre elas, a do senador Demóstenes Torres e a da engrenagem instrumental na qual se incluem veículos e jornalistas da chamada grande imprensa-- tiveram protagonismo proeminente na urdidura e na narrativa do processo para o qual cobra-se agora um julgamento imediato.
Os savonarolas de ontem, os candidatos de ontem e hoje, bem como seus ventríloquos de sempre talvez temem revelações comprometedoras que possam aflorar nos trabalhos da recém- instalada CPI do Cacachoeira. Métodos, personagens e motivações por trás das denúncias poderão ganhar maior transparência. Sem descartar a hipótese de uma reviravolta radical na apreciação das origens daquele episódio.
Não poderia haver nada mais desmoralizante para a já combalida credibilidade do STF do que ver um julgamento apressado ser invalidado no momento seguinte por uma CPI, de interações incontornáveis com o processo polêmico.
A curta presidência de sete meses do ministro Ayres Brito é inversamente proporcional à importância das decisões que abrigará. A depender de suas escolhas, ela poderá redimir o prestígio e a credibilidade do STF perante a democracia brasileira; ou selar a pá de cal do seu descrédito aos olhos da opinião pública.
As arestosas togas de Mendes e Peluso pouco fizeram para sedimentar os atributos de credibilidade e respeito que formam a delicada trama de sustentação da suprema instância da lei no país.
Não se cobra de juristas de carne e osso, repita-se, uma racionalidade hegeliana, dissociada das restrições de seu tempo e dos embates e paixões que ele encerra. Cobra-se respeito ao poder que a sociedade lhes outorga e, sobretudo, a consciência histórica de uma tensão que impõe a revalidação permanente desse poder e dessa legitimidade.
O saldo herdado pelo ministro Ayres Brito, o novo presidente do Supremo, não poderia ser mais delicado. Cabe-lhe, em primeiro lugar, desautorizar a captura do STF por interesses e agendas que buscam ali o abrigo para exercer uma hegemonia que a urna e a história lhes tem negado sistematicamente. O Datafolha deste domingo é a confirmação dessa deriva.
A pressão midiática para o STF apressar o julgamento do chamado mensalão condensa esse estado de coisa.
O calendário da pressa denuncia a sofreguidão política e eleitoral para fazer desse evento um aliado oposicionista no pleito municipal de outubro deste ano.
A improcedência das pressões torna-se ainda mais ostensiva diante dos fatos e indícios revelados a partir da Operação Monte Carlo. Figuras e esquemas de peso e medida apanhados no redil do bicheiro Carlinhos Cachoeira --entre elas, a do senador Demóstenes Torres e a da engrenagem instrumental na qual se incluem veículos e jornalistas da chamada grande imprensa-- tiveram protagonismo proeminente na urdidura e na narrativa do processo para o qual cobra-se agora um julgamento imediato.
Os savonarolas de ontem, os candidatos de ontem e hoje, bem como seus ventríloquos de sempre talvez temem revelações comprometedoras que possam aflorar nos trabalhos da recém- instalada CPI do Cacachoeira. Métodos, personagens e motivações por trás das denúncias poderão ganhar maior transparência. Sem descartar a hipótese de uma reviravolta radical na apreciação das origens daquele episódio.
Não poderia haver nada mais desmoralizante para a já combalida credibilidade do STF do que ver um julgamento apressado ser invalidado no momento seguinte por uma CPI, de interações incontornáveis com o processo polêmico.
A curta presidência de sete meses do ministro Ayres Brito é inversamente proporcional à importância das decisões que abrigará. A depender de suas escolhas, ela poderá redimir o prestígio e a credibilidade do STF perante a democracia brasileira; ou selar a pá de cal do seu descrédito aos olhos da opinião pública.
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