Por Carlos Lopes, no jornal Hora do Povo:
A quem aproveita o crime? A campanha contra o então ministro dos Transportes, senador Alfredo Nascimento, perpetrada pela “Veja” em julho do ano passado, beneficiou a empreiteira Delta e seu associado Carlos Cachoeira.
A Delta queria se livrar da fiscalização do Ministério dos Transportes, que já tomara várias medidas para sanar irregularidades:,
1) O Ministério, através do DNIT, abrira um processo administrativo contra a Delta, porque esta, sem autorização, subcontratara outra empresa na recuperação da BR-116, no Ceará.
2) A Delta fora obrigada a repavimentar um trecho da BR-163, em Mato Grosso, porque, em sua obra original, a espessura do concreto era menor que a prevista no contrato.
3) A Delta, contra o edital, atrasara o início das obras na BR-101, no Rio de Janeiro, sem apresentar justificativa.
4) A Delta, líder de um dos consórcios que vencera a licitação, queria aumentar o preço nas obras na BR-060, em Goiás, o que era negado pelo Ministério.
“Veja” sabia, desde maio de 2011 – portanto, dois meses antes de começar sua campanha – da associação entre Cachoeira e a Delta, porque o contraventor a revelou ao redator-chefe de “Veja”, Policarpo Jr. (o “Poli”, “PJ” ou “JR”, como a quadrilha o chamava). Cachoeira marcou um encontro de Policarpo Jr. com Cláudio Abreu, diretor da Delta, e depois disso começou a campanha contra Nascimento e a cúpula do Ministério dos Transportes.
Em uma das gravações feitas pela Polícia Federal, Cachoeira diz: “Eu sou a Delta”. O assunto é algo sem importância – um patrocínio futebolístico –, mas ele não estava muito distante da realidade.
Nas gravações que conseguimos ouvir, ou ler a transcrição, a Delta é mencionada 387 vezes. Mas ainda faltam mais 32 volumes do inquérito e a maior parte das gravações anexadas (a Operação Vegas gravou 60 mil horas de conversas do bando; a Operação Monte Carlo, 250 mil horas). Cachoeira era tão íntimo da Delta, comparecendo quase diariamente aos seus escritórios, que os delegados da PF anotaram: “Será que Carlinhos teria sala dentro da Delta?” (cf. pág. 73, apenso 02, volume 1, Op. Monte Carlo, Auto Circunstanciado De Encontros Fortuitos, DPF/SRDF).
No dia 10 de maio, Cachoeira comunicou ao diretor da Delta, Cláudio Abreu, sua conversa com Policarpo Jr., da “Veja”. O assunto era a edição da revista, três dias antes, em que o ex-ministro José Dirceu era acusado de ser o responsável pela expansão dos negócios da Delta. Policarpo queria que Cachoeira arrumasse ou fabricasse provas para o que a “Veja”, no dia 07, publicara sem nenhuma prova. Mas Cachoeira estava associado à Delta. A transcrição abaixo é uma síntese:
Abreu: (…) cê falou pro Policarpo?
Cachoeira: (…) Rapaz, falei: “vocês erraram, Zé Dirceu não tava”. [Policarpo responde:] “Tem sim e eu tô atrás de uma coisa só, ô Carlin, é... teve uma reunião em Itajubá do Fernando [Cavendish, dono da Delta]com o Zé Dirceu e o Arruda, os três juntos,viu? Itajubá. Foi aí que fechou para Delta entrar em Brasília. Foi pedido. O Zé Dirceu pediu para o Arruda para o Fernando entrar em Brasília”.
(…)
Cachoeira: (…) [Policarpo] perguntou se tinha fita, a história que tá lá na Veja, sabe até o local que foi (…) gravado dando dinheiro vivo. Eu falei: “Ô Policarpo, você acredita mesmo nisso?” Ele: “acredito”. Então, “pelos meus filhos eu to falando pro cê, não existiu essa reunião, esqueça, esqueça”.
(…)
Cachoeira: Eu falei [para Policarpo]: “inclusive vou te apresentar depois, Policarpo, o Cláudio eu sou amigo”. Eu falei que era amigo do cê de infância. “Então, ele trabalha na sua empresa”, falou assim, “vai me contar que você tem ligação com ele”. Sabia de tudo. “Eu não vou esconder nada de você não, Policarpo, o Cláudio é meu irmão, rapaz”. (…). Aí ele virou e falou assim: “(...) Cê me garante?” Eu: “garanto, rapaz”. Você confia nele? “Confio”.
São trechos bastante claros. Cachoeira fala de sua ligação com a Delta, através de Abreu, Policarpo, que “sabia de tudo”, retruca: “vai me contar que você tem ligação com ele”. Cachoeira responde: “Eu não vou esconder nada de você não, Policarpo, o Cláudio é meu irmão, rapaz”.
Há mais uma coisa interessante nesse telefonema: as referências a Luiz Antonio Pagot, então diretor-geral do DNIT, principal órgão do Ministério dos Transportes:
Abreu: (…) Quem chamou?
Cachoeira: Policarpo, pô. (…) você lembra que eu te fiz umas perguntas do Pagot? Enfiei tudo no rabo do Pagot, aquela hora o Policarpo tava na minha frente. (…) o que eu plantei do Pagot aquela hora. Ele anotou tudo, viu. Uma beleza agora, Pagot tá fudido com ele.
Portanto, Policarpo sabia da associação entre a Delta e Cachoeira, sabia da hostilidade destes em relação à cúpula do Ministério dos Transportes e sabia que estava tratando com um contraventor. Era muito fácil, inclusive, saber o motivo dessa hostilidade. Essa conversa foi no dia 10 de maio, dois meses antes de começar a campanha contra o Ministério dos Transportes. Numa conversa posterior, no dia 11 de julho, o notório Dadá diz a Cachoeira: “Tem mais de um ano que o tal do Pagot tá no grampo”. O objetivo, claramente, era derrubar a cúpula dos Transportes para favorecer a Delta.
Foi exatamente o que “Veja” fez: no dia 2 de julho, ela colocou em sua versão online uma suposta denúncia de que no Ministério cobrava-se uma propina das empreiteiras de 4% do valor das obras e 5% das empresas de consultoria. Na edição impressa de 6 de julho, falava-se num suposto “mensalão do PR”, que seria recolhido pelo deputado Valdemar Costa Neto.
Estranhamente, não havia denunciantes – tudo é atribuído a “parlamentares, assessores presidenciais, policiais e empresários, consultores e empreiteiros”, sem um nome, um único nome, sequer. Por exemplo: “'um parlamentar da direção do PR me disse que ele [Luiz Tito Barbosa, assessor do ministro] agora é o caixa oficial. Não é mais para pagar nada diretamente a deputados ou senadores. Os envelopes seguem direto para ele', diz um empreiteiro”.
Que parlamentar? Que empreiteiro?
Outro trecho: “'O Mauro [Barbosa, secretário-executivo do Ministério] é o dono da chave do cofre, e o Luiz Tito o cara da mala', explicou um empresário”.
Que empresário?
Ninguém.
Além disso, nem Nascimento nem Pagot eram ligados ao deputado Valdemar Costa Neto. Do último nem mesmo pode-se dizer que suas relações com Costa Neto fossem amistosas.
Em suma, “Veja” fabricou uma denúncia sem denunciantes – sabendo que a saída de Nascimento do Ministério iria beneficiar a Delta, que estava sob investigação, e também de sua parceria com Cachoeira – até porque ela somente confeccionou essa difamação depois que Cachoeira apresentou Policarpo Jr. a Cláudio Abreu.
A Delta queria se livrar da fiscalização do Ministério dos Transportes, que já tomara várias medidas para sanar irregularidades:,
1) O Ministério, através do DNIT, abrira um processo administrativo contra a Delta, porque esta, sem autorização, subcontratara outra empresa na recuperação da BR-116, no Ceará.
2) A Delta fora obrigada a repavimentar um trecho da BR-163, em Mato Grosso, porque, em sua obra original, a espessura do concreto era menor que a prevista no contrato.
3) A Delta, contra o edital, atrasara o início das obras na BR-101, no Rio de Janeiro, sem apresentar justificativa.
4) A Delta, líder de um dos consórcios que vencera a licitação, queria aumentar o preço nas obras na BR-060, em Goiás, o que era negado pelo Ministério.
“Veja” sabia, desde maio de 2011 – portanto, dois meses antes de começar sua campanha – da associação entre Cachoeira e a Delta, porque o contraventor a revelou ao redator-chefe de “Veja”, Policarpo Jr. (o “Poli”, “PJ” ou “JR”, como a quadrilha o chamava). Cachoeira marcou um encontro de Policarpo Jr. com Cláudio Abreu, diretor da Delta, e depois disso começou a campanha contra Nascimento e a cúpula do Ministério dos Transportes.
Em uma das gravações feitas pela Polícia Federal, Cachoeira diz: “Eu sou a Delta”. O assunto é algo sem importância – um patrocínio futebolístico –, mas ele não estava muito distante da realidade.
Nas gravações que conseguimos ouvir, ou ler a transcrição, a Delta é mencionada 387 vezes. Mas ainda faltam mais 32 volumes do inquérito e a maior parte das gravações anexadas (a Operação Vegas gravou 60 mil horas de conversas do bando; a Operação Monte Carlo, 250 mil horas). Cachoeira era tão íntimo da Delta, comparecendo quase diariamente aos seus escritórios, que os delegados da PF anotaram: “Será que Carlinhos teria sala dentro da Delta?” (cf. pág. 73, apenso 02, volume 1, Op. Monte Carlo, Auto Circunstanciado De Encontros Fortuitos, DPF/SRDF).
No dia 10 de maio, Cachoeira comunicou ao diretor da Delta, Cláudio Abreu, sua conversa com Policarpo Jr., da “Veja”. O assunto era a edição da revista, três dias antes, em que o ex-ministro José Dirceu era acusado de ser o responsável pela expansão dos negócios da Delta. Policarpo queria que Cachoeira arrumasse ou fabricasse provas para o que a “Veja”, no dia 07, publicara sem nenhuma prova. Mas Cachoeira estava associado à Delta. A transcrição abaixo é uma síntese:
Abreu: (…) cê falou pro Policarpo?
Cachoeira: (…) Rapaz, falei: “vocês erraram, Zé Dirceu não tava”. [Policarpo responde:] “Tem sim e eu tô atrás de uma coisa só, ô Carlin, é... teve uma reunião em Itajubá do Fernando [Cavendish, dono da Delta]com o Zé Dirceu e o Arruda, os três juntos,viu? Itajubá. Foi aí que fechou para Delta entrar em Brasília. Foi pedido. O Zé Dirceu pediu para o Arruda para o Fernando entrar em Brasília”.
(…)
Cachoeira: (…) [Policarpo] perguntou se tinha fita, a história que tá lá na Veja, sabe até o local que foi (…) gravado dando dinheiro vivo. Eu falei: “Ô Policarpo, você acredita mesmo nisso?” Ele: “acredito”. Então, “pelos meus filhos eu to falando pro cê, não existiu essa reunião, esqueça, esqueça”.
(…)
Cachoeira: Eu falei [para Policarpo]: “inclusive vou te apresentar depois, Policarpo, o Cláudio eu sou amigo”. Eu falei que era amigo do cê de infância. “Então, ele trabalha na sua empresa”, falou assim, “vai me contar que você tem ligação com ele”. Sabia de tudo. “Eu não vou esconder nada de você não, Policarpo, o Cláudio é meu irmão, rapaz”. (…). Aí ele virou e falou assim: “(...) Cê me garante?” Eu: “garanto, rapaz”. Você confia nele? “Confio”.
São trechos bastante claros. Cachoeira fala de sua ligação com a Delta, através de Abreu, Policarpo, que “sabia de tudo”, retruca: “vai me contar que você tem ligação com ele”. Cachoeira responde: “Eu não vou esconder nada de você não, Policarpo, o Cláudio é meu irmão, rapaz”.
Há mais uma coisa interessante nesse telefonema: as referências a Luiz Antonio Pagot, então diretor-geral do DNIT, principal órgão do Ministério dos Transportes:
Abreu: (…) Quem chamou?
Cachoeira: Policarpo, pô. (…) você lembra que eu te fiz umas perguntas do Pagot? Enfiei tudo no rabo do Pagot, aquela hora o Policarpo tava na minha frente. (…) o que eu plantei do Pagot aquela hora. Ele anotou tudo, viu. Uma beleza agora, Pagot tá fudido com ele.
Portanto, Policarpo sabia da associação entre a Delta e Cachoeira, sabia da hostilidade destes em relação à cúpula do Ministério dos Transportes e sabia que estava tratando com um contraventor. Era muito fácil, inclusive, saber o motivo dessa hostilidade. Essa conversa foi no dia 10 de maio, dois meses antes de começar a campanha contra o Ministério dos Transportes. Numa conversa posterior, no dia 11 de julho, o notório Dadá diz a Cachoeira: “Tem mais de um ano que o tal do Pagot tá no grampo”. O objetivo, claramente, era derrubar a cúpula dos Transportes para favorecer a Delta.
Foi exatamente o que “Veja” fez: no dia 2 de julho, ela colocou em sua versão online uma suposta denúncia de que no Ministério cobrava-se uma propina das empreiteiras de 4% do valor das obras e 5% das empresas de consultoria. Na edição impressa de 6 de julho, falava-se num suposto “mensalão do PR”, que seria recolhido pelo deputado Valdemar Costa Neto.
Estranhamente, não havia denunciantes – tudo é atribuído a “parlamentares, assessores presidenciais, policiais e empresários, consultores e empreiteiros”, sem um nome, um único nome, sequer. Por exemplo: “'um parlamentar da direção do PR me disse que ele [Luiz Tito Barbosa, assessor do ministro] agora é o caixa oficial. Não é mais para pagar nada diretamente a deputados ou senadores. Os envelopes seguem direto para ele', diz um empreiteiro”.
Que parlamentar? Que empreiteiro?
Outro trecho: “'O Mauro [Barbosa, secretário-executivo do Ministério] é o dono da chave do cofre, e o Luiz Tito o cara da mala', explicou um empresário”.
Que empresário?
Ninguém.
Além disso, nem Nascimento nem Pagot eram ligados ao deputado Valdemar Costa Neto. Do último nem mesmo pode-se dizer que suas relações com Costa Neto fossem amistosas.
Em suma, “Veja” fabricou uma denúncia sem denunciantes – sabendo que a saída de Nascimento do Ministério iria beneficiar a Delta, que estava sob investigação, e também de sua parceria com Cachoeira – até porque ela somente confeccionou essa difamação depois que Cachoeira apresentou Policarpo Jr. a Cláudio Abreu.
Esses dados são mais que suficientes para provar que Policarpo teve uma conduta criminosa e não jornalística. Ele tinha um peixe enorme nas mãos (o esquema Cachoeira-Demóstenes-Delta, talvez juízes) e preferiu ocultá-lo em troca de informações menores, sobre casos sem provas, mas que atingiam o Governo federal.
ResponderExcluirÉ como eu saber que um conhecido assassinou dez pessoas, mas não publicar isso porque ele me passa informações sobre os batedores de carteira da esquina!
Não há saída: Policarpo tem que depor, assim como o responsável pela revista, que sabia desta conduta, Dom Bob Civita.